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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O desastroso papado de Bento XVI

15/02/2013 - original em The New Yorker
por John Cassidy (*) em 12/02/2013
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu para a Redecastorphoto

Poupem-me de mais cobertura reverencial sobre o Papa Bento XVI e sua decisão de entregar o cargo.

No plano pessoal, desejo-lhe felicidades. Aos 85 anos e cada dia mais fraco, sem dúvida merece descansar.

Mas no que tenha a ver com o que fez, verdade seja dita, já vai tarde.

Seu longo mandato no Vaticano, que incluiu mais de 20 anos no cargo de defensor da teologia da Igreja Católica antes de ser escolhido Papa em 2005, foi, pode-se dizer, quase completo desastre.

Ao se opor declaradamente ao mundo moderno em geral, ao meter os pés pelas mãos ao não responder adequada e decentemente a um dos mais horrendos escândalos dentro da Igreja desde a Reforma, o Vaticano de Bento XVI pôs em risco o futuro da Igreja e alienou quantidades incontáveis de católicos em todo o mundo, que foram formadas pelos preceitos da Igreja.

Não que faça alguma diferença, mas podem incluir meu nome nessa triste lista.

Em Leeds, West Yorkshire, as freiras da Escola Primária Sagrado Coração ensinavam o Novo Testamento, a mim e aos meus colegas de classe, usando livros bem finos, de capa dura, encadernados em azul escuro.

Cada um de nós recebia quatro livrinhos: “As boas novas, segundo Lucas”, “As boas novas, segundo Mateus”, “As boas novas, segundo Marcos” e “As boas novas, segundo João”. Dos quatro evangelistas, Lucas era, de longe, o mais gasto, porque ali se liam muitas parábolas de Jesus; e também Mateus, onde se lia o Sermão da Montanha:

Abençoados os pobres de espírito: deles é o reino dos céus. Abençoados os que sofrem, porque serão consolados. Abençoados os que nada têm, porque herdarão a terra”.

Vivíamos o início dos anos 1970, era de esperança e otimismo para muitos católicos. Acompanhando de perto o que pregava o Segundo Concílio Vaticano convocado pelo Papa João XXIII (foto) em 1959, a Igreja dedicava-se empenhadamente a modernizar algumas de suas doutrinas e práticas.

As missas, por muitos séculos limitadas ao latim, podiam então ser celebradas em outros idiomas. Os sacerdotes, que tradicionalmente davam as costas aos fiéis, postados de frente para o altar, foram instruídos para olhar no rosto de seus congregados e convidá-los a participar.

Em vez de focar antigos dogmas e ritualizações, via-se um retorno aos verdadeiros ensinamentos de Jesus, interpretados então por vias cada vez mais igualitárias e libertárias, como nos versos de um canto popular que cantávamos na igreja, do qual ainda lembro alguns versos:

"Ele enviou-me para trazer Boas Novas aos pobres. Para dizer aos encarcerados, que estão livres
Para dizer aos cegos, que podem ver,
Para libertar todos os decaídos e humilhados."

Naquele tempo, eu não sabia, mas a preocupação da igreja com questões pão-e-manteiga vinha de cima. Em 1967, o Papa Paulo VI (foto), sucessor de João XXIII, lançara “Populorum Progressio”, encíclica sobre “o desenvolvimento dos povos”, segundo a qual a economia devia cuidar das carências dos muitos, não só dos interesses de uns poucos.

Ao atualizar os ensinamentos da Igreja, para que olhasse a miséria e a desigualdade que se alastravam, o Pontífice reconheceu o direito a salário justo, à segurança do emprego e a condições decentes de trabalho. Reconheceu até o direito do empregado a engajar-se em seu sindicato.

Nem todos partilhavam a visão do Catolicismo como força de promoção urgente da justiça social, embora muitos, na América do Sul e em outras áreas em desenvolvimento do mundo a tenham abraçado com paixão. Em vários locais, passou a ser conhecida como “teologia da libertação” – expressão cunhada pelo padre peruano Gustavo Gutierrez (foto abaixo).

