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sexta-feira, 22 de março de 2013

Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água

22/03/2013 - por Zilda Ferreira (*)

O Brasil é o país mais rico em água do planeta. Mas, não tem políticas públicas adequadas que possam gerir esses recursos, em benefício do Estado e da população.

As dificuldades do povo, principalmente o mais carente, para ter acesso à água potável, em alguns municípios, mesmo em cima de aquíferos, denunciam essa má gestão dos recursos hídricos que  tem priorizado o mercado em detrimento do bem estar social.

A Resolução da ONU 64/292 determina como direito humano a água e o saneamento, mas ela não é cumprida. Por isso, não temos nada para comemorar, hoje, Dia Internacional da Água.

Para se ter ideia como a gestão das águas tem priorizado o mercado, basta viajar por este país.

Não se precisa de teoria e nem de uma literatura sobre o assunto, os dados e os fatos saltam aos olhos, principalmente onde o abastecimento é feito por concessões às empresas privadas.

A água é cara, quem não pode pagar não tem acesso, além da contaminação presente nela por falta de investimentos.

Na região Norte, durante um seminário de geologia, na UFPA (Universidade Federal do Pará), denunciou-se que em Manaus a água é a mais cara do país  A concessionária é uma empresa  francesa do grupo Suez e muitas pessoas pobres tiveram a água cortada por falta de pagamento.

Manaus fica na extremidade oeste do aquífero Alter do Chão, provavelmente, o maior do mundo em volume de água. 

Em Belém, segundo alguns estudantes presentes, estão tentando privatizar a água da cidade e por isso o abastecimento tem sido precário para que a ideia de privatização da empresa Cosanpa seja vendida como a tábua de salvação.

Em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, situada sobre o aquífero Guarani, a concessionária pertence a grupos políticos, não identificados.

Lá, conhecemos uma senhora que, ganhando salário minimo pagava uma conta de água de R$ 100,00 (cem reais). Embora ela passasse o dia fora e suas duas crianças ficassem na creche.

O Nordeste brasileiro é detentor do maior volume de água represado, em regiões semi-áridas do mundo. São 37 bilhões de metros cúbicos estocados em cerca  de 70 mil represas de portes variados.

A água existe, mas falta aos nordestinos uma política coerente de distribuição desses volumes para o atendimento de necessidades básicas.

Estes dados constam de um depoimento recente de João Suassuna, um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina.

Em Santarém, Pará (foto), em plena região dos maiores rios do Brasil, às vezes, não é possível tomar banho, necessidade primordial em virtude do calor e da poeira, porque não há água nas torneiras.

Essa maravilhosa cidade, às margens do Tapajós, fica no coração do aquífero Alter do Chão (foto).

Durante a Rio+20, a água foi o assunto principal, até nas filas para pegar o ônibus para o Riocentro, onde acontecia a Conferência...

Um engenheiro sanitarista comentava com uma jornalista:
- No Rio Grande do Norte não há perigo de privatizar a água.
- Por que? indagou ela.
- O processo de fornecimento lá, fica caro, temos que buscar (bombear) água de longe. Além disso, temos vários programas sociais de abastecimentos às populações carente. Não dá lucro. Por isso, não há demanda por concessões para prestar esse  serviço, respondeu o sanitarista.

O mesmo não acontece no norte de Mato Grosso, onde cada município tem uma concessionária, a demanda é grande, mas todas pertencem ao mesmo grupo.

A água é abundante e o abastecimento é precário e oneroso à população, informou uma pesquisadora da Universidade do Amazonas, explicando que essa região fica na chamada Amazônia Legal.

A ONU lançou 2013 como o Ano Internacional da Cooperação pela Água.

O objetivo da iniciativa é incentivar o relacionamento social positivo das pessoas e comunidades, a partir da água como instrumento de relação.

A ideia é boa, mas a política brasileira de gestão das águas, que prioriza o mercado em detrimento da população não permite essa cooperação.

Dizem que a atual ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira (foto), não vai conseguir entregar toda a água do país, porque é demais.

Tampouco toda a
biodiversidade existente em nossas terras, sem dúvida a maior megabiodiversidade do  planeta..., não haveria tempo suficiente para isso.

Mas com o MMA ela vai acabar.

Aliás já começou o desmonte do ministério.

Nesta última terça feira, dia 19, ela propôs o fim do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), instituído pela Lei 6938/81, que revolucionou a política ambiental brasileira e gerou o Art. 225 da Constituição Federal.

Para quem não lembra, a ministra Izabella Teixeira foi, há mais de quinze anos, a Coordenadora do PDBG - Programa de Despoluição da Baia de Guanabara que, ao final, redundou em um notório fracasso a exalar até os dias de hoje, o cheiro fétido, que os moradores do Complexo da Maré tão bem conhecem, de tanta incompetência.

A política ambiental do país é um espelho da do Rio de Janeiro, onde desastres ambientais em cascata, fruto de duas décadas de gestão do mesmo grupo político mentor da atual ministra do Meio Ambiente, escancaram cenas como - mais uma vez - a da recente mortandade de quase 100 toneladas de peixes da lagoa Rodrigues de Freitas, na zona sul da cidade.

Algo semelhante ao terror que assombra os moradores da região serrana a cada anúncio de chuvas, com as vidas ceifadas a cada verão, como as praias e rios poluídos, cujas imagens percorrem o mundo sem revelar a extensão desse drama.

Como as agressões - do que ainda sobra -, seja à Mata Atlântica ou à Floresta da Tijuca.

Luto e luta para saudar o Dia Internacional da Água. Mas nada pra comemorar.

(*) Zilda Ferreira é jornalista e editora deste blog


Não deixe de ler:
- Privatização da Água: o 'fracasso' melhor financiado - Revista Fórum - original do Envolverde
- A luta pelo direito à água na Rio+20 - Zilda Ferreira
- A centralidade da água - Mônica Bruckman

E mais:
- Quem são os donos dessas águas? - Antonio Fernando Araujo
- Água não se nega a ninguém - Carlos Walter Gonçalves
- Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - Antonio Fernando Araujo

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O TRATADO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA RIO+20

Por Zilda Ferreira


Hoje é dia do mestre. Para homenagear os professores que sonham o mesmo sonho de Moema Viezzer reproduzimos a entrevista que essa grande educadora concedeu à jornalista Zilda Ferreira, durante a Rio+20.


O sonho de Moema Viezzer de conquistar corações e mentes à causa ambiental, para promoção do desenvolvimento sustentável emancipatório com cidadania plena, tocou muitos dos participantes que estiveram presentes nas atividades de lançamento da Rede Planetária do Tratado de Educação Ambiental.



Tornar esse sonho realidade é a meta dessa incansável professora, pesquisadora, indicada ao prêmio Nobel da Paz em 2005 e autora do famoso livro “Se Me Deixam Falar” traduzido em vários idiomas. Ela nasceu há 74 anos, em Caxias do Sul.

Durante o evento, perguntamos a Moema Viezzer se não estava na hora de promover uma atualização do Tratado, que é de 1992 e foi coordenado por ela. Respondeu: “Ele é muito atual e o importante é implementá-lo de fato” - depois de um breve silêncio – “Isso... É tudo que gostaria de ver antes de morrer”...

Quais foram os pontos positivos da Rio+20 e quais foram os negativos?

 MV - Com certeza um dos pontos positivos foi a própria realização da Rio+20 . Para não deixar cair no esquecimento tudo o que já foi prometido, correto?
Também me pareceu muito importante o crescimento da consciência ambiental visível nas posições colocadas pela sociedade civil.
Quanto aos pontos negativos, houve vários no processo de preparação, especialmente naqueles que se apresentavam como "novas tentativas de aproximação entre governos sociedade civil”, não entendido como tal tanto de um lado como de outro. E como sempre, o "peso imenso" da máquina, da estrutura que a ONU carrega e a forma de trabalhar que é lenta, muito lenta, por necessitar o consenso de governantes de 194 países, com posições tão diferenciadas.
Acho que também foi negativo não termos alguns compromissos dos governos mais propositivos em relação a tantos objetivos já traçados anteriormente.

Por que o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, que foi aprovado na ECO-92, sob sua coordenação, considerado um documento de vanguarda e uma ferramenta para conscientização ambiental não é conhecido e nem divulgado?

MV - O Tratado de EA não teve a divulgação necessária por falta de condições do grupo que o promoveu na Rio+20. Diferentemente da Carta da Terra que contou desde o início com forte apoio até de Maurice Strong que presidiu a II Conferencia das Nações Unidas em 92. No Brasil ele foi, sim, amplamente divulgado nas redes de educadoras e educadores socioambientais e inclusive tornou-se a base e a inspiração de nossa atual política nacional de educação ambiental. Em alguns outros países ele esteve em pauta na revisão de redes de alfabetização e de educação de adultos, como na Ásia e Pacífico do Sul. Na América Central o Tratado tem sido bastante divulgado, particularmente em El Salvador. E houve também uma aproximação com a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) que agora está sendo retomada. Mas uma divulgação em âmbito planetário requer muita sinergia e também recursos básicos para se chegar a todos os lugares e todos os idiomas possíveis, o quê agora nós estamos propondo principalmente por podermos utilizar as redes sociais.

Na Rio+20 houve maior participação popular, maior engajamento da sociedade civil, dos movimentos sociais, muitas cobranças das ONGs e dos empresários. Mas, nenhum documento ou tratado determinante foi apresentado no final do evento. Por que?

MV - De fato, a Rio+20 não foi concebida como uma Conferência deliberativa, o que não levou a esta conclusão que você chama de tratado determinante. Mas houve outra forma de influir nas políticas públicas de todos os países, com o slogan da Economia Verde, que permeou as decisões tomadas em diversos âmbitos, independentemente de novos textos. E é sobre isto que as organizações da sociedade civil se debruçaram: "nós não queremos uma economia verde que ignore as cores da sociobiodiversidade existente no planeta" Queremos pensar em economias verdes a partir das realidades locais com seus respectivos atores sociais,com mercados verdes locais, regionais, nacionais, internacionais que levem em consideração o que está no coração da crise de valores que vivemos: a do capital hegemônico que no atual estado da globalização é, efetivamente, como costuma dizer Frei Betto, um processo de globocolonização. É isto que não queremos. Olha o que aconteceu com o golpe sofrido por nossos irmãs e irmãos do Paraguai logo agora pós a Rio+20 e veja a conexão direta com a Multinacional Monsanto. É isto que tem que ser revisto se queremos que a vida floresça neste planeta para o benefício de toda a comunidade de vida e não de uns poucos que se enriquecem desmesuradamente enquanto a maioria da população, por conta deste modelo insano, se empobrece e sofre cada vez mais juntamente com os demais seres da comunidade de vida afetado pelos produtos químicos utilizados.

Durante a Rio+20 a senhora coordenou o lançamento da Rede Global de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, ou seja, uma proposta de ação para que as pessoas conheçam e implementem esse Tratado. Há como motivar os educadores e comunicadores para que esse esforço feito durante o evento não padeça?

MV - Estamos agora virando a página da Jornada para Rede Planetária. Nosso maior desejo é que a proposta implícita no título do Tratado "Educação para Sociedades Sustentáveis (com S) e Responsabilidade Global chegue a tornar-se parte nova cultura e da nova educação que precisamos para o mundo que queremos com justiça social e ambiental. E para tanto, é evidente que a motivação de educadores e educadoras, assim como de comunicadores e comunicadoras podem fazer a diferença. Na educação formal, não formal, informal, presencial e à distancia... somos todos aprendizes e educadores. E os meios de comunicação podem e devem tornar-se CANAIS de intercomunicação para que a vida floresça neste planeta.

A senhora que escreve muito, autora do famoso livro "Se Me Deixam Falar" pesquisadora social e sonha ver 180 milhões de brasileiros educados ambientalmente - exercendo cidadania plena -, qual seria o seu apelo à sociedade brasileira para atingir essa utopia?

Repito o que o Tratado sugere: independentemente de nossa formação acadêmica, de nossa idade, sexo, cor, religião, opção o política e de nossa atuação nas organizações sejam elas da sociedade civil, das empresas ou dos governos... Vamos tratar, com urgência de "ascender à condição de aprendizes da sustentabilidade". A Mãe Terra já deu vários recados: o tempo de rever nossos padrões de produção e consumo é agora. E se nós pessoas adultas não mudarmos radicalmente nosso modo de vida marcado pelo consumo materialista, sem respeito aos seres humanos e dos demais seres que compõem a comunidade de vida... Que possibilidades temos de falar em gerações futuras? Nem planeta haverá para elas... A educação socioambiental precisa definitivamente extrapolar os bancos da escola e entrar para a escola da vida. Todo e qualquer espaço habitado pode tornar-se um espaço onde aprendemos a ser sustentáveis: uma fábrica, uma farmácia, uma padaria, um sindicato, um clube, uma igreja, uma escola, uma universidade, uma nascente de rio, um parque... Tudo é lugar para aprender a ser sustentável. E como se costuma dizer na Universidade Brtahma Kumaris: "quando um ser humano se transforma... ele transforma o mundo ao seu redor". O sonho é este mesmo: De um em um, de muitos em muitos, chegar milhões de cidadãos e cidadãs do Brasil exercendo cidadania plena no âmbito local-planetário.

No final da entrevista Moema Viezzer destacou:

M.V - Acho que não toquei no ponto essencial do negativo da Rio+20. Penso que um dos grandes problemas atuais é a forma como as grandes corporações - até para sobreviverem - estão pretendendo "esverdear" a economia. Como bem assinalou Vandana Shiva em uma entrevista à Folha de São Paulo: "não podemos esverdear a besta". Isto é muito forte e bem real. A economia tem que voltar ao seu devido lugar e estar a serviço da sociedade e do meio ambiente e não ao inverso. Esta pirâmide tem que ser invertida, conforme sugere o conceito de sustentabilidade implícito nos princípios da Carta da Terra e do Tratado de Educação Ambiental.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Educom: há três anos na batalha

09/10/2012 - Educom: aprenda a ler a mídia


09 de outubro de 2012, nesta data o blog Educom completa três anos de uma presença diária neste pequeno espaço da rede mundial de computadores.

Ao longo desse tempo, dia após dia, a Equipe Educom se empenhou em publicar matérias cujo conteúdo permitisse ao leitor mais informação, mais conhecimento, a percepção do contraditório, não raro se contrapondo ao propagado pela grande mídia-empresa tradicional, para que ele, o leitor, tivesse uma visão mais acurada sobre a realidade sócio-econômica brasileira e mundial, sobre as questões de natureza política e ambiental que se entrelaçam com aquelas e que, de alguma forma, interferem e afetam o todo ou parte da população.

Procurou também, através de imagens e da composição gráfica do texto, dar uma feição nova na apresentação dessas matérias, com o objetivo de tornar mais leve, agradável até, a leitura daqueles conteúdos, alguns deles de natureza complexa, de "arrepiar os cabelos", como se diz, bem humorada às vezes, tecnicamente sofisticada em alguns outros casos.

A consequência dessa prática, em que conteúdo e forma se aliaram para protagonizar um esforço visando mais qualidade na apresentação do trabalho da Equipe, vimos o número de visitantes, seguidores e leitores, crescer a cada mês, o que acabou funcionando como um estímulo a mais a nos dizer que estávamos na trilha correta, na perspectiva de informar o leitor com matérias simples ou complexas, mas sempre de inestimável valor, fruto de um propósito inalienável que estabelecemos em 09 de outubro de 2009 quando da parição do blog.


Somos muito gratos, pois sem eles todo esse esforço teria sido em vão.

Hoje, três anos decorridos, constatamos que não o foi e nos sentimos recompensados e com o ânimo redobrado.

Portanto, não custa nada repetir agora uma pequena parte da trajetória do blog, transcrevendo o que Zilda Ferreira, nossa editora, postou em 09/10/2011:

"Há dois anos nascia  este blog, 9 de outubro de 2009. Nos primeiros meses de vida, nos dedicamos à campanha e às informações sobre a primeira Conferência Nacional de Comunicação.

Na mesma época, acontecia a COP-15, cujo desfecho antecipamos em um artigo intitulado "A disputa pela Terra em Copenhague".

Final de 2009, levamos um susto. Nelson Jobim havia tentado um golpe que passou despercebido, mas que noticiamos. 

Chegou 2010: estávamos engatinhado ainda, quando enfrentamos a mais dura  batalha: o terrorismo midiático contra a candidatura de Dilma à presidência da República. Foi nessa batalha que crescemos, não só nós, como todos os blogueiros e, com isso, conquistamos credibilidade e respeito, especialmente entre as camadas mais jovens da sociedade. Mas não pensem que ganhamos a batalha."

"Diariamente somos ameaçados" e o artigo de Carlos Aznares, originalmente publicado em "ODiario.info", em 20/11/2010 e que esteve presente nesta mesma data em 2011, sempre atual, volta a acompanhar este preâmbulo, porque nos coloca face a face com a perversão e o terrorismo da grande mídia-empresa, diz bem das origens e das causas "dos meios de comunicação - a grande maioria deles - representarem hoje uma das principais colunas do exército de ocupação que a chamada globalização encetou em todo o Terceiro Mundo."

Leia aqui: "Face à perversão e ao terrorismo midiático"



Como o "ODiario.info", outros sites e blogs, felizmente, já exibem em todo o planeta, respostas alternativas para generalizar a resistência.


Daí porque, um agradecimento adicional também é devido a dezenas desses outros veículos parceiros da blogosfera que, sem qualquer ambição, vêm nos cedendo suas matérias, aos nossos incansáveis colaboradores e, mais especial ainda, um brinde supimpa aos nossos leitores, agradecimentos e brindes, todos mais do que oportunos.



(Equipe Educom - Rio de Janeiro - Brasil) 

terça-feira, 5 de junho de 2012

De Olho na Governança Global da Água

04/06/2012
A jornalista Zilda Ferreira entrevista José Antonio Silvestre Fernandes Neto (*) 

A Governança Global da Água contraria os princípios da sustentabilidade local.

Urubici - Santa Catarina

 Essa foi a tese de doutorado do pesquisador José Antonio Silvestre Fernandes Neto, a partir do desenvolvimento de um modelo original baseado em suas experiências na comunidade de Urubici, Santa Catarina.

A tese Modelo Urubici de Governança da Água e do Território: uma Tecnologia Social a Serviço do Desenvolvimento Sustentável Local voltada para a obtenção do grau de doutor em engenharia ambiental, tem como princípio fundamental políticas públicas para sensibilizar e capacitar comunidades locais para governança da água e do território.

Min. Izabella Teixeira
Diante da possibilidade do "Pacto pelas Águas", previsto para ser lançado pela ministra Izabella Teixeira, neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, reforçar o processo privativista da água em curso no Brasil, procuramos entrevistar justamente um pesquisador que pudesse ostentar um trabalho técnico sobre a governança local da água alinhado com os perfís mais consequentes daquilo que entendemos por desenvolvimento sustentável.

