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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Antes das chuvas

Seminário sobre prevenção de emergências e desastres reúne agentes da região serrana do RJ, pesquisadores e cientistas de todo o país 


Por Maria Lúcia Martins, jornalista e colaboradora do EDUCOM (texto e fotos)

A consolidação dos Planos de Contingência, o programa federal Hospitais Seguros, aspectos do Direito Ambiental, a reorientação da visão institucional sobre os desastres “ditos” naturais, as ações da Defesa Civil-DC e da Educação em prevenção, as experiências da Rede de Cuidados, a importância da transdisciplinalidade no tratamento da questão, a gestão de riscos no campo da saúde, a cidadania e a humanização foram os temas em pauta no seminário promovido pela Secretaria de DC do município de Cordeiro-RJ e pela Rede de Cuidados, nos dias 31 de outubro e 1º de novembro.

O coordenador da DC da Região Serrana, cel. BM Alexandre Pitaluga, o sec. da DC de Petrópolis, ten.cel BM Rafael Simão, e representantes de Teresópolis, Trajano de Morais e Nova Friburgo estiveram presentes.

Prefeito de Cordeiro, Salomão Gonçalves, e Valencio, da USP (abaixo) 

É necessário tomar atitudes que se antecipem aos problemas e trabalhamos junto com a de Educação e demais secretarias de Cordeiro para enfrentar, da melhor forma, a época das chuvas", declara o sgto. BM Rodrigo de Sá Tavares Secretário da Defesa Civil de Cordeiro.

O objetivo da prefeitura de Cordeiro é se transformar num modelo de prevenção a desastres. Cordeiro abriga uma estação do INMET e já desenvolve práticas preventivas nas comunidades e nas escolas. A Rede é uma organização não-governamental multidisciplinar que atua desde 2008 (facebook.com∕rededecuidados).

Crueldades e direitos
A Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres da Universidade Federal de São Carlos e docente de Sociologia dos Desastres, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Engenharia Ambiental da USP (Universidade de São Paulo), Norma Valencio, considera que uma série de fatores no enfrentamento dos desastres “ditos” naturais, tais como medidas drásticas sem o devido cuidado social e os juízos de valor da mídia e autoridades que desconsideram, na maioria das vezes, as necessidades dos vínculos sociais e emocionais, bem como o olhar dos afetados, inviabilizam o tratamento humanizado do problema.

A cultura da prevenção considera o outro e as trocas de saberes e interesses, o que diverge da maneira autocrática como os Estados, nas suas representações, vêm historicamente construindo sua relação com a sociedade civil.

“É preciso um ajuste ético, porque hoje o que dá o tom está distante de um ideal com base metodológica da ciência social e humana. O que se chama de senso comum em muitos relatórios da área de tecnologia é uma realidade em que domina a desumanização. Há também que buscar uma síntese entre as duas racionalidades civil e militar, que não são dicotômicas, mas complementares, explica.

Norma destaca que para a sociologia dos desastres o que existe são desastres “ditos” naturais. Estes estudos, antigos no mundo, são feitos com pioneirismo há 10 anos no Brasil no Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais da Universidade de São Carlos.

Como exemplo de crueldade ela escolheu o vivido em 2011, quando com sua equipe percorreu a Região Serrana do Rio de Janeiro. Foi feito um relatório para o Gabinete de crise da Presidência da República.

Norma fala sobre as formas de expressão do poder que desumaniza o outro: crueldade de eliminar da condição do outro a proteção, fazer o outro entender que ele é menor que gente: palavras cruéis fazem parte do repertório desumanizador, refletem a incapacidade de acolher, de escutar desde o lugar do outro. Só acontece a coincidência quando a escuta do outro faz parte da construção da política.

É necessário vigiar as palavras, neste repertório cruel as pessoas se sentem culpabilizadas pelas circunstâncias. Fazem parte deste repertório: insistem em morar em área de risco, teimam em ficar nestas áreas. precisam ser educadas, precisam ser retiradas, precisam ser removidas... ela destaca que este discurso impede de se ver o lugar histórico destas pessoas, premidas a morar em áreas de moradias precárias. 

“A omissão do poder público é fator condicionante e temos que incorporar a visão de que vivemos num país em que há concentração fundiária. Os lugares dos ricos são infraestruturados, há um recorte de classe. Um quarto dos municípios brasileiros entram em crise e desastre todo ano, entre outros fatores, à ocupação territorial e o desenvolvimentismo que investe em megaobras, provocando o deslocamento em busca de novos territórios.

O higienismo social não pode passar por cima dos vínculos humanos das comunidades afetadas. Precisa-se encontrar outra opção para lidar com a tragédia das pessoas que são deslocadas, pelo fenômeno natural e pelo poder público,  para morrer em outro lugar, igualmente instável. Estas pessoas têm sua desnudada: não há esfera privada em abrigos mal geridos." Chamar de “desastre natural” esta situação é uma mentira organizada, conclui a socióloga. 

Outros conceitos equivocados, afirma Valencio, são:

1- Cenário:o desastre é lá e a culpa é de quem mora lá”, o que reduz o âmbito geográfico do fenômeno a lugares onde foram mais graves;

2- Dia do desastre:quando foi o desastre?”. A região serrana não escapou, esta abordagem quer dizer que antes havia “normalidade". De que normalidade estamos falando? Desigualdades diversas, que emergem com as chuvas. 

Quando localizamos num cenário ou num dia, perdemos a noção de todos os componentes do desastre, as partes constituintes. Especialmente do processo de desumanização. O monitoramento da natureza é importante, mas não vai mudar a questão social. O desastre dura enquanto durar a ruptura na vida das comunidades.

Valencio propõe, para se sair deste  mentira institucionalizada, questionar o qualificativo “natural”, que não aparece mais na política pública, na lei; reivindicar que o contexto é sócio histórico, não de cenário, de dia, de território; que o enquadramento da crise como meio físico seja substituído como social, que haja escuta dos grupos afetados; que as ciências humanas e sociais sejam vistas como qualificadas, que se considere a extensão corpo-casa e que a expertise dos Centros de estudos seja questionada para dar condições para que o tratamento seja humanizado.

São fundamentais arenas participativas genuínas, como o aumento do controle da população sobre a mercantilização em torno dos desastres; a mudança de abordagem; e rever radicalmente as orientações das políticas públicas, próprias da vida e do amadurecimento democrático.

Américo Sommerman, graduado em Filosofia, co-criador do Centro de Educação Transdisciplinar, membro ativo do Centre de Recherches et Études Transdisciplinaires, mestre em Educação pela Universidade Nova de Lisboa e doutor em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia fez uma retrospectiva das bases do pensamento ocidental e falou do seu desastre pessoal, que classificou como um crueldade autoimposta pelo engano de que teria de se adaptar aos moldes da educação vigente, o que provocou uma crise aos 17 anos e que se estendeu aos primeiros anos universitários. “A educação disciplinar recebida na escola, na casa, na sociedade, via mídia preocupa-se com adaptar a pessoa a uma ordem hipotética e não em formá-la como ser humano”.

A crise enfrentada motivou o retorno à natureza e a busca de outros saberes tradicionais. “No diálogo com outras culturas pude ver o ser humano com múltiplas dimensões e de maneira integrada. As ciências humanas têm um ideal civilizatório, gestado na própria origem da palavra da arte – do grego techné, cujo objetivo é o de atingir a totalidade das coisas e da realidade, usando como método a intuição, a inspiração e a imaginação”, explica Sommerman.

A questão ambiental
Thaís Dalla Corte, pós-graduada em Direito Público e mestranda em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina, falou da participação popular na gestão de danos ambientais. O dano ambiental pode ser atemporal, transfronteiriço e cumulativo. Ela considera a precaução e a prevenção como melhores caminhos, pois a condenação não corrige o dano já causado. “Na correlação entre o dano ambiental e o desastre a questão de responsabilização é complexa”, lembra Thaís.

Ela destaca a defasagem da regulação na ocupação urbana, agravada por questões econômicas. “A urbanização no Brasil foi intensificada após 1950 e o Estatuto das Cidades é de 2005”.

Nestes 50 anos, a migração rural fez com que hoje 85% da população se concentre nas cidades. E o município é atualmente o poder que tem mais competência e menos recursos. Dalla Corte frisa as diferenças de conceitos importantes: prevenção = risco concreto, precaução que tem por base a lei 12.608, de 2012, que estabelece a Política Nacional de Defesa Civil, ampliando a visão ou percepção do que seja risco. A lei possibilita a Tutela Precaucional, que deverá ser usada e difundida na mesma proporção da prevenção. Esta Lei, que começa a ser aplicada, restitui as famílias à condição anterior. “O quadro tende a se modificar, chegou a hora de sermos pró-ativos”, assinala Thaís.

O resgate da cultura local é um fator primordial da recuperação das comunidades, como a realizada no bairro de Córrego Dantas, em Nova Friburgo, sob coordenação de Raquel Nader, artista plástica e formada em Letras.  ”Eu acredito na memória, na História, no que os mais velhos têm pra contar”, diz Raquel.

Após o desastre, um grupo de artistas plásticos e outros artistas percorreram os locais na Serra para transmitir um pouco de arte pelo caminho Humano. Esta iniciativa aconteceu, com o apoio da Cátedra de Memória da PUC de Petrópolis e de secretarias dos governos.  O resultado do trabalho está no blog agentedaserracd.blogspot.com

Humanização das relações e cidadania
A psicóloga da Rede de Cuidados, Izaura Gazen, pós-graduada em Psicoterapia Psicanalítica, resumiu em uma frase, que ouviu do pai ainda criança, a filosofia da Rede de Cuidados: “A prática é o critério da verdade”. Izaura destaca que “enquanto não tivermos a visão de um desenvolvimento macro regional, conjuntamente, estamos distantes da cidadania".

Samira Younes Ibrahim, uma das fundadoras da Rede, psicóloga, pós-graduada em Psicologia Médica e membro da Escola Dinâmica Energética do Psiquismo, afirma a preocupação de trazer todos os olhares: psicologia, sociologia, Defesa Civil etc, possibilitando o diálogo para construir uma ação de prevenção ampla.

Em 2011, a Secretaria Nacional de Defesa Civil lançou no Brasil a campanha "Construindo cidades resilientes: minha cidade está se preparando". Entre as providências a serem tomadas pelos prefeitos e gestores públicos locais destacam-se as estabelecidas em 2005 pelo Marco de Ação de Hyogo (cidade do Japão). A campanha pode ser acompanhada pelo site www.integracao.gov.br∕cidadesresilientes.

Luis Henrique de Sá, integrante da Rede, psicólogo da secretaria municipal de saúde de Petrópolis, especialista em TCI-Terapia Comunitária Integrativa, destaca o sentido de resiliência, amplo e inclusivo.

O termo, emprestado das ciências físicas, que usa-o  para descrever materiais que retomam a sua antiga integralidade, não significa no contexto humano um catálogo de qualidades que um indivíduo possuiria para responder a impactos. É um processo que se inicia no nascimento e segue até a morte, nos liga sem cessar com o meio que nos rodeia de maneira complexa, está distante de uma vacina contra o sofrimento, é mais que adaptação, é a capacidade ou processo de transformação.

A TCI é uma metodologia aprovada pela PNAB-Política Nacional de Atenção Básica, do Ministério da Saúde, e trabalha com o acolhimento respeitoso, formação de vínculos e empoderamento das pessoas, com foco nas possibilidades de soluções a partir das competências locais.

Plano de Contingência e educação
A secretária municipal de Educação de Cordeiro, Deuzimar Caetano, destaca a importância da Prevenção e dos Diretos Humanos nas áreas urbanas, em que aumenta a violência. Com o objetivo de desenvolver a cidadania, a secretaria local implantou o programa Agente Mirim, que trabalha disciplina, valores e princípios de segurança, em parceira com a DC. A prefeitura oferece também transporte para alunos de cursos universitários que estudam em dois dos municípios vizinhos. “Queremos formar multiplicadores”, destaca.

A Defesa Civil da cidade capacitou, com participação da Rede de Cuidados, 27 agentes. Na capacitação são fundamentais a percepção do risco; curso prático de primeiros socorros, com simulação de acidentes; e prevenção de incêndio.  O Plano de Contingência prevê que num prazo de duas horas efetivo integrado por pessoas de todas as secretarias e outros agentes estejam em ação.

O cel. BM Alexandre Pitaluga, Coordenador Geral da DC da Região Serrana, assinala que a DC se faz no município, por muito do que seja estadual e também de âmbito federal. Ele apresentou um quadro de eventos extremos ou inusuais de 2007-2011 na América do Sul e disse que a gestão dos riscos se dá em cinco fases: prevenção, percepção do risco, mobilização, alerta pré-desastre e ação.

O sgto. BM Rafael Simão, sec. da DC de Petrópolis, destacou a importância do apoio dos prefeitos para que um bom trabalho de prevenção seja feito, envolvendo todas as secretarias. Este trabalho deve ser realizado ANTES DAS CHUVAS, pois durante estas pouco se pode fazer para diminuir os danos e salvar vidas.

Os dois principais riscos são alagamento e deslocamento de massas ou deslizamento. A prefeitura de Petrópolis fez uma parceria com a Japan International Cooperation Agency - JICA para formar 1.500 pessoas, o que mostra que estamos ainda engatinhando em prevenção, lembra Simão.

Gestão de riscos no setor da saúde
Desde 2011, a ONU por meio da Eird-Estratégia Internacional para a Redução de Desastres tem alertado para os desastres relacionados com a água, pois os mesmos têm aumentado tanto em frequência quanto em intensidade em virtude da forma predominante de assentamento humano no mundo. Os eventos hidrometereológicos encontram uma vulnerabilidade socioambiental cada vez mais significativa de contingentes da população mundial.

A bióloga, pesquisadora da Ensp – Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Elisa Francioli Ximenes, considera a Eird um marco e a Ação de Hyogo a ferramenta mais importante a nível mundial para a redução de desastres. Ações e subações orientam os governos, com especial foco na quinta delas. 

Com base no Relatório do MMA para a Região Serrana em 2011, descobriu-se que dos 43 estabelecimentos de saúde, 35 estão em área de risco, o que significa 81%. Estes estabelecimentos foram incluídos no programa federal Hospitais Seguros, que visa habilitá-los até 2015 a permanecer em funcionamento durante os desastres ou imediatamente após. Os investimentos são em infraestrutura, equipamentos e serviços. 

No âmbito do Ministério da Saúde foram criados o Vigidesastres e os Cievs-Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em saúde, como também a Comissão de Desastres e a Força Nacional do SUS. A cadeia de acionamento desta Força Nacional provoca a instalação do gabinete de crise e a declaração de Espin, que se refere a Emergência em Saúde Pública.

O estudo em andamento, que Elisa mostra, é um mapa das consequências dos desastres na saúde, que podem se estender por anos após o evento registrado. São doenças infecciosas e parasitárias; transtornos mentais e do comportamento; aumento de abusos sexuais, especialmente em situação de abrigos; doenças do olho; e doenças do aparelho circulatório. 

Aderita Sena, da Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e do Trabalhador, do Ministério da Sáude, afirma que no Brasil, como a saúde foi descentralizada, alguns municípios não conseguem cumprir o marco legal que consta da Constituição de 1988 e classifica a saúde como muito mais do que curar doenças. Em 1990 (lei 8080), neste marco foi incluído o saneamento básico, o meio ambiente, trabalho e renda.

Ela assinala que com o SUS a saúde deixou de ser exclusividade da esfera federal, sendo que compete à união planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente secas e inundações. Para ter acesso aos serviços de saúde, 80% da população brasileira depende exclusivamente do SUS. É importante observar que a seca causa muito maior impacto no ser humano que a inundação. Estabeleceu-se, no passado, uma indústria da seca, máquina de fazer dinheiro, que agravou a situação regional, levando a catástrofes”, destaca. 

O cidadão pode notificar desastres pelo telefone 0800 644 6645 ou através do email: notifica@saude.gov.br.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

'Cabralismo': governador sanciona lei da moral e bons costumes, de Myrian Rios

O governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, sancionou na última semana o projeto de lei chamado "Programa de resgate de valores morais, sociais, éticos e espirituais", de autoria da atriz e deputada estadual Myrian Rios (PSD). O objetivo da proposta, segundo a parlamentar, é "promover o resgate da cidadania, o fortalecimento das relações humanas e a valorização da família, da escola e da comunidade como um todo".

A justificativa de Myrian para o projeto de lei é de que a sociedade está "se desvencilhando dos valores morais, sociais, éticos e espirituais". "Valores esses que são de extrema importância para que nossa sociedade caminhe para o crescimento. Sem esse tipo de valor, tudo é permitido, se perde o conceito do bom e ruim, do certo e errado. Perde-se o critério do que se pode e deve fazer ou o que não se pode. Estamos vivendo em um mundo onde o egoísmo e a ganância são  predominante", argumenta a deputada.

Para colocar em prática a nova lei, a autora afirma que o Poder Executivo "deverá firmar convênios e parcerias articuladas e significativas, com prefeituras municipais e sociedade civil". "O programa deverá envolver diretamente a comunidade escolar, a família, lideranças comunitárias, empresas públicas e privadas, meios de comunicação, autoridades locais e estaduais e as organizações não governamentais  e comunidades religiosa (...), que visem a reflexão sobre a necessidade da revisão sobre os valores morais, sociais, éticos e espirituais", diz o texto do projeto de lei.

De acordo com a assessoria do governador, a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos será a responsável por executar a nova lei.

Em junho de 2011, Myrian Rios se envolveu em uma polêmica por ter insinuado que uma babá gay poderia praticar pedofilia contra suas filhas. Em um vídeo postado na internet, a deputada afirmava que não era preconceituosa, mas argumentava: "Digamos que eu tenha duas meninas em casa e contrate uma babá que mostra que sua orientação sexual é ser lésbica. Se a minha orientação sexual for contrária e eu quiser demiti-la, eu não posso. O direito que a babá tem de querer ser lésbica é o mesmo que eu tenho de não querer ela na minha casa. Vou ter que manter a babá em casa e sabe Deus até se ela não vai cometer pedofilia contra elas. E eu não vou poder fazer nada".

Depois da polêmica, Myrian pediu desculpas e disse que jamais teve a intenção de igualar pedófilos a homossexuais. "Sempre prezei pelo respeito, misericórdia e perdão. Deus ama todas as pessoas, independente do que elas são", disse, na época.
Fonte: Terra

Junho de 2011: Myrian Rios diz que babá lésbica poderia ser pedófila




-Itamaraty concede passaporte diplomático a líderes de igreja

Surge uma esperança e Aldeia Maracanã pode ser preservada


Sentindo-se cada vez mais poderoso e sem oposição consistente, o governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral (abaixo, na habitual confraria com a elite 'global' fluminense), vive um janeiro de fúria e extrapolou nas últimas semanas. O show de autoritarismo vai da insistência em demolir prédios de valor artístico e cultural, para abrir vagas de estacionamento no Complexo do Maracanã, à sanção de lei para "revisão sobre os valores morais" no estado, apontada por ativistas dos direitos humanos como ameaça a direitos de gays e políticas de saúde da mulher (leia também o próximo post e não deixe de conferir os links no final de ambas as postagens). 

No dia 12, a PM foi enviada à ocupação formada por cerca de 60 indígenas no antigo Museu do Índio, um dos prédios anexos ao Estádio Maracanã que - já anunciou o Palácio Guanabara - deverão ser demolidos para permitir a abertura de cerca de 8 mil vagas de estacionamento. Jurava o governador Cabral, uma exigência da FIFA para a Copa de 2014. Não havia ordem judicial para reintegração de posse e a sanha do governo estadual acabou frustrada. Como resposta às críticas, no dia 17 Cabral chegou a propor transferir o Museu do Índio para o terreno de um presídio que está sendo desativado, no vizinho bairro de São Cristóvão. Vinte e quatro horas depois, a Procuradoria do Estado conseguiu ordem de despejo, determinando que os índios deixassem o terreno em até dez dias. Esta semana, além do apoio de artistas e movimentos sociais de todo o país, surgiu uma esperança para a Aldeia Maracanã: possível tombamento do imóvel pelo Iphan. [R.B.]



















Aldeia Maracanã pode ser preservada

Por Henrique de Almeida*
No oitavo andar do Edifício Gustavo Capanema, no centro do Rio, uma nova esperança se acendeu segunda-feira (21) para os índios da Aldeia Maracanã. Uma reunião com membros do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Rio de Janeiro deixou a certeza de que o assunto será levado rapidamente à presidente do Instituto, Jurema Machado, a fim de proteger o antigo Museu do Índio da demolição pretendida pelo governo do estado do Rio de Janeiro.



"Tenho certeza que a presidenta, Jurema Machado, é extremamente sensível a essa questão", disse Lia Motta, arquiteta e coordenadora de pesquisa e documentação do Iphan. 

Devido à urgência do assunto, o instituto encaminhará um ofício, com o conteúdo da reunião, que indica a necessidade de um posicionamento do Iphan até a próxima sexta, 26, último dia do prazo dado para uma resposta do Governo Federal a respeito da demolição do prédio.

Além do caminho institucional, os índios continuam com um objetivo em mente: tentar encontrar o documento de doação das terras do museu, em 1865, para pesquisas sobre a cultura indígena. A doação da área foi feita pelo Duque de Saxe, genro de D.Pedro II. Tal documento seria uma arma para pedir o tombamento de toda área da Aldeia Maracanã.

"Nós já sabíamos que o governo ia tentar fazer isso ilegalmente, desapropriar uma área que foi retomada por nós em 2006. As pessoas estão se conscientizando do valor histórico, e não só arquitetônico, do prédio", lembrou o cacique Carlos Tucano, sorridente após o encerramento da reunião. Sobre o documento, ele disse: "sempre buscamos este documento, e os juízes e advogados que temos ao nosso lado podem nos ajudar juridicamente a achá-lo".

Observador em todo o caso, o advogado Antônio Modesto Da Silveira, membro da comissão de ética da Presidência da República, fez um recuo histórico para definir o espírito dos que apóiam a causa indígena após a reunião desta segunda:

"Os sobreviventes do genocídio indígena desde 1500 veem, agora, uma esperança para a preservação da sua cultura", comentou o advogado.



Reconhecimento histórico
João Batista Damasceno, membro da Associação de Juízes Para a Democracia, lembrou que a propriedade do antigo Museu do Índio é do Governo Federal, conforme consta no 11º Registro de Imóveis(RGI), sob o número 62.610. Mas, demolir o prédio do Museu do Índio não seria um fato isolado no Rio de Janeiro. "O Rio de Janeiro tem uma cultura de demolir os prédios antigos", lembrou ele. "Aquela aldeia é a maior prova de que o índio pode viver em um espaço urbano", pontuou.



Marize Oliveira, que faz trabalhos com diversas escolas para divulgar a cultura índigenas na rede municipal de ensino, disse que "demolir o prédio é enterrar a cultura indígena no Rio de Janeiro". Ela reforçou o argumento de que o prédio foi abandonado e retomado pelos índios em 2006, legitimando a Aldeia Maracanã como um espaço de cultura indígena.

Em um dado momento da reunião, o cacique Carlos Tukano pediu a Lia Motta, coordenadora do Iphan, que tomasse a frente deste projeto e ajudasse nessa questão. Ela prometeu o apoio à questão dos índios, e fez uma análise da situação:

"O olhar sobre o tombamento do Museu do Índio está sendo do ponto de vista do imóvel, e não do ponto de vista dos sentidos e significados históricos do antigo Museu do Índio", explicou, classificando ainda a demolição como "um absurdo", e lembrando que o Iphan "sempre manteve independência das políticas de governo".

A advogada Valéria Lima, que representa os índios, lembrou que a desembargadora Maria Helena Cisne, presidente do Tribunal Regional Federal, 2ª Região, quando derrubou as liminares, argumentou que os índios não possuíam um documento de tombamento do Iphan. "Precisamos de documentos para um parecer curto e preliminar, para que possamos acionar as autoridades competentes", pediu Valéria.

Modesto da Silveira, conhecido defensor dos Direitos Humanos, usou um exemplo recente para exemplificar o seu temor a respeito da desapropriação da Aldeia Maracanã: "Temo que tenhamos um novo Pinheirinho, um novo massacre em um caso de reintegração de posse", disse ele.

Restauração
Carlos Tukano, um dos líderes da Aldeia Maracanã, mostrou ao Jornal do Brasil plantas do Museu do Índio, sob o nome Casa Tamoios: Restauração do Patrimônio Material, um abrigo para o Patrimônio Imaterial, do Prêmio Arquiteto do Amanhã de 2008. O prêmio é dado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil.




Conforme mostrou Tukano, no projeto estão fotos e desenhos do antes (2008), do hoje e do depois do prédio do Museu do Índio, inaugurado em 1910. As propostas de restauração do prédio chamaram a atenção. "No nosso projeto, a gente quer colocar um reforço na estrutura para impedir que ela desabe. Vamos também restaurar o mezanino", enumerou o cacique. "Não estamos esperando sentados. Isso é uma prova de que estamos trabalhando há tempos com alternativas de restauração do prédio", comentou Tukano.

Na primeira planta, que mostra o estado do prédio em 2008, fica evidente a falta de material em diversos pontos da estrutura do museu. Com os projetos em mãos mostrados e encaminhados ao Iphan em Brasília, no entanto, ele adquiriu novas esperanças, e pediu o apoio da população:

"É preciso preservar a história e a cultura de todos os povos que lá estão, cerca de 20 etnias indígenas", finalizou.

Comentários e ironias
Na última quarta-feira, o governador Sérgio Cabral, ao ser perguntado sobre o motivo de nada ter sido feito antes em relação ao Museu do Índio, disse que era "porque não havia Copa do Mundo".

Afonso Apurinã, ao saber da frase do governador, ficou indignado: "Então ele está fazendo o trabalho apenas para empresários, brasileiros e internacionais. E agora, ele está desesperado. Mas nós não temos culpa disso tudo", declarou Apurinã.

Já Tukano lembrou do Pan-americano de 2007 como exemplo de respeito ao espaço do Museu do Índio. "Quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa, ele começou a se alvoroçar. Depois da Cúpula dos Povos e do Rio +20, em julho, ele disse que compraria o prédio. Nós sabíamos que o tiro viria, e viria forte. Mas ele esperou até depois dos eventos com os líderes mundiais para fazer qualquer coisa", finalizou Tukano.
*no JB On Line

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sábado, 8 de dezembro de 2012

Oscar Niemeyer: "O importante é a vida de mão dada"

06/12/2012 - Entrevista com o Niemeyer (aos 98 anos) com jornalistas da REVISTA CAROS AMIGOS, 2006.
- Republicada nesta Quinta
- Escrito por Aray Nabuco

Arquiteto morreu na noite de quarta (5 de dezembro de 2012) aos 105 anos, no Rio de Janeiro

Da Redação: Leia a seguir, entrevista publicada na edição 112 da revista Caros Amigos, que circulou a partir de julho de 2006.


"O importante é a vida, o sujeito viver bem, de mão dada."


Em 90 minutos de perguntas e respostas, o arquiteto maior manifestou a alma romântica que alimenta sua certeza de um futuro melhor para o ser humano.


Rafic Farah
Você viu momentos lindos e momentos de altos e baixos, duros e bons da realidade brasileira; sente que hoje no Brasil há um predomínio da ignorância? 



É uma continuação do regime capitalista, não é? Do império dos Estados Unidos, do Bush a espalhar sangue por toda parte, é um momento de decadência. A gente espera que mude, porque sente que em toda a América Latina, em toda parte, há uma tendência de mudar. Um movimento contra o Bush, governos mais populares na América Latina. Tanto que a gente vê que a coisa está melhorando, que há qualquer luz no horizonte, a gente tem uma esperança. Mas é difícil, principalmente para nós que não acreditamos em melhora dentro do regime capitalista. A gente tem que virar a mesa.

Thiago Domenici
O senhor é otimista com relação ao futuro do país?





Eu sou porque é a maioria que vai comandar, não é? Eles estão com fome, não têm dinheiro, um dia a coisa muda, não é? E a gente tem que estar preparada para quando tiver a chance disso, como teve Fidel livrando Cuba. Então, mudar as coisas. Enquanto houver esse regime de poder, de dinheiro, de bancos, não caminha nada. De modo que nossa posição agora, entre amigos, e em movimentos assim entre arquitetos, é melhorar um pouco a mentalidade das pessoas. O sujeito estuda em uma escola brasileira e é a formação do homem especialista, que é a maior merda, não é? O sujeito só sabe aquele assunto. O meio médico só sabe medicina, o outro a mesma coisa...

Então estamos lutando para que nos regimes superiores haja sempre conferências paralelas sobre filosofia, sobre história, sobre letras. Não é pra criar um intelectual, mas criar um sujeito que tenha o mundo diante dele, esse mundo perverso que nós vivemos. Mas não é uma tendência de crer no racionalismo de Schopenhauer, não. Mas é ficar realista, ver que o ser humano não tem perspectiva, é pequenino, basta ele olhar para o céu, ele é insignificante, não é? Então levar o sujeito a uma posição mais modesta, o sujeito ter prazer em conhecer as pessoas, não ficar adivinhando os defeitos; não, é como dizia o Lênin, 10 por cento de qualidade já é suficiente. Para haver um entrosamento, vontade de viver de mãos dadas de uma maneira mais decente.

Gershon Knispel
Juntar as disciplinas foi também a sua ideia quando você fez o projeto da plataforma da Universidade de Haifa. Sob a plataforma reuniam-se todas as disciplinas.

Com relação à arquitetura, por exemplo, a gente sabe que estamos vivendo um momento especial para o arquiteto. Porque o concreto armado permite coisas que eles nunca tiveram possibilidade de fazer. A gente lembra no passado, os arquitetos da Renascença, querendo fazer as cúpulas, limitados a 30 metros, 40 metros de diâmetro. Como eles gostariam de fazer a cúpula que estou fazendo lá em Brasília, que tem 80 metros de diâmetro! É a evolução da técnica na arquitetura, permitindo coisas que eram impossíveis.



Veja em Veneza: o arquiteto do Palácio dos Doges queria fazer um espaço maior dentro do palácio, e não podia. Então ele fez uma treliça de madeira fantástica pra conseguir eliminar os apoios. Hoje, uma lajezinha dava a ele essa possibilidade, sem nenhum problema. De modo que a arquitetura evoluiu em função da técnica, mas também em função da melhoria da sociedade, do desenvolvimento de uma sociedade mais justa. Por exemplo, eu me lembro lá na Argélia. Não fiz um prédio para cada escola, fiz dois grandes prédios, um com salas de aula e outro com laboratórios, e esses dois prédios servem a todos os estudantes.

Eu queria fazer o que o Darcy Ribeiro propunha: dar mais ligações para que os estudantes tivessem mais contato, trocassem experiências. Então, aí é o ensino que evolui e influencia a arquitetura. De modo que a arquitetura cresce com esse apoio lateral da sociedade, da técnica. Por exemplo, quando os arquitetos sentiram que os prédios deviam subir para encurtar as distâncias, não foram eles que deram a solução, mas foi o elevador que permite subir. E aí apareceram nas cidades esses centros de arquitetura vertical horríveis uns contra os outros, mas podiam ser muito bons. Como tem na Île de France, em Paris. Eles subiam em altura, mas cresciam no sentido horizontal também. De modo que a arquitetura é sempre levada pelos fatos. Eu digo sempre que é a vida que muda tudo, não é? A vida é que é importante. Acho que o sujeito estar na rua protestando, esculhambando o governo, não esse governo atual, mas o sujeito querer mudar as coisas é que conta. A vida é que é importante.

Claudius
Em 1968 fiz uma entrevista com o Lúcio Costa, e lembrei a justificativa que ele fez de Brasília, em que as superquadras seriam um ponto de encontro entre as várias classes sociais, permitiriam uma socialização em que as pessoas partilhariam o espaço comum, a escola, a igreja, o supermercado, o teatro, as habitações também, e eu disse: Não foi isso que aconteceu. O que aconteceu é que as pessoas que fizeram Brasília estão morando nas cidades satélites, não na cidade que elas fizeram. E ele disse: A realidade brasileira foi mais forte que o sonho.

A gente pensa que nas cidades modernas o mais importante é a base, que não cresçam indefinidamente, degradando. E que elas sejam separadas, sejam multiplicáveis e não que uma cidade cresça. De modo que Brasília é isto: fizeram as cidades satélites grudadas no Plano Piloto. Então, isso dificulta a circulação, esse vaivém de uma cidade para outra. É complicado.

Marina Amaral
E o Rio de Janeiro? Como o senhor sente a evolução da cidade nesse tempo todo?



Eu gosto do Rio, acho o Rio formidável, essa esculhambação. Nem tenho vontade de sair pra lugar nenhum. Basta olhar o mar, com alguma esperança no coração, pensar que tudo vai mudar...

Claudius
Não conseguiram destruir o Rio, incrível. Mas, se te dessem a possibilidade de tomar algumas decisões em relação ao Rio, o que você proporia?

Acho que a base é a diferença entre as classes, é a grã-finagem que mora na beira do mar, olhando as favelas como o inimigo, vendo os garotinhos da favela sem futuro porque eles nascem ali sem apoio, sem lar, estudo, sem nada, será um homem revoltado, feito a figura do escritor francês Albert Camus. O Rio tem que melhorar é o sistema de vida, não tem condição. Depois dizem que a gente fica se adiantando, que isso tem que vir com o tempo. Tem nada, tem que estar preparado. A gente tem é que sonhar, senão as coisas não acontecem. É lógico que em termos urbanos tem coisas erradas, cortaram a praia, fizeram entre a cidade e a praia uma via de circulação rápida; ninguém faz isso, é o contrário, a cidade mais ligada ao mar. São coisas que acontecem. Qualquer cidade antiga, você vai ver, tem coisas erradas.

Rafic Farah
Dentro do que você já viu acontecer, acha que o Brasil está evoluindo?


Acho, acho que está melhorando. Acho que o governo Lula, nós queríamos que ele fosse mais ativo, esperávamos um governo mais corajoso, mas é melhor ficar com ele. Porque a reação é uma merda. O Lula pelo menos conversa com o Chávez, dá um certo apoio. Não é o líder que nós gostaríamos, mas é um operário que está aí pensando no povo. Acho que tomar uma posição contra o Lula é uma posição reacionária, é pior.

A gente vê que a coisa está melhorando, que há qualquer luz no horizonte, a gente tem uma esperança. Mas é difícil, principalmente para nós que não acreditamos em melhora dentro do regime capitalista.

Marina Amaral
E o senhor vê outros líderes brasileiros interessantes?


Vejo, vejo esse Stedile, que conduz a reforma agrária. O MST é o único movimento decente que temos por aí. Tenho até um boné que ele me deu.

Quando o sujeito que vem é mais reacionário, eu ponho o boné. É uma luta importante. O Lula não deu todo o apoio que eles mereciam, mas, de qualquer maneira, está mantendo a coisa.

Marcelo Salles
Falando em revolução, que o senhor e o Stedile propõem, o senhor acha que a atual conjuntura permitiria isso?

Acho que o mundo caminha à base do inesperado, de uma coisa nova que aconteça. Então temos a expectativa do que vai acontecer, pode vir a favor, pode vir contra, como as torres lá em Nova York, mudou tudo. As coisas são sempre assim. O João Saldanha dizia uma coisa boa, que é a vida que leva a gente. A gente faz um plano, e bau. Outro dia eles vieram aqui, o pessoal do Pasquim: O que você acha? Acho que o importante é mulher do lado e seja o que Deus quiser. Eles acharam graça, depois eu pensei: que frase mais reacionária, que coisa mais egoísta, porque não basta isso, isso é a base, né?

A gente tem que olhar o mundo, a miséria que existe, uma contribuição imensa que a gente tem a dar, a ajudar a melhorar.

Thiago Domenici
O senhor é um comunista assumido, não é?



Ah, tem que ser. O que me irrita é quando o sujeito diz:: Não. Vem um regime de esquerda, mas vai ser diferente. Diferente nada. Foram setenta anos de glória. Eu me lembro do Stálin dizendo para os soldados dele quando os alemães já estavam em Stalingrado: Pra Berlim! É fantástico, não é? E venceram a reação, livraram o mundo do nazismo.

Tem gente que tem receio de falar de Stálin porque os americanos deram a ele uma imagem de um calhorda qualquer. E não é, é um sujeito fantástico, preparou a Rússia para a luta necessária, mantendo uma indústria pesada.

Thiago Domenici
E o senhor já imaginou o comunismo no Brasil?

Eu vivi aquele período do Prestes, quando a gente tinha esperança, a gente ia pra rua, a gente fazia comício, depois veio a reação e pra eu falar com o Prestes tinha que pegar um carro, trocar de carro no caminho, não é? Eram companheiros muito corretos, as melhores pessoas que eu conheci foram do Partido Comunista. Mesmo quando eles fogem da linha do partido, assim, teve o Araguaia, eles tinham idealismo, fizeram muito bem, Marighella era um sujeito fantástico... A gente se revolta e tem sempre esse lado espontâneo, de querer melhorar as coisas.

Gershon Knispel
Em 1964, quando a gente se encontrou em Tel Aviv, você começou o seu período de exílio. O escritor e ministro da Cultura da França André Malraux até fez uma lei especialmente pra você poder trabalhar no exílio.


Eu fui antes do golpe. Fui em fevereiro. Lembro que, quando fui me despedir do Darcy Ribeiro, ele me disse: Oscar, estamos no poder. 

Depois de quinze dias na Europa, eu estava em Lisboa e ouvi a notícia do golpe pelo rádio. De modo que fiquei por lá um pouco. Porque ainda existe solidariedade. Cheguei na França e o André Malraux tirou um decreto com De Gaulle pra eu poder trabalhar na França como um arquiteto francês. E na Argélia foi a mesma coisa, e na Itália.


Ficava aflito lá, às vezes me emocionava com o negócio do Brasil, lembrando as coisas que estavam ocorrendo aqui. Mas fiquei por lá algum tempo e quando vim fui direto pra prisão, no dia seguinte estava na prisão. Não me soltavam. O senhor tem que prestar declarações, etc. e tal. Doutor Niemeyer, o que vocês pretendem? Eu disse: Mudar a sociedade. E o sujeito que fazia as perguntas vira pro crioulinho que estava batendo a máquina: Escreve aí: mudar a sociedade. Ele virou-se pra mim e disse: Vai ser difícil, hein?... Filho da mãe! Tratando de melhorar a vida dele!...

Marina Amaral
E hoje o presidente do Congresso é um comunista.

Pois é. As coisas melhoram.

Marina Amaral
Qual sua visão do Congresso, da política em Brasília hoje?

Tenho alguma esperança, porque o mundo está mudando. Você tem que se aproximar do povo para ter poder. Acho que a América Latina vai se organizar, a gente não sabe o que vai acontecer com o Bush, ele está desmoralizado, mas está com as armas, né? E é um tarado. Um dia eu disse aqui que ele era um filho da puta. Passou um tempo, um sujeito veio me entrevistar e ele soube disso e perguntou: Doutor Niemeyer, o senhor disse que o Bush é um filho da puta? Eu disse: Olha, não conheço a mãe dele, mas ele é um filho da puta. Mas tem esperanças...

O que me incomodou muito nessas CPIs foi a maneira com que um deputado questionava o outro. Eles estavam naquilo havia muitos anos, deviam ser amigos, fazer um inquérito mais educado, sem ofender. O Zé Dirceu merecia mais apoio, respeito, ele era um sujeito que tinha lutado. Mas não foi sempre assim.

Um período que me lembro de ser tranquilo da gente trabalhar foi o período do Capanema (Gustavo Capanema foi ministro da Educação de Getúlio Vargas no Estado Novo, depois criou o Instituto Nacional do Livro e o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Ele era um sujeito fantástico, não pensava em dinheiro, era teso mesmo. Queria a melhora do país, do ensino. Chamou Portinari, Drummond, chamou todo mundo. O Rodrigo de Mello Franco, do Patrimônio Histórico, passou a vida ligado ao Patrimônio, eu trabalhei com ele. Me lembro, a gente ia viajar, cidades mineiras, Ouro Preto, e eu sentava ao lado dele e ele me dizia: Oscar, se a gente não correr, essas casas vão cair como baralho de cartas. E defendemos o patrimônio artístico.

Marina Amaral
O senhor falou do Chávez. O senhor acredita nessa união Fidel-Chávez-Morales?


Acho que só não pode exagerar, se meter na vida de outros países, mas eles são importantes. Chávez é uma figura importante.

Claudius
Você o conheceu?

Não. Ele veio aqui no Rio uma ocasião, me avisou que vinha. Eu fui lá, mas ele demorou tanto, estava almoçando, que eu vim embora.

Thiago Domenici
E de onde o senhor tira tanta energia pro trabalho?

Ah, não tem energia nenhuma. Eu faço projeto sentado. Porque é bom a gente pensar. Foi o desenho que me levou pra arquitetura, mas hoje eu sei que a arquitetura está na cabeça. Fica ali pensando, depois é só levantar e desenhar o projeto.

Gershon Knispel
Oscar, eu notei, quando trabalhamos juntos em várias ocasiões, que você dá muito sentido à palavra escrita. Quando faz um projeto, você gosta de escrever sobre ele.

Eu desenho, o sujeito não entende, então preciso explicar. Aí, você explica como é que aquilo vai funcionar. Então, tenho que fazer o projeto; acabei o projeto, está tudo estudado, desenhado, aí escrevo o texto explicativo. Se tem uma dúvida, volto ao projeto. É a prova dos nove que a gente pode dar. 



Mas a arquitetura hoje é um movimento tão generoso do concreto armado, e na realidade você voltar ao passado, ver o primeiro átrio, a primeira curva, as catedrais, vai se repetindo... Mas o vocabulário plástico do concreto é tão mais rico, que com ele não tem fim. Eu digo sempre: não acredito em uma arquitetura ideal, se todos fizessem a mesma coisa seria o fim. Mas o sujeito pode usar o concreto e tudo o que ele oferece, ele permite tudo. Agora, pode cada arquiteto fazer sua arquitetura, o que ele gosta, e não o que os outros gostariam que ele fizesse. Ele tem que ser decidido, por isso eu conto sempre: fui chamado pelo prefeito do Havre, na França.

Cheguei lá, um lugar frio, vento, a praça na beira do mar, eu disse: Olha, eu queria afundar a praça 4 metros. Ele me olhou espantado. Nunca lhe pediram pra afundar uma praça enorme 4 metros. Mas ele fez. Então, na praça do Havre, você anda pela calçada e está vendo a praça embaixo. Você é convidado a descer porque tem um teatro dentro dela, o sujeito desce e vê a praça. Então é uma praça diferente, não conheço outra no mundo. Ela foi tombada. E teve um crítico italiano, não me lembro o nome agora, um sujeito muito duro, que declarou que ele põe a praça do Havre entre as dez melhores obras de arquitetura contemporânea. Por quê? Porque é diferente. Então eu digo, tem que ser diferente.

A obra de arte tem que criar emoção e surpresa.


Tem uma história engraçada, não sei se dá pra publicar. Uma vez, Capanema quis fazer uma exposição num prédio antigo lá do Castelo. E o prédio era ruim de arquitetura. Nós queríamos dar mais ênfase à exposição, então penduramos uma lona na frente do prédio, disciplinamos a fachada, né? E fizemos uma marquise de madeira, saindo assim do prédio com uma curva, pra marcar a entrada. Então, 4 horas da manhã, vinham dois operários andando assim e um deles parou e disse: Caramba, é tão bonito que não parece real. Quer dizer, o que é isso? O sujeito do povo não participa da arquitetura, mas quando é bonito ele tem um momento de prazer.

Claudius Oscar
Do que você fez, o que gosta mais? Digamos que você tenha que nomear cinco.




Ah, são temas diferentes. Esse projeto do museu agora (de Brasília) eu gosto porque é um exemplo do que se pode fazer com concreto armado. É o concreto armado utilizado com toda a sua possibilidade. É a cúpula de 80 metros, os tirantes que sustentam o mezanino, tem as rampas, é um espetáculo estrutural. O museu de Niterói, por exemplo, é bonito. E arquitetura tem que ser fácil explicá-la. O museu de Niterói, eu cheguei lá, vi a paisagem, e o mar defronte. Aí, as montanhas do Rio. Uma paisagem que eu tinha de preservar. Então subi o prédio, preservei a paisagem, ele está solto no ar. De modo que arquitetura funciona quando cria emoção, quando o sujeito fica espantado: Que merda é essa?

Claudius
Mas o MAC, o museu de Niterói, ainda tem uma coisa que é uma sacação incrível. Está dentro de um lago, e tem um determinado ângulo que você vê a água do lago em que ele está se confundindo com o mar.

É, eu fiz de propósito. Fiz o espelho dágua que...

Marcelo Salles
E quando você está lá dentro parece que está no mar. Porque não vê o chão, só vê a água.

Uma vez eu estava com o Darcy conversando e ele me contou que fez uma reunião pra discutir o problema do índio e o índio ficou lá calado. Estava no fim da reunião, ele virou pro índio e disse: Você não quer dizer alguma coisa? O índio disse: Não. Por quê? Porque estou com preguiça.


Então, a arquitetura é tão clara, a gente explica: concreto armado, o caminho a seguir, usá-lo em toda a sua plenitude é função do arquiteto, reclamar que a arquitetura é injusta é função do arquiteto, reclamar que a arquitetura não tem importância... Diante da vida não tem mesmo. O importante é a vida, o sujeito viver bem, de mão dada. De modo que, quando o Darcy me disse isso, eu fiquei pensando: vai ver que esse índio já estava cheio de tanta promessa. De tanta discussão, sabendo que tudo era fantasia.

Claudius
Palácio Itamaraty, em Brasília?

Eu gosto, mas gosto mais dos outros prédios. Não tem uma novidade assim, ele é bonito, o jardim é bonito.

Claudius
E (a sede da editora) Mondadori, na Itália?





Mondadori também. Você sabe que o Mondadori veio aqui, eu não conhecia ele, e disse: Doutor Niemeyer, estive em Brasília, vi o Palácio do Itamaraty e aquela colunata, eu queria um projeto lá (na Itália), bonito, para o senhor fazer uma colunata daquela. Eu disse: Está bem, vou fazer. Mas lógico que eu não ia fazer igual. Em vez de fazer uma colunata como a do Itamaraty, em que as colunas se repetem em espaços iguais, eu queria mudar. Não adiantava eu querer mudar o fecho das colunas, tinha que mudar os espaços entre elas. Então fiz espaços de 15 metros, 5 metros, 3 metros, uma coisa assim meio musical, e ficou diferente. E as colunas do Palácio do Itamaraty sustentam o teto, mas as colunas da Mondadori sustentam cinco andares. Tem as colunatas, as vigas em cima, e tudo pendurado em tirantes, os cinco andares. De modo que a obra da Mondadori, como obra de arquitetura, de aproveitamento da técnica, tem muito mais impacto. É muito diferente.

Garanto que nenhum de vocês viu um prédio em que as colunas têm espaços diferentes entre elas. É uma coisa que a técnica permite, uma surpresa que cabe ao arquiteto exprimir em seus trabalhos.

Claudius
Agora, tem umas coisas que se destacam: capelinha do Palácio da Alvorada, que acho um gesto aquilo ali.

É. O tamanho do prédio ajuda, em um prédio público você tem que usar a técnica pra ficar e mostrar a época que você está vivendo. Só era possível
fazer assim. Agora, coisa pequena... Mas eu, por exemplo, não faço barroco. Trabalho nas próprias estruturas. Não faço detalhe bem desenhado assim, a forma que eu produzo é nas estruturas, criando estruturas diferentes.

Thiago Domenici
Antes da arquitetura é verdade que o senhor quis ser jogador de futebol?

Eu joguei no juvenil do Fluminense. Meu irmão é que jogava no segundo time.

Thiago Domenici
O senhor jogava em qual posição?


Joguei só uma vez em campo, era uma preliminar (do Fla-Flu, no estádio das Laranjeiras), mas eu jogava no colégio. O goleiro do Flamengo naquele tempo era o Amado Benigno, ele foi meu colega no colégio. Lembro que, depois que saímos do colégio, já formados, ele me telefonou querendo que eu fosse treinar lá no Flamengo. Ele me conhecia do futebol na terra, em um campo assim de salão. Mas futebol pra mim é diversão. É fantástico, você olha lá o jogo, quem entende vê a evolução de cada jogada...

Thiago Domenici
O senhor tem admiração por outros esportes?

Quando eu era garoto era abusado, frequentei o Gracie (Hélio Gracie foi campeão e professor de jiu-jítsu). Sempre é bom fazer um exercício, né?

Marina Amaral
Voltando à política: em qual momento histórico brasileiro o senhor se sentiu mais esperançoso, mais próximo da mudança que o senhor almeja?

Foi com Prestes. Lembro que o Prestes foi no meu escritório, quando ele chegou de fora, eu falei: Senhor.... Ele disse: Senhor é senhor de engenho ou Nosso Senhor. E depois eu disse a ele: Olha, o seu trabalho é mais importante que o meu, você fica com o meu escritório. Saí e fui arranjar um outro lugar pra trabalhar. E foi engraçado porque eu estava fazendo o Banco Boavista. O presidente do Banco Boavista, barão de Saavedra, era um sujeito muito educado, um sujeito muito bom, aliás. Ele telefonava às vezes pra mim, uma vez telefonou e o pessoal: - Partido Comunista Brasileiro.

Ele tomou um susto e no dia seguinte me perguntou: Vem cá, o que tu conversas com o Prestes? Nós falamos de mudar as coisas, que um dia as coisas vão mudar. E vão mudar, lógico.

Gershon Knispel
Quando Fidel esteve aqui, ele nos abraçou e disse: Nós somos os três últimos comunistas do mundo. Será?

Não, acho que existe muito comunista no mundo. Todo sujeito que tem a revolta dentro dele é um comunista. O que a gente quer? Acho que é importante hoje o sujeito ser modesto. Quando vejo o sujeito pensando que é importante, acho uma merda. Nada é importante. Agora, tem de melhorar o mundo, lutar, fazer a vida mais justa, os homens se entenderem, estamos no mesmo barco. Pra ser coerente, temos aqui uma aula de filosofia por semana.

Claudius
Quem é o professor?

Ele é físico e a aula que dá é de filosofia com ciência. Anteontem mesmo ele falou aqui de uma cratera imensa que descobriram no pólo, acham que ela é responsável até pela separação da África da América. A ruptura que houve foi no momento em que um meteoro fantástico caiu em cima do pólo e fez esse buraco enorme. A terra tremeu e se separou ali na África.

Marina Amaral
E quem assiste às aulas com o senhor?

O pessoal do escritório. A gente tem que ser coerente. Tem um rapaz aqui, ele é modesto, quer ser arquiteto. Então pago a universidade pra ele. Mas ele tem que ler um livro e me mandar uma notinha de dois em dois meses. Agora, você pergunta pra ele quem é Machado de Assis, ele sabe; quem é Eça de Queirós, ele sabe. Porque um dia eu estava aqui no escritório com umas estudantes, duas moças conversando, e uma perguntou: Você já leu Eça de Queirós? E a outra perguntou: É filho da Rachel de Queiroz?

Thiago Domenici
O senhor tem uma preocupação muito grande com o céu, que as pessoas possam olhar o céu. Se o senhor fosse filosofar sobre o céu, o que diria?


Esse universo que não é nosso é tão imenso que o sujeito tem que se sentir pequenininho. Realmente é fantástico. O tempo e os movimentos, ah, o universo é fantástico. E quando vejo um beija-flor, por exemplo, é tão bonito, é tão bem-feito, parece uma coisa feita em um concurso, assim, de movimentar as asas, é um mistério.

Quando vejo um beija-flor, por exemplo, é tão bonito, é tão bem-feito, parece uma coisa feita em um concurso, assim, de movimentar as asas, é um mistério

Rafic Farah
E Deus? Você não cogita que exista uma entidade superior criando o beija-flor? Criando essa harmonia do universo?

Ah, eu sou realista. Pode ser. Eu não acredito em religião. Mas gosto de conversar com os padres. Tem um que foi arcebispo que já veio almoçar aqui. Porque fui criado em uma casa e tinha o retrato do papa na parede, na sala de visitas. Meu avô era católico, ministro do Supremo Tribunal Federal durante muito tempo, e das lembranças que às vezes eu falo dele é que ele morreu teso. Nós vivíamos em uma casa grande em Laranjeiras, ele fez o andar de cima pra minha mãe, morávamos no andar de cima, e tinha muita gente que visitava a casa. Aí, um dia, ele morreu, morreu teso, o que achei ótimo. A gente viu que o dinheiro não interessa mesmo. Com a casa hipotecada, a vida que levávamos era mais ou menos tranquuuuilaele era uma pessoa conhecida; isso mudou completamente de um dia pro outro. Eu passei por esses momentos: uma vida não de luxo, mas de economia tranquila assim, pra no dia seguinte não ter nada. Foi ótimo.

Sempre achei que o dinheiro não tem importância. Por isso, quando Juscelino me telefonou, Oscar, eu sei que você tem problema de dinheiro, queria que você fizesse o projeto do Banco do Brasil e do Banco de Desenvolvimento Econômico pela tabela do Instituto, eu disse: Assim eu não faço. Por quê? Porque sou funcionário. Pra viver tem que trabalhar. O trabalho que eu faço eu divido. Meu trabalho tem duas etapas. A primeira é o projeto. Faço sozinho porque acho que arquitetura é uma coisa muito pessoal. Faço naquela prancheta ali. Quando está pronto o projeto, chamo um escritório de fora, na maioria dos casos é o da minha neta, e o escritório desenvolve o trabalho. Assim tenho mais folga de tempo, né? Posso ver os amigos, a gente bate papo, conversa.

Rafic Farah
Quantos projetos você está tocando agora?

Estou fazendo na Espanha um museu e um conjunto grande, um auditório.

Marina Amaral
O senhor sempre acompanha suas obras ou algumas vê já prontas?



Eu acompanho a obra. Por exemplo, o museu de Niterói; se vocês forem ver, eu sempre me preocupei com a ligação da arquitetura com as artes. No tempo do Capanema foi levada a sério essa ligação da arquitetura com as artes. Quando eu fiz a Igreja da Pampulha, chamei o Portinari, a fachada toda de azulejo com desenho dele. Nesse átrio que estou fazendo em Niterói não havia dinheiro pra chamar mais ninguém, então eu mesmo fiz o desenho da fachada. No azulejo, as mulheres dançando, tal. De modo que isso é importante. Mas, nesse museu, fiz um croqui pra uma exposição da minha filha, um croqui assim com um comício, o pessoal chegando, aquelas bandeiras, o entusiasmo, fiz um croqui de 80 centímetros.

Agora estou desenvolvendo pra 40 metros. Pro teatro. Quem entrar no teatro vai tomar um susto. Então estou preocupado com, de um desenho de 80 centímetros, fazer 40 metros de azulejo! De modo que o trabalho tem essas coisas que estimulam, que a gente gosta de participar. O povo fala da arquitetura às vezes, mas não é esse caso. Pra mim é engraçado chegar lá e ver em uma parede um croqui que eu fiz tão pequeno, lá. E cria espanto, quando o povo chegar lá e ver. E, por mim, isso tem que acontecer.

Marina Amaral
O senhor conversa com os operários?



Com o mestre-de-obras, claro, a gente sempre conversa. Me lembro, no tempo de Brasília, eles eram amigos nossos, a gente ficava lá o dia inteiro. Brasília foi uma aventura difícil. Lembro quando um dia Juscelino me chamou, o primeiro contato que tive com ele foi quando fui fazer a Pampulha.

Foi a primeira obra dele como homem público, meu primeiro trabalho, e o primeiro projeto que o Marco Paulo Rabello acompanhou como engenheiro. 

Então lembro que Juscelino me explicou o programa com aquele entusiasmo dele, depois me disse: Olha, preciso do projeto pronto até amanhã. Aí fui pro hotel, eu era moço, trabalhei a noite inteira e entreguei o projeto de manhã. E essa coisa, de o projeto ficar pronto pra amanhã, eu vivi em Brasília o tempo todo. Ele queria trabalhar. Então, Brasília foi uma aventura, porque a gente não tinha material suficiente pra projetar, a gente tinha que achar. É engraçado, porque, apesar do tempo curto, eu não procurei fazer uma arquitetura mais fácil, não. Fiz as colunas mais complicadas, uma forma diferente, tem que fazer no chão, depois acomodar as placas de mármore...


De modo que Brasília foi feita assim. Sem a gente procurar o caminho mais lógico. A gente queria fazer diferente. De modo que quem vai a Brasília, eu estou tranquilo, pode gostar ou não dos palácios, mas não pode dizer que viu antes coisa parecida. E pra nós, na arquitetura, isso é o máximo. Tem que ser diferente.


Marina Amaral
Você e Juscelino eram amigos?



Não, não. Eu conheci ele prefeito, quando estive na casa em que ele morava. Mas era um sujeito bom, que pensava nos que trabalhavam com ele. Israel Pinheiro foi fantástico, digno, corajoso, sem Israel Pinheiro Brasília não ficava de pé. E teve o Joaquim Cardozo, que era calculista, um poeta, um sujeito que compreendia o que a gente queria. Depois teve o Lúcio (Costa) no Plano Piloto. De Brasília eu guardo uma lembrança boa, não apenas da obra realizada, mas do ambiente de camaradagem. Por exemplo, fiquei em Brasília sozinho com um pessoal, então a gente tinha que se adaptar. Ir pra cidade, tomar uma bebida lá, dançar.

Quando fui pra Brasília não levei apenas arquitetos, fiz questão de levar jornalistas, levei até um jogador de futebol que não lembro o nome, levei gente fora da profissão, pra bater um papo. Tem que ter uma pausa pra gente conversar outras coisas. Levei um amigo meu que era médico, um sujeito muito engraçado. De modo que me preparei para aguentar e não ficar só falando de arquitetura...

Gershon Knispel
Você não muda suas idéias desde aqueles tempos, não é?

O que eu acho que tem que mudar é o principal, que a vida pelo menos seja igual pra todos, mas saber que está colaborando, que está ajudando outras pessoas a viver, sendo auxiliadas, sempre a gente trabalhar junto, é um grupo, não é? Cada um dá a sua parcela de contribuição. E depois tem os que constroem, que é importante, e os que vão usar, e aí a gente vê que a arquitetura não é tão importante, que trabalhamos só para os ricos ou para os governos, os pobres ficam olhando de longe e achando aquilo bonito quando é bonito, achando graça quando é diferente.

Marcelo Salles
Na sua opinião, em que medida os meios de comunicação são importantes pro sistema capitalista?

É tudo a serviço do capitalismo. O pobre está fodido. Não tem condição de fazer nada. E a miséria que vem do interior, essa então é impossível.

Lembro que o Prestes contou que, uma vez que ele estava na Coluna, passou numa zona muito pobre do interior do Brasil e tinha um barraco e uma moça veio e pediu uma ajuda, qualquer coisa, ele perguntou: Você mora sozinha? Não, tenho uma irmã. Por que ela não vem? Só temos um vestido. 

Miséria...

Marina Amaral
Nisso o senhor vê que a gente evoluiu, que a gente é menos miserável?

A gente sente que, pelo menos, no governo do Lula, ele foi operário e se preocupa com isso. Na política externa, mesmo o pessoal que segue com o Lula é muito bom. Esse ministro é ótimo, tem outros também que são meus amigos, gente muito boa, de modo que ele mantém uma política equilibrada, não tem o arrojo que a gente gostaria, não digo que será igual ao Chávez, em querer mudar as coisas com mais ímpeto... 


"Quem vai a Brasília, eu estou tranquilo, pode gostar ou não dos palácios, mas não pode dizer que viu antes coisa parecida. E pra nós, na arquitetura, isso é o máximo."

Marina Amaral
O senhor lê os jornais de manhã, tem paciência de ler os jornais?

Leio tudo.

Thiago Domenici
Queria saber como é um pouco a rotina do senhor...



Ah, acordo, venho pra aqui, peço pra lerem jornal, porque tenho dificuldade pra ler, converso um pouquinho, quero trabalhar, mas não posso, todo dia vem imprensa, não dá, eu atendo, porque, lógico, tem que atender, chateado de me repetir muito, porque as perguntas são as mesmas, mas com vocês não, vocês são mais evoluídos, progressistas e decerto são como eu, sabem que o que é realmente importante é mudar o mundo. Mas depois pego minha prancheta ali, trabalho até de tarde, de tarde vêm os amigos, Renato Guimarães, Sabino Barroso, o Rômulo Dantas, o Sussekind, as pessoas mais diversas, e a gente discute e tal...

É isso, recebo os amigos, às vezes a gente se reúne de noite, bate papo. No tempo do João Saldanha, em que vinham os jornalistas amigos dele, nós fizemos o Cebrade (Centro Brasil Democrático), foi um movimento muito importante, tem muito deputado aí que foi do Cebrade e agora está esculhambando a gente, mas o Cebrade teve aquele acidente na festa que estávamos organizando e os sujeitos foram lá, dois militares, e a bomba explodiu junto com eles.

Marina Amaral
Rio Centro?

Rio Centro. De modo que naquele tempo me reunia sempre aqui com o João e os outros pra discutir negócios variados. Havia a vontade de mexer nas coisas. Mas agora tentamos reunir o Cebrade outra vez, mas não deu. Um dia fui numa entrevista aí com estudantes, tinha estudante à beça.


Primeiro falou um deputado que era advogado importante, morreu há pouco tempo, falando sobre a reforma agrária com muita ênfase sobre o socialismo, sobre Stedile. Na minha vez eu disse: Olha, quando a vida se degrada e a esperança sai do coração dos homens, só a revolução. Aí eles bateram palma e tudo e depois foram pra praia. É uma merda.

Claudius
A revolução é a esperança, né?

Lógico, tem que falar sobre a revolução ou então a gente se adaptar a esse regime. Eu acho que está caminhando, a América Latina já compreendeu que tem que se organizar, se armar e não sabe o que vem por aí. O Bush está desmoralizado. O império dos ingleses virou colônia americana.

Invadiram os árabes, é difícil, a religião prende as pessoas, né? O Irã se manifestando, recusando o que eles querem, parar com as experiências atômicas. Um dia estoura, vem o inesperado, aí a gente vai ver o que é que dá. Mas tem que caminhar sempre... só assim.

OS TRABALHOS REALIZADOS

Sem contar os projetos, estas são as obras de Niemeyer:









Arquitetura Brasil: Obra do berço, Rio de Janeiro -1937 / Casa de Oswald de Andrade, São Paulo -1938 / Conjunto da Pampulha, Belo Horizonte -1940 / Conjunto Ibirapuera, São Paulo -1951 / Conjunto Copan, São Paulo -1951 / Casa das Canoas, Rio de Janeiro -1952 / Brasília, Nova capital da república 1957 / Aeroporto de Brasília, Projeto 1965 / Centro Musical, Rio de Janeiro -1968 / PASSARELA DO SAMBA, Rio de Janeiro -1983 / CIEPS, Rio de Janeiro -1984 / Memorial da América Latina, São Paulo -1987 / MAC DE NITEROI, Museu de Arte Contemporânea -1991- Niterói / Museu O homem e seu universo, Brasília -1994 / Torre da Embratel, Rio de Janeiro -1994 / Monumento em Comemoração ao Centenário de Belo Horizonte, 1995 / Monumento Eldorado Memória, doado ao MST, 1997 / Caminho Niemeyer, Niterói, 1997 / Museu de Arte Moderna de Brasília, 1997 / Sede da empresa TECNET Tecnologia, 1997 / Paço Municipal de Americana, São Paulo, 1997 / Centro de Convenções do Riocentro, Rio de Janeiro, 1997 /Teatro do Parque do Ibirapuera, São Paulo, 1999 / Centro Cultural e Esportivo João Saldanha, em Maricá, Rio de Janeiro, 2000 / Sede da UNE na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, 2000 / Ordem dos Advogados do Brasil Sede, Brasília, 2000 / Caminho Niemeyer Museu do Cinema Brasileiro, Niterói, 2000 / Auditório e Salão de Exposições da Faculdade Cândido Mendes, Rio de Janeiro, 2001 / Centro de Memória do DOI-CODI, em São Paulo, 2001 / Museu do Cinema, em Niterói, 2001 / Centro Cultural e Esportivo da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel, Rio de Janeiro, 2002 / Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, Paraná, 2003 / Auditório Ibirapuera, aberto ao público em outubro de 2005.




No exterior: MAM em Caracas, Caracas -1954- Venezuela / Sede do Partido Comunista Francês, Paris -1967 França / Editora Mondadori, Segrate (Milão) -1968- Itália / Projetos para Argélia, Mesquita de Argel, 1968 Argélia / Centro Cívico, 1968 Argélia / Universidade de Constantine, Constantine -1969- Argélia / Bolsa do Trabalho, Bobigny -1972- França / Centro Cultural de Le Havre, Le Havre -1972- França / Sede da Humanité, Franca, 1975 / Universidade de HAIFA, 1965 / Pavilhão de Verão 2003 da Serpentine Gallery, Londres, 2003. O Urbanismo: Plano Neguev, Deserto de Neguev -1964-Israel / Conjunto Urbanístico em Grasse, Grasse -1967- França / Ilha de Lazer em Abu-Dhabi, Emirados Árabes -1981.

Escultura: Monumento JK, Brasília -1980- Brasil / Monumento Tortura nunca mais, Rio de Janeiro -1986- Brasil / Mão do Memorial da América Latina, São Paulo -1988- Brasil / Monumento 9 de novembro, Volta Redonda -1988- Brasil / Memorial Gorée-Almadies, Dakar -1991- Senegal - Projeto Escultura em concreto com 80 m de altura.

Informações mais detalhadas em www.niemeyer.org.br

Fonte:
http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/cotidiano/2814-oscar-niemeyer-o-importante-e-a-vida-de-mao-dada

Fotos:
Johnny e Google Images