Por Zilda Ferreira
Hoje é dia do mestre.
Para homenagear os professores que sonham o mesmo sonho de Moema Viezzer
reproduzimos a entrevista que essa grande educadora concedeu à jornalista Zilda Ferreira, durante a Rio+20.
O sonho de Moema
Viezzer de conquistar corações e mentes à causa ambiental, para promoção do
desenvolvimento sustentável emancipatório com cidadania plena, tocou muitos dos
participantes que estiveram presentes nas atividades de lançamento da Rede
Planetária do Tratado de Educação Ambiental.
Tornar esse sonho
realidade é a meta dessa incansável professora, pesquisadora, indicada ao
prêmio Nobel da Paz em 2005 e autora do famoso livro “Se Me Deixam Falar”
traduzido em vários idiomas. Ela nasceu há 74 anos, em Caxias do Sul.
Durante o evento,
perguntamos a Moema Viezzer se não estava na hora de promover uma atualização
do Tratado, que é de 1992 e foi coordenado por ela. Respondeu: “Ele é muito
atual e o importante é implementá-lo de fato” - depois de um breve silêncio –
“Isso... É tudo que gostaria de ver antes de morrer”...
Quais
foram os pontos positivos da Rio+20 e quais foram os negativos?
MV - Com certeza um dos pontos positivos foi a
própria realização da Rio+20 . Para não deixar cair no esquecimento tudo o que
já foi prometido, correto?
Também
me pareceu muito importante o crescimento da consciência ambiental visível nas
posições colocadas pela sociedade civil.
Quanto
aos pontos negativos, houve vários no processo de preparação, especialmente
naqueles que se apresentavam como "novas tentativas de aproximação entre
governos sociedade civil”, não entendido como tal tanto de um lado como de outro.
E como sempre, o "peso imenso" da máquina, da estrutura que a ONU
carrega e a forma de trabalhar que é lenta, muito lenta, por necessitar o
consenso de governantes de 194 países, com posições tão diferenciadas.
Acho
que também foi negativo não termos alguns compromissos dos governos mais
propositivos em relação a tantos objetivos já traçados anteriormente.
Por
que o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global, que foi aprovado na ECO-92, sob sua coordenação, considerado
um documento de vanguarda e uma ferramenta para conscientização ambiental não é
conhecido e nem divulgado?
MV
- O Tratado de EA não teve a divulgação necessária por falta de condições do
grupo que o promoveu na Rio+20. Diferentemente da Carta da Terra que contou
desde o início com forte apoio até de Maurice Strong que presidiu a II
Conferencia das Nações Unidas em 92. No Brasil ele foi, sim, amplamente
divulgado nas redes de educadoras e educadores socioambientais e inclusive
tornou-se a base e a inspiração de nossa atual política nacional de educação
ambiental. Em alguns outros países ele esteve em pauta na revisão de redes de
alfabetização e de educação de adultos, como na Ásia e Pacífico do Sul. Na
América Central o Tratado tem sido bastante divulgado, particularmente em El
Salvador. E houve também uma aproximação com a CPLP (Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa) que agora está sendo retomada. Mas uma divulgação em âmbito
planetário requer muita sinergia e também recursos básicos para se chegar a
todos os lugares e todos os idiomas possíveis, o quê agora nós estamos propondo
principalmente por podermos utilizar as redes sociais.
Na
Rio+20 houve maior participação popular, maior engajamento da sociedade civil,
dos movimentos sociais, muitas cobranças das ONGs e dos empresários. Mas,
nenhum documento ou tratado determinante foi apresentado no final do evento.
Por que?
