quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Perigosa desnacionalização da TV ameaça a soberania brasileira

PL 29, o que se deve saber
do Blog do Jakobskind

"O capital privado tende a ficar concentrado em algumas mãos em parte por motivo de competição entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a divisão do trabalho, em crescimento, estimula a formação de unidades maiores de produção às custas das menores.

O resultado deste desenvolvimento é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser efetivamente controlado nem mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Sobretudo, nas condições existentes, os capitalistas controlam inevitavelmente, direta ou indiretamente, as fontes principais de informação (imprensa, rádio, educação). Assim, é extremamente difícil, e na verdade impossível na maioria dos casos, para o cidadão individual tirar conclusões objetivas e fazer uso inteligente de seus direitos políticos"- Albert Einstein

Por Carlos Alberto de Almeida, presidente da TV Comunitária de Brasília

Um gravíssimo golpe contra a soberania nacional está sendo preparado por meio do Projeto de Lei 29, relatado pelo deputado Jorge Bittar. A pretexto de criar novas regras para a TV por assinatura no Brasil, na realidade transfere o controle do setor para um reduzido grupo de poderosos conglomerados de telecomunicações (Telefônica, Telmex e Sky), abrindo espaço para um verdadeiro esmagamento da produção audiovisual brasileira, para a inviabilização completa das TVs comunitárias e universitárias, e, em futuro breve, para o controle total da TV aberta por transnacionais da comunicação. Sim, novas regras: os poucos oligopólios externos assumem o controle!

O lado triste e emblemático de tudo isto é que a manobra dos oligopólios estrangeiros da telefonia para dominar a TV brasileira ocorre no exato momento em que a AMAR (Associação dos Músicos Arranjadores e Regentes do Brasil) denuncia que o samba amaxixado "Pelo Telefone", do genial Donga, o primeiro samba gravado no Brasil, teve sua autoria transferida para editora musical dos EUA que comprou arquivos de editora nacional, sendo registrada como se fora canção norte-americana.

Esta verdadeira ofensiva de ocupação do audiovisual brasileiro, em continuidade à desnacionalização iniciada com a introdução da cabodifusão no Brasil, ocorre em meio a crescente processo de oligopolização do setor de comunicação e telecomunicação mundialmente, sem que o texto do PL 29 estabeleça qualquer mecanismo de proteção aos produtores nacionais, aos produtores independentes.

Além disso, o relator rejeitou ainda todas as sugestões para o fortalecimento das TVs comunitárias e universitárias para assegurar pluralidade e diversidade informativas. O resultado é previsível: controle da TV brasileira por conglomerados de comunicação-telecomunicação estrangeiros, hoje empenhados mundialmente na prática de formas sofisticadas de desestabilização de governos populares e nacionalistas, quando não na promoção de terrorismo midiático, como foi a operação destes impérios comunicacionais para justificar a ocupação militar do Iraque e do Afeganistão. São estas empresas que passarão a controlar totalmente a TV brasileira. O inacreditável é que os defensores do PL 29 acreditam que as mudanças, trazendo novos atores para o mercado, irão democratizar e popularizar o setor de TV por assinatura.

O apartheid audiovisual

Um rápido balanço sobre a cabodifusão no Brasil hoje já permite compreender que as novas regras trazidas pelo PL 29 simplesmente iriam concentrar e internacionalizar ainda mais a TV por assinatura no Brasil. Segundo a Ancine, 99,5 por cento dos filmes exibidos na TV paga brasileira são estrangeiros, esmagando a produção nacional. O Brasil possui a TV por assinatura mais cara do mundo, e com o maior tempo dedicado a publicidade, o que se configura em dupla-cobrança sobre o assinante que já havia pago também para livrar-se do dilúvio publicitário consumista-imbecilizante, que, na TV por assinatura, é ainda mais volumoso que na TV aberta.