Alem disso, já se sabe que a disputa pela água vai nortear de maneira explícita ou subliminar a Rio+20. No VIº Fórum Mundial da Água, ocorrido em Marselha, em março deste ano, as multinacionais e o Banco Mundial não tiveram pudor algum em defender a Governança Global da Água, deixando claro que reforçariam essa reivindicação na Rio +20. O que mais chocou os defensores do Direito Humano à Água e ao Saneamento, conforme Resolução da ONU A/RES/64/292, aprovada em julho de 2010, foi o apoio da delegação brasileira - a mais numerosa, com nada menos de 250 pessoas, chefiada pela mesma Izabella Teixeira, nossa ministra do Meio Ambiente - à essa reivindicação de grandes corporações que visa, antes de mais nada, facilitar ao máximo o processo de privatização de vastos recursos de água.

Antonio Silvestre enfatiza nessa entrevista nos concedida por e-mail que a privatização da água contraria o Direito Humano à Água e ao Saneamento: "Um direito é algo inerente ao ser. Não se deve pagar por ele". Também defende uma governança sul-americana da água, mas de carater público, pois nas questões relativas a água, a soberania de alguns países se entrelaçam de tal forma que, nesse capítulo "a América Latina tem chance de mostrar ao mundo que, embora possa estar diante de possíveis conflitos fronteiriços por conta de temas ligados ao controle dessas fontes e mananciais, somos perfeitamente capazes de perceber que a ameaça comum das grandes corporações capitalistas é maior."

Por conta dessa convicção, tal governança servirá para "proteger em escala sul ou latino-americana as zonas essenciais à preservação dos recursos de água." (em As Senhoras de Outrora e os atuais Senhores das Águas - Parte 3/3 - Nenhum Bem da Terra Pertence a Alguém )


Mas vamos à entrevista:
1- Educom - Na Rio+20, a principal disputa será a governança da Água. O senhor é favorável a um organismo internacional para a gestão da Água?
- Antonio Silvestre - Não.

2- Educom - Na sua tese de doutorado, o modelo desenvolvido de Governança da Água e do Território, usando uma tecnologia social de desenvolvimento local é baseada numa experiência comunitária?
- Antonio Silvestre - Sim. A tese originou-se de um trabalho de conscientização e empoderamento das comunidades para sua atuação qualificada nos processos que visam ao desenvolvimento sustentável local realizado no município catarinense de Urubici durante os anos de 2007 a 2009, no contexto de um projeto denominado "Tecnologias Sociais para a Gestão da Água".

3- Educom - O senhor pode resumir esse modelo?
- Antonio Silvestre - A experiência em Urubici consistiu na implementação das estratégias previstas no conceito de governança adotado, estruturadas sob a forma de um modelo, cuja aplicação prática foi facilitada por sua inserção como uma das tecnologias sociais propostas no projeto Tecnologias Sociais para a Gestão da Água. Esta intervenção organizou-se em cinco etapas, concebidas e praticadas como ciclos de aprendizagem, a saber:
- Acordo Inicial;
- Economia de Experiência;
- Comunidade de Aprendizagem;
- Estratégias de Governança e
- Avaliação e Prospecção.

Cada um dos ciclos desdobrou-se com um foco de aprendizagem, em que a comunidade se organizou para aprender novos conhecimentos, seja na forma de um conceito, uma metodologia, uma técnica ou mesmo uma experiência prática. Foram realizadas três grandes Oficinas e um Seminário para marcar a transição entre os ciclos de aprendizagem, além de 30 encontros ao longo do processo.

Na primeira oficina, as lideranças locais de Urubici propuseram as demandas sociais específicas que deram origem a quatro grupos temáticos de governança: Saneamento, Turismo Educativo, Águas Nascentes e Proteção da Floresta de Araucárias, para os quais a aplicação do modelo gerou distintos encaminhamentos.

4- Educom - Essa tecnologia social usada no modelo Urubici/SC, de Governança da Água e do Território depende de saberes empíricos da comunidade. Ela pode ser aplicada em todo país?
- Antonio Silvestre - Sim. A ideia de um modelo de governança que seja apropriado pelas comunidades como uma tecnologia social comporta exatamente essa possibilidade, a de ser replicada para dinamizar as estruturas comunitárias locais, empoderando-as.

5- Educom - A sua tese está relacionada à preocupação da Governança do Aquífero Guarani, junto à comunidade?
- Antonio Silvestre - Sim, principalmente pelo fato de que o município catarinense de Urubici, onde foi aplicado o modelo que originou a tese, está localizado sobre áreas definidas como sendo zonas de recarga direta do Aquífero Guarani, possui grandes remanescentes contínuos de Mata Atlântica (florestas de Araucárias) e nascentes de rios que compõem importantes bacias hidrográficas brasileiras, além contar com uma população implicada que há mais de uma década envolve-se em processos participativos de gestão local.

6- Educom - As nossas bacias Amazônica e do Prata, as maiores do mundo, e nossos rios ultrapassam fronteiras e são sul-americanas. O senhor acha viável a governança sul-americana da água para fortalecer a defesa de nossos recursos hídricos?
- Antonio Silvestre - Sim, desde que a abordagem de governança atue fortalecendo apenas a ideia de integração cultural dos povos sul-americanos que possuem características comuns, das comunidades locais, seus saberes e práticas, sem fomentar interesses mercantilistas e que comprometam a soberania dos países.

7- Educom - É possível que a Governança Global da Água, proposta no VIº Fórum Mundial da Água, em Marselha, que deve ser reforçada na Rio+20 pelos países ricos e o Banco Mundial, afete a soberania brasileira, o país mais rico em água do planeta?
- Antonio Silvestre - Não vejo essa possibilidade.

8 - Educom - Como a população poderá exigir das autoridades que cumpram a resolução da ONU, aprovada , em julho de 2010, que determina água e saneamento como direito humano?
- Antonio Silvestre - Tomando assento qualificado em processos participativos legítimos que compõem as instâncias de governança que tratam do tema, onde este pode ser debatido, divulgado e as cobranças feitas e fiscalizadas.

9- Educom - Por que os tecnocratas brasileiros estão fazendo um movimento inverso à luta dos povos latino-americanos de apropriação e reapropriação social da água, defendendo as propostas do mercado?
- Antonio Silvestre - É sempre muito difícil elucubrar com certeza os interesses que estão movendo tecnocratas e especialistas que em um dado momento se posicionam contra temas relevantes como proteção das florestas, gestão social da água, fortalecimento de arranjos produtivos e criativos locais, etc. Entretanto, imagino que esses movimentos estejam de uma forma geral sempre muito sintonizados com lógica do pensamento e algumas teorias clássicas que "favorecem" a degradação, como aquelas enunciadas por Adam Smith e Henry Ford.


10- Educom - Há a possibilidade de ser cumprida a resolução da ONU, água e saneamento como direito humano, se a água for privatizada?
- Antonio Silvestre - Um direito é algo inerente ao ser. Não se deve pagar por ele. Qualquer complexidade instituída, ao impactar no livre fluxo dessa prerrogativa, produz perturbações.

(*) mestre e doutor em engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina

Leia também: 
AQUÍFERO ALTER DO CHÃO PODE SER ENTREGUE A PESQUISADORES ESTRANGEIROS

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Lula e um canto de um herói

Antonio Fernando Araujo (*)

Não são tantos os heróis assim, porque deixar um rastro profundo na alma de qualquer povo exige do pretendente, antes de tudo, que se torne o sal da terra.

Ora, ser um daqueles caras que adubam o chão por onde passam é fazer o que tem que ser feito, quando tem de ser feito, independente das conseqüências, porque se assim não for "será jogado fora e pisado pelos homens."

Quem escreveu isso foi o apóstolo Mateus.

"Cheguei à Presidência, disse Lula, para fazer as coisas que precisavam ser feitas e que muitos presidentes antes de mim foram covardes e não tiveram coragem de fazer."
(Folha de São Paulo, 30/10/2003).

E assim se tornou o sal da terra.

O mesmo apóstolo lembra: "ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim num candeeiro, onde ela brilhará para todos..."

Talvez tenha sido assim com Lula, cintilou e estendeu seu brilho para todos e por todos os rincões deste país. Não demorou e a intensidade da chama alcançou os outros lados do planeta. Então passaram a lhe render homenagens.

"Eu sou filho de uma mulher que nasceu analfabeta," disse ele em 8 de março de 2004, no Dia Internacional da Mulher.

E por conta desse falar estropiado, por ter nascido pobre, retirante, operário e líder sindical, por ter estudado quase nada e ter a língua presa, por cada uma de suas falas dar a impressão que a simplicidade destoava da sabedoria, por lhe faltar além do dedo a solenidade que se espera de um presidente, a imprensa-empresa e parte considerável das elites médias e altas do Brasil nunca o perdoaram e assim optaram por fazer do absurdo um estilo com o qual consagraram um sistemático bombardeio difamatório - que se prolonga até os dias de hoje - ao governo daquele "sapo barbudo" que ousava exibir qualquer coisa de esfinge atrás de um rosto amável fora do tempo.

Nunca o entenderam, tampouco o decifraram.

Sequer perceberam aquele dom que ampliava a intensidade da sua luz: a paciência - como a de um camelo - que exaltava assim, o que escrevera Giacomo Leopardi: "é a mais heroica das virtudes, justamente por não ter nenhuma aparência de heroísmo."

"Pobre do país que precisa de heróis para defender a dignidade", pronunciou Lula em 29 de junho 2004, dessa vez na abertura da Conferência Nacional dos Direitos Humanos.

"Nunca dantes na história deste país" alguém atropelou com tanta habilidade, graça e magia a língua portuguesa.

E assim, com os olhos incandescentes e por vezes lacrimejantes de um sonhador, com sua personalidade avassaladora, barba de profeta e um coração benevolente iluminou um canto de amor à dignidade dos pobres deste país.

Certa vez falou aos jornalistas, sem se apequenar, o quanto era tamanho o peso de chumbo da sua educação. Se via cercado pela ditadura das palavras erradas e o quanto invejava a liberdade das palavras certas.

"O governo tenta fazer o simples, porque o difícil é difícil", pronunciou solene na 1ª Conferência Nacional do Esporte, em 17 de junho de 2004.

Aos meus olhos isso é parte de um horizonte fascinante que muitos adorariam ter alcançado.

Desse universo de semelhanças que num instante o identificam com seu povo, muito maiores que as diferenças que poderiam separá-los, ainda mais quando adornado com a expressão de um orgulho ímpar com que celebra cada conquista de sua tenacidade, com a luz da poesia.

E é por causa dessa luz inebriada de paciência que ele exibe no rosto as marcas das vitórias e das perdas em oito anos de mandato e que, embora decorrido um ano, ainda teima em brilhar para todos. 

Agora a jornalista Zilda Ferreira, finalmente, poderá entender - doze meses depois de ter escrito -, "por quê a multidão, [em Brasília, 01 de janeiro de 2011] gritava Lula, herói do povo brasileiro!".

"Gritava também enquanto o ex-presidente passava a faixa presidencial... Depois, quando descia a rampa... Nesse momento..., em que quebrou o protocolo, atravessou a rua e foi cumprimentar o povo, quase chorando."

Consagrou então seu canto de herói, entregou-o em lágrimas à multidão que o aclamava, ampliou como ninguém a chama de seu candeeiro e sem ornamento algum tornou pálida a arte dos governantes que o antecederam.

"Cheguei à Presidência para fazer as coisas que precisavam ser feitas ..."

Taí..., um singelo canto de um herói.

(*) Antonio Fernando Araujo é engenheiro e colabora neste blog.