07/11/2012 - por Frei Betto (*) - do site Envolverde (**)
A Justiça revogou a ordem de retirada de 170 índios Guarani-Kaiowá das terras em que habitam no Mato Grosso do Sul.
Em carta à opinião pública, eles apelaram: “Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui.
Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos, mesmo, em pouco tempo”.
A morte precoce, induzida – o que nós, caras-pálidas, chamamos de suicídio – é recurso frequente adotado pelos Guarani-Kaiowá para resistirem frente às ameaças que sofrem. Preferem morrer que se degradar. Nos últimos vinte anos, quase mil indígenas, a maioria jovens, puseram fim às suas vidas, em protesto às pressões de empresas e fazendeiros que cobiçam suas terras.

Segundo o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB, há que saber interpretar a palavra dos índios: “Eles falam em morte coletiva (o que é diferente de suicídio coletivo) no contexto da luta pela terra, ou seja, se a Justiça e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem em tirá-los de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nela, sem jamais abandoná-las”, diz a nota.

São comprovados os assassinatos de membros dessa etnia por pistoleiros a serviço de fazendeiros da região. Junto ao rio Hovy, dois índios foram mortos recentemente por espancamentos e torturas.
A Constituição abriga o princípio da diversidade e da alteridade, e consagra o direito congênito dos índios às terras habitadas tradicionalmente por eles. Essas terras deveriam ter sido demarcadas até 1993. Mas, infelizmente, a Justiça brasileira é extremamente morosa quando se trata dos direitos dos pobres e excluídos.

Participei, no governo Lula, de toda a polêmica em torno da demarcação da Raposa Serra do Sol. Graças à decisão presidencial e à sentença do Supremo Tribunal Federal, os fazendeiros invasores foram retirados daquela reserva indígena.
No caso dos Guarani-Kaiowá não se vê, por enquanto, a mesma firmeza do poder público. Até a Advocacia Geral da União, responsável pela salvaguarda dos povos indígenas – pois eles são tutelados pela União – chegou a editar portaria que, na prática, reduz a efetivação de vários direitos.

Os índios não são estrangeiros nas terras do Brasil. Ao chegarem aqui os colonizadores portugueses – equivocadamente qualificados nos livros de história de “descobridores” – se depararam com mais de 5 milhões de indígenas, que dominavam centenas de idiomas distintos. A maioria foi vítima de um genocídio implacável, restando hoje, apenas, 817 mil indígenas, dos quais 480 mil aldeados, divididos entre 227 povos que dominam 180 idiomas diferentes e ocupam 13% do território brasileiro.
Não adianta o governo brasileiro assinar documentos em prol dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável se isso não se traduzir em gestos concretos para a preservação dos direitos dos povos indígenas e de nosso meio ambiente.
Bem fez a presidente Dilma ao efetuar cortes no projeto do novo Código Florestal aprovado pelo Congresso.
Entre o agrado a políticos e os interesses da nação e a preservação ambiental, a presidente não relutou em descartar privilégios e abraçar direitos coletivos.
Resta agora demonstrar a mesma firmeza na defesa dos direitos desses povos que constituem a nossa raiz e que marcam predominantemente o DNA do brasileiro, conforme comprovou o Projeto Genoma Humano.
(*) Frei Betto é escritor, autor de Alfabetto – Autobiografia Escolar (Ática), entre outros –http://www.freibetto.org
twitter:@freibetto
(**) Publicado originalmente no site Adital.
Fonte:
http://envolverde.com.br/sociedade/artigo-sociedade/a-morte-anunciada-dos-guarani-kaiowa/?utm_source=CRM&utm_medium=cpc&utm_campaign=07