22/02/2013 - Saul Leblon - Carta Maior
Encarregado de fazer o contraponto à la carte para a mídia, Aécio Neves sequer roçou a grande pergunta embutida no feixe de avanços sociais e econômicos reunidos pela Fundação Perseu Abramo, para o evento da última 4ª feira, "10 Anos do PT".
- "Se voltasse ao poder, o que o conservadorismo faria do Brasil que temos hoje?"
O fato de Aécio ter omitido preferências não significa que não as tenha. Ele as tem. São as mesmas dos seus rivais de partido; as mesmas dos vulgarizadores de seu credo na mídia. As mesmas marteladas pelos professores-banqueiros encarregados de pavimentar a candidatura conservadora até 2014.
Fácil é defendê-las em artigos acadêmicos. Palatável, discorrer sobre elas em colunas dirigidas aos iniciados da mesma igreja. Complicado assumi-las em uma tribuna pública. Quase inviável assoalhar um palanque presidencial com o seu conteúdo.
A tarefa consiste em desqualificar e desautorizar grandezas sociais de uma mutação histórica dificilmente reversível pelas urnas.
Para ir direto ao ponto mais agudo de uma dinâmica inconclusa mas incontrolável:
As favelas brasileiras reúnem 12 milhões de habitantes e formam hoje um mercado de R$ 56 bilhões. O equivalente a uma Bolívia.
Não é propaganda do PT. É o resultado da pesquisa feito pelo Data Favela em 2011.
Ela mostra que 65% das populações faveladas pertencem agora ao que se convencionou denominar de nova classe média, ou classe C.
Em 2002 o percentual era de 37%.
Favela continua sendo favela. Mas o recheio humano mudou. E aí reside o paradoxo de uma dinâmica infernal para aécios e assemelhados.
O mesmo ocorre nas periferias metropolitanas que continuam sendo periferias conflagradas.
Ou nos bairros distantes que continuam carentes de serviços essenciais.
E também nos conjuntos habitacionais, vilas e arruamentos rurais do resto do país.
Que continuam sendo tratados como resto do país.
O dado banalizou-se. Mas não a completa extensão do paradoxo político que encerra. Não o desconforto eleitoral que constrange o discurso do conservadorismo.
A ponto de Aécio recitar frases de efeito que não tem nenhum efeito.
A ponto de Lula, Dilma e o PT, de um modo geral, apostarem que esse impulso ainda pode encher as velas de mais uma vitória eleitoral. Guiada pela promessa do passo seguinte dessa história: a cidadania plena.
Mesmo difuso e ainda sem projeto - que cabe ao PT esclarecer - o aceno tem receptividade expressiva. Milhões de brasileiros que formariam um país do tamanho da Argentina deixaram de ser meros sobreviventes de um naufrágio de 500 anos.
Chegaram à praia. Querem mais.
Como dizer-lhes: "Não, o regime de metas de inflação não comporta vocês".
Ou, como preferem os professores-banqueiros do PSDB:
"O populismo petista aqueceu a demanda para além do hiato do produto (potencial produtivo acionável na economia; que eles interpretam como um grandeza inelástica)".
A receita para reverter o desmando é a plataforma que os tucanos e assemelhados hesitam em explicitar em palanque. Um lactopurga feito de choque de juros e cortes no salário real; a começar pelo salário mínimo.
Quase tão simples assim.
A dificuldade reside no fato de que o "voluntarismo petista" consumou um colégio eleitoral que hoje elege sozinho um presidente da República, se quiser.
De modo que o problema não é Aécio. Um Aécio careca enfrentaria a mesma dificuldade.
O balanço reunido pelo PT envolve escolhas e desdobramentos que vão além das platitudes da má vontade conservadora.
A tal ponto que argui a zona de conforto da própria agenda progressista.
Sobre uma delas o governo se debruça exaustivamente nesse momento.
Trata-se de viabilizar um novo ciclo de investimentos que redesenhe os contornos de um país previsto originalmente para acomodar apenas o terço superior da renda.
A nova cartografia escapa às receitas técnicas que seduzem uma parte do governo. Reequilíbrios macroeconômicos são indispensáveis.
Mas as soluções imaginadas cobram um protagonista social que as legitimem e ferramentas que as executem. A hegemonia numérica da chamada classe C sobreviveu à crise mundial do capitalismo porque, entre outras coisas, Lula e Dilma colocaram os bancos estatais a seu serviço.
Dispor de ferramentas autônomas permitiu ao governo criar um fenômeno de consumo indissociável da aspiração por cidadania plena. Isso mudou a pauta política do país ao dificultar sobremaneira o discurso conservador.
Qual seria o equivalente na batalha do investimento? Por enquanto não existe.
Daí as dificuldades dilacerantes que empurram o governo de concessão em concessão. Com resultados ainda imponderáveis.
Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1195
- PT: A idade da razão - Saul Leblon
- A criminalização do PT e do povo - Lígia Deslandes
- Caravanas da Cidadania: há uma pedra no meio do caminho - Saul Leblon
- Partido e governo - Mino Carta
- Veja as ideias e propostas de uma nova geração para transformar o Brasil
Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.