Do site do INSPIR - Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial
Negros senhores na América a serviço do capital, não são meus irmãos
Negros opressores, em qualquer parte do mundo, não são meus irmãos...
Solano Trindade
O racismo, adotado pelas
oligarquias brasileiras para justificar a exclusão dos negros no período de
transição do modo de produção escravista para o modo de produção capitalista, foi
introjetado pelos trabalhadores europeus e seus descendentes, que aqui
aportaram beneficiados pelo projeto de branqueamento da população brasileira,
gestado por aquelas elites.
Impediu-se, assim, alianças do proletariado europeu
com os históricos produtores da riqueza nacional, mantendo-os com ações e
organizações paralelas, sem diálogos e estratégias de combate ao inimigo comum.
Contudo, não há como negar que o conjunto de organizações sindicais, populares
e partidárias, além das elaborações teóricas classificadas como “de esquerda”, sejam aliadas naturais dos
homens e mulheres negros, na sua luta contra o racismo, a discriminação e a
marginalização a que foram relegados.
No campo oposto do espectro
ideológico e social, as organizações patronais, seus partidos políticos e as
teorias que defendem a exploração do homem pelo homem, que classificamos de
“direita”, se baseiam na manutenção de uma sociedade estamental e na justificativa
da escravidão negra, como decorrência “natural” da relação estabelecida entre
os “civilizados e culturalmente superiores europeus” e os “selvagens
africanos”.
É equivocada, portanto, a frase de uma brilhante e respeitada filósofa negra paulistana de que “entre direita e esquerda, eu sou preta”, uma vez que coloca no mesmo patamar os interesses de quem pretende concentrar a riqueza e poder e àqueles que sonham em distribuí-la e democratizá-la.
É equivocada, portanto, a frase de uma brilhante e respeitada filósofa negra paulistana de que “entre direita e esquerda, eu sou preta”, uma vez que coloca no mesmo patamar os interesses de quem pretende concentrar a riqueza e poder e àqueles que sonham em distribuí-la e democratizá-la.
Afirmação
esta, que pressupõe alienação da população negra em relação às disputas
políticas e ideológicas, como se suas demandas tivessem uma singularidade tal
que estariam à margem das concepções econômicas, de organização social,
políticas e culturais, que os conceitos de direita e esquerda carregam.
As elites brasileiras sempre
utilizaram indivíduos ou grupos, oriundos dos segmentos oprimidos para reprimir
os demais e mantê-los sob controle.
Capitães de mato negros que caçavam seus
irmãos fugidos, capoeiristas pagos para atacarem terreiros de candomblé,
incorporação de grande quantidade de jovens negros nas polícias e forças
armadas, convocação para combater rebeliões, como a de Canudos e Contestado,
são exemplos da utilização de negros contra negros ao longo da nossa história.
Havia entre eles quem acreditasse
ter conquistado de maneira individual o espaço que, coletivamente, era negado
para o seu povo, iludindo-se com a ideia de que estaria sendo aceito e incluído
naquela sociedade.
Ansiosos pela suposta aceitação, sentiam necessidade de se
mostrarem confiáveis, cumprindo a risca o que se esperava deles, radicalizando
nas ações, na defesa dos valores dos poderosos e da ideologia do “establishment” com mais vigor e paixão
do que os próprios membros das elites.
São inúmeros os exemplos deste
descarte e o mais notório é a história de Celso Pitta, eleito prefeito da maior
cidade do país, apoiado pelos setores reacionários, com a tarefa de implementar
sua política excludente.
Morreu no
ostracismo, sepultado física e politicamente, levando consigo as ilusões
daqueles que consideram que a questão racial passa ao largo das opções político/ideológicas.
A esquerda, por suas origens e
compromissos, em que pese o fato de existirem pessoas racistas que se auto
intitulam de esquerda, comporta-se de maneira diversa: foi um governo de
esquerda que nomeou cinco ministros de Estado negros; promulgou a lei 10.639,
que inclui a história da África e dos negros brasileiros nos currículos
escolares; criou cotas em universidades públicas; titulou terras de comunidades
quilombolas e aprofundou relações diplomáticas, econômicas e culturais com o
continente africano.
Joaquim Barbosa se tornou o
primeiro ministro negro do STF como decorrência do extraordinário currículo
profissional e acadêmico, da sua carreira e bela história de superação pessoal.
Todavia, jamais teria se tornado ministro se o Brasil não tivesse eleito, em
2003, um Presidente da República convicto que a composição da Suprema Corte
precisaria representar a mistura étnica do povo brasileiro.
Com certeza, desde a proclamação da República e reestruturação do STF, existiram centenas, talvez milhares de homens e mulheres negras com currículo e história tão ou mais brilhantes do que a do ministro Barbosa.