No caso dos canais estatais (TVs do legislativo, do judiciário e do executivo) sua exibição na TV paga se constitui em aberrante bi-tributação, já que é com o dinheiro do contribuinte que elas são mantidas, mas, para ter acesso a elas, é preciso pagar novamente. Não admira que a TV paga no Brasil seja um fracasso de público, sem esquecer que a esmagadora maioria dos assinantes tem preferência pelos canais de TV aberta que são exibidos na TV por assinatura. É assombroso que ainda há os que chamam este verdadeiro apartheid audiovisual de democratização. Para quem, cara-pálida?

Trata-se na verdade de uma clamorosa injustiça para com o povo brasileiro que sustenta com verbas públicas estes canais por assinatura, mas é impedido de assisti-los. Enfim, é uma TV para poucos, mas paga com o dinheiro de muitos, que não têm acesso a esta TV, assim como não têm acesso a cinema, muito menos ao cinema brasileiro, praticamente clandestino no Brasil, a julgar pelos dados da Ancine e também os do IBGE apontando que apenas 8 por cento dos municípios brasileiros possuem salas de cinema, freqüentadas por apenas 12 por cento dos brasileiros, que, aos poucos, vão se tornando analfabetos cinematográficos.

Cotas? Que cotas? Quero o Brasil na TV!

Os debates em torno do PL 29 são primorosos para revelar quem é quem nesta luta pela democratização da comunicação no país. A maioria se distraiu num debate bizantino, pois na verdade estamos diante de uma operação do poder mundial do capital para ocupar um setor estratégico num país que tem riquezas estratégicas, seja petróleo, seja o potencial de energia renovável, sejam os minerais escassos em outras partes do planeta, seja a poderosa biodiversidade amazônica, cobiçada pelos oligopólios transnacionais da indústria químico-farmacêutica, todos estes atores que operam poderosamente no controle do fluxo mundial da informação, seja por meio da produção de conteúdos e/ou das estruturas de difusão, ou através da publicidade.

Num Brasil que nem mesmo empresa nacional de satélite possui mais - os brasileiros estão convocados inapelavelmente a examinar a ameaça que significa, no mundo atual, um país do porte do nosso não possuir soberania sobre seus satélites - há os que imaginam ser possível entregar o comando da propriedade e da produção televisivos e, ao mesmo tempo, acreditar , candidamente, na eficácia de algum milagroso tipo de cotas para a produção nacional.

Mesmo sabendo que ingenuidade tem limites, o deputado Jorge Bittar, em resposta a artigo da Revista Veja, elimina todas as possibilidades para dúvidas e para essas ilusões quando afirma que o PL 29 prevê apenas 10 por cento de cotas para a produção nacional, buscando tranqüilizar o oligopólio que já controla a TVA e, caso ocorra a aprovação do projeto, terá permissão legal de controlar muito mais da TV brasileira. Ou seja, nestas cotas, o Brasil está fora! Fica mais claro entender porque muitos dos que atuam no movimento pela democratização da comunicação silenciaram ruidosamente quando o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, denunciou a irregularidade no controle acionário sobre a TVA e pediu a instalação de uma CPI da Abril, até hoje engavetada.

A comparação feita pelos defensores do PL 29 com o regime de cotas para a produção nacional e a independente em outros países é imprópria. A França, que é um grande país capitalista, que já realizou seu processo de acumulação de capital por meio do impiedoso colonialismo, que possui mercado interno desenvolvido, mesmo assim não se dá ao luxo de não ter alavancas estatais protetores para a sua produção audiovisual frente à devastadora avalanche de ocupação do audiovisual produzido por Hollywood.

Mas, aqui, os defensores do PL, ou mesmo aqueles que no chamado movimento de democratização da comunicação estão paralisados diante de um grave golpe contra a soberania nacional - porque calculam que a entrada de novos atores tem sentido democratizante - terminam por serem coadjuvantes passivos deste processo de internacionalização e concentração de poderes sobre a TV brasileira por empresas estrangeiras, cujo resultado será rigorosamente nefasto para a produção televisiva nacional, como já se constata na realidade da cabodifusão hoje. Mais