MV
- De fato, a Rio+20 não foi concebida como uma Conferência deliberativa, o que
não levou a esta conclusão que você chama de tratado determinante. Mas houve
outra forma de influir nas políticas públicas de todos os países, com o slogan
da Economia Verde, que permeou as decisões tomadas em diversos âmbitos,
independentemente de novos textos. E é sobre isto que as organizações da
sociedade civil se debruçaram: "nós não queremos uma economia verde que
ignore as cores da sociobiodiversidade existente no planeta" Queremos
pensar em economias verdes a partir das realidades locais com seus respectivos
atores sociais,com mercados verdes locais, regionais, nacionais, internacionais
que levem em consideração o que está no coração da crise de valores que
vivemos: a do capital hegemônico que no atual estado da globalização é,
efetivamente, como costuma dizer Frei Betto, um processo de globocolonização. É
isto que não queremos. Olha o que aconteceu com o golpe sofrido por nossos
irmãs e irmãos do Paraguai logo agora pós a Rio+20 e veja a conexão direta com
a Multinacional Monsanto. É isto que tem que ser revisto se queremos que a vida
floresça neste planeta para o benefício de toda a comunidade de vida e não de
uns poucos que se enriquecem desmesuradamente enquanto a maioria da população,
por conta deste modelo insano, se empobrece e sofre cada vez mais juntamente
com os demais seres da comunidade de vida afetado pelos produtos químicos
utilizados.
Durante a Rio+20 a senhora coordenou o
lançamento da Rede Global de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global, ou seja, uma proposta de ação para que as pessoas conheçam
e implementem esse Tratado. Há como motivar os educadores e comunicadores para
que esse esforço feito durante o evento não padeça?
MV
- Estamos agora virando a página da Jornada para Rede Planetária. Nosso maior
desejo é que a proposta implícita no título do Tratado "Educação para
Sociedades Sustentáveis (com S) e Responsabilidade Global chegue a tornar-se
parte nova cultura e da nova educação que precisamos para o mundo que queremos
com justiça social e ambiental. E para tanto, é evidente que a motivação de
educadores e educadoras, assim como de comunicadores e comunicadoras podem
fazer a diferença. Na educação formal, não formal, informal, presencial e à
distancia... somos todos aprendizes e educadores. E os meios de comunicação
podem e devem tornar-se CANAIS de intercomunicação para que a vida floresça
neste planeta.
A
senhora que escreve muito, autora do famoso livro "Se Me Deixam
Falar" pesquisadora social e sonha ver 180 milhões de brasileiros educados
ambientalmente - exercendo cidadania plena -, qual seria o seu apelo à
sociedade brasileira para atingir essa utopia?
Repito
o que o Tratado sugere: independentemente de nossa formação acadêmica, de nossa
idade, sexo, cor, religião, opção o política e de nossa atuação nas
organizações sejam elas da sociedade civil, das empresas ou dos governos...
Vamos tratar, com urgência de "ascender à condição de aprendizes da
sustentabilidade". A Mãe Terra já deu vários recados: o tempo de rever
nossos padrões de produção e consumo é agora. E se nós pessoas adultas não
mudarmos radicalmente nosso modo de vida marcado pelo consumo materialista, sem
respeito aos seres humanos e dos demais seres que compõem a comunidade de
vida... Que possibilidades temos de falar em gerações futuras? Nem planeta
haverá para elas... A educação socioambiental precisa definitivamente
extrapolar os bancos da escola e entrar para a escola da vida. Todo e qualquer
espaço habitado pode tornar-se um espaço onde aprendemos a ser sustentáveis:
uma fábrica, uma farmácia, uma padaria, um sindicato, um clube, uma igreja, uma
escola, uma universidade, uma nascente de rio, um parque... Tudo é lugar para
aprender a ser sustentável. E como se costuma dizer na Universidade Brtahma
Kumaris: "quando um ser humano se transforma... ele transforma o mundo ao
seu redor". O sonho é este mesmo: De um em um, de muitos em muitos, chegar
milhões de cidadãos e cidadãs do Brasil exercendo cidadania plena no âmbito
local-planetário.
No
final da entrevista Moema Viezzer destacou:
M.V
- Acho que não toquei no ponto essencial do negativo da Rio+20. Penso que um
dos grandes problemas atuais é a forma como as grandes corporações - até para
sobreviverem - estão pretendendo "esverdear" a economia. Como bem
assinalou Vandana Shiva em uma entrevista à Folha de São Paulo: "não
podemos esverdear a besta". Isto é muito forte e bem real. A economia tem
que voltar ao seu devido lugar e estar a serviço da sociedade e do meio
ambiente e não ao inverso. Esta pirâmide tem que ser invertida, conforme sugere
o conceito de sustentabilidade implícito nos princípios da Carta da Terra e do
Tratado de Educação Ambiental.