quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ditadura transitória da Fifa" - Vem aí o “AI-5 da Copa”

27.02.12 - PL quer punir “terroristas” e grevistas na Copa
Andrea Dip, da Agência Pública

“É a ditadura transitória da FIFA” diz presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, sobre projeto que corre no Senado em paralelo a Lei Geral da Copa


Foto: Daniel Kfouri

Enquanto as atenções estão voltadas para o projeto de Lei Geral da Copa (2.330/11) que está sendo votado na Câmara nesta terça-feira (28), os senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), Ana Amélia (PP-RS) e Walter Pinheiro (PTB-BA) correm com outro Projeto de Lei no Senado, conhecido pelos movimentos sociais como “AI-5 da Copa” por, dentre outras coisas, proibir greves durante o período dos jogos e incluir o “terrorismo” no rol de crimes com punições duras e penas altas para quem “provocar terror ou pânico generalizado”.

Sen. Marcelo Crivella

O PL 728/2011, apresentado no Senado em dezembro de 2011, ainda aguarda voto do relator Álvaro Dias (PSDB-PR) na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado. Se for aprovado, vai criar oito novos tipos penais que não constam do nosso Código Penal como “terrorismo”, “violação de sistema de informática” e “revenda ilegal de ingressos”, determinando penas específicas para eles. Essa lei – transitória – valeria apenas durante os jogos da FIFA.

Na justificativa da proposta, os senadores alegam que a Lei Geral da Copa deixa de fora a tipificação de uma série de delitos, necessária para “garantir a segurança durante os jogos”.

O projeto prevê ainda que quem “cometer crimes contra a integridade da delegação, árbitros, voluntários ou autoridades públicas esportivas com o fim de intimidar ou influenciar o resultado da partida de futebol poderá pegar entre dois e cinco anos de prisão”.

Para quem “violar, bloquear ou dificultar o acesso a páginas da internet, sistema de informática ou banco de dados utilizado pela organização dos eventos” a pena seria de um a quatro anos de prisão, além de multa. E para deixar a aplicação das penas ainda mais eficaz, o projeto prevê a instauração de um “incidente de celeridade processual” (art. 15), um regime de urgência em que a comunicação do delito poderia se dar por mensagem eletrônica ou ligação telefônica e funcionaria também nos finais de semana e feriados.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo, Martim Sampaio, considera o projeto um “atentado contra o Estado Democrático de Direito”. “É um projeto de lei absurdo que quer sobrepor os interesses de mercado à soberania popular. Uma lei para proteger a FIFA e não os cidadãos e que, além de tudo, abre precedentes para injustiças por suas definições vagas”, diz o advogado.

Para Thiago Hoshino, assessor jurídico da organização de direitos humanos Terra de Direitos e integrante do Comitê Popular da Copa de Curitiba, a questão é ainda mais complicada. Ele acredita que a junção de tantos assuntos em um mesmo projeto é uma tentativa de aprovar leis antigas que endurecem principalmente a legislação penal: “É um bloco perigoso que viola garantias básicas da Constituição. E há sempre o risco de estas leis transitórias se tornarem permanentes. A legislação da Copa é, na verdade, um grande laboratório de inovações jurídicas. Depois o que for proveitoso pode permanecer. É mais fácil tornar uma lei transitória permanente do que criar e aprovar uma nova” explica.

Terrorismo
O que chama a atenção logo de cara no projeto de lei é a tipificação de “terrorismo”, que até hoje não existe no nosso código penal. No PL, ele é definido como “o ato de provocar terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico ou xenófobo” com pena de no mínimo 15 e no máximo 30 anos de reclusão. Martim Sampaio diz que este é o artigo mais perigoso por não dar definições exatas sobre o termo: “Da maneira como está na lei, qualquer manifestação, passeata, protesto, ato individual ou coletivo pode ser entendido como terrorismo. Isso é um cheque em branco na mão da FIFA e do Estado”.

Documentos revelados pelo WikiLeaks revelaram a pressão americana para que o Brasil criasse uma lei para o “terrorismo”, principalmente para assegurar os megaeventos. No relatório de Lisa Kubiske, conselheira da Embaixada americana em Brasília, enviado para os EUA em 24 de dezembro de 2010, a diplomata mostra-se preocupada com as declarações de Vera Alvarez, chefe da Coordenação-Geral de Intercâmbio e Cooperação Esportiva do Itamaraty porque a brasileira “admite que terroristas podem atacar o Brasil por conta das Olimpíadas, uma declaração pouco comum de um governo que acredita que não haja terrorismo no País”.

Os banqueiros também pressionam o Estado a criar uma lei antiterrorismo há algum tempo. Também em 2010, a falta de uma legislação específica sobre terrorismo foi o principal foco em um congresso sobre lavagem de dinheiro e financiamento de grupos extremistas organizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em São Paulo. A questão poderia custar ao Brasil a exclusão do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), órgão multinacional que atua na prevenção desses crimes.

Greves
O projeto de lei também mira reduzir o direito à greve, prevendo a ampliação dos serviços essenciais à população durante a Copa – como a manutenção de portos e aeroportos, serviços de hotelaria e vigilância – e restringe a legalidade da greve de trabalhadores destes setores, incluindo os que trabalham nas obras da Copa, de três meses antes dos eventos até o fim dos jogos. Se aprovado, os sindicatos que decidirem fazer uma paralisação terão de avisar com 15 dias de antecedência e manter ao menos 70% dos trabalhadores em atividade. O governo ainda estará autorizado a contratar trabalhadores substitutos para manter o atendimento, o que é proibido pela lei 7.283/1989 em vigor no país, que estabelece 72 horas de antecedência para o aviso de greve e não determina um percentual mínimo de empregados em atividade durante as paralisações.

Eli Alves, presidente da Comissão de Direito Trabalhista da OAB-SP, lembra que o direito à greve também é garantido na Constituição Federal e diz que a sensação que fica é a de que “o Brasil está sendo alugado para a FIFA, flexibilizando suas próprias regras para fazer a Copa no país”. Martim Sampaio lembra que as greves foram proibidas durante a ditadura militar: “A gente conquistou este direito com o fim da ditadura, muitas vidas foram perdidas neste processo. Não é possível que agora criemos uma ditadura transitória da FIFA”. E convoca: “O único jeito de não deixar esta lei ser aprovada é por pressão popular. A gente tem bons exemplos de que isso funciona como a da lei da ficha limpa. É preciso conquistar a democracia todos os dias”.

A RÚSSIA SAI DA LETARGIA

25/02/2012 - Mauro Santayana - no JB e em seu blog

Enganam-se os que viram, na guerra fria, o conflito ideológico entre o sistema socialista e o sistema capitalista. Na verdade, todos os que examinam a história com cautela, sabem que as ideologias podem ser, em certas ocasiões, doutrinas de escolha para conduzir os projetos nacionais estratégicos, mas o sentimento de nação sempre prevalece sobre as idéias de caráter universal. Essa é uma das dificuldades do marxismo aplicado: não é fácil a união internacional dos trabalhadores contra o capital. Quando traduzida, a Internacional, mesmo mantendo a força de seus acordes, não tem o mesmo efeito da versão original de Eugéne Pottier, um participante da Comuna de Paris – nem mesmo em russo, ainda que tenha sido o hino oficial da URSS.


O homem, qualquer homem, é o centro de um universo que se amplia, mas que se distancia, ao ampliar-se. Assim, a percepção do mundo e de nossa existência nele encontra o limite ideal na comunidade cultural e em seu espaço geográfico – enfim, na pátria. A sobrevivência da comunidade nacional prevalece sobre os sistemas sociais que adotemos.
Em razão disso, podemos considerar que as revoluções políticas atendem, em primeira urgência, à salvação do povo – a sua liberdade e soberania dentro dos limites nacionais. Sendo assim, podemos dizer que o marxismo foi uma doutrina de ocasião para que o Império Russo fizesse a sua revolução nacional, derrubando uma monarquia enfermiça e alienada e instituindo novo sistema político. A etapa kerensquiana da revolução nada prometia senão uma república tão conservadora quanto o regime dos Romanov – daí a ousadia de Lenine e seus companheiros.

A revolução se estagnou e retrocedeu com Stalin, para se perder com Gobartchev. Ela vinha se esvaziando, por não avançar rumo à utopia de uma sociedade sem classes, que fora a promessa de 1917. A tecnocracia substituíra a nobreza do Império e parcelas da sociedade se cansaram das restrições. Isso possibilitou a Gobartchev capitular, como capitulou, sem a habilidade para promover uma transição mais inteligente para a economia de mercado.

A queda do muro de Berlim foi um desastre para o mundo socialista e, especialmente, para a União Soviética, esquartejada e com sua economia dilacerada, com as empresas do Estado entregues aos favoritos de Ieltsin. As nações, no entanto, são capazes de soerguer-se em pouco tempo, desde que encontrem motivos para isso. Nos últimos 24 anos, com as dificuldades conhecidas, a Rússia vem recuperando a consciência de nação e sua força histórica. O complexo de derrota, que se seguiu à fragmentação do antigo Império e à arrogância dos Estados Unidos como a única potência hegemônica, foi vencida. A aliança entre os países emergentes, que une o Brasil à Rússia, à Índia, à China e à África do Sul, é um novo espaço de influência na geopolítica, compartilhado por essas potências – e anima os russos.
Eles têm reconstruído seus exércitos, e, a duras penas na fase confusa da reorganização do núcleo mais poderoso do antigo Império, restaurado sua indústria pesada. Setores em que eles haviam sido, e durante muito tempo, superiores, como os da aviação militar e dos
mísseis, foram recuperados. Seus aviões de caça, bem como seus foguetes intercontinentais, continuam a ser considerados do mesmo nível (e, em alguns casos, superiores) aos de seus rivais.

Putin pode ter, e tem, grandes defeitos, a par de sua vocação ditatorial, segundo seus desafetos, mas vem devolvendo aos russos o seu orgulho antigo. O nacionalismo russo apelou para a Revolução de Outubro, mesmo contra a opinião de Marx, que via pouca possibilidade de um movimento socialista em uma região geo-econômica que não se libertara de todo da visão medieval da economia e do poder. O nacionalismo russo de nossos dias, não só aceita como prestigia (conforme as pesquisas pré-eleitorais destas horas) o líder político que encarna a recuperação do orgulho do velho país.

A URSS – que ocupava a mais extensa região do globo, com seus quase 25 milhões de quilômetros quadrados – não mais existe, mas a Rússia continua sendo o maior território nacional do mundo (duas vezes o tamanho do Brasil), com seus 17 milhões de quilômetros quadrados.

Com essa presença poderosa, e mais de 1.200.000 homens em armas, a Federação Russa quer ser ouvida e acatada no mundo de hoje. E não há dúvida de que o seu projeto nacional é o de recuperar o espaço político que conquistara na Segunda Guerra Mundial, e que perdeu em 1991. A indústria militar, conforme explicou Putin, irá provocar a aceleração de toda a economia nacional.

Para isso, Putin anunciou que a indústria bélica irá produzir, nos próximos dez anos, mais 400 mísseis balísticos modernos, 8 submarinos estratégicos, 20 submarinos polivalentes, mais de 50 navios de superfície, cerca de cem veículos espaciais com função militar, mais de 600 aviões modernos, mais de 1.000 helicópteros e 28 baterias antiaéreas dotadas de mísseis terra-ar S-400.


Em que linhas desse projeto de desenvolvimento de material de defesa valeria a pena para o BRICS (e o Brasil) participar ?

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Inteligência dos EUA trabalha para o PiG

Publicado em 27/02/2012 - Paulo Henrique Amorim - Conversa Afiada

O Stanley Burburinho envia denúncia-bomba: tem alguém do PiG que “compra” furo de reportagem de empresa que trabalha com Inteligência para o Governo americano.

Quem será?

 
Quem tem bala para isso?

O infatigável e insubstituível Stanley Burburinho (quem será ele?):

Veja o e-mail vazado pelo WikiLeaks que mostra que existe um grande jornal brasileiro que é parceiro de uma empresa que fornece serviços de inteligência confidenciais para grandes corporações dos EUA e também para agências governamentais, incluindo o Departamento de Segurança Interna dos EUA, os fuzileiros navais dos EUA e a Agência de Inteligência de Defesa dos EUA.


WikiLeaks: The Global Intelligence Files

Na segunda-feira, 27 fevereiro de 2012, o WikiLeaks começou a publicar “Os Arquivos Globais de Inteligência”, mais de cinco milhões de e-mails do Texas sede da empresa de “inteligência global” Stratfor. Os e-mails datam entre julho de 2004 e final de dezembro de 2011. Eles revelam o funcionamento interno de uma empresa que atua como uma editora de inteligência, mas fornece serviços de inteligência confidenciais para grandes corporações, como a Dow Chemical Co. de Bhopal, a Lockheed Martin, Northrop Grumman, Raytheon e agências governamentais, incluindo o Departamento de Segurança Interna dos EUA , os fuzileiros navais dos EUA e Agência de Inteligência de Defesa dos EUA. Os e-mails mostram a teia de informantes da Stratfor, estrutura de pagamento, técnicas de lavagem de pagamento e métodos psicológicos.


LEMBRETE da Confederação – Lista de Anseios do Brasil - E-mail ID-5502132
Data: 2011/12/05 15:33:37
De: allison.fedirka @ stratfor.com
Para: econ@stratfor.com, latam@stratfor.com

Estarei enviando a lista de orientações para o nosso parceiro Confederação amanhã. Obrigado a todos aqueles que responderam. Incluí e exemplifiquei uma lista de itens no final deste e-mail. Por favor, sintam-se livres para fazer alterações ou adicionar qualquer coisa ao e-mail.

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"Oi a todos,
Ontem me encontrei com um parceiro da confederação brasileira, um grande jornal daqui. Ontem me encontrei com o POC (POC (Militar) = Point Of Contact: Ponto de Contato – http://wikileaks.org/wiki/POC_(military)) [ponto de contato] principal, bem como o cabeça do jornal para discutir como poderíamos tornar a nossa parceria mais produtiva.

Uma das coisas que o jornal solicitou de nós foi uma lista de itens específicos de nosso interesse. Nosso POC (ponto de contato) está disposto a nos colocar em contato com vários repórteres que são especialistas em nossas áreas de interesse. Essas pessoas estarão disponíveis para bate-papos em geral e também questões específicas.

Então, o que eu preciso é de uma lista de itens que nos interessam. É necessário que tenha um bom equilíbrio entre específico versus geral.

Depois de pronto, eles terão uma idéia melhor de quem colocarão em contato com a gente. Então, poderemos enviar perguntas específicas, por exemplo: como é que o derramamento de petróleo pela Chevron afeta os regras do petróleo?

Ontem eu conheci pessoas que podem ajudar com a macroeconomia / política, infra-estrutura e política brasileiras. Então, essas seriam boas áreas para se obter alguns itens de nosso interesse. Esta lista será útil tanto para a cooperação e para atualização da nossa orientação. Gostaria de obter essa lista para o nosso POC na segunda-feira da próxima semana ou terça-feira no mais tardar.

Obrigado, Allison"


ECONOMIA
- A decisão política sobre crescimento, inflação
- Disputas comerciais com a Argentina
- Relação com a China; investimentos em energia, dumping de mercadorias, concorrência no setor

INFRA-ESTRUTURA
- Modernização dos projetos portuários
- Medida a ser implementada para se certificar de que os projetos da Copa do Mundo serão concluídos dentro do prazo

DEFESA
- Os exercícios militares na fronteira
- 13 tratados com os países fronteiriços para coordenar os esforços na luta anti-droga
- Qualquer pressão sobre os orçamentos militares em face de restrições financeiras

POLÍTICA BRASILEIRA
- Remodelação do gabinete em Janeiro[2012, acredito – posse de Dilma]
- Resultados e conseqüências da votação para divisão do estado do Pará.

http://wikileaks.org/gifiles/docs/5502132_confed-reminder-brazil-wish-list-.html

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Somos todos “Anonymous” - “We are all Anonymous”

dom, 26 de fevereiro de 2012 - Anonymous News
Rede Castorphoto - Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Somos Anonymous

Somos legião. Estamos em todos os lugares e em qualquer lugar.



Somos gay no Texas, negro nos anos 1950s em Selma, separatista basco na Espanha, curdo no Iraque e na Síria, anarquista na França, palestino em Israel, blogueiro dissidente na China, cigano na Polônia, inuit em Nunavut, ativista hacker na Grã-Bretanha, mulher sozinha num beco às 2h da manhã, agricultor sem terra, ocupante no Zuccotti Park, membro de gangue na favela e no gueto, um carinha sentado sozinho num bar, um manifestante no Egito, um menino-soldado na Somália, um estudante infeliz afogado em dívidas, uma família despejada, e também somos você, claro.


Somos as minorias exploradas, marginalizadas e oprimidas que sentem no coração queimar o fogo da revolta e levantam-se para resistir e mudar o status quo.

Somos cada um e todos os excluídos e roubados que acordaram para ver que, sim, cada um tem importância e merece mais da vida.


Somos todas as maiorias que têm de calar e ouvir a mensagem da suficiência que nos é impingida no palco global.

Somos cada movimento e cada rebelião que canaliza a própria energia para agir.


Somos o medo paralisante de que tudo se repita, os pensamentos cimerianos (obscuros, escuros, infelizes, sombrios, nebulosos, frios, soturnos, depressivos, desolados, consolados, assustadores, apavorantes, fantasmagóricos [sobretudo no inglês da Escócia], elegíaco, funéreo, deus-nos-livre, lúgubre, miserável, mórbido, plutoniano, sepulcral, solene, sombrio, pálido, tenebrífico, tenebroso), o amaldiçoado rugido que mantém despertos, à noite, insones, os donos do poder.

Somos a espada que pende sobre a cabeça dos tiranos – isso é Anonymous.

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Da Equipe do Educom: "Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

A ESPANHA E O PRINCÍPIO DA RECIPROCIDADE

21/02/2012 - Mauro Santayana em seu blog

Se, conforme o personagem de Guimarães Rosa, cada um de nós tem os seus seis meses, com as sociedades nacionais ocorre a mesma coisa. Em tempos recentes, e as causas são conhecidas, o Brasil passou por momentos amargos, e centenas de milhares de brasileiros se dispersaram pelo mundo – do Japão à Irlanda, de Portugal ao Canadá. Era a diáspora econômica, depois da diáspora política dos anos de chumbo.

Uma onda de xenofobia nos atingiu, principalmente na Península Ibérica. Em Portugal, país de que jamais poderíamos esperar uma atitude dessas, fomos rechaçados como leprosos morais. Foi necessária uma combinação diplomática hábil, entre firmeza e paciência, conduzida, nos momentos mais agudos, pelo Embaixador José Aparecido de Oliveira, que contou com as personalidades políticas mais responsáveis daquele país – entre elas e, em primeiro lugar, Mário Soares – a fim de que o repúdio aos brasileiros se amenizasse.

Dos espanhóis, a quem não nos ligavam os mesmos sentimentos afetivos, recebemos tratamento igual, mas que não nos doeu, naquele momento, tanto quanto o daqueles de quem herdamos a língua e a nossa forma de sentir o mundo.

Na época, muitos brasileiros lembraram, menos como cobrança histórica, mas com perplexidade, da acolhida que o nosso país sempre deu aos europeus, nas épocas de crise, principalmente aos portugueses, mesmo tendo sofrido, como havíamos sofrido, a brutalidade do colonialismo. Em toda a Europa, a situação foi semelhante. Registremos, com justiça, que - mesmo com o rigor de suas leis a respeito do assunto - nos Estados Unidos, no Japão, e no Canadá, os brasileiros não foram vistos com o mesmo desprezo que sofríamos na Europa.

Os ventos históricos movem as nossas velas, neste momento. As circunstâncias internas e externas, aproveitadas com inteligência pelo governo e pela sociedade brasileira, nos permitiram, até agora, fazer frente à crise internacional, e assegurar relativo crescimento ao país. Os que têm bom senso se esquivam de considerar essa situação como adquirida para sempre. Também contraria a nossa índole transformar os êxitos atuais em manifestações grosseiras de desforra. As lições da História não podem ser desprezadas.

Todos os povos são iguais. O sentimento de patriotismo é positivo, mas não pode ser exercido na xenofobia, no chauvinismo, no preconceito étnico. A nossa diplomacia sempre tratou com cautela o problema dos brasileiros no Exterior. Por um lado, em alguns governos, como os de Fernando Collor e Fernando Henrique, fomos conduzidos pelo complexo de inferioridade, e tentávamos entrar no convívio dos países maiores - como fazem os servidores contratados para as festas – pelas portas dos fundos.

Pelo outro, temíamos, ao tratar de tema tão delicado, que o nosso endurecimento pudesse provocar situações ainda mais difíceis aos nossos compatriotas no exterior. Depois que o Tratado de Schengen foi alterado pelos acordos de Lisboa, de 2007, a situação dos chamados extracomunitários na Europa se tornou ainda mais dramática. A Espanha, Portugal e a Itália exacerbaram o controle da entrada, em suas fronteiras, dos visitantes latino-americanos em geral - e dos brasileiros, em particular. E, convém registrar: o Aeroporto de Barajas, em Madri, destacou-se na brutalidade em reter os turistas brasileiros em suas instalações, principalmente os mais jovens, antes de devolvê-los, sob o látego da humilhação. Muitos eram algemados, e assim mantidos nas dependências policiais, sem comer, nem beber. Ao mesmo jejum eram submetidas as crianças retidas.

Em 2007, mais de 3.000 brasileiros já haviam sido repatriados dos aeroportos espanhóis, com um prejuízo, só em passagens, de mais de 6 milhões de dólares. Em 2008, foram 2.196. Em 2009, 1.714. Em setembro de 2010, ocorreu a segunda Reunião Consular de Alto Nível entre os dois países, mas nada mudou. Naquele ano foram expulsos mais 1.695 brasileiros.

O governo atual, que procura solucionar problemas antigos, entre eles, os da corrupção no Estado, decidiu reexaminar a questão. O Itamaraty vinha tentando, com a paciência tradicional da Casa, resolver o problema com as autoridades espanholas, sem qualquer êxito.

Reuniões se fizeram em Madri e foram feitas promessas, nunca cumpridas.

Diante de tudo isso, a Chancelaria decidiu exercer, na defesa de nossos compatriotas, o direito e o dever da reciprocidade. A partir de dois de abril, os espanhóis que vierem ao Brasil deverão cumprir as mesmas exigências que as autoridades espanholas exigem dos visitantes brasileiros. Nenhuma a mais, nenhuma a menos.

Em conseqüência, um movimento de ódio, insuflado pela extrema-direita espanhola, ocupou a internet, com insultos chulos contra o povo brasileiro. Voltaram aos estereótipos: todo jovem brasileiro que chega a Madri é um travesti; toda jovem, uma prostituta. Travestis e prostitutas existem em todas as sociedades, e se essas pessoas mudam de país é porque encontram em seu destino mercado para as suas atividades. E há mais: as organizações internacionais humanitárias denunciam essa mobilização como tráfico internacional da escravidão branca. Moças e rapazes são seduzidos com falsos contratos de trabalho, ou sob enganosas promessas de casamento, para serem submetidos ao cárcere privado, em prostíbulos.

Em princípio, qualquer estado soberano tem o direito de fechar suas fronteiras a qualquer estrangeiro, negando-lhe a entrada, sem explicar sua atitude. Mas é da boa norma, nas relações internacionais, que trate com dignidade o recusado, favorecendo seu contato com as autoridades consulares de seu país, se as houver, e de prestar-lhe a assistência recomendada nas circunstâncias, como alimentá-lo e dar-lhe alojamento decente, enquanto durar a custódia. Não era o que ocorria aos brasileiros em Madri.

Temos sido muito complacentes – em nome dos interesses dos negócios do turismo – com os estrangeiros. Em certo momento, e já no governo Lula, o ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, propôs que revogássemos, unilateralmente, a exigência de vistos de turismo para os cidadãos norte-americanos. Felizmente, prevaleceu, na ocasião, o bom senso e a ponderação do Itamaraty de que não devíamos fazê-lo.

Agora, o mesmo complexo de inferioridade se manifesta. Em programa de televisão, certa senhora de São Paulo, apresentada como analista de não sabemos bem o quê, criticou a posição brasileira. Somos humilhados e ofendidos pelos espanhóis e devemos, conforme essa senhora, tratá-los com o pão, o sal e as flores da velha hospitalidade. Não só devemos oferecer a outra face aos que nos estapeiam, mas, também, beijar as mãos agressoras.

Turista "tenta agradar" Imigração espanhola

Vamos receber, com o devido respeito, a partir do segundo dia de abril, todos os espanhóis que chegarem às nossas fronteiras, marítimas, aéreas e terrestres, munidos da mesma documentação que nos exigem em seu país, e submetê-los aos mesmos trâmites imigratórios, mas sem nenhum arranhão aos direitos humanos.
 
O povo de Cervantes e de Picasso, de Goya e de Lorca, é muito maior do que a facção dos Torquemadas e Francos, e merece o nosso respeito. Mas, até mesmo para que dêem valor à nossa acolhida, os espanhóis honrados sabem que devem cumprir as mesmas normas que cumprimos quando visitamos o seu país. Não merece respeito o povo que não respeita os outros povos, nem lhes exige, em troca, o mesmo comportamento.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Acidente na Argentina reabre debate sobre privatizações no sistema ferroviário.

24/02/2012 - Monica Yanakiew - Agência Brasil - Opera Mundi


Buenos Aires 
Empresas são acusadas de não terem investido o suficiente em infraestrutura e manutenção

O acidente de trem no centro de Buenos Aires, que matou 50 pessoas e deixou mais de 700 feridas na quarta-feira (22/02), reabriu o debate sobre as privatizações do sistema ferroviário, feitas na década de 1990 pelo então presidente Carlos Menem. Políticos da oposição, sindicalistas e especialistas do Instituto Argentino de Ferrovias, ouvidos pela Agência Brasil, acusam as empresas que obtiveram concessões do Estado de não terem investido o suficiente em infraestrutura e manutenção. Responsabilizam também os sucessivos governos por terem mantido os contratos que favorecem as empresas privadas com subsídios, sem obrigá-las a investir ou a fazer os consertos necessários.

É um problema que denunciamos há décadas. Em 2004, os inspetores da Comissão Nacional de Regulamentação de Transporte determinaram que, de cada dez veículos, só um podia circular. Mas, essa situação não melhorou desde então”, disse o líder sindical Elido Veschi. “As empresas concessionárias não cuidam sequer da manutenção. Existem penalidades se não fizerem os consertos, mas recorrem à Justiça e dilatam os tempos”.

Segundo Pablo Martorelli, presidente do Instituto Argentino de Ferrovias, existem dois regimes de concessão - um para trens de transporte de passageiros, que dão perdas, recebem subsídios do Estado (em média, dez pesos argentinos por passageiro) e só precisam cuidar da manutenção. O outro regime, para trens de carga, obriga as empresas a investirem parte de seus lucros em infraestrutura. Atualmente, duas empresas brasileiras têm concessões para operar trens de carga na Argentina: a América Latina Logística e a Camargo Correia.

De acordo com Martorelli, o Estado não fez grandes investimentos no setor desde a década de 1990. Em 2004, o então presidente Néstor Kirchner (marido da presidenta Cristina Kirchner) rescindiu três contratos com empresas particulares e implementou um plano para recuperar as linhas. Mas a maioria dos trens continua nas mãos de empresas privadas.

O acidente de quarta-feira, um dos piores em 40 anos, ocorreu na linha de trem Sarmiento, operada pela empresa TBA, que pertence ao mesmo grupo empresarial que tem ações no metrô do Rio de Janeiro. Tanto a empresa quanto o governo abriram investigações para descobrir por qual motivo o trem – que vinha reduzindo a velocidade a um ritmo normal - parou de frear faltando 40 metros para chegar à estação. Acabou batendo, a 26 quilômetros por hora, na barreira da plataforma de uma das estações mais movimentadas, bem no horário de pico em Buenos Aires.

O anúncio da abertura de inquérito por parte do governo não acalmou os ânimos dos parentes das vítimas. Os políticos da oposição criticaram a presidenta Cristina Kirchner por não mudar um sistema que está falhando. O deputado Jorge Cardelli, do Partido Proyecto Sul, é um especialista no assunto. O fundador do partido e o cineasta Fernando Pino Solanas fez do sistema ferroviário argentino sua bandeira e até produziu um longa-metragem, mostrando como a privatização levou ao sucateamento de linhas que atendiam à população do interior e que foram desativadas por serem consideradas pouco rentáveis.

O sistema ferroviário argentino foi construído pelos ingleses, nacionalizado nos anos 1940 e privatizado nos anos 1990. Na época, a desculpa era que custava muito manter 80 mil empregados e que o governo precisava de uma injeção de capital privado para garantir o funcionamento dos trens. Mas isso não aconteceu. O governo continua subsidiando e o serviço piorou”, diz Cardelli. “Hoje existem 16 mil empregados, o sistema de sinalização é o mesmo dos anos 1920 e os vagões têm 40 anos. Mesmo que as empresas não sejam obrigadas a investir em infraestrutura, são responsáveis pela manutenção. Como podem achar que é seguro transportar passageiros nessas condições”? - indagou o parlamentar.

Mal foi reeleita, em dezembro passado, a presidente Cristina Kirchner começou a rever os subsídios que o governo concedia para manter os preços baixos da luz, do gás e do transporte público em ônibus. Por enquanto, os trens continuam sendo subsidiados. O problema é que se rescindir os contratos com as empresas privadas, o Estado terá de arcar com todos os gastos do sistema ferroviário. Mas em ano de crise internacional, a palavra de ordem é apertar o cinto.

O governo já questiona as empresas que exploram e comercializam petróleo e gás na Argentina, desde a privatização da Yacimentos Petroliferos Estatales (YPF). São cinco, entre elas a Petrobras, mas o alvo de todas as críticas é a espanhola Repsol. Por falta de investimentos, a Argentina passou de exportador de energia a importador.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Salvar vidas ou o capital?