Muitos outros sacerdotes, entre os quais o venerável Canon Flynn, pastor da igreja da minha cidade, Nossa Senhora de Lurdes, pouca atenção deram às novidades. Bastava-lhes celebrar os sacramentos como sempre haviam feito, dizer missa diariamente, distribuir a extrema unção aos paroquianos moribundos e receitar “três Padre-Nosso e três Ave-Maria” aos penitentes, entre os quais eu, menino, que chegavam para confessar os pecados. Mas a energia e o futuro da igreja pareciam concentrar-se entre os modernizadores.

Isso, apesar de o Papa Paulo VI ter reafirmado também muitos das tradicionais restrições do Vaticano no campo social, como contra o sexo fora do casamento, a homossexualidade e a favor do celibato forçado para sacerdotes e freiras.

Paulo VI não foi papa revolucionário.
Nada queria alterar das duras ordenações que vários papas romanos haviam imposto à cristandade durante a Idade Média. Mas no que tivesse a ver com paz e justiça social, com a tolerância com outras religiões nas suas muitas viagens – era chamado “o Papa Peregrino” – e em algumas reformas que introduziu no Vaticano, como o fim da coroa papal e a proibição de que cardeais com mais de 80 anos votassem nas eleições papais, Paulo VI dava sinais claros de algum interesse em reconciliar a Igreja e a realidade moderna.

Com a chegada do Papa João Paulo II, em 1979, tudo isso começou a mudar.
Em vários sentidos, Karol Wojtyla fora homem admirável: participou da resistência polonesa contra os nazistas; fez ativa oposição às guerras e ao militarismo (em 2003, criticou a invasão do Iraque); apoiava o cancelamento das dívidas do mundo em desenvolvimento; e foi líder massivamente carismático. Mas em termos teológicos e práticos, foi terrível retrocesso.

Com o cardeal Joseph Ratzinger, o futuro Bento XVI, ao seu lado, como principal teólogo do Vaticano, Wojtyla dedicou-se a desfazer boa parte do projeto de modernização dos 20 anos anteriores.

Criou leis em que condenava ampla e enfaticamente o aborto, o controle da natalidade e a homossexualidade. Cancelou alguns movimentos de relaxamento na obrigatoriedade do celibato para padres e na autorização de ordenação de mulheres. Criticou a teoria da libertação e cercou-se de ultraconservadores, como Ratzinger. Questionar os ensinamentos tradicionais, ainda que em tom respeitoso e humilde, passou a ser marca de fim potencial de qualquer carreira dentro da hierarquia da Igreja.

Depois da morte de João Paulo, em 2005, Ratzinger assumiu;
e a contraofensiva conservadora prosseguiu. De fato, intensificou-se. O Vaticano levantou a proibição à missa em latim e chamou de volta à Igreja alguns membros excomungados da Sociedade do Santo Pio X, grupo ultraconservador dedicado a fazer reverter o Segundo Concílio Vaticano.

Criticando a “cultura do relativismo” nas sociedades modernas e “a liberdade
anárquica que se faz passar falsamente por liberdade”, Bento XVI deixou claro que via, como sua missão fundamental, não ampliar e difundir a Igreja Católica e, sim, purificá-la; por “purificar a Igreja” ele jamais significou ter de enfrentar o escândalo da pedofilia na Igreja. Referia-se a podar os galhos não alinhados e trazer a Igreja de volta à trilha que, para ele, seria a limpa e certa.

Se esse processo alienasse alguns membros atuais e passados da fé, que assim fosse. Bento XVI disse várias vezes que a Igreja bem poderia tornar-se mais saudável, se fosse menor.

Em entrevista à revista alemã Der Spiegel, Hans Küng (foto), teólogo suíço dissidente, que conheceu Bento XVI quando ambos eram jovens padres na Alemanha, propôs interessante comparação entre Bento XVI e Vladimir Putin, mostrando que os dois herdaram importantes reformas políticas que decidiram reverter a qualquer custo. Putin e Bento, ambos “instalaram associados deles em posições chaves e marginalizaram os que lhes interessava marginalizar” – disse Küng. E acrescentou:

"Podem-se traçar outros paralelos: o enfraquecimento do Parlamento russo e do Sínodo de Bispos do Vaticano; a degradação dos governadores das províncias russas e dos bispos católicos, que os converteu em meros executores de ordens; uma “nomenclatura” conformista; e obcecada resistência a qualquer reforma real. (...) Sob o papa alemão, uma “claque” de gente que segue o chefe, sem qualquer simpatia por qualquer tipo de reforma, foi convocada para integrar-se ao poder. São parcialmente responsáveis pela estagnação que se abateu sobre o sistema da Igreja."

Viu-se em ação essa estratégia de dispor as carroças em círculo fechado e desafiar o mundo, com resultado terrível, na reação da Igreja ao escândalo das crianças vítimas de abusos por padres católicos.

Como funcionário do Vaticano ao qual o Papa João Paulo II ordenou que enfrentasse aquela crise, Ratzinger teve contato direto e amplíssimo com imensa quantidade de provas de que o abuso sexual de crianças era prática disseminada e tolerada por autoridades da Igreja.

Mas só vários anos depois, quando ainda mais crimes haviam sido cometidos, o já então Papa Bento XVI pediu desculpas pelos atos dos pedófilos, adotou política de tolerância zero e até se reuniu com algumas das vítimas. Mas, mesmo então – dizem alguns críticos – o Papa e vários de seus colegas no Vaticano recusaram-se a investigar, descobrir e punir os padres pedófilos.

O currículo de omissão desse Papa é terrível” – disse ao jornal The Guardian, David Clohessy, diretor executivo da Rede de Sobreviventes de Abusados por Padres (12 mil membros).

“Ele conhece mais e mais detalhadamente sobre abusos sexuais cometidos por padres e acobertados pela Igreja que qualquer outra pessoa dentro da Igreja. E fez absolutamente nada para proteger as crianças”.

Da Irlanda, onde prosseguem as investigações de abuso sexual em larga escala em orfanatos e escolas administradas pela Igreja Católica, John Kelly (foto), um dos fundadores da rede irlandesa de Sobreviventes de Abusados por Padres, diz:

“Lamento dizer, mas o Papa Bento XVI não deixará saudades. Mas, com ele ou sem ele, o Vaticano continuará a impedir que se investiguem os crimes de abuso sexual de crianças cometidos durante seu papado. Na nossa avaliação, o Papa prometeu e quebrou a própria promessa”.

Como resultado dos escândalos sexuais não investigados e da tola tentativa em que o Vaticano se compromete de fazer andar para trás o relógio da história, a Igreja de Bento XVI caminha de mal, a pior, fazendo papel cada dia mais lamentável.

Em todo o mundo desenvolvido, o número de fiéis nas igrejas definha sem parar e faltam interessados em trabalhar como padres. Na Irlanda, e até na Alemanha de Bento XVI, os jovens desertam aos magotes da igreja. E até em países em desenvolvimento, como o Brasil, a Igreja Católica perde espaço e fiéis para outros credos. Claro, os católicos ainda são mais de um bilhão, há ainda pontos de luz e indivíduos que nos inspiram.

Em visita à minha família em Leeds, há algum tempo, soube de um jovem padre polonês, cheio de energia e entusiasmo, que assumiu a direção da igreja da minha infância e tenta salvá-la da demolição. Para fazer algum bem efetivo e levantar algum dinheiro, ele planejava converter a igreja em casa de internamento provisório para jovens delinquentes.

Ouvi-o celebrar missa aos gritos, como possuído – o que me fez lembrar com saudade do Catolicismo do Sermão da Montanha e de São Francisco de Assis, que as freiras tanto fizeram para meter na minha cabeça, há décadas.

Mas em Roma, os teólogos conservadores ainda comandam o show e, infelizmente, o mais provável é que as coisas continuem como estão.

Durante seu papado – disse Küng – Bento XVI ordenou tantos cardeais conservadores e reacionários, que dificilmente haverá entre eles, hoje, alguém com competência e sabedoria para salvar a Igreja Católica das muitas facetas da crise em que está naufragando”.

