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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Surge uma esperança e Aldeia Maracanã pode ser preservada


Sentindo-se cada vez mais poderoso e sem oposição consistente, o governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral (abaixo, na habitual confraria com a elite 'global' fluminense), vive um janeiro de fúria e extrapolou nas últimas semanas. O show de autoritarismo vai da insistência em demolir prédios de valor artístico e cultural, para abrir vagas de estacionamento no Complexo do Maracanã, à sanção de lei para "revisão sobre os valores morais" no estado, apontada por ativistas dos direitos humanos como ameaça a direitos de gays e políticas de saúde da mulher (leia também o próximo post e não deixe de conferir os links no final de ambas as postagens). 

No dia 12, a PM foi enviada à ocupação formada por cerca de 60 indígenas no antigo Museu do Índio, um dos prédios anexos ao Estádio Maracanã que - já anunciou o Palácio Guanabara - deverão ser demolidos para permitir a abertura de cerca de 8 mil vagas de estacionamento. Jurava o governador Cabral, uma exigência da FIFA para a Copa de 2014. Não havia ordem judicial para reintegração de posse e a sanha do governo estadual acabou frustrada. Como resposta às críticas, no dia 17 Cabral chegou a propor transferir o Museu do Índio para o terreno de um presídio que está sendo desativado, no vizinho bairro de São Cristóvão. Vinte e quatro horas depois, a Procuradoria do Estado conseguiu ordem de despejo, determinando que os índios deixassem o terreno em até dez dias. Esta semana, além do apoio de artistas e movimentos sociais de todo o país, surgiu uma esperança para a Aldeia Maracanã: possível tombamento do imóvel pelo Iphan. [R.B.]



















Aldeia Maracanã pode ser preservada

Por Henrique de Almeida*
No oitavo andar do Edifício Gustavo Capanema, no centro do Rio, uma nova esperança se acendeu segunda-feira (21) para os índios da Aldeia Maracanã. Uma reunião com membros do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Rio de Janeiro deixou a certeza de que o assunto será levado rapidamente à presidente do Instituto, Jurema Machado, a fim de proteger o antigo Museu do Índio da demolição pretendida pelo governo do estado do Rio de Janeiro.



"Tenho certeza que a presidenta, Jurema Machado, é extremamente sensível a essa questão", disse Lia Motta, arquiteta e coordenadora de pesquisa e documentação do Iphan. 

Devido à urgência do assunto, o instituto encaminhará um ofício, com o conteúdo da reunião, que indica a necessidade de um posicionamento do Iphan até a próxima sexta, 26, último dia do prazo dado para uma resposta do Governo Federal a respeito da demolição do prédio.

Além do caminho institucional, os índios continuam com um objetivo em mente: tentar encontrar o documento de doação das terras do museu, em 1865, para pesquisas sobre a cultura indígena. A doação da área foi feita pelo Duque de Saxe, genro de D.Pedro II. Tal documento seria uma arma para pedir o tombamento de toda área da Aldeia Maracanã.

"Nós já sabíamos que o governo ia tentar fazer isso ilegalmente, desapropriar uma área que foi retomada por nós em 2006. As pessoas estão se conscientizando do valor histórico, e não só arquitetônico, do prédio", lembrou o cacique Carlos Tucano, sorridente após o encerramento da reunião. Sobre o documento, ele disse: "sempre buscamos este documento, e os juízes e advogados que temos ao nosso lado podem nos ajudar juridicamente a achá-lo".

Observador em todo o caso, o advogado Antônio Modesto Da Silveira, membro da comissão de ética da Presidência da República, fez um recuo histórico para definir o espírito dos que apóiam a causa indígena após a reunião desta segunda:

"Os sobreviventes do genocídio indígena desde 1500 veem, agora, uma esperança para a preservação da sua cultura", comentou o advogado.



Reconhecimento histórico
João Batista Damasceno, membro da Associação de Juízes Para a Democracia, lembrou que a propriedade do antigo Museu do Índio é do Governo Federal, conforme consta no 11º Registro de Imóveis(RGI), sob o número 62.610. Mas, demolir o prédio do Museu do Índio não seria um fato isolado no Rio de Janeiro. "O Rio de Janeiro tem uma cultura de demolir os prédios antigos", lembrou ele. "Aquela aldeia é a maior prova de que o índio pode viver em um espaço urbano", pontuou.



Marize Oliveira, que faz trabalhos com diversas escolas para divulgar a cultura índigenas na rede municipal de ensino, disse que "demolir o prédio é enterrar a cultura indígena no Rio de Janeiro". Ela reforçou o argumento de que o prédio foi abandonado e retomado pelos índios em 2006, legitimando a Aldeia Maracanã como um espaço de cultura indígena.

Em um dado momento da reunião, o cacique Carlos Tukano pediu a Lia Motta, coordenadora do Iphan, que tomasse a frente deste projeto e ajudasse nessa questão. Ela prometeu o apoio à questão dos índios, e fez uma análise da situação:

"O olhar sobre o tombamento do Museu do Índio está sendo do ponto de vista do imóvel, e não do ponto de vista dos sentidos e significados históricos do antigo Museu do Índio", explicou, classificando ainda a demolição como "um absurdo", e lembrando que o Iphan "sempre manteve independência das políticas de governo".

A advogada Valéria Lima, que representa os índios, lembrou que a desembargadora Maria Helena Cisne, presidente do Tribunal Regional Federal, 2ª Região, quando derrubou as liminares, argumentou que os índios não possuíam um documento de tombamento do Iphan. "Precisamos de documentos para um parecer curto e preliminar, para que possamos acionar as autoridades competentes", pediu Valéria.

Modesto da Silveira, conhecido defensor dos Direitos Humanos, usou um exemplo recente para exemplificar o seu temor a respeito da desapropriação da Aldeia Maracanã: "Temo que tenhamos um novo Pinheirinho, um novo massacre em um caso de reintegração de posse", disse ele.

Restauração
Carlos Tukano, um dos líderes da Aldeia Maracanã, mostrou ao Jornal do Brasil plantas do Museu do Índio, sob o nome Casa Tamoios: Restauração do Patrimônio Material, um abrigo para o Patrimônio Imaterial, do Prêmio Arquiteto do Amanhã de 2008. O prêmio é dado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil.




Conforme mostrou Tukano, no projeto estão fotos e desenhos do antes (2008), do hoje e do depois do prédio do Museu do Índio, inaugurado em 1910. As propostas de restauração do prédio chamaram a atenção. "No nosso projeto, a gente quer colocar um reforço na estrutura para impedir que ela desabe. Vamos também restaurar o mezanino", enumerou o cacique. "Não estamos esperando sentados. Isso é uma prova de que estamos trabalhando há tempos com alternativas de restauração do prédio", comentou Tukano.

Na primeira planta, que mostra o estado do prédio em 2008, fica evidente a falta de material em diversos pontos da estrutura do museu. Com os projetos em mãos mostrados e encaminhados ao Iphan em Brasília, no entanto, ele adquiriu novas esperanças, e pediu o apoio da população:

"É preciso preservar a história e a cultura de todos os povos que lá estão, cerca de 20 etnias indígenas", finalizou.

Comentários e ironias
Na última quarta-feira, o governador Sérgio Cabral, ao ser perguntado sobre o motivo de nada ter sido feito antes em relação ao Museu do Índio, disse que era "porque não havia Copa do Mundo".

Afonso Apurinã, ao saber da frase do governador, ficou indignado: "Então ele está fazendo o trabalho apenas para empresários, brasileiros e internacionais. E agora, ele está desesperado. Mas nós não temos culpa disso tudo", declarou Apurinã.

Já Tukano lembrou do Pan-americano de 2007 como exemplo de respeito ao espaço do Museu do Índio. "Quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa, ele começou a se alvoroçar. Depois da Cúpula dos Povos e do Rio +20, em julho, ele disse que compraria o prédio. Nós sabíamos que o tiro viria, e viria forte. Mas ele esperou até depois dos eventos com os líderes mundiais para fazer qualquer coisa", finalizou Tukano.
*no JB On Line

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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Juízes para a Democracia, sobre os acontecimentos do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
NOTA PÚBLICA - RJ - NOVEMBRO de 2010

30/11/2010 - 20h48


À MARGEM DA LEI TODOS SÃO MARGINAIS

A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, fundada em 1991, que tem por finalidade estatutária o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, em consideração às operações policiais e militares em curso no Rio de Janeiro, vem manifestar preocupação com a escalada da violência, tanto estatal quanto privada, em prejuízo da população que suporta intenso sofrimento.

Para além da constatação do fracasso da política criminal relativamente às drogas ilícitas no país, bem como da violência gerada em razão da opção estatal pelo paradigma bélico no trato de diversas questões sociais que acabam criminalizadas, o Estado ao violar a ordem constitucional, com a defesa pública de execuções sumárias por membros das forças de segurança, a invasão de domicílios e a prisão para averiguação de cidadãos pobres perde a superioridade ética que o distingue do criminoso.

A AJD repudia a naturalização da violência ilegítima como forma de contenção ou extermínio da população indesejada e também com a abordagem dada aos acontecimentos por parcela dos meios de comunicação de massa que, por vezes, desconsidera a complexidade do problema social, como também se mostra distanciada dos valores próprios de uma ordem legal-constitucional.

O monopólio da força do Estado, através de seu aparato policial, não pode se degenerar num Estado Policial que produz repressão sobre parcela da população, estimula a prestação de segurança privada, regular e irregularmente, e dá margem à constituição de grupos variados descomprometidos com a vida, que se denominam esquadrões da morte, mãos brancas, grupos de extermínio, matadores ou milícias.

Por fim, a AJD reafirma que só há atuação legítima do Estado, reserva da razão, quando fiel à Constituição da República.

www.ajd.org.br/noticias_ver.php?idConteudo=752