Do blog Amai-vos - Coluna: Frei Betto - dez/2011

O melhor Papai-Noel do mundo merecera 523 instituições financeiras europeias quatro dias antes do Natal: 489 bilhões de euros (o equivalente a R$ 1,23 trilhão), emprestados pelo BCE (Banco Central Europeu) a juros de 1% ao ano!


Curiosa a lógica que rege o sistema capitalista: nunca há recursos para salvar vidas, erradicar a fome, reduzir a degradação ambiental, produzir medicamentos e distribui-los gratuitamente. Em se tratando da saúde dos bancos, o dinheiro aparece num passe de mágica!


Há, contudo, um aspecto preocupante em tamanha generosidade: se tantas instituições financeiras entraram na fila do bolsa-BCE, é sinal de que não andam bem das pernas…
Rembrandt

Quais os fundamentos dessa lógica que considera mais importante salvar o Mercado que vidas humanas? Um deles é este mito de nossa cultura: o sacrifício de Isaac por Abraão (Gênesis 22, 1-19).

No relato bíblico, Abraão deve provar a sua fé sacrificando a Javé seu único filho, Isaac. No exato momento em que, no alto da montanha, prepara a faca para matar o filho, o anjo intervém e impede Abraão de consumar o ato. A prova de fé fora dada pela disposição de matar. Em recompensa, Javé cobre Abraão de bênçãos e multiplica-lhe a descendência como as estrelas do céu e as areias do mar.

Essa leitura, pela ótica do poder, aponta a morte como caminho para a vida. Toda grande causa - como a fé em Javé - exige pequenos sacrifícios que acentuem a magnitude dos ideais abraçados. Assim, a morte provocada, fruto do desinteresse do Mercado por vidas humanas, passa a integrar a lógica do poder, como o sacrifício “necessário” do filho Isaac pelo pai Abraão, em obediência à vontade soberana de Deus.

Abraão era o intermediário entre o filho e Deus, assim como o FMI e o BCE fazem a ponte entre os bancos e os ideais de prosperidade capitalista dos governos europeus - que, para escapar da crise, devem promover sacrifícios.

Essa mesma lógica informa o inconsciente do patrão que sonega o salário de seus empregados sob pretexto de capitalizar e multiplicar a prosperidade geral, e criar mais empregos. Também leva o governo a acusar as greves de responsáveis pelo caos econômico, mesmo sabendo que resultam dos baixos salários pagos aos que tanto trabalham sem ao menos a recompensa de uma vida digna.

O deus da razão do Mercado merece, como prova de fidelidade, o sacrifício de todo um povo. Todos os ideais estão prenhes de promessas de vida: a prosperidade dos bancos credores, a capitalização das empresas ou o ajuste fiscal do governo. Salva-se o abstrato em detrimento do concreto, a vida humana.

O espantoso dessa lógica é admitir, como mediação, a morte anunciada. Mata-se cruelmente através do corte de subsídios a programas sociais; da desregulamentação das relações trabalhistas; do incentivo ao desemprego; dos ajustes fiscais draconianos; da recusa de conceder aos aposentados a qualidade de uma velhice decente.

A lógica cotidiana do assassinato é sutil e esmerada. Aqueles que têm admitem como natural a despossessão dos que não têm. Qualquer ameaça à lógica cumulativa do sistema é uma ofensa ao deus da liberdade ocidental ou da livre iniciativa. Exige-se o sacrifício como prova de fidelidade. Não importa que Isaac seja filho único. Abraão deve provar sua fidelidade a Javé. E não há maior prova do que a disposição de matar a vida mais querida.

A lógica da vida encara o relato bíblico pelos olhos de Isaac. Este não sabia que seria assassinado, tanto que indagou ao pai onde se encontrava o cordeiro destinado ao sacrifício. Abraão cumpriu todas as condições para matar o filho. Subjugou-o, amarrou-o, colocou-o sobre a lenha preparada para a fogueira e empunhou a faca para degolá-lo.

No entanto, inspirado pelo anjo, Abraão recuou. Não aceitou a lógica da morte. Subverteu o preceito que obrigava os pais a sacrificarem seus primogênitos. Rejeitou as razões do poder. À lei que exigia a morte, Abraão respondeu com a vida e pôs em risco a sua própria, o que o forçou a mudar de território. 
 Se não mudarmos de território – sobretudo no modo de encarar a realidade -, como Abraão, continuaremos a prestar culto e adoração a Mamom.

Continuaremos empenhados em salvar o capital, não vidas, e muito menos a saúde do planeta.