(*) John Cassidy é articulista do The New Yorker desde 1995. Autor de inúmeros artigos para a revista abrangendo desde temas de personalidades como Alan Greenspan e Ben Bernacke até assuntos como a indústria iraquiana do petróleo e economia de Hollywwod. Agita o blog Rational Irrationality. no website The New Yorker. Seu último livro, How Markets Fail: The Logic of Economic Calamities, foi publicado em novembro de 2009, por Farrar, Straus and Giroux. Cassidy também contribui com o The New York Review of Books e é comentarista financeiro da BBC. Trabalhou como jornalista em ambos os lados do Atlântico antes de vir para o The New Yorker. Durante 3 anos (desde 1986) foi chefe do escritório do Sunday Times, de Londres em New York e editor de negócios entre 1991 e 1993. Entre 1993 e 1995 foi Business Editor do jornal New York Post.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/02/o-desastroso-papado-de-bento-xvi.html

Não deixe de ler:
- Entre a cruz e a Opus Dei, a vingança - Pedro Porfírio

- Que não seja um Bento XVII - Leonardo Boff

- Banco do Vaticano é o principal acionista da maior indústria de armamentos do mundo, via 'Atrevete a pensar', texto publicado em 10/7/2012. Ver aqui em português, publicado em 14/02/2013 no blog Limpinho & Cheiroso

- Novo 'papado' para o capitalismo - Saul Leblon

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Entre a cruz e a Opus Dei, a vingança

14/02/2013 - Pedro Porfírio em seu blog

O futuro ex-papa deu seu recado quarta-feira de cinzas e deixou seus cardeais com as barbas de molho.

"O mundo moderno se apresenta aos nossos olhos não como uma casa a construir, mas como um organismo a ser curado. Ora, se um edifício pode ser reparado do exterior, um organismo só pode ser curado a partir de dentro". (Padre Louis-Joseph Lebret (1897 -1966), autor do livro Suicídio ou Sobrevivência do Ocidente, que teve grande participação no Concílio Vaticano II)

Renunciou para fazer o sucessor.
Nada mais despropositado, porém nada mais verdadeiro. Nada mais sintonizado com a personalidade de Joseph Alois Ratzinger, adestrado na Juventude Hitlerista em sua fogosa juventude.

Cardeal Carlo Maria Viganò virou o jogo
Foi o que restou ao irascível papa germânico, ao se sentir totalmente isolado desde que entrou em choque com sua principal aliada e "monitora", a obscurantista Opus Dei, como consequência do afastamento do representante do Banco Santander em Roma desde 1992, Ettore Gotti Tedeschi, da direção do Instituto para Obras de Religião - o Banco do Vaticano, em meio a uma saraivada de denúncias protagonizadas pelo cardeal Carlo Maria Viganò, ex-secretário geral do Vaticano, aos mil documentos contrabandeados pelo mordomo Paolo Gabriele e a um fogo cruzado incontrolável de mexericos.

Tedeschi é um "supernumerário" da poderosa organização de 90 mil seguidores fanáticos, cognominada como "o Exército do Papa", numa reportagem de novembro de 2008 da revista Superinteressante.

Fundada em 1928 pelo confessor do ditador Francisco Franco, o espanhol Josemaría Escrivá Balaguer (foto), foi  reconhecida em 1982 por João Paulo II, como uma "Prelazia Pessoal" (a única na estrutura da igreja romana).

Seu criador morreu em 1975 e foi declarado santo em 2002 pelo mesmo pontífice, num rito sumário.

A Opus Dei aparece como principal apoiadora nas escolhas dos dois últimos papas, como sabe muito bem qualquer repórter soterista do Vaticano.

Numa "vingança perfeita", nas palavras de um diplomata credenciado na "Santa Sé", segundo relato de Paolo Ordaz, do El País, o ex-futuro Papa pegou pesado na missa da quarta-feira de cinzas ao apontar a "hipocrisia religiosa" e a luta interna pelo poder, como causas da crise que o levou a um gesto extremo, que desautoriza o dogma da infalibilidade de um sumo pontífice.

Ou uma jogada de mestre
"Em uma cafeteria de Borgo Pio, o bairro de ruas estreitas (foto) contíguo ao Vaticano, um diplomata com credenciais junto à Santa Sé chamava a atenção para um aspecto:

 - "Praticamente todos os jornais, cada qual com seu estilo, desenham o Papa como uma vítima das lutas de poder no Vaticano.

Há alguns meses, quando abordavam o tema da incúria na Igreja, colocavam Ratzinger como culpado. É feio usar essa palavra referindo-se a um Papa, mas pode-se dizer que, com a renúncia, Ratzinger executa a vingança perfeita" - disse o diplomata na reportagem de Paolo Ordaz.

Uma jogada de mestre, segundo John Allen Jr., um "vaticanista", citado por Jerome Taylor, do jornal Independent de Londres. De fato, dos 120 cardeais com direito a voto na sua sucessão, Bento XVI nomeou 67.

Os outros 53 foram nomeados por João Paulo II, quando o então cardeal Joseph Alois Ratzinger já dava as cartas, como chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, a versão moderna do Tribunal da Inquisição.

"Pelo menos, alguns cardeais podem se sentir fortemente pressionados a não fazer algo que possa ser percebido como um repúdio ao papado de Bento XVI, que possa causar consternação a ele. Como isso poderá ser traduzido em termos de votos no conclave não está de todo claro, mas é uma peça do quebra-cabeça que vale a pena considerar" - escreveu John Allen Jr. terça-feira, dia 12, no National Catholic Reporter.

Cobra engolindo cobra
Ao longo de seus 2 mil anos, o centro do poder da Igreja Católica sempre foi um ninho de cobras, com os maiores índices de intriga por metro quadrado do mundo.

Esse clima levou o então cardeal emérito de Milão, dom Carlo Maria Martini (foto), a afirmar em junho de 2008, que "a inveja é um vício clerical por excelência".

Segundo o cardeal italiano, que morreu em agosto de 2012 aos 85 anos, muitos dentro da Igreja estão "consumidos" pela inveja. Alguns não aceitam nomeações de outros para bispo, e este não é o único pecado capital entre os homens da Igreja.

Dom Carlo Maria Martini denunciou também o vício da vaidade, salientando que na Igreja "é muito grande. Continuamente,a Igreja se desnuda e se reveste de ornamentos inúteis, numa tendência à ostentação, ao alarde”.

O cardeal citou ainda o "carreirismo" na Igreja, e especialmente, na Cúria Romana, onde “cada um quer ser mais que o outro”.

Qualquer clérigo ou seminarista sabe que a intriga é o caminho das pedras no reino de São Pedro. E sabe mais ainda que tanto Karol Józef Wojtyła como Joseph Alois Ratzinger só se tornaram papas no estuário dos conflitos dentro da Corte (cúria em latim) vaticana, devidamente manipulados por influentes cardais "numerários" ou aliados da Opus Dei.

Conflitos tão radicalizados que quebraram uma hegemonia secular dos italianos, afetados pelo envenenamento do Papa João Paulo I (foto), em 28 de setembro de 1978, exatamente um mês depois de empossado sem pompas, por sua decisão, depois de  uma das mais rápidas votações (4 rodadas) do Colégio Cardinalício.

Veja a respeito meu artigo de 12 de fevereiro.

O dia que o Papa chutou o pau da barraca
Joseph Alois Ratzinger decidiu chutar o pau da barraca por que a coletânea de documentos contrabandeados pelo mordomo Paolo Gabriele (assinalado na foto), perdoado por ele e já em confortável prisão domiciliar desde dezembro passado, junto com os dossiês do arcebispo Carlo Maria Viganò, e anotações do cardeal Angelo Sodano (foto abaixo), ressentido ex-secretário de Estado, deixam meio Vaticano em maus lençóis, inclusive seu secretário pessoal, monsenhor Georg Gänswein.

Tido e havido como um teólogo de mão cheia, Bento XVI sabe do embaraço que vai causar à Igreja Católica Apostólica Romana como um todo. Até mesmo como será chamado ainda não se sabe, porque os prelados não imaginavam que possa existir um ex-Papa em vida.

Assim como ninguém pode garantir que ele optará pela auto-reclusão no belo mosteiro dentro da Cidade do Vaticano, a sé católica, com menos de 900 metros quadrados e 800 habitantes, quase todos do clero.

Isto é, enquanto estiver vivo e mantiver sua fama de maior autoridade na doutrina da fé, será sempre uma sombra inevitável, como foi aqui dom Eugênio Salles, quando se tornou cardeal emérito e continuou escrevendo semanalmente para os jornais, além de perturbar diretamente a gestão do seu sucessor, dom Eusébio Oscar Scheid.

