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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O futuro dos índios

16/02/2013 - Entrevista com Manuela Carneiro da Cunha
- Por Guilherme Freitas no blog Combate ao Racismo Ambiental

Muitas vezes vistos como “atrasados” ou como entraves à expansão econômica, os povos indígenas apontam, com seus saberes e seu modo de se relacionar com o meio ambiente, um caminho alternativo para o Brasil, diz a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha (foto abaixo), que lança coletânea de ensaios sobre o tema.

Em “Índios no Brasil: História, direitos e cidadania” (Companhia das Letras), ela reúne ensaios das últimas três décadas sobre temas como a demarcação de terras e as mudanças na Constituição.

Nesta entrevista, a professora da Universidade de Chicago, convidada pelo governo federal para desenvolver um estudo sobre a relação entre os saberes tradicionais e as ciências, critica o "desenvolvimentismo acelerado" da gestão Dilma e defende "um novo pacto" da sociedade com as populações indígenas.

Índios no Brasil” é uma compilação de textos publicados desde o início da década de 1980. Ao longo desse período, quais foram as principais mudanças no debate público brasileiro sobre as populações indígenas?

Eu colocaria como marco inicial o ano de 1978, ano em que, em plena ditadura, houve uma mobilização sem precedentes em favor dos direitos dos índios. Na época, o Ministro do Interior, a pretexto de emancipar índios de qualquer tutela, queria “emancipar” as terras indígenas e colocá-las no mercado. O verdadeiro debate centrava-se no direito dos índios às suas terras, um princípio que vigorou desde a Colônia. Nesse direito não se mexia. Mas desde a Lei das Terras de 1850 pelo menos, o expediente foi o mesmo: afirmava-se que os índios estavam “confundidos com a massa da população” e distribuía-se suas terras.

Em 1978, tentou-se repetir essa mistificação. A sociedade civil, na época impedida de se manifestar em assuntos políticos, desaguou seu protesto na causa indígena. Acho que o avanço muito significativo das demarcações desde essa época teve um impulso decisivo nessa mobilização popular.

Outro marco foi a Assembleia Constituinte, dez anos mais tarde. O direito às terras tendo sido novamente proclamado e especificado, o debate transferiu-se para o que se podia e não se podia fazer nas terras indígenas, e dois temas dominaram esse debate: mineração e hidrelétricas.

Muito significativa foi a defesa feita pela Coordenação Nacional dos Geólogos de que não se minerasse em áreas indígenas, que deveriam ficar como uma reserva mineral para o país. Desde essa época, as mudanças radicais dos meios de comunicação disseminaram para um público muito amplo controvérsias como a que envolve por exemplo Belo Monte e hidrelétricas no Tapajós, e situações dramáticas como as dos awá no Maranhão ou dos kaiowá no Mato Grosso do Sul.

Creio que a maior informação da sociedade civil mudou a qualidade dos debates. Um tema novo de debates surgiu com a Convenção da Biodiversidade, em 1992, o dos direitos intelectuais dos povos indígenas sobre seus conhecimentos. E finalmente, com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), está se debatendo a forma de colocar em prática o direito dos povos indígenas a serem consultados sobre projetos que os afetam.

Você observa que a população indígena no país aumentou de 250 mil pessoas, em 1993, para 897 mil, segundo o Censo de 2010. A que pode ser atribuído esse aumento? As políticas de demarcação de terras e promoção dos direitos indígenas têm correspondido a ele?

O grande aumento da população indígena se deu no período de 1991 a 2000. Entre 2000 e 2010, o aumento foi proporcionalmente menor do que na população em geral. Só uma parcela desse crescimento pode ser atribuído a uma melhora na mortalidade infantil e na fertilidade. O que realmente mudou é que ser índio deixou de ser uma identidade da qual se tem vergonha. Índios que moram nas cidades, em Manaus por exemplo, passaram a se declarar como tais. E comunidades indígenas, sobretudo no Nordeste, reemergiram. Mas, contrariamente ao que se pode imaginar (e se tenta fazer crer), essas etnias reemergentes não têm reclamos de terras de áreas significativas.

Como avalia a atuação do governo da presidente Dilma Rousseff em relação às populações indígenas, diante das críticas provocadas pela Portaria 303 (que limitaria o usufruto das terras indígenas demarcadas) e o novo Código Florestal, por exemplo?

O Executivo tem várias faces: seu programa de redistribuição de renda está sendo um sucesso; mas seu desenvolvimentismo acelerado atropela outros valores básicos. Além disso, o agronegócio só tem aumentado seu poder político, o que desembocou no decepcionante resultado do aggiornamento do Código Florestal em 2012. O governo tentou se colocar como árbitro, mas ficou refém de um setor particularmente míope do agronegócio, aquele que não mede as consequências do desmatamento e da destruição dos rios.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, em vários estudos enviados ao Congresso e publicados, apresentaram as conclusões e recomendações dos cientistas. Foram ignoradas. Agora acaba de sair um estudo do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) que reitera e quantifica uma das recomendações centrais desses estudos. Para atender à demanda crescente de alimentos, a solução não é ocupar novas terras, e sim aumentar a produtividade, particularmente na pecuária, responsável pela ocupação de novos desmatamentos.

O governo tem um papel fundamental a desempenhar: cabe a ele estabelecer segurança, regularizando o caos que hoje reina na titulação das terras no Brasil. Basta ver que, como se noticiou há dias, as terras tituladas no Brasil ultrapassam as terras que realmente existem em área equivalente a mais de dois estados de São Paulo. Um cadastro confiável é perfeitamente possível, é preciso vontade política para alcançá-lo.

Você perguntou especificamente pela Portaria 303/2012, da Advocacia Geral da União, que pretende abusivamente estender a todas as situações de terras indígenas as restrições decididas pelo STF para o caso complicadíssimo de Raposa Serra do Sol em Roraima.

Ela é mais um sintoma de tendências contraditórias dentro do Executivo, que, por um lado, conseguiu “desintrusar” pacificamente uma área xavante, mas, por outro lado, admite uma portaria como essa. Ela é um absurdo, e não é à toa que foi colocada em banho-maria pelo governo. Foi suspensa, mas não cancelada.

A própria Associação Nacional dos Advogados da União pediu em setembro sua revogação e caracterizou sua orientação como “flagrantemente inconstitucional”. Essa portaria também fere pelo menos quatro artigos da Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

Em um ensaio da década de 1990, você já falava sobre a disputa por recursos minerais e hídricos em áreas indígenas. Acredita que essas disputas estão mais acirradas hoje?

Já na Constituinte, em 1988, esses dois temas foram centrais. Chegou-se a um compromisso, que estipulava condições para acesso a esses recursos: ouvir as comunidades afetadas e autorização do Congresso Nacional (artigo 231 parágrafo 3).

A disputa não mudou, mas o ambiente político atual favorece uma nova ofensiva da parte dos que nunca se conformaram. E assim surgem novas investidas no Congresso: projetos de lei para usurpar do Executivo a responsabilidade da demarcação das terras e para abrir as áreas indígenas à mineração.

Por sua vez, Belo Monte foi enfiado goela abaixo de modo autoritário: o Executivo atropelou a consulta prévia, livre e informada a que os índios têm direito, e não foram cumpridas condicionantes essenciais acordadas, por exemplo no tocante ao atendimento à saúde indígena.

No ensaio sobre a política indigenista do século XIX, você mostra como naquele momento se consolidou uma visão dos índios como povos “primitivos” que teriam por destino serem incorporados ao “progresso” ocidental. Até que ponto essa ideia persiste hoje?

Essa visão está cada vez mais obsoleta: a noção triunfalista de um progresso medido por indicadores como o PIB é hoje seriamente criticada. Valores como sustentabilidade ambiental, justiça social, desenvolvimento humano e diversidade são parte agora do modo de avaliar o verdadeiro progresso de um país.

Por outra parte, no século XIX, positivistas e evolucionistas sociais puseram em voga a ideia de uma marcha inexorável da História: qualquer que fosse a política, os índios estariam fadados ao desaparecimento, quando não simplesmente físico, pelo menos social. Essa também é uma falácia que a História ela própria desmistificou: os índios, felizmente, estão aqui para ficar.

A História não se faz por si, são pessoas que fazem a História, e seus atos têm consequências. Usa esse entulho ideológico quem carece de argumentos.

No ensaio “O futuro da questão indígena”, você defende a necessidade de “um novo pacto com as populações indígenas” e aponta a “sociodiversidade” como “condição de sobrevivência” para o mundo. Como define “sociodiversidade”, e o que seria esse “novo pacto”?

O Brasil não é só megadiverso pela sua grande diversidade de espécies, ele também é megadiverso pelas sociedades distintas que abriga. Segundo o censo do IBGE de 2010, há 305 etnias indígenas no Brasil, que falam 274 línguas. Essa sociodiversidade é, segundo Lévi-Strauss, um capital inestimável de imaginação sociológica e uma fonte de conhecimento. Um mundo sem diversidade é um mundo morto.

E quanto ao pacto com as populações indígenas que evoco, trata-se do seguinte: os índios que conservaram a floresta e a biodiversidade até agora (basta ver como o Parque Nacional do Xingu é uma ilha verde num mar de devastação) estão sujeitos a grandes pressões de madeireiras e de vários outros agentes econômicos. Nada garante, se as condições não mudarem, que possam continuar nesse rumo. Para o Brasil, que precisa com urgência de um programa de conservação da floresta em pé, um pacto com as populações indígenas para esse fim seria essencial.

Na Rio+20, você participou de um painel sobre as contribuições dos saberes indígenas para as ciências. O que pode ser feito para possibilitar esse diálogo?

O conhecimento das diversas sociedades indígenas pode continuar a trazer contribuições da maior relevância para temas como previsão e adaptação a mudanças climáticas, conservação da biodiversidade, ecologia, substâncias com atividade biológica, substâncias com possíveis usos industriais e muitos outros. Isso já está reconhecido e posto em prática no âmbito da Convenção pela Diversidade Biológica e no Painel do Clima, por exemplo.

Poder-se-ia pensar que bastaria recolher essas informações e usá-las na nossa ciência quando úteis. Mas há outra dimensão importante desses saberes, que é seu modo específico de produzir conhecimento. Essa diversidade nos permite pensar diferentemente, sair dos limites de nossos axiomas. Não se trata, como fazem certos movimentos new age, de atribuir um valor superior aos conhecimentos tradicionais; não se trata de aderir a eles. Tampouco se trata de assimilá-los e diluí-los na ciência acadêmica. A importância de modos de conhecimento diferentes é nos fazer perceber que se pode pensar de outro modo.

Foi abandonando um único postulado de Euclides que Lobatchevski e Bolayi viram de modo inteiramente novo a geometria. Por isso o diálogo dos diferentes sistemas de conhecimentos entre si e com a ciência deve preservar a autonomia de cada qual.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, via CNPq, encomendou-me um estudo para lançar as bases de um novo diálogo entre ciência e sistemas de conhecimentos tradicionais. Não é simples. Mas desde já sabemos que isso implicará formas institucionais que empoderem os vários parceiros.

Um projeto-piloto que está sendo planejado nesse contexto responde a uma das diretrizes da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) que faz parte do Tratado sobre Recursos Fitogenéticos. Trata-se da conservação da diversidade agrícola de cultivares de mandioca, sob a condução de populações indígenas do Rio Negro. A escolha não é por acaso. As agricultoras do médio e do alto Rio Negro conseguiram manter, criar e acumular centenas de variedades de mandioca.

Como interpreta mobilizações populares recentes em torno de causas indígenas, como aconteceu em favor dos guarani kaiowá?

Acho salutares essas mobilizações que, como já disse, são fruto de uma nova era na informação. Diante do recuo político nas questões ambiental, indígena e quilombola, há vozes que se levantam com indignação. A situação trágica dos guarani kaiowá, pontuada por suicídios de jovens, é emblemática do absurdo que seria a aplicação da Portaria 303/2012.

Uma ampliação mais do que justa de suas terras — já que as que lhes garantiram não correspondem ao que determina o artigo 231 da Constituição — levaria a colocar em risco as poucas terras que têm.

Os suicídios kaiowá atingem cada um de nós: somos todos kaiowá.

Fonte:
http://racismoambiental.net.br/2013/02/o-futuro-dos-indios-entrevista-com-manuela-carneiro-da-cunha/

Originalmente publicado em O Globo:
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/02/16/o-futuro-dos-indios-entrevista-com-manuela-carneiro-da-cunha-486492.asp

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Surge uma esperança e Aldeia Maracanã pode ser preservada


Sentindo-se cada vez mais poderoso e sem oposição consistente, o governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral (abaixo, na habitual confraria com a elite 'global' fluminense), vive um janeiro de fúria e extrapolou nas últimas semanas. O show de autoritarismo vai da insistência em demolir prédios de valor artístico e cultural, para abrir vagas de estacionamento no Complexo do Maracanã, à sanção de lei para "revisão sobre os valores morais" no estado, apontada por ativistas dos direitos humanos como ameaça a direitos de gays e políticas de saúde da mulher (leia também o próximo post e não deixe de conferir os links no final de ambas as postagens). 

No dia 12, a PM foi enviada à ocupação formada por cerca de 60 indígenas no antigo Museu do Índio, um dos prédios anexos ao Estádio Maracanã que - já anunciou o Palácio Guanabara - deverão ser demolidos para permitir a abertura de cerca de 8 mil vagas de estacionamento. Jurava o governador Cabral, uma exigência da FIFA para a Copa de 2014. Não havia ordem judicial para reintegração de posse e a sanha do governo estadual acabou frustrada. Como resposta às críticas, no dia 17 Cabral chegou a propor transferir o Museu do Índio para o terreno de um presídio que está sendo desativado, no vizinho bairro de São Cristóvão. Vinte e quatro horas depois, a Procuradoria do Estado conseguiu ordem de despejo, determinando que os índios deixassem o terreno em até dez dias. Esta semana, além do apoio de artistas e movimentos sociais de todo o país, surgiu uma esperança para a Aldeia Maracanã: possível tombamento do imóvel pelo Iphan. [R.B.]



















Aldeia Maracanã pode ser preservada

Por Henrique de Almeida*
No oitavo andar do Edifício Gustavo Capanema, no centro do Rio, uma nova esperança se acendeu segunda-feira (21) para os índios da Aldeia Maracanã. Uma reunião com membros do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Rio de Janeiro deixou a certeza de que o assunto será levado rapidamente à presidente do Instituto, Jurema Machado, a fim de proteger o antigo Museu do Índio da demolição pretendida pelo governo do estado do Rio de Janeiro.



"Tenho certeza que a presidenta, Jurema Machado, é extremamente sensível a essa questão", disse Lia Motta, arquiteta e coordenadora de pesquisa e documentação do Iphan. 

Devido à urgência do assunto, o instituto encaminhará um ofício, com o conteúdo da reunião, que indica a necessidade de um posicionamento do Iphan até a próxima sexta, 26, último dia do prazo dado para uma resposta do Governo Federal a respeito da demolição do prédio.

Além do caminho institucional, os índios continuam com um objetivo em mente: tentar encontrar o documento de doação das terras do museu, em 1865, para pesquisas sobre a cultura indígena. A doação da área foi feita pelo Duque de Saxe, genro de D.Pedro II. Tal documento seria uma arma para pedir o tombamento de toda área da Aldeia Maracanã.

"Nós já sabíamos que o governo ia tentar fazer isso ilegalmente, desapropriar uma área que foi retomada por nós em 2006. As pessoas estão se conscientizando do valor histórico, e não só arquitetônico, do prédio", lembrou o cacique Carlos Tucano, sorridente após o encerramento da reunião. Sobre o documento, ele disse: "sempre buscamos este documento, e os juízes e advogados que temos ao nosso lado podem nos ajudar juridicamente a achá-lo".

Observador em todo o caso, o advogado Antônio Modesto Da Silveira, membro da comissão de ética da Presidência da República, fez um recuo histórico para definir o espírito dos que apóiam a causa indígena após a reunião desta segunda:

"Os sobreviventes do genocídio indígena desde 1500 veem, agora, uma esperança para a preservação da sua cultura", comentou o advogado.



Reconhecimento histórico
João Batista Damasceno, membro da Associação de Juízes Para a Democracia, lembrou que a propriedade do antigo Museu do Índio é do Governo Federal, conforme consta no 11º Registro de Imóveis(RGI), sob o número 62.610. Mas, demolir o prédio do Museu do Índio não seria um fato isolado no Rio de Janeiro. "O Rio de Janeiro tem uma cultura de demolir os prédios antigos", lembrou ele. "Aquela aldeia é a maior prova de que o índio pode viver em um espaço urbano", pontuou.



Marize Oliveira, que faz trabalhos com diversas escolas para divulgar a cultura índigenas na rede municipal de ensino, disse que "demolir o prédio é enterrar a cultura indígena no Rio de Janeiro". Ela reforçou o argumento de que o prédio foi abandonado e retomado pelos índios em 2006, legitimando a Aldeia Maracanã como um espaço de cultura indígena.

Em um dado momento da reunião, o cacique Carlos Tukano pediu a Lia Motta, coordenadora do Iphan, que tomasse a frente deste projeto e ajudasse nessa questão. Ela prometeu o apoio à questão dos índios, e fez uma análise da situação:

"O olhar sobre o tombamento do Museu do Índio está sendo do ponto de vista do imóvel, e não do ponto de vista dos sentidos e significados históricos do antigo Museu do Índio", explicou, classificando ainda a demolição como "um absurdo", e lembrando que o Iphan "sempre manteve independência das políticas de governo".

A advogada Valéria Lima, que representa os índios, lembrou que a desembargadora Maria Helena Cisne, presidente do Tribunal Regional Federal, 2ª Região, quando derrubou as liminares, argumentou que os índios não possuíam um documento de tombamento do Iphan. "Precisamos de documentos para um parecer curto e preliminar, para que possamos acionar as autoridades competentes", pediu Valéria.

Modesto da Silveira, conhecido defensor dos Direitos Humanos, usou um exemplo recente para exemplificar o seu temor a respeito da desapropriação da Aldeia Maracanã: "Temo que tenhamos um novo Pinheirinho, um novo massacre em um caso de reintegração de posse", disse ele.

Restauração
Carlos Tukano, um dos líderes da Aldeia Maracanã, mostrou ao Jornal do Brasil plantas do Museu do Índio, sob o nome Casa Tamoios: Restauração do Patrimônio Material, um abrigo para o Patrimônio Imaterial, do Prêmio Arquiteto do Amanhã de 2008. O prêmio é dado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil.




Conforme mostrou Tukano, no projeto estão fotos e desenhos do antes (2008), do hoje e do depois do prédio do Museu do Índio, inaugurado em 1910. As propostas de restauração do prédio chamaram a atenção. "No nosso projeto, a gente quer colocar um reforço na estrutura para impedir que ela desabe. Vamos também restaurar o mezanino", enumerou o cacique. "Não estamos esperando sentados. Isso é uma prova de que estamos trabalhando há tempos com alternativas de restauração do prédio", comentou Tukano.

Na primeira planta, que mostra o estado do prédio em 2008, fica evidente a falta de material em diversos pontos da estrutura do museu. Com os projetos em mãos mostrados e encaminhados ao Iphan em Brasília, no entanto, ele adquiriu novas esperanças, e pediu o apoio da população:

"É preciso preservar a história e a cultura de todos os povos que lá estão, cerca de 20 etnias indígenas", finalizou.

Comentários e ironias
Na última quarta-feira, o governador Sérgio Cabral, ao ser perguntado sobre o motivo de nada ter sido feito antes em relação ao Museu do Índio, disse que era "porque não havia Copa do Mundo".

Afonso Apurinã, ao saber da frase do governador, ficou indignado: "Então ele está fazendo o trabalho apenas para empresários, brasileiros e internacionais. E agora, ele está desesperado. Mas nós não temos culpa disso tudo", declarou Apurinã.

Já Tukano lembrou do Pan-americano de 2007 como exemplo de respeito ao espaço do Museu do Índio. "Quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa, ele começou a se alvoroçar. Depois da Cúpula dos Povos e do Rio +20, em julho, ele disse que compraria o prédio. Nós sabíamos que o tiro viria, e viria forte. Mas ele esperou até depois dos eventos com os líderes mundiais para fazer qualquer coisa", finalizou Tukano.
*no JB On Line

Relacionadas:
-De Brasília: Comissão de DH da Câmara Federal manifesta apoio à Aldeia Maracanã e cobra explicações
-Nota de Apoio da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados à Aldeia Maracanã
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-Declaração da FIFA à DPU negando suposta exigência da entidade para demolições no entorno do Maracanã 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

”Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não tem direitos”


27/8/2012 - por Redação do IHU-Online

As cidades brasileiras sempre foram ambientes vetados aos indígenas”, declara a antropóloga Lucia Helena Rangel.

A cada ano voltamos a falar dos mesmos problemas”, diz a antropóloga Lúcia Helena Rangel, ao comentar os dados do Relatório de Violência 2011 contra as comunidades indígenas.   
Segundo ela, as situações de violência e descaso com os povos indígenas são recorrentes e se manifestam não só através dos conflitos territoriais, mas também em casos de racismo e na tentativa de suprimir os direitos das comunidades assegurados na Constituição Federal. “Estamos vendo ações cada vez mais fortes contra o direito às terras dos povos indígenas. A PEC 215 e a portaria 303 da AGU são exemplos disso. A cada dia aparece uma nova portaria ou um novo projeto de lei querendo modificar o artigo 231 da Constituição, ou modificar a aplicação dos direitos”, assinala em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.

De acordo com a antropóloga, como as mudanças propostas contra os direitos indígenas sempre “esbarram no princípio constitucional”, surge um “movimento no âmbito do Legislativo para modificar o princípio constitucional”.

Para ela, as elites brasileiras não querem reconhecer os direitos indígenas e criam indisposições entre a população e as comunidades, gerando um discurso racista, especialmente diante dos indígenas que vivem nas cidades.

O Estado não demarca as terras e não quer assumir a população que vive nas cidades. Quem vai para a cidade não vai de modo forçado, obviamente, mas quando analisamos a situação das terras – no Sul, no Sudeste e no Nordeste –, observamos que a quantidade de terras demarcadas não suporta a população indígena dessas regiões”, aponta.

E dispara: “Num país mestiço como o nosso, onde todo mundo é misturado, os índios não podem ser misturados. Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos. Então, o índio nunca tem um lugar”.

Lucia Helena Rangel é doutora em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP com a tese Os Jamamadi e as armadilhas do tempo histórico. É professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Também é assessora do Conselho Indigenista Missionário – Cimi (Regional Amazônia Ocidental) e do Cimi Nacional.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os dados mais alarmantes do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil? Comparando com os relatórios anteriores, o que destaca?
Lucia Helena Vitalli Rangel – É difícil mencionar o que é mais alarmante, porque algumas situações se repetem a cada ano, com variações. Assim, em determinados momentos, o desmatamento chama mais atenção, em outros, a saúde etc. No ano de 2011, registramos um quadro grave, que já tinha sido destacado em anos anteriores e que diz respeito à situação da saúde dos povos do Vale do Javari, no estado do Amazonas. O Vale do Javari é uma área muito grande, demarcada, e que abriga diversos povos, sendo que muitos deles possuem comunidades isoladas no meio do mato, como os marubos, corubos, os matis, os canamari. Entretanto, as populações que vivem na beira dos rios estão sofrendo de verdadeiras epidemias de malária, de hepatite e das doenças aéreas: gripes, tuberculose, pneumonia. Nessas comunidades, a mortalidade infantil é muito alta. As lideranças indígenas relatam que nos últimos dez anos houve 300 mortes. Não temos como saber, de fato, qual é o tamanho dessas populações, mas vamos supor que seja algo em torno de três a quatro mil pessoas. Nesse caso, 300 mortes em 10 anos é muito.

Outro caso grave, identificado através do relatório, é a situação do povo guarani-kaiowá do Mato Grosso do Sul, onde há uma taxa de homicídios de cem mortos por cem mil pessoas. Essa taxa é maior do que a do Iraque, e quatro vezes maior do que a taxa nacional. O Conselho Indigenista Missionário – Cimi já denunciou os casos de genocídio, e essas denúncias já chegaram à ONU, a organismos internacionais, e várias delegações já foram ao Mato Grosso do Sul para constatar tal situação. Entretanto, não se toma nenhuma providência. Outro problema muito complicado é o desmatamento. Este ano destacamos violações ao patrimônio indígena, depredação, retirada ilegal de recursos naturais, incêndios criminosos etc.

Comparando os dados deste relatório com os relatórios anteriores, não temos como dizer se a situação dos indígenas melhorou ou piorou. Às vezes piora, às vezes melhora, mas isso não significa nenhuma tendência nem de melhorar, nem de piorar. A cada ano voltamos a falar dos mesmos problemas.

IHU On-Line – Qual a situação dos xavantes no Mato Grosso? Os conflitos também estão atrelados à disputa pela terra?
Lucia Helena Vitalli Rangel – No caso dos xavantes, a situação mais complicada é a da terra indígena Marãiwatsèdè. Essa terra está foi invadida por fazendeiros e está em litígio há muitos anos. As comunidades não se conformaram com as ocupações indevidas e tentam reaver o seu território na integralidade. Além de terem acesso a pouca terra, eles são pressionados pelo desmatamento oriundo da pecuária, do agronegócio, da soja, das queimadas, do envenenamento de rios etc. Além disso, a mortalidade infantil entre os xavantes foi alarmante nos anos de 2009 e 2010.

Há uma relutância da Funai diante destes conflitos, porque o órgão cria projetos, faz levantamentos, identifica as terras que devem ser demarcadas, mas não conclui tais projetos, e mesmo quando há conclusão, quando os relatórios são publicados, não há continuidade nas ações. Tanto no Rio Grande do Sul como em Santa Catarina há estradas em que se veem placas indicando “Cuidado, indígenas na estrada”, como se eles fossem animais selvagens.

IHU On-Line – Quais são as etnias que mais sofrem por causa da violência e dos conflitos de terra?
Lucia Helena Vitalli Rangel – No extremo sul da Bahia, o povo pataxó tem sofrido há décadas pressões e violências brutais, tais como assassinatos, emboscadas em estradas, tiroteios, incêndios de escolas, de casas, de roçados por parte de fazendeiros que não querem admitir que as terras dos pataxós e dos tupinambás, que vivem nessa região, sejam demarcadas. Eles afirmam que o governo do estado da Bahia concedeu as terras para eles e, portanto, têm mais direitos do que os índios. Entretanto, ninguém leva em conta que o próprio governo da Bahia foi o primeiro a violar os direitos indígenas ao conceder as terras a um fazendeiro qualquer, considerando que muitos deles nem eram daquela região.

Outras etnias vítimas da violência são os guarani e os kaingang, no Sul; os guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul, os guajajara e os awá-guajá, no Maranhão; os turucá, em Pernambuco e no Norte da Bahia. Outra situação interessante de apontar é o caso de Roraima, da terra indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem os povos uapixana, macuxi, e outros. Ali havia registros de violência brutal durante muitos anos. A luta foi longa, mas finalmente em 2009, quando o Supremo Tribunal Federal – STF corroborou a homologação que já havia sido feita pelo então presidente da República, concedendo aos indígenas a terra, os relatos de violência, em 2011, praticamente sumiram dos relatórios. Isso prova que a situação dos indígenas melhora se as terras forem demarcadas.

Por mais que haja posições contrárias de alguns senadores e deputados, que dizem que os índios de Roraima vivem nas cidades no meio do lixão, devemos lembrar que essa situação é muito anterior à demarcação. O que nós comparamos não é a situação dos indígenas que vivem na cidade de Boa Vista, mas a situação de violência dentro da terra indígena Raposa Serra do Sol.

IHU On-Line – A disputa pela terra é a principal razão pelos conflitos entre indígenas e não índios? Que outros problemas são gerados em decorrência da não demarcação das terras?
Lucia Helena Vitalli Rangel – O pano de fundo é a questão da terra. Entretanto, não podemos reduzir tudo a essa questão. Mas inúmeros problemas vêm daí, porque quando uma terra não está reconhecida, os índios não têm acesso à assistência de saúde, não recebem programas de educação escolar, não recebem insumos agrícolas, projetos de alimentação etc. Então, trata-se de uma questão fundiária, de disputa pelas terras indígenas e de não reconhecimento dos direitos indígenas às suas terras. Os indígenas têm um modo de vida baseado na relação com a terra, com o território, com a natureza. E essa relação é a base da vida deles.

No Mato Grosso do Sul, cerca de dez reservas indígenas de kaiowá-guarani foram demarcadas. A Funai levou todas essas comunidades para dentro dessas terras, e elas viraram um barril de pólvora por causa da superlotação. Há conflitos internos entre comunidades que não se entendem; há casos de alcoolismo, falta de perspectiva etc. Além disso, eles não conseguem trabalhar a terra porque não tem espaço para isso. Então há consequências graves por causa da falta de demarcação das terras.

IHU On-Line – Como vê o projeto desenvolvimentista brasileiro, que propõe a expansão do parque energético em áreas ocupadas por comunidades indígenas e tradicionais, como o caso do Xingu e do Tapajós? Como ficam os povos indígenas diante desses projetos?
Lucia Helena Vitalli Rangel – Cada rio da bacia amazônica tem um tipo de potencial hidrelétrico, e são todos discutíveis, porque alguns rios têm um potencial maior, outros, menor. O quanto isso vai beneficiar a produção econômica, as cidades brasileiras, a população que vive nas cidades, também é uma coisa a ser discutida, porque os mais prejudicados com essas construções, com esses empreendimentos, são as populações ribeirinhas e as populações indígenas.

No rio Madeira, as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio estão sendo feitas em uma região onde há comunidades indígenas isoladas, que ainda não fizeram um contato regular com os agentes do Estado brasileiro e a sociedade. O que vai acontecer com essa gente, nós não sabemos. Por onde eles vão escapar? Eles vão morrer ou não? Vão pegar epidemia ou não? Não há como saber.

Hidrelétricas
Em Altamira, onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, vive uma população indígena que já tem contato regular com a sociedade. Ocorre que essa população da região da Volta Grande já foi deslocada em momentos anteriores. Então, trata-se de uma população que tem essa memória, que sabe o quanto custa um empreendimento desses. Quando a Transamazônica foi construída, essa população não foi ouvida, os impactos não foram avaliados corretamente, e o próprio Ibama reconhece isso.

Diante de empreendimentos como Belo Monte, os empreendedores e os representantes do Estado dizem para a população de Altamira o seguinte: “Os indígenas não querem que vocês tenham acesso à energia”. Então cria um conflito que é insuportável.

No Tapajós, acontece a mesma coisa. O complexo hidrelétrico de Tapajós vai alagar terras indígenas. Prioritariamente, quase todas as hidrelétricas que foram construídas nesse plano de desenvolvimento afetaram os povos indígenas, a exemplo de Itaipu, Tucuruí entre outras.

Por causa da transposição do rio São Francisco, por exemplo, o povo Truká foi afetado pela transposição do rio, porque o canal dividiu a terra deles ao meio, e usou parte do território para instalar canteiros de obras. Os próprios indígenas denunciam e reclamam das consequências, como o aumento do alcoolismo, da prostituição, da falta de emprego e da diminuição das terras agriculturáveis. Nesse caso do rio São Francisco, transpõe-se o rio para irrigar terras, mas quem está na beira do canal perde área cultivável. Quer dizer, trata-se de um contrassenso da obra ou de uma falta de respeito pelos indígenas que viviam ali. Por que o canal tem que cortar a terra ao meio?

IHU On-Line – Os índios têm clareza dessa situação, das implicações das obras? No caso de Belo Monte, por exemplo, algumas etnias estão divididas. Eles acabam sendo cooptados pelo Estado?
Lucia Helena Vitalli Rangel – É sempre assim. Têm aqueles que, em troca de algum dinheiro ou algum benefício, trabalham para que a obra se realize. A consequência disso, depois da obra pronta, é um conflito interno muito grande, porque aqueles que se beneficiaram não dividem o benefício com toda a comunidade.

Um exemplo são os indígenas que vivem próximo ao rio Tocantins. O povo xerente foi afetado pela hidrelétrica do Lajeado, que teve a barragem construída no “pé” da terra deles. À época, algumas lideranças se apressaram e quiseram convencer todo mundo de que eles deveriam aceitar o dinheiro da mitigação do impacto – e a mitigação do impacto nessas obras acaba sendo sempre o dinheiro. Então, quando eles aceitam, recebem um valor monetário determinado, para implementarem projetos dentro da área. Mas com esse valor, criam uma associação, constroem uma sede na cidade, compram veículos (tanto ambulâncias como camionetes e caminhões), computadores, telefones. Posteriormente, tudo isso gera uma fase de insatisfação e reclamações. Aumentam os conflitos entre as comunidades que vivem dentro da mesma área, porque umas ganharam mais dinheiro, outras ganharam menos benefícios. Claro, não cabe à empresa que vai construir a hidrelétrica resolver esse problema, mas a atuação dos agentes do Estado podia levar em conta essas coisas, porque elas são conhecidas.

Agora, quando alguém oferece dinheiro para as comunidades, todo mundo fica enlouquecido pelo dinheiro. Então, esse é um problema muito sério e muito complicado. Quem sou eu, por exemplo, uma professora e antropóloga, para dizer a um indígena que, se ele aceitar esse dinheiro, posteriormente enfrentará muitos problemas? Trata-se de outro processo de conscientização, de análise, que demandaria um esforço diferente no tratamento dessas questões com os indígenas. A pressa em propor essas formas de mitigação é que faz com que alguns indígenas também se sintam atraídos e aceitem, de “mão beijada”, coisas que trarão consequências graves para a sua comunidade.

IHU On-Line – De acordo com os dados do Cimi, a homologação das terras indígenas diminuiu drasticamente de 145 registros no governo Fernando Henrique Cardoso para 79 no governo Lula e apenas três no governo Dilma. Quais as razões dessa redução? O que essa mudança na política governamental sinaliza?
Lucia Helena Vitalli Rangel – Cada governo enfrenta um tipo de pressão. Da gestão Lula para cá, o governo tem cedido demais às pressões dos fazendeiros, das empreiteiras, daqueles interessados ou nos grandes projetos, nas grandes obras ou no agronegócio. O governo faz alianças políticas e depois tem que dar a contrapartida. Isso é evidente, no caso do Mato Grosso do Sul, porque há uma pressão muito forte do governo estadual, dos empresários do agronegócio. Até o judiciário, no Mato Grosso do Sul, é contra os indígenas, sendo que existem leis, que há uma Constituição Federal. Mas ninguém respeita.

IHU On-Line – E ainda são publicadas a portaria 303 da AGU, a PEC 215…
Lucia Helena Vitalli Rangel – Exatamente. Estamos vendo ações cada vez mais fortes contra o direito às terras dos povos indígenas. A PEC 215 e a portaria 303 da AGU são exemplos disso. A cada dia aparece uma nova portaria ou um novo projeto de lei querendo modificar o artigo 231 da Constituição, ou modificar a aplicação dos direitos.

Outro exemplo foram as discussões em torno da mudança do Código Florestal, que acabou sendo aprovado na Câmara Federal através dos piores princípios. Por exemplo, em 2010 as discussões das mudanças do Código Florestal desencadearam um verdadeiro vandalismo. No Mato Grosso, as terras indígenas foram afetadas pelo desmatamento de uma forma violenta. Segundo a Polícia Federal, cem terras indígenas foram afetadas, além de 20 unidades de conservação.

IHU On-Line – Como compreender tais portarias diante do artigo 231 da Constituição Federal?
Lucia Helena Vitalli Rangel – A Constituição Federal é uma “salvaguarda”, ela resguarda os direitos cidadãos. Então, o artigo 231 da Constituição reconhece o direito dos indígenas às suas terras, a ocupação originária etc. Portanto, o reconhecimento do direito é constitucional, e é o princípio mais importante. Agora, a aplicabilidade do direito não depende somente da Constituição Federal; há de ter uma regulamentação. No caso dos povos indígenas, a regulamentação acontece através do Estatuto do Índio. Depois de 1988, quando a Constituição foi promulgada, deu-se início à discussão de elaborar um novo Estatuto do Índio, porque o Estatuto que vigora até hoje é de 1970.

IHU On-Line – Que aspectos do Estatuto do Índio deveriam ser atualizados?
Lucia Helena Vitalli Rangel – Teria de fazer um novo estatuto, porque o vigente foi baseado em outros princípios, como o princípio da integração do índio à comunhão nacional, o princípio de que as terras indígenas devem ser protegidas ou administradas pela Funai e o princípio de que, em nome da segurança nacional, as terras indígenas podem ser violadas. Entretanto, o direito Constitucional de 1988 modifica esse princípio, como modifica também o princípio da tutela. Então, há de ter um novo estatuto, porque o atual foi elaborado durante a ditadura militar.

Há mais de 20 anos uma nova proposta de Estatuto do Índio tramita no Congresso Nacional e na Câmara Federal. O novo texto nunca foi votado, porque primeiro os deputados querem votar a Lei da Mineração, a mudança do Código Florestal, para tirar os direitos indígenas, e depois fazer o Estatuto do Índio. Mas como as mudanças sempre esbarram no princípio constitucional, há outro movimento no âmbito do Legislativo, para modificar o princípio constitucional. Não há meio das nossas elites reconhecerem os direitos indígenas e, assim, começam a inventar coisas. Por exemplo, no Mato Grosso do Sul inventaram que os índios queriam 600 milhões de hectares, área maior do que o estado do Mato Grosso do Sul. Mas eles não querem 600 milhões de hectares; querem o pedaço que lhes cabem. Essa distorção fomenta a discórdia, criam uma indisposição entre a população local e os indígenas. Ações como essa geram racismo, preconceito. Parece que não há nem um pouco de vergonha em manifestar isso contra os indígenas.

Além disso, outros dizem que alguns índios não são mais índios, porque têm cabelo crespo, moram na cidade, são “misturados”, quer dizer, eles têm menos direitos do que os outros. Num país mestiço como o nosso, onde todo mundo é misturado, os índios não podem ser misturados. Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos e não tem direitos. Então, o índio nunca tem um lugar.

IHU On-Line – De acordo com os dados do censo, existem 305 etnias indígenas no país. Como estão os estudos atuais sobre essas culturas? Há conhecimento desta diversidade?Lucia Helena Vitalli Rangel – Para os antropólogos, essa diversidade é uma realidade, e como tal é considerada. Entretanto, nem os antropólogos possuem este número, porque só o IBGE consegue fazer um censo nacional e ter esse alcance. O que os pesquisadores conseguem nas universidades, nos seus laboratórios de pesquisa, é sistematizar os dados. Foi importante o IBGE publicar essa informação de 305 etnias. Não sei exatamente como é a definição de etnia do IBGE, mas são muito provavelmente relativas à autodenominação da comunidade ao falar o nome do povo. Supunha-se que fossem 280 etnias, mas o IBGE fala que é 305. É um dado mais preciso e importante.

IHU On-Line – O que os dados do censo revelam sobre os indígenas brasileiros? Algum dado lhe surpreendeu?
Lucia Helena Vitalli Rangel – No censo do ano 2000, havia um dado da população autodeclarada indígena. Desses, 52% viviam em cidades e 48% viviam nas terras indígenas, em aldeias. Então, no censo de 2010, inverteu o número. A população indígena que vive na cidade está em volta de 47% e 48% e a população que vive em aldeia está em torno de 52% e 53%. O dado demonstra que a população indígena que vive em cidades é muito grande, e o Estado, através da Funai, reluta em reconhecer essas comunidades como sendo comunidades indígenas, porque não quer lhes atribuir direitos. Então, aqueles índios que vivem na cidade não são considerados indígenas. Portanto, estão excluídos do artigo 231. O Estado não demarca as terras e não quer assumir a população que vive nas cidades. Quem vai para a cidade não vai de modo forçado, obviamente. Quando, porém, analisamos a situação das terras – no Sul, no Sudeste e no Nordeste –, observamos que a quantidade de terras demarcadas não suporta a população indígena dessas regiões. Então, a migração é um recurso para as comunidades.

Além disso, as cidades brasileiras sempre foram ambientes vetados aos indígenas. Quando iam para as cidades, eles eram presos, escorraçados, expulsos. Quando iam ao médico, iam e voltavam para casa escoltados pela Funai. A Constituição, bem ou mal, é democrática, e nesse sentido abriu direitos que não estavam previstos, como a ampliação do direito de ir e vir, que é um direito civil do cidadão. Então, a conquista do ambiente humano também é uma conquista para os indígenas, que eles não têm mais que ficar escondidos nos fundos das fazendas, trabalhando quase como escravos, visto que não possuem terra e não têm lugar para onde ir. Então, há uma série de movimentos dessa população que vão configurando também novos perfis. Nesse sentido, os dados do IBGE são muito importantes para pensarmos essas questões e para aprofundarmos em nossas pesquisas.

* Publicado originalmente no site IHU-Online.

Fonte:

quinta-feira, 24 de março de 2011

Educação Escolar Indígena: a quem interessa o caos



Por Egon Dionísio Heck*


Escola paralisada. Mais de 300 alunos Kaiowá-Guarani da Terra Indígena Nhanderu Marangatu, município de Antonio João ficam sem aula por dois dias. A professora Leia Aquino, que já foi diretora da escola, desabafa: "Não podemos aceitar o que estão fazendo. Estão querendo acabar com nossas conquistas, nossa luta para ter uma escola nossa, do nosso jeito Kaiowá-Guarani, com autonomia e comprometida com a luta do nosso povo pela terra e por nossos direitos”.

Diante da interferência nociva da prefeitura, substituindo toda a direção da escola que era formada por professores indígenas, por professores não indígenas, restou como forma de protesto, a paralisação das aulas por dois dias, na Escola Mbo’erro Tupã’i Arandu Reñoi.

É importante lembrar que esta escola teve um papel relevante na resistência ao despejo desta comunidade em15 de dezembro de 2005. Em vários momentos foram os professores que tomaram iniciativas de mobilização pela terra e contra as inúmeras violências de que foram vítimas membros da comunidade.

Essa situação não é isolada. A maioria das escolas Kaiowá-Guarani estão à beira do caos, com a interferência direta de muitos dos 26 municípios onde existem comunidades indígenas. Além disso, constata-se uma interferência política do governo do Estado, procurando acabar com quase 20 anos de luta e conquista do movimento indígena no Mato Grosso do Sul. Um dos principais alvos é o curso de formação de professores Ará Verá. Em recente documento os professores indígenas advertem: "É extremamente urgente a necessidade de resolver problemas locais das escolas indígenas, pois está havendo um retrocesso político e pedagógico em várias aldeias, por conta de gestores públicos que ainda não entendem este processo, que continuam desrespeitando a lei e que não aceitam nossos direitos” (documento – Esclarecimentos, reivindicações e apelo aos órgãos públicos, sobre a questão de Educação Escolar Indígena no Cone Sul do Mato Grosso do Sul – março 2011).

Com relação ao importante processo de formação dos professores Kaiowá-Guarani através do Curso Ará Verá, reconhecido nacionalmente como uma das experiências mais exitosas nessa área, ameaçado de extinção, ou mutilação pelo governo do estado, "Exigimos a abertura de uma nova turma para o curso Ara Verá ainda em 2011, e outras com entrada anual, tendo em vista a real demanda para formação de professores Guarani-Kaiowá, cuja responsabilidade é do Estado, quando na verdade, o MS está muito aquém de cumprir esta determinação legal. Essas vagas são absolutamente necessárias também para suprir exigências estabelecidas aos municípios de ter profissionais habilitados e concursados, o que só é possível, com um quadro formado, cuja demanda está aumentando cada vez mais, e considerando também que a formação dos indígenas é muito recente. Caso essa necessidade e exigências não sejam atendidas, as leis que garantem os cargos de magistério aos indígenas serão inúteis e as comunidades serão novamente invadidas por profissionais não indígenas sob o argumento de que não há profissionais indígenas habilitados. A demanda para formação de professores indígenas já foi levantada várias vezes (para o etnoterritório foram mais de 100, em 2009; e para a seleção convocada em 2010 foram 240 inscritos), mas a Gestão da SED ignora essa urgência, alegando que é "só isso” (40 vagas) que podem oferecer. Essa afirmação parece uma cruel ironia, diante da propaganda que o governo faz sobre o sucesso da educação no estado. Perguntamos: "sucesso” para quem? Por outro lado, essa afirmação é enganosa, pois se o curso é de uma Escola estadual, deve ser garantido o seu funcionamento regular, ainda que parcelado e específico, com os recursos e a estrutura necessária, como para qualquer outra escola da rede. Por que a discriminação? "

Não bastassem essas interferências nocivas vemos várias escolas indígenas sob forte e destrutivo impacto dos mais diversos interesses, desde igrejas até disputas internas apoiadas por forças externas. Diante desse quadro grave o movimento de professores exige das autoridades do poder executivo estadual e municipal "Retomar o diálogo com o movimento/organizações indígenas como parceiro da construção das políticas públicas, uma vez que estamos num estado democrático e a lei estabelece a obrigação do estado de consultar as comunidades e os povos indígenas”.

O movimento dos professores, no documento já referido, além de denunciar a grave e caótica situação em que está envolvida a educação escolar indígena, dizendo-se decepcionados pela falta de providências aos inúmeros documentos enviados às autoridades, procuram explicitar sua maneira de pensar e agir:

"Em primeiro lugar é necessário entender o modo de ser dos Guarani e dos Kaiowá. Nosso povo se encolhe quando é atacado, ameaçado, manipulado, desrespeitado, humilhado. E é isso que tem acontecido, com muito mais frequência do que a sociedade sabe e que os encarregados de nos defender escondem. As instituições fazem de conta que nos consultam, que agem de acordo com a lei. Mas isso não é bem verdade, é só fachada. Para conseguirem o que querem, manipulam, escondem, acusam, ameaçam, não só a nós, mas também aos que nos apóiam. E isso nos assusta, nos intimida. Nossa história nos levou a sermos desse jeito: temos medo daquilo que não conhecemos; medo daqueles que conhecemos e que sabemos que podem nos prejudicar; medo de perder o pouco que conquistamos; medo de errar; medo da autoridade autoritária. Se a autoridade fosse democrática e sensível às nossas necessidades, não teríamos medo, pois haveria diálogo e o diálogo não assusta ninguém. Pelo contrário, o diálogo é o único caminho para a paz. Sem diálogo, conversa, transparência, é que surgem os conflitos, a repressão e o medo.

Nossa forma de ser é pela não violência, pela paciência, pela palavra escutada e falada através do conselho, da negociação e não da imposição. Nós só falamos quando nos dão a palavra, não tomamos a palavra de ninguém, por isso parece que não temos reação, que não temos opinião...

Nossa palavra é também escrita e já mandamos muitos documentos falando qual é a nossa posição, mas parece que as autoridades não sabem ler, pois não entendem o que colocamos ou simplesmente ignoram nossa palavra escrita. Não sabemos mais o que fazer. Mas nossa paciência também tem limites... A tomada de decisão é sempre demorada e muito pensada. E isso pode parecer que não sabemos tomar decisões. Mas nós sabemos que não é isso. Somos cautelosos, mas não somos crianças. Temos paciência; mas, não somos bobos; queremos ser consultados, ouvidos e respeitados; e tem muita coisa que precisa ser mudada nas instituições públicas e no comportamento dos gestores públicos” (idem, doc. movimento professores).

A pergunta que se impõem nesse momento importante de luta dos povos Kaiowá-Guarani pelos seus direitos e seus territórios, no qual os professores e escolas indígenas têm papel relevante, é a quem interessa essa situação caótica em que se encontram inúmeras escolas desse povo, num claro retrocesso pedagógico e político. O movimento dos professores exige respeito ao seu protagonismo e autonomia, com uma educação diferenciada e de qualidade, formadora de lutadores pelos direitos de seu povo.

Povo Guarani Grande Povo

Brasília, 22 de março de 2011

*Egon Dionísio Heck é assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul
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fonte: Envolverde/Adital

sábado, 9 de janeiro de 2010

STF revoga demarcação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul

da Agência Petroleira de Notícias
Em mais uma decisão de caráter conservador, o Supremo Tribunal Federal cancelou a demarcação de terras indígenas no município de Paranhos (MS).

As terras da região de Cerro Korá seriam destinadas à etnia Guarani Kaiowá e ficam próximas à fronteira com o Paraguai.

Após o decreto do Executivo determinando a demarcação das terras, o presidente STF, Gilmar Mendes, em pleno recesso do STF no dia 24 de dezembro, lançou mão do argumento das oligarquias - de que a demarcação deve ser tarefa exclusiva do Congresso Nacional - e revogou liminarmente a demarcação. Segundo representantes dos povos indígenas, a constituição brasileira concede poder ao Executivo para demarcar as reservas, mas os fazendeiros lançam mão do argumento da obrigatoriedade da participação do Congresso na decisão para criar entraves legais.

No ano de 2010 serão comemorados os 100 anos do indigenismo no Brasil e a Funai anunciou a contratação de 3 mil novos funcionários como tentativa de reestruturação do órgão. Porém, os povos indígenas alegam que as medidas administrativas não têm se revertido em ações efetivas capazes de melhorar suas condições de vida.

Leia também:
A contrarrevolução jurídica
Decreto de Lula cria 50 mil km2 de reservas indígenas
Carta dos Guarani Kaiowá sobre a retomada de Kurussu Ambá

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A contrarrevolução jurídica

por Boaventura de Sousa Santos*, publicado originalmente na Leitura Global
Está em curso uma contrarrevolução jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles.

Entendo por contrarrevolução jurídica uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições.

Como o sistema judicial é reativo, é necessário que alguma entidade, individual ou coletiva, decida mobilizá-lo. E assim tem vindo a acontecer porque consideram, não sem razão, que o Poder Judiciário tende a ser conservador. Essa mobilização pressupõe a existência de um sistema judicial com perfil técnico-burocrático, capaz de zelar pela sua independência e aplicar a Justiça com alguma eficiência.

A contrarrevolução jurídica não abrange todo o sistema judicial, sendo contrariada, quando possível, por setores progressistas.

Não é um movimento concertado, muito menos uma conspiração. É um entendimento tácito entre elites político-econômicas e judiciais, criado a partir de decisões judiciais concretas, em que as primeiras entendem ler sinais de que as segundas as encorajam a ser mais ativas, sinais que, por sua vez, colocam os setores judiciais progressistas em posição defensiva.

Cobre um vasto leque de temas que têm em comum referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional.

Exige uma efetiva convergência entre elites, e não é claro que esteja plenamente consolidada no Brasil. Há apenas sinais nalguns casos perturbadores, noutros que revelam que está tudo em aberto. Vejamos alguns.

Ações afirmativas no acesso à educação de negros e índios
Estão pendentes nos tribunais ações requerendo a anulação de políticas que visam garantir a educação superior a grupos sociais até agora dela excluídos.

Com o mesmo objetivo, está a ser pedida (nalguns casos, concedida) a anulação de turmas especiais para os filhos de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo.

Terras indígenas e quilombolas
A ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e a certificação dos territórios remanescentes de quilombos constituem atos políticos de justiça social e de justiça histórica de grande alcance. Inconformados, setores oligárquicos estão a conduzir, por meio dos seus braços políticos (DEM, bancada ruralista) uma vasta luta que inclui medidas legislativas e judiciais.

Quanto a estas últimas, podem ser citadas as “cautelas” para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos “aldeamentos extintos”, ambos a ferir de morte as pretensões dos índios guarani, e uma ação proposta no STF que busca restringir drasticamente o conceito de quilombo.

Criminalização do MST
Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de o dissolver com o argumento de ser uma organização terrorista.

E, ao anúncio de alteração dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, que ainda são baseados em censo de 1975, seguiu-se a criação de CPI específica para investigar as fontes de financiamento.

A anistia dos torturadores na ditadura
Está pendente no STF arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela OAB requerendo que se interprete o artigo 1º da Lei da Anistia como inaplicável a crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar.

Essa questão tem diretamente a ver com o tipo de democracia que se pretende construir no Brasil: a decisão do STF pode dar a segurança de que a democracia é para defender a todo custo ou, pelo contrário, trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais.

Há bons argumentos de direito ordinário, constitucional e internacional para bloquear a contrarrevolução jurídica. Mas os democratas brasileiros e os movimentos sociais também sabem que o cemitério judicial está juncado de bons argumentos.
*doutor em sociologia do direito e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra