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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Wikileaks relata operações ilegais do DEA com PF brasileira durante ditadura


Agência Pública (*)
Agência de combate às drogas dos EUA realizou prisões e deportações ilegais, além de torturas, participando da Operação Condor
         No dia 17 de outubro de 1973, o embaixador norte-americano no Brasil, John Crimmins, escreveu um telegrama confidencial urgente ao Departamento de Estado chefiado por Henry Kissinger. A aflição do embaixador é evidente ao se referir à inesperada chegada ao país de uma equipe de inspeção do GAO (US Government Accountability Office) – agência ligada ao Congresso norte-americano, criada em 1921 e ainda em atividade – com a missão de investigar a adequação e legalidade das atividades das agências federais financiadas pelo contribuinte dos EUA. Inicialmente marcada para o dia 3 de novembro, a antecipação da visita – que desembarcaria na noite do mesmo dia 17 no Brasil – deixou o embaixador em polvorosa. O objetivo da missão era auditar o programa anti-drogas desenvolvido pela DEA – Drug Enforcement Administration – no país.
         O documento faz parte de um novo projeto do Wikileaks, o PlusD, que agrega 1,7 milhão de textos diplomáticos entre 1973 a 1976, chamados de "Kissinger Cables" – em razão de serem da mesma época em que Henry Kissinger dirigia a política externa norte-americana – e 250 mil de 2003 a 2010, no vazamento mais famoso da organização, o "Cablegate".
         O projeto é uma parceria com 18 veículos internacionais, incluindo as agências de notícias Associated Press e France Presse e os jornais La Repubblica, da Itália, La Jornada, do México, Página 12, da Argentina e a Agência Pública, no Brasil.
         Criada pelo presidente Richard Nixon em julho de 1973, com 1.470 agentes e orçamento de 75 milhões de dólares, para unificar o combate internacional anti-drogas, hoje a DEA tem 5 mil agentes e um orçamento anual de 2 bilhões de dólares. Embora mantivesse escritórios em nove países e representantes nas missões diplomáticas norte-americanas ao redor do mundo (ainda hoje a DEA tem escritórios na embaixada em Brasília e no consulado de São Paulo), desde 1969, quando ainda atendia pelo nome de BNDD (Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs), a missão da DEA sempre foi “lidar com o problema das drogas, em ascensão, nos Estados Unidos”. Sua relação com os outros países, ao menos oficialmente, não previa o combate às drogas em cada um deles; o objetivo era impedi-las de chegar à população norte-americana.
         Por que então Crimmins estava tão preocupado com a chegada inesperada da equipe de auditoria ao Brasil? Ele explica no mesmo telegrama a Henry Kissinger: “Os oficiais da embaixada pedem instruções sobre quais os documentos dos arquivos da DEA e do Departamento do Estado, relativos a drogas, devem ser liberados para a equipe do GAO”, escreveu. “Especificamente pedimos orientação sobre os seguintes assuntos: a) os planos de ação anti-drogas, levando em conta que nem toda a estratégia sugerida nesses documentos foi aprovada pelo Comitê Interagências (Interagency Commitee) em Washington; b) tortura e abuso durante o interrogatório de prisioneiros; c) o centro de inteligência da Polícia Federal; d) os arquivos de informantes, incluindo os registros de pagamentos; e) operações confidenciais e telegramas de inteligência; f) operações clandestinas, incluindo a transferência de Toscanino do Uruguai ao Brasil; g) documentos de planejamento das alfândegas brasileiras e do departamento de polícia federal”, detalha.
         A resposta de Kissinger não consta da base de dados do National Archives (NARA) reunidos na Biblioteca de Documentos Diplomáticos do WikiLeaks, mas a julgar por outros documentos, havia sim motivos para se preocupar. Pelo menos em relação ao único caso específico ali referido: a transferência de Toscanino do Uruguai para o Brasil.
         Quatro meses antes da chegada dos auditores do GAO ao Brasil, Francisco Toscanino, cidadão italiano, foi condenado junto com mais cinco réus pelo tribunal de júri de Nova York, em junho de 1973, por “conspiração para tráfico de drogas”. De acordo com uma testemunha presa, que estava colaborando com a polícia em sistema de delação premiada, Toscanino, que morava no Uruguai, estava indicando compradores, em solo americano, para uma carga de heroína enviada de navio e parcialmente flagrada por agentes infiltrados da DEA nos Estados Unidos.
            Seqüestrado, torturado e extraditado
         Em maio de 1974, porém, Toscanino entrou com recurso na Segunda Instância da Corte de Apelação dos Estados Unidos, alegando que sua prisão havia sido ilegal, de acordo com a legislação norte-americana, por ter se baseado em monitoramento eletrônico irregular no Uruguai. Mais do que isso: ele foi sequestrado no Uruguai e torturado no Brasil antes de ser extraditado aos EUA sem comunicação prévia a autoridades italianas.
         Os detalhes estarrecedores dessa história, reproduzidos no documento da corte parecerão estranhamente familiares aos que conhecem as ações da Operação Condor – a articulação da repressão política nesse mesmo período entre ditaduras militares na América Latina. Com exceção, talvez, da preocupação em não deixar marcas de tortura.
         “No dia 6 de janeiro de 1973, Toscanino foi tirado de sua casa em Montevidéu por um telefonema, que partiu dos arredores ou do endereço de Hugo Campos Hermedia [na verdade, Hugo Campos Hermida]. Hermedia era – e ainda é – membro da polícia em Montevidéu. Mas, segundo a alegação de Toscanino, Hermedia estava atuando ultra vires [encoberto] como agente pago do governo norte-americano. A chamada telefônica levou Toscanino e sua mulher, grávida de 7 meses, a uma área próxima de um boliche abandonado em Montevidéu. Quando chegaram lá, Hermedia e seis assistentes sequestraram Toscanino na frente da mulher aterrorizada, deixando-o inconsciente com uma coronhada e o jogando na traseira do carro. Depois, Toscanino – vendado e amarrado – foi levado à fronteira do Brasil por uma rota tortuosa”.
         Segue o documento: “Em um certo momento durante a longa viagem até a fronteira brasileira houve uma discussão entre os captores de Toscanino sobre a necessidade de trocar as placas do carro para evitar sua descoberta pelas autoridades uruguaias. Em outro ponto, o carro estancou subitamente e ordenaram que Toscanino saísse. Ele foi levado para um lugar isolado, onde o mandaram deitar sem se mexer ou atirariam nele. Embora a venda o impedisse de ver, Toscanino conseguia sentir a pressão do revólver em sua cabeça e ouvir os ruídos do que parecia ser um comboio militar uruguaio. Quando o barulho se afastou, Toscanino foi colocado em outro carro e levado à fronteira.
         Houve combinações e, mais uma vez, com a conivência dos Estados Unidos, o carro foi tomado por um grupo de brasileiros que levaram Francisco Toscanino (…) “Sob custódia dos brasileiros, Toscanino foi conduzido a Porto Alegre onde permaneceu incomunicável por 11 horas. Seus pedidos de comunicação com o consulado italiano e com a família foram negados. Também não lhe deram comida nem água. Mais tarde, no mesmo dia, Toscanino foi levado à Brasília, onde por 17 dias foi incessantemente torturado e interrogado.
         Durante todo esse tempo, o governo dos Estados Unidos e a promotoria de Nova York, responsável pelo processo, tinham ciência – e inclusive recebiam relatórios – do desenrolar da investigação. Além disso, durante o período de tortura e interrogatório um membro do Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, estava presente em um ou mais intervalos e, na verdade, chegou a participar de partes do interrogatório. Os captores de Toscanino o privaram de sono e de qualquer forma de alimentação durante dias. A nutrição se dava por via intervenosa apenas para mantê-lo vivo. 
         Assim como relatam nossos soldados que voltaram da Coréia e da China, Toscanino era forçado a andar para baixo e para cima por sete ou oito horas ininterruptas. Quando ele não conseguia mais ficar em pé, era chutado e espancado de forma a não deixar marcas. Se não respondia às perguntas, seus dedos eram esmagados com grampos de metal. Jogavam álcool em seus olhos e nariz, e outros fluidos eram introduzidos em seu ânus. Inacreditavelmente, os agentes do governo norte-americano prenderam eletrodos nos lóbulos de suas orelhas, dedos e genitais e deram choques elétricos o deixando inconsciente por períodos que não consegue precisar mas, novamente, sem deixar marcas.”
         “Finalmente, no dia 25 de janeiro de 1973, Toscanino foi levado ao Rio de Janeiro onde foi drogado por agentes brasileiros e norte-americanos e colocado no vôo 202 da Pan American Airways (…). Acordou nos Estados Unidos no dia 26 de janeiro, quando foi oficialmente preso dentro do avião e levado imediatamente a Thomas Puccio, assistente do procurador-geral dos Estados Unidos. Em nenhum momento durante a captura de Toscanino o governo norte-americano sequer tentou a via legal. Agiu do início ao fim de maneira ilegal, embarcando deliberadamente em um esquema criminoso de violação de leis de três países diferentes”.
            O “Fleury uruguaio”
         Hugo Campos Hermida era uma espécie de Fleury uruguaio. Embora a ditadura naquele país só tenha se instalado em junho de 1973, portanto quando Toscanino já havia sido condenado nos EUA, Hermida era o chefe da chamada Brigada Gamma, um esquadrão da morte uruguaio que matava desde traficantes até tupamaros – os guerrilheiros de esquerda que atuavam antes do golpe final. Hermida também foi treinado nos Estados Unidos – inclusive pela DEA, como mostram outros documentos do projeto PlusD.
         Oficialmente, era chefe da Brigada de Narcóticos da Dirección Nacional de Información e Inteligencia (DNII), organismo criado em colaboração com os Estados Unidos no Uruguai. O jornal La República, do Uruguai, levantou documentos no Arquivo do Terror, no Paraguai, que comprovaram a participação de Hermida no “ninho da Condor”, a Automotores Orletti, em Buenos Aires, um centro de tortura que tinha como fachada uma oficina mecânica.
         Do lado brasileiro, o diretor do Departamento de Polícia Federal – também montada e armada pelos norte-americanos desde os primórdios – era o general Nilo Caneppa Silva, mais conhecido por suas assinaturas na censura de jornais, peças de teatro e filmes – já que essa também era uma atribuição oficial do órgão na ditadura, assim como o combate ao tráfico de drogas nas fronteiras. O general Caneppa foi promovido a coronel assim que a ditadura militar se instalou, e a general-de-brigada em 1971, no governo Médici, mesmo ano em que passou a chefiar o DPF em Brasília.
         A operação de sequestro no Uruguai e tortura no Brasil do traficante Toscanino não aparece nos telegramas diplomáticos até maio de 1974, quando o italiano entrou com recurso na corte de apelações norte-americana. A partir daí, há um troca frenética de telegramas entre as embaixadas do Brasil e de Buenos Aires com o Departamento do Estado porque a Justiça norte-americana havia requisitado toda a documentação envolvendo o caso Toscanino em virtude da apelação – embora boa parte dela tenha continuado escondida, como comprovam os telegramas desse período constantes no PlusD. O general Nilo Caneppa, porém, era considerado peça-chave pelos Estados Unidos, como mostra um telegrama de 25 de abril de 1973.
         “O tempo do general Caneppa como diretor do Departamento de Polícia Federal encerra-se no meio de maio. Para assegurar a conclusão dos ótimos resultados obtidos pela equipe americana de analistas designados para trabalhar com a polícia federal brasileira no desenho do Centro de Inteligência de Narcóticos, pedimos que essa equipe venha ao Brasil antes de maio”, diz o relato assinado pelo antecessor de Crimmins, William Rountree. O mesmo embaixador já havia demonstrado seu apreço por Caneppa que dele “se aproximou pessoalmente para requisitar material audiovisual em português para os cursos de treinamento permanentes do BNDD (antecessor da DEA) em São Paulo”, segundo outro telegrama do PlusD, esse de 8 de maio de 1973, que recomendou: “Tendo em vista a cooperação do DPF em expulsar traficantes internacionais para os Estados Unidos em casos passados, e o mandato constitucional da DPF para dirigir os esforços para suprimir os traficantes de drogas, e as necessidades de treinamento dos brasileiros, a embaixada recomenda que o BNDD envie os filmes e slides para uso do escritório do BNDD em Brasília, que vai distribuir para as agências brasileiras. Esse gesto, além de ser um investimento útil de dinheiro e material, vai ajudar a estreitar ainda mais os laços entre o DPF e o BNDD”.
            O general tático
         No relatório confidencial sobre a temida visita dos auditores do  GAO, porém, enviado pelo embaixador Crimmins ao Departamento de Estado americano em 13 de dezembro de 1973, o entusiasmo dos americanos havia arrefecido com a substituição de Caneppa por um general considerado mais “tático” ( “operations-minded”) – o general Antonio Bandeira, tristemente famoso pelas primeiras operações de repressão na guerrilha do Araguaia tanto pelo lado dos guerrilheiros – que passaram a ser torturados também em Brasília depois que ele assumiu a Polícia Federal – como dos militares, pelo fracasso em vencer os 70 jovens do PC do B nas matas do Pará.
         Ainda assim, os norte-americanos ressaltam sua gratidão por operações realizadas pela DPF chefiada por Caneppa nesse mesmo telegrama, que também relembra a temida visita do GAO dois meses antes. Segundo o telegrama, os auditores haviam feito apenas uma “investigação difusa” sobre as atividades da DEA no país: “Embora GAO não tenha problemas com a premissa do programa anti-drogas de desenvolver a competência brasileira no combate aos narcóticos, a curto prazo eles estão mais interessados em impedir o fluxo de drogas para os Estados Unidos. O coordenador do programa de narcóticos ressaltou, então, o sucesso da cooperação EUA-Brasil na Operação Springboard [nos portos, em conjunto com a Marinha Americana] e na apreensão no Mormac-Altair”.
         Como relatam os jornais da época, o Mormac-Altair era um navio americano onde, em operação conjunta dos americanos e brasileiros, foi capturada uma carga de 60 quilos de heroína em outubro de 1972. Traficantes franceses que moravam no Paraguai e no Brasil foram então extraditados para os Estados Unidos pela Polícia Federal brasileira, sem avisar as autoridades francesas, como aconteceu no caso Toscanino, sempre com o general Caneppa à frente das operações.
         Segue o telegrama de Crimmins a Kissinger: “GAO estava interessado na possibilidade do Brasil assumir a liderança entre as nações latino-americanas no hemisfério Sul. O coordenador explicou que o Brasil se esforçava para melhorar a cooperação e a coordenação entre os órgãos policiais em outras nações latino-americanas. No entanto, as diferenças entre os sistemas hispânicos e lusitano, e a intensa rivalidade com a Argentina tornava difícil essa liderança”.
         “A GAO também levantou a questão – baseada na investigação dos arquivos sobre as trocas de informação entre as agências de Washington durante a Operação Springboard, quando a embaixada relatava preocupações e queixas sobre o antigo chefe da Polícia Federal, General Caneppa [não se sabe a que se referem essas queixas, que teriam sido feitas por Rountree, uma vez que a atuação da PF sob Caneppa foi elogiada no parágrafo anterior e no telegrama enviado por Rountree transcrito acima, mas os militares brasileiros consideravam Caneppa “mole”, enquanto Bandeira era da “linha dura”].
         O coordenador explicou que não há mais problemas similares com o atual chefe, o general Bandeira. Bandeira é mais operations-minded  e parece satisfeito com o nível de troca de informações embora, sem dúvida, um aprimoramento possa ser feito nesse campo. A equipe do GAO fez diversas perguntas sobre extradição e expulsão de traficantes e pareceu satisfeita com nossas explicações de que não há problemas do gênero no Brasil. O coordenador teve a impressão de que essa era a mais alta prioridade da equipe do GAO.
         “A ideia do Centro de Inteligência de Drogas veio à tona também nessa visita, baseada no material que eles já tinham recebido. O conteúdo politicamente sensível desse assunto foi então explicado à equipe do GAO (…).” Quando o telegrama foi enviado, Juan Perón havia reassumido o poder na Argentina depois de um período de 18 anos de exílio, interrompendo a colaboração entre as polícias do Cone Sul. Os americanos – assim como a ditadura brasileira – nunca confiaram em Perón; depois que ele morreu, em 1974, e foi substituído pela mulher, Isabelita, os militares instituíram a “guerra suja” que matou mais de 30 mil pessoas, incluindo peronistas.
         Ao final do telegrama, Crimmins revela que, embora não conste da documentação do NARA, havia recebido – e cumprido – as instruções de Kissinger depois do telegrama enviado na chegada inesperada da missão da GAO: “Nenhuma cópia de outros documentos além dos definidos por Washington foram disponibilizados para a equipe do GAO”.
            Condor
         Tanto Bandeira quanto Caneppa aparecem nas listas de torturadores da ditadura, feitas a partir de documentos e denúncias de presos políticos, como “coniventes”, pelo fato de terem comandado operações que resultaram em tortura e desaparecimento de presos sem, no entanto, ter sido flagrados com “a mão na massa”, para usar uma expressão suave.
         Suas ligações com as operações do DEA no Cone Sul, como demonstra o telegrama acima, porém, podem implicá-los – e aos Estados Unidos – em crimes internacionais em investigações posteriores, como já aconteceu no caso do general Caneppa, e não apenas nos casos Mormac-Altair e Toscanino.
         No final do ano passado, o repórter Wagner William publicou na revista Brasileiros a reportagem “O primeiro vôo do Condor”, relatando aquela que seria a primeira ação da operação clandestina que uniu as ditaduras militares do Cone Sul: o sequestro do coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, opositor da ditadura, em Buenos Aires e sua extradição para um centro de torturas no Rio de Janeiro, descrita no Informe 338, de 19 de dezembro de 1970, pelo adido militar na Embaixada do Brasil: o então coronel Nilo Caneppa.
         O documento, obtido pelo jornal Página 12, é considerado pelo presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o gaúcho Jair Krischke, um dos maiores investigadores da Operação Condor, como o primeiro documento da articulação clandestina e a prova de que foi o Brasil que liderou ao menos a sua formação.
         O repórter Wagner William teve acesso aos diários do coronel Jefferson e contou em detalhes como o coronel, seu filho e sobrinho foram interceptados em dezembro de 1970 quando viajavam do Uruguai, onde se exilaram depois do golpe, ao Chile, onde o coronel assumiria o cargo de assessor militar para a Associação Latino-Americana de Livre Comércio a convite do então presidente do Chile, Salvador Allende. Allende se suicidaria depois do golpe liderado pelo general Pinochet e articulado pelos Estados Unidos em 1973.
         Para evitar a perseguição policial – os homens de Hermida o seguiam todo o tempo no exílio, como faziam com todos os brasileiros inimigos da ditadura, como relatou em 2003, depois de ser preso no Rio Grande do Sul por assalto a banco e tráfico de armas, o ex-policial Mario Neira Barreto, codinome Tenente Tamuz, que também pertencia à Brigada Gamma –, Jefferson planejara ir de Montevidéu a Colônia do Sacramento de carro, atravessar o rio da Prata pela balsa até Buenos Aires, de onde seguiria para Mendoza e cruzaria os Alpes para o Chile.
         Avisado pelos uruguaios, porém, o adido militar brasileiro na Argentina – Caneppa – pediu a cooperação da Direção da Coordenação Federal, o órgão de inteligência da Polícia Federal Argentina, para prender os três brasileiros, descrevendo sua aparência em detalhes. Escondido no porto, Caneppa assistiu quando o carro de Jefferson foi interceptado por dois agentes armados que saltaram de um carro preto com chapa do governo argentino anunciando: “É uma operação de rotina. Houve uma denúncia de transporte de drogas”.
         Embora não houvesse nada no carro além de uma arma do coronel Jefferson, que apresentou seus documentos de identificação militar, os três foram levados para a coordenação da Polícia Federal argentina, encapuzados, algemados e presos no porão enquanto o subcomissário anunciava ao adido militar brasileiro o sucesso da operação. Caneppa vai pessoalmente ao prédio, acompanhado de outro militar brasileiro, adido da Aeronáutica na embaixada, onde Jefferson, seu filho e o sobrinho foram interrogados sobre o sequestro do cônsul brasileiro, Aloysio Gomide, pelos tupamaros uruguaios e sobre sua ligação com líderes peronistas argentinos.
         Os três foram torturados – o coronel Jefferson com choques elétricos nos pés, nas pernas e nos genitais e cera de vela quente no ânus. Caneppa e o outro militar brasileiro, na sala ao lado, examinavam o material apreendido no carro de Jefferson – livros, cartas e documentos de identidade – quando um tenente-coronel do Exército argentino se apresentou e pediu desculpas pela ausência do coronel Cáceres, diretor da PF argentina, perguntando em seguida o que deveria fazer com os detidos. Caneppa queria que fossem enviados ao Brasil, e em 26 horas o presidente argentino, fantoche dos militares, assinou um decreto de extradição. De lá foram transportados discretamente por uma aeronave militar para o Centro de Informação e Segurança (CISA) no Rio de Janeiro.
         O coronel Jefferson foi torturado dias a fio e ficou preso por seis anos. Ao sair da cadeia, em 1977, continuou a ser perseguido até 1979 quando foi beneficiado pela lei da anistia. Os militares, porém, em um ato excepcional, anularam sua anistia e ele teve que partir para o exílio, primeiro na Venezuela, depois na França, de onde só retornou em 1985, com o fim da ditadura militar.
         Vítima da primeira ação da famigerada Operação Condor, o coronel Jefferson foi preso sob a acusação de tráfico de drogas pela Polícia Federal argentina sob as ordens do general Caneppa. O mesmo que dirigia a Polícia Federal brasileira quando o traficante Toscanino foi sequestrado por Hermida no Uruguai e entregue para ser torturado em Brasília de onde foi extraditado, em uma operação inteiramente coordenada pela DEA.
         O coronel Caneppa foi promovido a general e assumiu a direção da Polícia Federal meses depois. Em 1972, recebeu a Medalha do Pacificador – a maior honraria do Exército, destinada aos “revolucionários” de 1964. O general Bandeira mereceu a mesma honraria. Até hoje a DEA mantém escritórios no Brasil, dentro da embaixada brasileira e dos consulados. Procurada pela Pública para saber sobre suas atividades atuais no país, a DEA encaminhou a reportagem à assessoria de imprensa da embaixada norte-americana, que não respondeu aos pedidos de informação até a publicação dessa reportagem.
Fonte Brasil de Fato  9/04/2013  ( Agência Pública)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Os mortos bons e os maus

18/09/2012  - Leituras do MEIA HORA - Por Sylvia Debossan Moretzsohn (*)
- edição 712 do Observatório da Imprensa

Desculpe, leitor. Hoje não tem piada”, estampou o Meia Hora em manchete na terça-feira (11/9) sobre a foto aberta com os corpos dos seis jovens assassinados a caminho de uma cachoeira na Chatuba, na Baixada Fluminense.

Eram rapazes entre 16 e 19 anos que só queriam se divertir e foram torturados e mortos, aparentemente porque penetraram numa área dominada por traficantes.

As notícias sobre o tráfico local são vagas. Não se sabe – nós, da Zona Sul, nunca sabemos muito bem o que se passa na periferia – se não havia tráfico antes ou se havia e se intensificou com a fuga de traficantes de morros cariocas após a chamada “pacificação” de algumas áreas especialmente conflagradas no Rio de Janeiro. Mas o que importa não é isso.

Importa o gesto de pedido de desculpas, porque resume a atitude do jornal – e a indicação que dá a seus leitores – em relação ao tema geral da violência urbana: há mortos bons, que devem ser pranteados, e mortos maus, que devem ser execrados, ou – de acordo com a linguagem desse mesmo jornal – escrachados para virarem motivo de piada.

Estímulo ao extermínio
Jornais populares não costumam ser objeto de crítica de mídia, mas isto é um equívoco porque a formação de opinião não ocorre apenas no âmbito dos jornais de referência ou dos variados espaços qualificados disponíveis hoje na internet. Jornais populares desempenham historicamente esse papel de formação de opinião entre o público de baixa escolaridade e renda, especialmente a partir de seu noticiário sobre crime, reiterando estereótipos que ajudam a consolidar a crença na separação entre os bons e os maus e, por consequência, a apoiar políticas de segurança de extermínio dos criminosos. Políticas que, frequentemente, vitimam esse mesmo público, porque, afinal, estão voltadas para a repressão aos suspeitos de sempre, desde os tempos da escravidão.

Que outro sentido, a não ser o estímulo ao extermínio, teria a manchete Goleada da polícia: 11 bandidos são mortos em 5 favelas”, de 6/4/2006, ainda mais com a referência, logo abaixo, ao (outrora) “Mengão matador”, evidente intercâmbio semântico entre matança de pessoas e o êxito num jogo de futebol?

Ou, em pleno período de epidemia de dengue, a famosa capa Bopecida, o inseticida da polícia”, “terrível contra os marginais (17/4/2008), na qual o coronel da PM afirma que os marginais são os mosquitos do mal” e “o policial é um saneador? (Isso, apesar do erro elementar na origem do “gracejo”, porque, se inseticidas matam insetos, um Bopecida eliminaria os próprios policiais...).

Ou, na mesma linha, “Bope faz aniversário e apaga quatro” (20/1/2012), com a imagem de quatro velas correspondentes aos traficantes mortos, e balões de festa pretos com a marca da caveira trespassada por dois revólveres e um punhal?

Ou, ainda, “Polícia distribui azeitonas e ladrões de restaurante viram presunto”  (14/8/2012), óbvio jogo de palavras para tratar da repressão a um assalto a um restaurante na Tijuca?

Não que os jornais de referência, fabricados nas mesmas empresas, tratem de modo não maniqueísta o noticiário policial. Mas o fazem de maneira mais sutil, pois se dirigem a outro tipo de público. E jamais tripudiariam de vítimas como o dono de uma empresa de cereais assassinado e esquartejado pela mulher, que no Meia Hora de 7/6/2012 foi destacada em foto com a manchete “Essa aí não pipoca” e o subtítulo “Viúva encara a polícia de frente, confessa que estourou com dono da Yoki e botou o corpo em saquinhos”.

Exploração do grotesco
O Meia Hora nasceu como um fenômeno editorial: lançado em setembro de 2005, já no ano seguinte aparecia em nono lugar na listagem do Instituto Verificador de Circulação (IVC), com quase 130 mil exemplares diários, e foi subindo até 2008, com 231 mil, para então decair e retornar praticamente aos números iniciais: são pouco menos que 137 mil em 2011 e o primeiro trimestre de 2012 aponta uma queda relativa de quase 10% da circulação. Ainda assim, é o terceiro maior diário do Rio de Janeiro, atrás apenas do Extra e de O Globo, voltados a outras parcelas de público. Em 2011, estava em décimo lugar no ranking nacional.

Acompanhando a tendência para o setor, o Meia Hora se afastou do estilo “espreme que sai sangue” típico da tradição dos jornais populares e adotou a exploração do grotesco, o que lhe garantiu reiterados elogios por parte de uma certa intelectualidade entusiasmada com a criatividade dos responsáveis pelas capas, que é o que atrai a atenção e garante a vendagem entre o público popular (nos dias de semana, o jornal custa R$ 0,70).

Pausa para pensar
Enquanto o grotesco se aplica a cenas bizarras da vida cotidiana ou a celebridades do mundo do futebol ou da televisão – aquilo que normalmente se encaixaria na definição de fait-divers –, não haveria muito a discutir além do gosto duvidoso das manchetes e as implicações sobre a exposição das pessoas ao ridículo, embora, no caso das celebridades, esse tipo de situação faça parte do jogo. Além do mais, não haveria grotesco sem o escárnio ou o duplo sentido.

Mas tudo muda de figura quando se trata da eliminação de seres humanos, quaisquer que sejam os motivos para isso.

As desculpas na capa daquela terça-feira são dessas surpresas que podem conduzir a uma pausa para pensar.

A rigor, deveriam se estender a todas as inúmeras edições em que a morte virou motivo de galhofa.

Se pelo menos servirem para levar à reflexão aqueles que sempre elogiaram a “criatividade” do jornal, já terão valido a pena.


(*) Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de "Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)

Fonte:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed712_os_mortos_bons_e_os_maus

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Perguntas que ainda ficam: 'A Operação Alemão já é um fiasco ou falta mais?'

Juracy Ventura, ativista, a partir do fórum 3setor
"Essas perguntas são antigas.

Alguém pode respondê-las?

Nem toda a força da Globo para transformar a operação num sucesso dos militares e dos governos de plantão, bem como as entrevistas de militares fardados e com 'caras e bocas' do filme 'Tropa de Elite' conseguiram fazer eu entender:

1) Para que seis mil militares para 'prender para averiguações' 20 pessoas, e 'capturar 2 bandidos'?

2) Onde estava o crime organizado? Na zona sul? Era uma tática de dissimulação?

3) Morreram só bandidos (55)? O critério é 'tomou tiro e morreu é bandido?' Tinham carteira de bandido? Confessaram antes de morrer?

4) A 'fuga' estava combinada? Não há serviço de inteligência nas forças militares? O PAC foi para preparar as rotas de fuga?

5) Os helicópteros (do estado principal e da mídia oficial do governo - concessões de TV) só tem vidro e câmaras para o Complexo do Alemão? Quase um milhar de bandidos brotando das galerias pluviais nos bairros em volta não foram registrados? Por que os poucos que correram a pé antes foram filmados, inclusive um atingido por um disparo? Ou eram atores? Ou foi combinando? Ou era tática dispersivo dos 'bandidos'?

6) Por que a Globo (emissora oficial do governo, haja visto as inúmeras entrevistas exclusivas da equipe do novo governo do Brasil que está em formação) e os militares, e os políticos insistem em tentar traçar o que os bandidos deveriam ter feito? Por exemplo: queriam que os líderes tivessem resistido heroicamente até a morte; ou que os 'soldados do tráfico' tivessem lutado até a morte em trincheiras; ou que fugir pelas galerias (se isto tiver acontecido) é coisa de 'desesperados' e derrotados etc. Só falta o Pedro Bial narrar tudo como no BBB.

7) Afinal, se os bandidos estavam lá desde o começo (será?), a Globo e os militares 'exigiam/esperavam' que eles fossem e se comportassem como burros e não questionassem o roteiro, como acontece nas eleições? Ao que me conste eles são bandidos, não burros ou idiotas.

8) Um capitão da força militar, comandado pela repórter da Globo, dá alguns passos toda hora na TV, como se fosse entrar numa tubulação de esgoto. A cena corta e aparecem drogas, armas, munições etc. Não é tudo muito 'pastiche'? Muito teatral e burlesco?

9) Não vemos mais nada sobre montagem de governo, política econômica, acertos financeiros e de poder, inflação, planos de governo, os financiadores do tráfico (usuários e políticos).

10) Qual política e tática será usada para conter a demanda? Para inflação e crédito deve ter. Para drogas não?

11) Estamos redirecionando as forças armadas para a guerra urbana e, mais grave, para cercar e dominar áreas urbanas? Vamos ter guetos?

12) Se existe tal quantidade de armamentos pesados de guerra nas mãos dos bandidos, ninguém sabe usar? São plantados? Se os bandidos disparam de longe fuzis e pistolas, por que não usam as metralhadoras pesadas, granadas e morteiros? Ninguém adquire tais artefatos para 'investimento' ou jogar dinheiro fora. Tem alguma coisa no ar. Não?

Alguém pode me ajudar?"


Guerra do bem contra o mal?

Um violento jogo de poder envolve facções, milícias e agentes públicos, no qual se confundem mocinhos e bandidos
Leandro Uchoas, do Brasil de Fato

Mais de 100 veículos incendiados, granadas e tiros contra delegacias, pelo menos 52 mortos, assaltos em profusão, pequenos arrastões, tiroteios em comunidades pobres. Na penúltima semana de novembro, o Rio de Janeiro esteve entregue à barbárie. Em pânico, parte da população deixou de ir ao trabalho, de frequentar bares, de transitar livremente pelas ruas. E comunidades inteiras, especialmente na Zona Norte, ficaram reféns dos “soldados” do narcotráfico e da insanidade de setores da polícia. Como tem sido comum nesses períodos, a opinião pública assumiu posições conservadoras. Exigia-se punição dura, resultados imediatos. Para os setores sociais de espírito crítico mais desenvolvido, porém, ficou a sensação de que assistia pela TV, ou lia pelos jornais, a uma farsa.

A onda de violência começou no dia 21 de novembro. Carros e ônibus foram queimados pela cidade por jovens ligados ao Comando Vermelho (CV), aliados a setores da Amigo dos Amigos (ADA). Os narcotraficantes teriam se unido contra a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nos territórios anteriormente controlados por eles, segundo o discurso oficial. Estudiosos de Segurança Pública consideram essa uma explicação incompleta – além de oportuna ao governo estadual, por supor que a ação criminosa seria a resistência a um bom trabalho. Verdade é que a outra facção expressiva, o Terceiro Comando Puro (TCP), tem se aliado informalmente às milícias, em regiões da cidade, contra as outras duas. Até o aluguel de duas favelas aos grupos paramilitares teria ocorrido. De fato, TCP e milícias têm sido menos afetadas pelas UPPs. A pergunta não respondida, e sequer midiatizada, permanece: por que o Estado evita instalar UPPs nessas áreas?

Correu boato pela cidade, em fase de investigação, de que as ações seriam decorrentes da insatisfação com o aumento no valor da propina a policiais. Por enquanto, a explicação mais lúcida para a onda de violência é a perda de espaço do CV na geopolítica do crime. As milícias, ameaça maior, avançam território, e o setor nobre da cidade, altamente militarizado, segue protegido pelas UPPs. “Aqui no Rio há uma reconfiguração geopolítica do crime”, interpreta José Cláudio Alves, vice-reitor da UFRRJ. Ele explica que existe uma redefinição das relações de hegemonia, envolvendo disputa de território. O mapa de instalação das UPPs, somado à expansão das milícias, estaria levando à periferização do CV. A facção tende a se deslocar para as regiões da Leopoldina, da Central do Brasil e da Baixada Fluminense. “Isso leva, inclusive, à introdução veloz do crack no Rio de Janeiro. Ele é baratíssimo. A reconfiguração do crime também leva à reconfiguração do consumo da droga”, explica. Até 2009, o crack praticamente não entrava na cidade.

Tráfico em decadência
Há ainda a interpretação de que o modelo de negócios que se forjou no Brasil, do narcotráfico, estaria em declínio. A milícia, por modernizar o crime, apropriando-se de serviços públicos e disputando a política institucional, teria tornado a economia da droga obsoleta. O ex-secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, que se negou a atender jornalistas, divulgou artigo defendendo a tese. “O tráfico tende a se eclipsar, derrotado por sua irracionalidade econômica e sua incompatibilidade com as dinâmicas políticas e sociais predominantes, em nosso horizonte histórico. O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, antieconômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los, mantê-los unidos e disciplinados”, diz.

As ações das facções na cidade, em geral, objetivaram sobretudo gerar pânico. Em meio aos veículos queimados, houve poucos feridos. A reação policial foi de potência inédita. Foram mobilizadas todas as polícias, oficiais de outros estados, todo o efetivo em férias e reforços da Marinha, Exército e Aeronáutica. Os blindados, emprestados pela Marinha, eram de forte poderio bélico. Um deles, o M-113, é usado pelos Estados Unidos no Iraque. Cerca de 60% dos oficiais em operação estiveram com a Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah). O general Fernando Sardenberg declarou ao O Globo que há similaridade nas ações do Rio e do Haiti. Sandra Quintela, da Rede Jubileu Sul, que acompanha a ocupação do Haiti, considerou o dado grave. “Há muito tempo estamos avisando que isso iria acontecer. Eles treinam lá para praticar aqui”, disse.

As autoridades não explicaram por que o TCP e as milícias não perdem território com as UPPs. Desconfia-se que haja pactos tácitos. “Há o controle eleitoral dessas áreas de milícias por grupos políticos. O Estado não vai jamais debelar isso, porque ele já faz parte, e disso depende sua reprodução em termos políticos, eleitorais. Ele está mergulhado até a medula”, diz José Cláudio. As UPPs têm sido instaladas num corredor nobre do Rio de Janeiro – bairros ricos da zona sul, região do entorno do Maracanã e arredores da Barra da Tijuca. Os narcotraficantes já vinham se refugiando, há tempos, na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão. “Era um tanto quanto previsível que essa barbárie pudesse acontecer”, acusa o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj.

Combate seletivo
O professor Ignácio Cano, do Laboratório de Análise de Violência da Uerj, também desconfia do privilégio da atuação do Estado contra o CV. “Há um tratamento seletivo da polícia, aparentemente. A milícia tende a não entrar em confronto armado com o Estado, e vice-versa”, diz. Embora veja avanços, o sociólogo se diz preocupado com a ação policial, que pode representar um recuo do Estado a posições mais recuadas do passado. O Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, afirmou em entrevista coletiva que a ADA é uma facção mais “pacífica”, mais preocupada com o comércio de drogas. O CV seria mais “ideológico”, estaria mais disposto à guerra.

Para Antônio Pedro Soares, do Projeto Legal, o modelo de Segurança Pública do governo teria ajudado a gerar esse conflito. As áreas “pacificadas” seriam planejadas de acordo com os interesses da especulação imobiliária. “O que está acontecendo tem a ver com a política de Segurança, que precisa ser melhor discutida. Continua a lógica de uma polícia controlando uma população considerada perigosa”, afirma. Em sua maioria, os ativistas de direitos humanos não negam a necessidade de se prender os narcotraficantes. Entretanto, combatem a execução sumária, e acusam o Estado de perseguir apenas os bandidos da base da pirâmide do crime. “É uma guerra em que só morre um lado, uma cor, uma classe social. É simbólico que tenha acontecido na Semana da Consciência Negra, e dos 100 anos da Revolta da Chibata”, afirma Marcelo Edmundo, da Central de Movimentos Populares (CMP). Desconfia-se que o número de mortos seja muito maior do que o divulgado.
(Leia mais na edição 405 do Brasil de Fato, que está nas bancas)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Juízes para a Democracia, sobre os acontecimentos do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
NOTA PÚBLICA - RJ - NOVEMBRO de 2010

30/11/2010 - 20h48


À MARGEM DA LEI TODOS SÃO MARGINAIS

A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, fundada em 1991, que tem por finalidade estatutária o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, em consideração às operações policiais e militares em curso no Rio de Janeiro, vem manifestar preocupação com a escalada da violência, tanto estatal quanto privada, em prejuízo da população que suporta intenso sofrimento.

Para além da constatação do fracasso da política criminal relativamente às drogas ilícitas no país, bem como da violência gerada em razão da opção estatal pelo paradigma bélico no trato de diversas questões sociais que acabam criminalizadas, o Estado ao violar a ordem constitucional, com a defesa pública de execuções sumárias por membros das forças de segurança, a invasão de domicílios e a prisão para averiguação de cidadãos pobres perde a superioridade ética que o distingue do criminoso.

A AJD repudia a naturalização da violência ilegítima como forma de contenção ou extermínio da população indesejada e também com a abordagem dada aos acontecimentos por parcela dos meios de comunicação de massa que, por vezes, desconsidera a complexidade do problema social, como também se mostra distanciada dos valores próprios de uma ordem legal-constitucional.

O monopólio da força do Estado, através de seu aparato policial, não pode se degenerar num Estado Policial que produz repressão sobre parcela da população, estimula a prestação de segurança privada, regular e irregularmente, e dá margem à constituição de grupos variados descomprometidos com a vida, que se denominam esquadrões da morte, mãos brancas, grupos de extermínio, matadores ou milícias.

Por fim, a AJD reafirma que só há atuação legítima do Estado, reserva da razão, quando fiel à Constituição da República.

www.ajd.org.br/noticias_ver.php?idConteudo=752

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A “OPERAÇÃO ALEMÃO” – A “LEI” GARFOU 31 MIL DE UM TRABALHADOR

Por Laerte Braga, jornalista e analista político
A preocupação da REDE GLOBO com a violência no Rio vai terminar assim que o juiz apitar o fim da decisão da copa do mundo de 2014. Todo esse aparato de especialistas, de vítimas inocentes vai ser deixado de lado seja o Brasil o vitorioso ou não. O problema depois passa a ser da RECORDE, detentora dos direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de 2016.

GLOBO e RECORDE são personagens dessa caquética elite brasileira que imagina ser possível desenterrar a princesa Isabel e colocá-la no trono até que se decida que ramo dos Braganças tem direito a corroa.

Pobre conde D’Eu. Corre o risco de ver filhos bastardos disputando os direitos de enfiteuse em Petrópolis e com a cara da princesa. Hoje o DNA resolve.

Já imaginou se um deles for Tiririca?

Sua Alteza Real, o príncipe Tiririca?

Numa hipótese assim é preciso urgência numa ambulância com todos os recursos de socorro imediato a infartados e à porta do prédio onde mora FHC. Vai ser insuportável para o ex-presidente que acredita ter criado o mundo em seis dias, com um de vantagem sobre o Outro.

De quebra uma vantagem adicional, a de ser substantivo concreto e o Outro abstrato.

Pode aparecer no programa do Faustão, ou do Gugu, dar entrevistas, falar de seus “milagres” e então recolher-se à sua pirâmide paulista onde nordestino não entra. Um retrato que não pode faltar no cômodo que vai abrigá-lo é o de Bil Clinton.

Imagine o drama de policiais corruptos na hora de invadir o Morro do Alemão. A PM do Rio expulsa a média de um por dia de seus quadros. Lá se vai o pão nosso de cada dia.

Mas, enfim, tudo em nome da lei, da ordem e da legalidade e direito de aparecer na telinha explicando que as famílias podem dormir tranqüilas que lá estão para velar pela paz e pelos direitos.

Com novas e aperfeiçoadas versões do Caveirão.

Versões contemporâneas de Mariel Mariscot.

Não se vai a lugar algum sem uma profunda mexida na estrutura do aparelho de segurança pública e essa começa por pensar a Polícia como instituição civil. Polícia Militar com aquele negócio de coronel, tenente coronel, major e sargento servindo cafezinho não tem sentido e nem razão de ser.

A bolsa de valores do Alemão não abriu hoje e isso significa uma baixa terrível nas ações das empresas laranjas que operam na Bolsa de São Paulo, como na dos bancos que lavam o sacrossanto dinheiro da turma que distribui o produto da grife Uribe, com direito a chancela dos EUA.

Se dois marcianos chegarem à Terra e alguém for contar ou tentar explicar o casal Anthony e Rosinha Garotinho vai ser difícil se fazer entendido. Mas como? O casal representa ao Todo Poderoso por aqui e comanda milícias que cobram proteção?

Deve ser uma nova arca de Noé, cada bicho paga um tanto para entrar e esse tanto varia. Desde acomodações de primeira classe, as de segunda, terceira e as de alto luxo, com garantia de contas polpudas em paraísos fiscais.

Garanto que a piscina é maior que a da casa do traficante sei lá das quantas no Alemão.

Vai ver que está na Bíblia e ninguém ainda conseguiu enxergar, corrupção, extorsão, e proteção.

Interessante é essa história repetida milhares de vezes sobre os moradores do Alemão. Mais de 99% por cento constituído de famílias ordeiras, pacatas e trabalhadoras, aterrorizadas pelos tráficos, o 1% que resta, mas nem por isso, tendo as portas arrombadas por agentes da lei.

E dizem que Brizola tinha culpa nesse cartório. Não contam os propósitos dos CIEPS e nem imaginam avaliar os resultados desse extraordinário instrumento de educação e cidadania hoje, não tivesse sido interrompido pelo sacripanta Moreira Franco.

É porque na PM não dá para promover a marechal, privativo do Exército e mesmo assim em condições excepcionais desde um decreto de Castello Branco que acabou com a conversa de todo mundo terminar marechal até o Costa e Silva.

Uai! Castelo percebeu que o negócio estava virando junte cinco tampinhas de Brahma e seja marechal. Tem inflação deles nos carabinieri italianos. Vitorio de Sicca interpretou a um em Pão, Amor e Fantasia, belíssimo, com Gina Lolobrígida.

Hastearam bandeiras do Brasil, do Rio, de cada unidade presente no combate ao crime e como não poderia deixar de ser logo surgiu uma do Flamengo.

Não é preconceito não, é esculhambação mesmo, ainda mais que o governador é torcedor vascaíno.

Com a proximidade do Natal é possível que Adriano venha passar o fim de ano no Brasil. Vai visitar o goleiro Bruno e levar sua solidariedade.

Já a população ordeira, trabalhadora, vai ter que estar bem documentada nas barreiras montadas pelos homens da lei.

Em pouco tempo volta tudo ao normal, é só não assustar.

Ninguém vai agüentar o Maracanã fechado tanto tempo assim.

Prenderam bandidos – nem todos –, transformaram tudo num pânico só e garfaram um trabalhador em 31 mil reais em ação de “limpeza”. Dinheiro de rescisão de contrato do seu trabalho, tudo com documento, certinho etc.

www.correiobraziliense.com.br/outros/capa_videos/#video_103942

A notícia veio pelo CORREIO BRAZILIENSE. Só ir lá e olhar.

Deve ser a contribuição de natalina para a paz.

A bem da verdade registre-se que se o governo federal não tivesse autorizado a presença das forças armadas estaríamos vendo hoje uma carnificina semelhante à que os bandidos começaram a provocar.

Não há diferença entre a instituição (é o cúmulo, mas é né) policial e o tráfico, pelo menos no Rio e mais alguns lugares.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Para refletirmos



GOVERNO FEDERAL EVITA CHACINA NO RIO DE JANEIRO

Por André Barros*
Os fatos que assistimos nos últimos dias no Rio de Janeiro estão diretamente ligados à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016. Esses eventos vão acontecer no Brasil em razão das políticas econômicas para os pobres do governo Lula e também pela potência da cidade mais bonita e carnavalesca do mundo.

Assim, a segurança precisava mudar e não seria admissível que nas localidades próximas desses eventos haja pessoas fortemente armadas, dominando territórios e trocando tiros com quem quisesse tomá-los. As UPPs vieram com o PRONASCI e o apoio do governo federal. Inicialmente, foram instaladas em certas áreas da cidade, chamadas, de maneira preconceituosa, de “nobres”, como se ainda vivessemos num sistema monarquista escravocrata. O tráfico armado saiu do local sem troca de tiros e foi se afastando para zona norte da cidade. Erroneamente, pensou que teria força para colocar a cidade em pânico ateando fogo em veículos, colocando em cheque os eventos internacionais. Mas diante de tais circunstâncias, o governo federal teve de entrar rápido para evitar uma chacina e um escândalo internacional.

Mas os neoescravocratas queriam uma guerra na cidade e ver a carnificina de jovens pobres, negros, macérrimos e moradores das favelas, em maior quantidade da que já acontece diariamente. O Rio de Janeiro é a cidade do mundo onde mais jovens de 14 a 25 anos morrem por atentado por arma de fogo, em quase sua totalidade, negros e pobres. A transmissão ao vivo das emissoras de televisão foi fundamental para evitar uma carnificina e para que se mostrasse a todas as autoridades do país o risco para a imagem internacional do Brasil. As imagens da correria de centenas de jovens fortemente armados, alvos desprotegidos naquele descampado, com uma pequena estratégia de guerra, demonstraram que uma matança seria fácil.

Mas a transmissão ao vivo, combinada com um linguajar que chama trabalhadores policiais de caveiras, mais os veículos queimados pela cidade, anunciava uma tragédia iminente. Felizmente, o governo federal, em parceria com o governo estadual, começou a compartilhar as decisões e participar com as Forças Armadas. O compromisso histórico dos membros do Governo Lula com os direitos humanos foi fundamental para a mudança de postura da polícia do Rio. Com a rápida entrada dos blindados da Marinha, helicópteros da Aeronáutica e o apoio do Exército, os esquálidos bandidos fugiram apavorados, pois viram que a parada era séria e que o armamento das Forças Armadas era bem mais poderoso. A mídia, que apresentava a linguagem da guerra carioca, também começou a enaltecer a estratégia de ocupação e rendição sem assassinatos. O discurso anterior de que `baixas eram inevitáveis numa guerra`, explanado pela direita e esquerda punitivas, começou a perder força. A mídia também divulgou o recado do governo federal ressaltando o respeito aos direitos humanos. A Rede Globo registrou que, quando foi preso o criminoso Zeu, condenado pelo assassinato de Tim Lopes, ele estava algemado, mas sem qualquer ferimento. Logo em seguida, um pai veio entregar seu filho. E aqueles dias de uma cidade sitiada terminaram, hoje, com a carnavalesca alegria carioca com um morto no hospital Getúlio Vargas, nenhum morador alvejado e o hasteamento das bandeiras do Brasil e do Rio de Janeiro.

O Governo Federal não entraria com a Marinha, a Aeronáutica, o Exército e as forças policiais federais para participar de uma chacina, como defendiam abertamente os neoescravocratas através de seus monopolizados meios de comunicação. O discurso que se via no início é que era o dia “D” para acabar com o tráfico e a guerra às drogas. Induziam o senso comum a apoiar o extermínio dos traficantes. Mesmo com o rápido e fundamental apoio das forças militares, continuam acusando constantemente o governo federal de ser culpado pela entrada de drogas e armas no Rio de Janeiro, culpando o governo Lula pelas fronteiras, discurso, inclusive, muito usado pelo candidato tucano. Agora, estamos vendo a apreensão de coletes, rádios granadas, armas de uso exclusivo das Forças Armadas e da polícia, mas nenhum arsenal foi até agora encontrado. E aí está a verdadeira questão, as armas.

O próprio comentarista de segurança da Globo disse que as armas apreendidas nas operåções sumiam e que nesta operação estavam sendo pintadas de branco, como uma demonstração de transparência. Trânsparência porque não seriam roubadas e vendidas por dinheiro vivo para os mesmo traficantes das armas apreendidas.

A impressionante quantidade de toneladas de substâncias ilícitas apreendidas é uma demonstração da força de um mercado consolidado e oligopolizado por financiadores e custeadores do tráfico, beneficiados pela criminalização da compra e venda de determinados produtos ilegais. Essa ilegalidade é que alimenta todo um mercado de circulação de milhões, em dinheiro vivo, que corrompe policiais, militares, políticos, que trabalham para empresários e banqueiros, que lavam muito bem bilhões, misturando e fazendo número no sistema bancário globalizado. Armas de uso exclusivo obviamente são vendidas por agentes das forças policiais e militares e outras armas pesadas por comerciantes do mercado lícito de armas. Todos sustentados por mercados de produtos tornado ilegais, que deita raízes na história da humanidade, de milhões de consumidores que buscam a alteração do psiquismo por meio de drogas lícitas ou tornadas ilícitas (ver `Proibições, Riscos, Danos e Enganos: as drogas tornadas ilícita`, de Maria Lúcia Karam).

Neste momento, o mais importante é assegurar a realização dos eventos internacionais. O tráfico vai continuar desarmado nas ditas áreas nobres e pacificadas. O que realmente esperamos é que as forças federais ajudem a desvendar as organizações de compra e venda de armas, principalmente na polícia e nas Forças Armadas, além do esquema privado desse valioso mercado.

Mas para debater com seriedade essa questão, é fundamental acabar com a sua criminalização e legalizar, pois é a ilegalidade que dá o monopólio da venda de drogas ilícitas aos traficantes, que devem ser banqueiros e empresários, que possuem ilhas registradas bem maiores que as banheiras de hidromassagem abandonadas e sem herdeiros no Complexo do Alemão. A descriminalização da plantação de dez pés de maconha, em casa para uso próprio, pode ser o início de todo esse processo de legalização para acabar com o monopólio da venda de substâncias proibidas pelos traficantes.
*é advogado e milita no Núcleo Largo do Machado do PT-RJ

domingo, 28 de novembro de 2010

Domingo sangrento?

É acompanhar as notícias de hoje no Rio de Janeiro para conferir...

Por Henrique Antoun*
RIO - Informações vindas de soldados das tropas do BOPE avisam que no domingo as pessoas devem permanecer em suas casas e evitar de circular. São extra oficiais, dadas através de telefonemas para familiares.

Esse aviso vem coroar um final de dia em que ouvimos à tarde um promotor repetir inúmeras vezes na Rede Globo que os "bandidos" (sic) deviam se entregar pois senão seriam mortos "em legítima defesa" (sic). Nas ruas as pessoas não param de repetir que os helicópteros da Globo "estragaram tudo" (sic) pois o BOPE ia matar os bandidos que batiam em retirada mas não pôde fazê-lo porque a Globo estava filmando. O escritor alter ego do Capitão Nascimento passou o dia dando declarações e explicando a operação na Globo. Expressões como "tropas inimigas", "baixas", "entrada da infantaria" e outras assemelhadas escorregaram sem cessar da boca do "Capitão" que rapidamente as retificava com eufemismos e nomes oficiais. A Globo perguntou todo tempo a ele porque a polícia não tinha atirado e matado todos os bandidos que fugiam do Morro do Cruzeiro pro Morro do Alemão - certamente na esperança de desmentir a versão popular que a culpava pelo fato - e ele respondia que fazia parte da lei de guerra "não massacrar o inimigo em fuga" (sic).

A partir de agora a sorte está lançada: 600 adolescentes e jovens (segundo o BOPE) que trabalham para o tráfico (idem) enfrentarão 2.000 homens fortemente paramentados e armados do BOPE, da Marinha e da Aeronáutica. Vai ser um horror!
*Ph.D e diretor do departamento de Fundamentos da Comunicação da ECO-UFRJ

sábado, 27 de novembro de 2010

Segurança pra quem?

Por Silvana Sá*
Os acontecimentos dos últimos dias no Rio de Janeiro têm me levado a refletir especialmente sobre o papel da mídia nas ações e políticas de segurança do governo estadual. A todo o momento são veiculadas cenas de guerra. Em alguns pontos da cidade o caos está instalado. A Marinha e a polícia estão nas ruas com seus blindados.