Em busca de um Papa autônomo
Essa hipótese é que reforça a possibilidade do retorno de um italiano de fora da Cúria à chefia da Igreja, embora cresça nas bolsas de apostas (!) o nome do ganense Peter Turkson (foto), de 64 anos, presidente do Conselho Pontifício para Justiça e Paz e fiel escudeiro de Bento XVI, e que se considera o Barack Obama da Igreja Católica.

Como não entro nessa pilha de bolsas de apostas, e como tenho certeza que a Igreja Católica jamais será a mesma depois da renúncia de um Papa em 600 anos, ainda acredito na escolha de um cardeal em condições de comandar sem precisar pedir a benção ao colega demissionário.

E o cardeal Angelo Scola (foto), amigo de Bento XVI, mas festejado por sua visão arejada em relação a outras religiões, é o mais blindado para assumir o vespeiro onde interesses escusos, vaidades, intrigas e ambições substituíram há séculos o poder do Espírito Santo.

Não ser a mesma não quer dizer que seja melhor ou pior, pois cada um tem sua avaliação do que é bom para uma Igreja que perde fiéis enquanto conserva o fausto de uma época que não existe mais como compensação existencial para o poder sustentado em fontes feudais, como o laudêmio (imposto) que lhe é devido em muitos países do mundo, inclusive o Brasil.

Mesmo exposta, Opus Dei influencia
A hierarquia da Igreja está dominada pelo ultra-conservadorismo da Opus Dei, que contou até com o ex-premier Sílvio Berlusconi em seu projeto de hegemonia do Vaticano, mas cujo objetivo estratégico maior era desmontar a Europa socialista. Muitos dos novos cardiais foram apadrinhadas pelos seguidores de São Josemaria Escrivá.

Como demonstração de gratidão pelo apoio recebido na sua eleição, após 8 votações, João Paulo II (foto) concedeu a esse grupo, em 1982, o status  de "Prelazia Pessoal", que a subordina diretamente ao Papa e fez do seu fundador santo, num dos processos mais sumários de canonização, só superado pelo de madre Tereza de Calcutá.

Bento XVI não fez por menos: em 2005 mandou instalar uma estátua de 5 metros do agora São Josemaria Esquivá na fachada exterior da Basílica de São Pedro, que benzeu pessoalmente numa festiva solenidade religiosa em 14 de setembro daquele ano.

Além disso, chamou dois influentes cardeais do Opus Dei para seu primeiro escalão: Julián Herranz, presidente emérito do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, e o secretário da Pontifícia Congregação para os Bispos, arcebispo Francesco Monterisi.

Há quem garanta que o cardeal Tarcísio Bertone (foto, ao lado de Bento XVI), principal homem na cúpula vaticana e pivô da crise que levou à inesperada renúncia, também tenha o respaldo da organização, razão pela qual Bento XVI não conseguiu livrar-se de sua incômoda companhia.

À distância, mas não tão distante assim, Bento XVI trocava figurinhas com o arcebispo de Madri e principal clérigo da organização, cardeal Antonio Maria Rouco Varela, também presidente da Conferência Episcopal Espanhola.

A entrega do Banco do Vaticano ao "supernumerário" Ettore Gotti Tedeschi (foto), no final de 2009, foi a gota d'água que cindiu de vez o poder na Igreja, cujas riquezas são incomensuráveis.

Descartado então da Secretaria Geral do Vaticano, sob a acusação de malbaratar recursos da Igreja, fazendo pagamentos indevidos a um conjunto de empresas que trabalhavam para a cidade-estado, o arcebispo Carlo Maria Viganò ficou revoltado: durante o seu mandato, que começou em julho de 2009, implementou reformas e cortes que levaram o Vaticano de um déficit de oito milhões de euros em 2009 para lucros de 34,4 milhões de euros em 2010.

A Opus Dei não vai ficar chupando dedo.
Mas a brusca renúncia de Bento XVI também a deixou tão exposta como na roubalheira no Banco do Vaticano, documentada pelo arcebispo Carlo Maria Viganò.

Neste momento, a "Santa Sé" está vulnerável, sem liderança e sem destino previsível. O que até agora foi uma guerra intestina, protegida dos fiéis, não é mais segredo para ninguém.

E como o mordomo não estava sozinho no seu estrago devastador, tem ainda muita água para rolar debaixo da ponte, além do que se revelou em conta-gotas.

Decididamente, a Igreja que já superou crises e cismas mais graves no passado de pouca comunicação, vive hoje seu mais dramático dilema, numa atualidade inflada de mídias: o suicídio ou a sobrevivência.

Fonte:
http://www.blogdoporfirio.com/2013/02/entre-cruz-e-opus-dei-vinganca.html

Não deixe de ler:
- Que não seja um Bento XVII - Leonardo Boff

- Banco do Vaticano é o principal acionista da maior indústria de armamentos do mundo, via 'Atrevete a pensar', texto publicado em 10/7/2012. Ver aqui, em 14/02/2013, publicado em português no blog Limpinho & Cheiroso

- Novo 'papado' para o capitalismo - Saul Leblon

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Baltasar Garzón, a justiça e a corrupção

20/01/2012 - Mauro Santayana* - Carta Maior

"O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História."
(Mauro Santayana)



Se alguém, ao ler estas notas, lembrar-se de Montesquieu com suas Cartas Persas, e de Tomás Antonio Gonzaga, que nelas se inspirou, para redigir as Cartas Chilenas, estará fazendo a ilação correta. O assunto nos interessa de perto, assim como o texto do barão de La Brède interessava aos mineiros de Vila Rica daquele tempo. O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História, para retomar a mesma sintaxe de sempre, que faz do crime, virtude; e, da dignidade, delito desprezível.

No passado, era comum a frase esperançosa de que ainda havia juízes em Berlim. Embora ela viesse de uma obra de ficção, é provável que tenha sido autêntica, porque se referia a Frederico II, cuja preocupação para com a equidade da justiça era conhecida, conforme recomendações a seus ministros. Segundo a obra de François Andrieux (Le meûnier de Sans-Souci) e de Michel Dieulafoy (Le Moulin de Sans-Souci), ambos contemporâneos do grande monarca, essa foi a resposta de um moleiro, vizinho ao castelo famoso, quando o soberano, diante de sua recusa de vender-lhe sua propriedade, ameaçou confiscá-la. O humilde moleiro – talvez confiado na própria conduta habitual de Frederico II, disse-lhe que isso não seria possível, porque ainda havia juízes em Berlim. Havia juízes em Berlim e ainda os há, aqui e ali, mas quando homens como Garzón são submetidos a julgamento – e pelas razões alegadas pelos seus contendores – é de se perguntar se, em alguns lugares, ainda os há. Em alguns lugares, como em Washington, em que a Suprema Corte de vez em quando espanta os cidadãos, com suas decisões. E em outros lugares.

Baltasar Garzón surpreendeu a sociedade espanhola, com sua obstinação na luta contra os que lesam os direitos humanos, o crime organizado, a corrupção no Estado, os delitos dos serviços secretos em suas relações com grupos terroristas. Sua grande vitória, ao obter a prisão, em Londres, do ex-ditador Pinochet e seu posterior julgamento, pela justiça chilena, fizeram dele uma personalidade mundial. É certo que essa obstinação o transformou em magistrado incômodo. Alguns o vêem com a síndrome do justiceiro enlouquecido, espécie de Torquemada de hoje. Mas o pretexto que arranjaram para conduzi-lo ao mais alto tribunal da Espanha é, no mínimo, pífio. Garzón, a pedido das autoridades policiais, autorizou a escuta telefônica de algumas pessoas, detidas e em liberdade, com o propósito de impedir a destruição de provas e a continuação de remessas ilegais de dinheiro obtido do erário, ao exterior, e sua “lavagem”, mediante os métodos já denunciados no Brasil.

Trata-se do famoso caso Gurtel, um entre muitos outros, na Espanha de hoje, em que a presença do franquismo e da Opus dei continua firme. Um grupo de empresários da comunicação e eventos, chefiados por Francisco Correa, intermediava contratos de toda natureza com os governos autônomos e municípios, chefiados pelos homens do Partido Popular, quando este estava à frente do governo nacional, e que agora retornou ao poder. O grupo corrompia as autoridades, com presentes, viagens e, sendo necessário, dinheiro vivo ou depositado na velha Suíça, em nome de políticos e seus laranjas. O dinheiro vinha das empresas candidatas aos bons negócios com o Estado, que “superfaturavam” os contratos.

Os advogados dos bandidos – nessa inversão moral de nossos tempos – conseguiram processar o juiz Garzon, sob a alegação de que as escutas haviam sido ilegais. Ocorre que um juiz, que substituiu Garzón na causa, manteve as escutas e o próprio tribunal de Madri, de segunda instância, confirmou a autorização das interceptações telefônicas. O fato é que o julgamento de Garzón é de natureza política, seja ele um magistrado incorruptível, como é visto pela opinião pública, ou um deslumbrado pela notoriedade, como dele falam os inimigos. E é a inversão da lógica: ele está sendo processado por ladrões.

Na segunda metade dos setecentos ainda havia juizes em Berlim, de acordo com o modesto moleiro de Potsdam. Resta saber se ainda os há em Madri. E em outros lugares.


*Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

domingo, 25 de setembro de 2011

Opus Dei quer "faxina verde-amarela"


Por Altamiro Borges

A indignação contra o desvio de recursos públicos é justa e necessária. Afinal, é dinheiro do povo extraviado para servir a corruptos e corruptores. Mas é preciso ficar esperto diante dos espertalhões, que usam causas nobres para fins ilícitos. É sempre bom lembrar que o golpe militar de 1964 teve como mote o “combate à corrupção e ao comunismo”. Pura manobra para enganar os ingênuos!


Nas recentes “marchas contra a corrupção”, políticos e partidos que não tem qualquer moral para falar em ética fizeram escarcéu sobre o tema. O senador tucano Álvaro Dias, o neto-demo de ACM, a juventude do PSDB e a mídia demotucana foram os maiores incentivadores dos protestos “espontâneos”. Agora, é o Opus Dei, uma seita de fascistóide, de extrema-direita, que dá seu apoio às “marchas”.

“Mudar a cara do Brasil”

Em artigo publicado no jornal Estadão, o jornalista Carlos Alberto Di Franco, um dos fundadores e chefões do Opus Dei no país, defende a urgência de uma “faxina verde-amarela”. Ele se diz encantado com os protestos do Dia da Independência. “Assistiu-se ao primeiro lance de um movimento de cidadania que tem tudo para mudar a cara do Brasil”. O Opus Dei apoiou o golpe de 1964 com o mesmo objetivo.

Nas entrelinhas, Di Franco não esconde que seu objetivo é fustigar as forças de esquerda e o governo Dilma. “O movimento cobrou a punição dos envolvidos no mensalão do PT, aquele que o ex-presidente Lula diz que nunca existiu... A passeata ocorreu uma semana após o congresso nacional do PT deixar claro que não apóia nenhum tipo de faxina anticorrupção no governo”, mentiu.

Massa de manobra da direita

No artigo, ele lamenta a derrota da investida golpista de 2006, que pregou o impeachment de Lula. “O mensalão do PT parecia que podia terminar em punição. Acabou em pizza. Infelizmente”. Mas o líder do Opus Dei diz que, agora, está otimista com as marchas. Elas contam, entre outros, com o apoio de “meus colegas da mídia, depositários da esperança de uma sociedade traída por suas autoridades”. E concluí: “Vislumbro nas passeatas da faxina verde-amarela o reencontro do Brasil com a dignidade e esperança”.

O artigo-panfleto de Di Franco deve servir de alerta aos que ficam indignados contra a corrupção – não para arrefecer esta justa demanda, mas sim para que não sejam massa de manobra da direita. Esta mesma direita que se mascara de moralista para servir aos interesses dos poderosos – dos sonegadores, dos exploradores de trabalho escravo, dos rentistas, do capital.

Para conhecer melhor o Opus Dei e Carlos Alberto Di Franco, sugiro as seguintes leituras:

- Alckmin e a conspiração do Opus Dei

- Padre Marcelo S.A. e o Opus Dei