Contudo, nunca passou pela cabeça dos presidentes da República – todos oriundos ou a serviço das oligarquias herdeiras do escravismo – a possibilidade de indicar um jurista negro para aquela Corte.
Foi
necessário um governo de esquerda, com todos os compromissos inerentes à
esquerda verdadeira, para que seu mérito fosse reconhecido.
A despeito disso, o ministro
Barbosa, em uníssono com o Procurador Geral da República, considera não haver
necessidade de provas para condenar os réus da Ação Penal 470.
Solidariza-se com as posições conservadoras e evidentemente ideológicas de alguns dos demais ministros e, em diversas ocasiões procura ser “mais realista do que o próprio rei”.
Cumpre exatamente o roteiro escrito pela grande mídia ao optar por condenar não uma prática criminosa, mas um partido e um governo de esquerda em um julgamento escandalosamente político, que despreza a presunção de inocência dos réus, do instituto do contraditório e a falta de provas, como explicitamente já manifestaram mais de um dos integrantes daquela Corte.
Solidariza-se com as posições conservadoras e evidentemente ideológicas de alguns dos demais ministros e, em diversas ocasiões procura ser “mais realista do que o próprio rei”.
Cumpre exatamente o roteiro escrito pela grande mídia ao optar por condenar não uma prática criminosa, mas um partido e um governo de esquerda em um julgamento escandalosamente político, que despreza a presunção de inocência dos réus, do instituto do contraditório e a falta de provas, como explicitamente já manifestaram mais de um dos integrantes daquela Corte.
Por causa “desses serviços prestados” é
alçado aos céus pela mesma mídia que, faz uma década, milita contra todas as
iniciativas promotoras da inclusão social protagonizadas por aquele governo,
inclusive e principalmente, àquelas que tentam reparar as conseqüências de 350
anos de escravidão e mais de um século de discriminação racial no nosso país.
O
ministro vive agora o sonho da inclusão plena, do poder de fato, da capacidade
de fazer valer a sua vontade.
Não há como saber se a maximização do sonho do ministro Joaquim Barbosa é entrar para a história como
um juiz implacável, como o mais duro presidente do STF ou como o primeiro presidente
da República negro, como já alardeiam, nas redes sociais e conversas informais,
alguns ingênuos, apressados e “desideologizados” militantes do movimento
negro.
O fato é que o seu sonho é curto e a duração não ultrapassará a
quantidade de tempo que as elites considerarem necessário para desconstruir um
governo e um ex-presidente que lhes incomoda profundamente.
Elaborar o maior programa de
transferência de renda do mundo, construir mais de um milhão de moradias
populares, criar 15 milhões de empregos, quase triplicar o salário mínimo e
incluir no mercado de consumo 40 milhões de pessoas, que segundo pesquisas
recentes é composto de 80% de negros, é imperdoável para os herdeiros da Casa
Grande.
Contar com um ministro negro no Supremo Tribunal Federal para promover a condenação daquele governo é a solução ideal para as elites, que tentam transformá-lo em instrumento para alcançarem seus objetivos.
Contar com um ministro negro no Supremo Tribunal Federal para promover a condenação daquele governo é a solução ideal para as elites, que tentam transformá-lo em instrumento para alcançarem seus objetivos.
O sonho de Joaquim Barbosa e a
obsessão em demonstrar que incorporou, na íntegra, as bases ideológicas
conservadoras daquele tribunal e dos setores da sociedade que ainda detém o
“poder por trás do poder” está levando-o a atropelar regras básicas do direito,
em consonância com os demais ministros, comprometidos com a manutenção de uma
sociedade excludente, onde a Justiça é aplicada de maneira discricionária.
A aproximação com estes setores e
o distanciamento dos segmentos à quem sua presença no Supremo orgulha e serve
de exemplo, contribuirão para transformar seu sonho em pesadelo, quando àqueles
que o promoveram à condição de herói protagonizarem sua queda, no momento que
não for mais útil aos interesses dos defensores do “apartheid social e étnico”
que ainda persiste no país.
Certamente não encontrará apoio e
solidariedade nos meios de esquerda, que são a origem e razão de ser daquele
que, na Presidência da República, homologou sua justa ascensão à instância
máxima do Poder Judiciário.
Dos trabalhadores das fábricas e dos campos, dos
moradores das periferias e dos rincões do norte e nordeste, das mulheres e da
juventude, diretamente beneficiados pelas políticas do governo que agora é
atingido injustamente pela postura draconiana do ministro, não receberá o apoio
e o axé que todos nós negros – sem exceção – necessitamos para sobreviver nessa
sociedade marcadamente racista.
(*) Ramatis Jacino é professor, mestre e doutorando
Fonte: