Por Silvana Sá*
Os acontecimentos dos últimos dias no Rio de Janeiro têm me levado a refletir especialmente sobre o papel da mídia nas ações e políticas de segurança do governo estadual. A todo o momento são veiculadas cenas de guerra. Em alguns pontos da cidade o caos está instalado. A Marinha e a polícia estão nas ruas com seus blindados. O primeiro pensamento gerado por intermédio da mídia é de que a violência está instalada em todo o estado. O que não é verdade. A vida acontece normalmente em diversas partes tanto da região metropolitana, como serrana, Baixada... enfim, são conflitos localizados em pontos da cidade.
O segundo pensamento – e esse destoante do discurso pasteurizado apontado e massificado pela mídia – é que a onda de violência foi produzida pelo próprio Estado, em suas diferentes esferas, por mais de 40 anos de omissão. O único braço que o Estado se dignou a estender às comunidades sempre esteve armado. Sempre foi a polícia de repressão e apenas ela a representar o Estado nas favelas cariocas. Então, é uma questão produzida por anos de omissão.
A onda de violência que já chega ao terceiro dia e prejudica milhares, ajuda especificamente a um: ao governo estadual que agora tem ao seu lado o clamor popular para que continue a fazer o que sempre fez. O que faltava a Sérgio Cabral era ser tratado como heroi, como redentor das populações tanto das favelas quanto do “asfalto”.
Na quarta-feira, na Avenida Brasil, altura da Maré (entre as comunidades da Nova Holanda e Parque União) a polícia interceptou uma tentativa de incendiarem um ônibus. Chegaram a tempo de salvarem o coletivo. Muito bom. Acho importante. Ocorre que a população dessas comunidades ficaram reféns de tiros disparados tanto pela polícia quanto por bandidos da facção que domina aquela região. Então, quem perdeu de fato?
No Facebook, uma jornalista amiga minha e moradora da Maré escreveu na manhã de quinta: “Depois de uma noite não dormida, tiros, bombas e gritos, amanheci em cárcere privado... policiais que tentavam invadir a casa do vizinho, usaram o meu portão de escudo... eu e minha família viramos o inimigo público...”.
Pergunto: alguma coisa justifica essa política de segurança pública? Respondo: a política que aí está é apenas de resposta a mídia (inclusive internacional) para dizer que por aqui as coisas são controladas na base do cacetete e que sim, os jogos mundiais estão garantidos.
É guerra?
Fala-se muito em guerra contra o narcotráfico. Será? E se sim, em que medida? Será mesmo que são os traficantes varejistas quem controlam os bilhões de reais anuais gerados na fabricação e venda de drogas? Esse montante vultuoso de dinheiro está na Rocinha, no Complexo do Alemão, na vila Cruzeiro? Está claro que é preciso, sim, dar um basta a essa situação. Não sou a favor de bandidos. Acho que é preciso que o Estado ocupe as comunidades, mas as comunidades não podem ser tratadas como caso de polícia! Não podem!!! Lá existem milhares de pessoas que trabalham, estudam, se dedicam a diversas atividades e que nada têm a ver com esse caos instalado. São cidadãos que, infelizmente, sempre foram tratados como “os outros”, como os que não têm direitos, como os que não podem ter acesso a bens e serviços, como se não fossem sociedade.
O que precisa é que as pessoas sejam tratadas como pessoas e não como animais que devem ser domesticados, marcados e controlados dentro de um curral. Não somos gado!
*é jornalista e atuou no Núcleo de Comunicação da Maré. Especial para o Blog EDUCOM - Aprenda a ler a mídia
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