O primeiro pensamento gerado por intermédio da mídia é de que a violência está instalada em todo o estado. O que não é verdade. A vida acontece normalmente em diversas partes tanto da região metropolitana, como serrana, Baixada... enfim, são conflitos localizados em pontos da cidade.

O segundo pensamento – e esse destoante do discurso pasteurizado apontado e massificado pela mídia – é que a onda de violência foi produzida pelo próprio Estado, em suas diferentes esferas, por mais de 40 anos de omissão. O único braço que o Estado se dignou a estender às comunidades sempre esteve armado. Sempre foi a polícia de repressão e apenas ela a representar o Estado nas favelas cariocas. Então, é uma questão produzida por anos de omissão.

A onda de violência que já chega ao terceiro dia e prejudica milhares, ajuda especificamente a um: ao governo estadual que agora tem ao seu lado o clamor popular para que continue a fazer o que sempre fez. O que faltava a Sérgio Cabral era ser tratado como heroi, como redentor das populações tanto das favelas quanto do “asfalto”.

Na quarta-feira, na Avenida Brasil, altura da Maré (entre as comunidades da Nova Holanda e Parque União) a polícia interceptou uma tentativa de incendiarem um ônibus. Chegaram a tempo de salvarem o coletivo. Muito bom. Acho importante. Ocorre que a população dessas comunidades ficaram reféns de tiros disparados tanto pela polícia quanto por bandidos da facção que domina aquela região. Então, quem perdeu de fato?

No Facebook, uma jornalista amiga minha e moradora da Maré escreveu na manhã de quinta: “Depois de uma noite não dormida, tiros, bombas e gritos, amanheci em cárcere privado... policiais que tentavam invadir a casa do vizinho, usaram o meu portão de escudo... eu e minha família viramos o inimigo público...”.

Pergunto: alguma coisa justifica essa política de segurança pública? Respondo: a política que aí está é apenas de resposta a mídia (inclusive internacional) para dizer que por aqui as coisas são controladas na base do cacetete e que sim, os jogos mundiais estão garantidos.

É guerra?
Fala-se muito em guerra contra o narcotráfico. Será? E se sim, em que medida? Será mesmo que são os traficantes varejistas quem controlam os bilhões de reais anuais gerados na fabricação e venda de drogas? Esse montante vultuoso de dinheiro está na Rocinha, no Complexo do Alemão, na vila Cruzeiro?

Está claro que é preciso, sim, dar um basta a essa situação. Não sou a favor de bandidos. Acho que é preciso que o Estado ocupe as comunidades, mas as comunidades não podem ser tratadas como caso de polícia! Não podem!!! Lá existem milhares de pessoas que trabalham, estudam, se dedicam a diversas atividades e que nada têm a ver com esse caos instalado. São cidadãos que, infelizmente, sempre foram tratados como “os outros”, como os que não têm direitos, como os que não podem ter acesso a bens e serviços, como se não fossem sociedade.

O que precisa é que as pessoas sejam tratadas como pessoas e não como animais que devem ser domesticados, marcados e controlados dentro de um curral. Não somos gado!
*é jornalista e atuou no Núcleo de Comunicação da Maré. Especial para o Blog EDUCOM - Aprenda a ler a mídia

A crise no Rio e o pastiche midiático

Por Luiz Eduardo Soares*
Sempre mantive com jornalistas uma relação de respeito e cooperação. Em alguns casos, o contato profissional evoluiu para amizade. Quando as divergências são muitas e profundas, procuro compreender e buscar bases de um consenso mínimo, para que o diálogo não se inviabilize. Faço-o por ética –supondo que ninguém seja dono da verdade, muito menos eu--, na esperança de que o mesmo procedimento seja adotado pelo interlocutor. Além disso, me esforço por atender aos que me procuram, porque sei que atuam sob pressão, exaustivamente, premidos pelo tempo e por pautas urgentes. A pressa se intensifica nas crises, por motivos óbvios. Costumo dizer que só nós, da segurança pública (em meu caso, quando ocupava posições na área da gestão pública da segurança), os médicos e o pessoal da Defesa Civil, trabalhamos tanto –ou sob tanta pressão-- quanto os jornalistas.

Digo isso para explicar por que, na crise atual, tenho recusado convites para falar e colaborar com a mídia:
(1) Recebi muitos telefonemas, recados e mensagens. As chamadas são contínuas, a tal ponto que não me restou alternativa a desligar o celular. Ao todo, nesses dias, foram mais de cem pedidos de entrevistas ou declarações. Nem que eu contasse com uma equipe de secretários, teria como responder a todos e muito menos como atendê-los. Por isso, aproveito a oportunidade para desculpar-me. Creiam, não se trata de descortesia ou desapreço pelos repórteres, produtores ou entrevistadores que me procuraram.
(2) Além disso, não tenho informações de bastidor que mereçam divulgação. Por outro lado, não faria sentido jogar pelo ralo a credibilidade que construí ao longo da vida. E isso poderia acontecer se eu aceitasse aparecer na TV, no rádio ou nos jornais, glosando os discursos oficiais que estão sendo difundidos, declamando platitudes, reproduzindo o senso comum pleno de preconceitos, ou divagando em torno de especulações. A situação é muito grave e não admite leviandades. Portanto, só faria sentido falar se fosse para contribuir de modo eficaz para o entendimento mais amplo e profundo da realidade que vivemos. Como fazê-lo em alguns parcos minutos, entrecortados por intervenções de locutores e debatedores? Como fazê-lo no contexto em que todo pensamento analítico é editado, truncado, espremido –em uma palavra, banido--, para que reinem, incontrastáveis, a exaltação passional das emergências, as imagens espetaculares, os dramas individuais e a retórica paradoxalmente triunfalista do discurso oficial?
(3) Por fim, não posso mais compactuar com o ciclo sempre repetido na mídia: atenção à segurança nas crises agudas e nenhum investimento reflexivo e informativo realmente denso e consistente, na entressafra, isto é, nos intervalos entre as crises. Na crise, as perguntas recorrentes são: (a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a explosão de violência? (b) O que a polícia deveria fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas? (c) Por que o governo não chama o Exército? (d) A imagem internacional do Rio foi maculada? (e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?

Ao longo dos últimos 25 anos, pelo menos, me tornei “as aspas” que ajudaram a legitimar inúmeras reportagens. No tópico, “especialistas”, lá estava eu, tentando, com alguns colegas, furar o bloqueio à afirmação de uma perspectiva um pouquinho menos trivial e imediatista. Muitas dessas reportagens, por sua excelente qualidade, prescindiriam de minhas aspas –nesses casos, reduzi-me a recurso ocioso, mera formalidade das regras jornalísticas. Outras, nem com todas as aspas do mundo se sustentariam. Pois bem, acho que já fui ou proporcionei aspas o suficiente. Esse código jornalístico, com as exceções de praxe, não funciona, quando o tema tratado é complexo, pouco conhecido e, por sua natureza, rebelde ao modelo de explicação corrente. Modelo que não nasceu na mídia, mas que orienta as visões aí predominantes. Particularmente, não gostaria de continuar a ser cúmplice involuntário de sua contínua reprodução.

Eis por que as perguntas mencionadas são expressivas do pobre modelo explicativo corrente e por que devem ser consideradas obstáculos ao conhecimento e réplicas de hábitos mentais refratários às mudanças inadiáveis. Respondo sem a elegância que a presença de um entrevistador exigiria. Serei, por assim dizer, curto e grosso, aproveitando-me do expediente discursivo aqui adotado, em que sou eu mesmo o formulador das questões a desconstruir.

Eis as respostas, na sequência das perguntas, que repito para facilitar a leitura:
(a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a violência e resolver o desafio da insegurança?
Nada que se possa fazer já, imediatamente, resolverá a insegurança. Quando se está na crise, usam-se os instrumentos disponíveis e os procedimentos conhecidos para conter os sintomas e salvar o paciente. Se desejamos, de fato, resolver algum problema grave, não é possível continuar a tratar o paciente apenas quando ele já está na UTI, tomado por uma enfermidade letal, apresentando um quadro agudo. Nessa hora, parte-se para medidas extremas, de desespero, mobilizando-se o canivete e o açougueiro, sem anestesia e assepsia. Nessa hora, o cardiologista abre o tórax do moribundo na maca, no corredor. Não há como construir um novo hospital, decente, eficiente, nem para formar especialistas, nem para prevenir epidemias, nem para adotar procedimentos que evitem o agravamento da patologia. Por isso, o primeiro passo para evitar que a situação se repita é trocar a pergunta. O foco capaz de ajudar a mudar a realidade é aquele apontado por outra pergunta: o que fazer para aperfeiçoar a segurança pública, no Rio e no Brasil, evitando a violência de todos os dias, assim como sua intensificação, expressa nas sucessivas crises?
Se o entrevistador imaginário interpelar o respondente, afirmando que a sociedade exige uma resposta imediata, precisa de uma ação emergencial e não aceita nenhuma abordagem que não produza efeitos práticos imediatos, a melhor resposta seria: caro amigo, sua atitude representa, exatamentemídia e os governos continuarem se recusando a pensar e abordar o problema em profundidade e extensão, como um fenômeno multidimensional a requerer enfrentamento sistêmico, ou seja, se prosseguirmos nos recusando, enquanto Nação, a tratar do problema na perspectiva do médio e do longo prazos, nos condenaremos às crises, cada vez mais dramáticas, para as quais não há soluções mágicas.
A melhor resposta à emergência é começar a se movimentar na direção da reconstrução das condições geradoras da situação emergencial. Quanto ao imediato, não há espaço para nada senão o disponível, acessível, conhecido, que se aplica com maior ou menor destreza, reduzindo-se danos e prolongando-se a vida em risco.
A pergunta é obtusa e obscurantista, cúmplice da ignorância e da apatia.
(b) O que as polícias fluminenses deveriam fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas?
Em primeiro lugar, deveriam parar de traficar e de associar-se aos traficantes, nos “arregos” celebrados por suas bandas podres, à luz do dia, diante de todos. Deveriam parar de negociar armas com traficantes, o que as bandas podres fazem, sistematicamente. Deveriam também parar de reproduzir o pior do tráfico, dominando, sob a forma de máfias ou milícias, territórios e populações pela força das armas, visando rendimentos criminosos obtidos por meios cruéis.
Ou seja, a polaridade referida na pergunta (polícias versus tráfico) esconde o verdadeiro problema: não existe a polaridade. Construí-la –isto é, separar bandido e polícia; distinguir crime e polícia-- teria de ser a meta mais importante e urgente de qualquer política de segurança digna desse nome. Não há nenhuma modalidade importante de ação criminal no Rio de que segmentos policiais corruptos estejam ausentes. E só por isso que ainda existe tráfico armado, assim como as milícias.
Não digo isso para ofender os policiais ou as instituições. Não generalizo. Pelo contrário, sei que há dezenas de milhares de policiais honrados e honestos, que arriscam, estóica e heroicamente, suas vidas por salários indignos. Considero-os as primeiras vítimas da degradação institucional em curso, porque os envergonha, os humilha, os ameaça e acua o convívio inevitável com milhares de colegas corrompidos, envolvidos na criminalidade, sócios ou mesmo empreendedores do crime.
Não nos iludamos: o tráfico, no modelo que se firmou no Rio, é uma realidade em franco declínio e tende a se eclipsar, derrotado por sua irracionalidade econômica e sua incompatibilidade com as dinâmicas políticas e sociais predominantes, em nosso horizonte histórico. Incapaz, inclusive, de competir com as milícias, cuja competência está na disposição de não se prender, exclusivamente, a um único nicho de mercado, comercializando apenas drogas –mas as incluindo em sua carteira de negócios, quando conveniente. O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção. É excessivamente custoso impor-se sobre um território e uma população, sobretudo na medida que os jovens mais vulneráveis ao recrutamento comecem a vislumbrar e encontrar alternativas. Não só o velho modelo é caro, como pode ser substituído com vantagens por outro muito mais rentável e menos arriscado, adotado nos países democráticos mais avançados: a venda por delivery ou em dinâmica varejista nômade, clandestina, discreta, desarmada e pacífica. Em outras palavras, é melhor, mais fácil e lucrativo praticar o negócio das drogas ilícitas como se fosse contrabando ou pirataria do que fazer a guerra. Convenhamos, também é muito menos danoso para a sociedade, por óbvio.
(c) O Exército deveria participar?
Fazendo o trabalho policial, não, pois não existe para isso, não é treinado para isso, nem está equipado para isso. Mas deve, sim, participar. A começar cumprindo sua função de controlar os fluxos das armas no país. Isso resolveria o maior dos problemas: as armas ilegais passando, tranquilamente, de mão em mão, com as benções, a mediação e o estímulo da banda podre das polícias.
E não só o Exército. Também a Marinha, formando uma Guarda Costeira com foco no controle de armas transportadas como cargas clandestinas ou despejadas na baía e nos portos. Assim como a Aeronáutica, identificando e destruindo pistas de pouso clandestinas, controlando o espaço aéreo e apoiando a PF na fiscalização das cargas nos aeroportos.
(d) A imagem internacional do Rio foi maculada?
Claro. Mais uma vez.
(e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?
Sem dúvida. Somos ótimos em eventos. Nesses momentos, aparece dinheiro, surge o “espírito cooperativo”, ações racionais e planejadas impõem-se. Nosso calcanhar de Aquiles é a rotina. Copa e Olimpíadas serão um sucesso. O problema é o dia a dia.

Palavras Finais
Traficantes se rebelam e a cidade vai à lona. Encena-se um drama sangrento, mas ultrapassado. O canto de cisne do tráfico era esperado. Haverá outros momentos análogos, no futuro, mas a tendência declinante é inarredável. E não porque existem as UPPs, mas porque correspondem a um modelo insustentável, economicamente, assim como social e politicamente. As UPPs, vale dizer mais uma vez, são um ótimo programa, que reedita com mais apoio político e fôlego administrativo o programa “Mutirões pela Paz”, que implantei com uma equipe em 1999, e que acabou soterrado pela política com “p” minúsculo, quando fui exonerado, em 2000, ainda que tenha sido ressuscitado, graças à liderança e à competência raras do ten.cel. Carballo Blanco, com o título GPAE, como reação à derrocada que se seguiu à minha saída do governo. A despeito de suas virtudes, valorizadas pela presença de Ricardo Henriques na secretaria estadual de assistência social --um dos melhores gestores do país--, elas não terão futuro se as polícias não forem profundamente transformadas. Afinal, para tornarem-se política pública terão de incluir duas qualidades indispensáveis: escala e sustentatibilidade, ou seja, terão de ser assumidas, na esfera da segurança, pela PM. Contudo, entregar as UPPs à condução da PM seria condená-las à liquidação, dada a degradação institucional já referida.

O tráfico que ora perde poder e capacidade de reprodução só se impôs, no Rio, no modelo territorializado e sedentário em que se estabeleceu, porque sempre contou com a sociedade da polícia, vale reiterar. Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios –as bandas podres das polícias-- prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.

Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção? Como se refundarão as instituições policiais para que os bons profissionais sejam, afinal, valorizados e qualificados? Como serão transformadas as polícias, para que deixem de ser reativas, ingovernáveis, ineficientes na prevenção e na investigação?

As polícias são instituições absolutamente fundamentais para o Estado democrático de direito. Cumpre-lhes garantir, na prática, os direitos e as liberdades estipulados na Constituição. Sobretudo, cumpre-lhes proteger a vida e a estabilidade das expectativas positivas relativamente à sociabilidade cooperativa e à vigência da legalidade e da justiça. A despeito de sua importância, essas instituições não foram alcançadas em profundidade pelo processo de transição democrática, nem se modernizaram, adaptando-se às exigências da complexa sociedade brasileira contemporânea. O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável. Ineptas para identificar erros, as polícias condenam-se a repeti-los. Elas são rígidas onde teriam de ser plásticas, flexíveis e descentralizadas; e são frouxas e anárquicas, onde deveriam ser rigorosas. Cada uma delas, a PM e a Polícia Civil, são duas instituições: oficiais e não-oficiais; delegados e não-delegados.

E nesse quadro, a PEC-300 é varrida do mapa no Congresso pelos governadores, que pagam aos policiais salários insuficientes, empurrando-os ao segundo emprego na segurança privada informal e ilegal.
Uma das fontes da degradação institucional das polícias é o que denomino "gato orçamentário", esse casamento perverso entre o Estado e a ilegalidade: para evitar o colapso do orçamento público na área de segurança, as autoridades toleram o bico dos policiais em segurança privada. Ao fazê-lo, deixam de fiscalizar dinâmicas benignas (em termos, pois sempre há graves problemas daí decorrentes), nas quais policiais honestos apenas buscam sobreviver dignamente, apesar da ilegalidade de seu segundo emprego, mas também dinâmicas malignas: aquelas em que policiais corruptos provocam a insegurança para vender segurança; unem-se como pistoleiros a soldo em grupos de extermínio; e, no limite, organizam-se como máfias ou milícias, dominando pelo terror populações e territórios. Ou se resolve esse gargalo (pagando o suficiente e fiscalizando a segurança privada /banindo a informal e ilegal; ou legalizando e disciplinando, e fiscalizando o bico), ou não faz sentido buscar aprimorar as polícias.

O Jornal Nacional, nesta quinta, 25 de novembro, definiu o caos no Rio de Janeiro, salpicado de cenas de guerra e morte, pânico e desespero, como um dia histórico de vitória: o dia em que as polícias ocuparam a Vila Cruzeiro. Ou eu sofri um súbito apagão mental e me tornei um idiota contumaz e incorrigível ou os editores do JN sentiram-se autorizados a tratar milhões de telespectadores como contumazes e incorrigíveis idiotas.

Ou se começa a falar sério e levar a sério a tragédia da insegurança pública no Brasil, ou será pelo menos mais digno furtar-se a fazer coro à farsa.
*é cientista político, foi coordenador de segurança, justiça e cidadania do Rio de Janeiro (1999/2000) e secretário nacional de Segurança Pública (2003)