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domingo, 10 de fevereiro de 2013

Imbecilização da elite ou arte popular

04/02/2013 - Em que tipo de arte você acredita? Ou: a imbecilização da elite
- Cynara Menezes em seu blog Socialista Morena

Cynara Menezes e Mino Carta
O provocativo artigo de Mino Carta na CartaCapital da semana, "A Imbecilização do Brasil", me instigou a escrever um contraponto às palavras dele.

Discordo de Mino e sei que, ao escrever o texto, sua principal intenção era justamente levantar o debate.

Não, não acho que o Brasil tenha se imbecilizado. A questão, para mim, diz respeito ao que se considera arte. Só Portinari é arte? Existe arte “menor” e arte “maior”? Em que tipo de arte você acredita?

Fantástico painel do grafiteiro Toz, zona portuária do Rio.
Do facebook do artista
Não vejo “deserto cultural” algum no País.

Nos últimos anos, uma nova cultura está surgindo, mas é preciso ter olhos para vê-la. É forte a cultura que vem da periferia e cada vez mais será. Não temos mais Portinaris? Temos grafite. O Brasil é hoje referência mundial em arte de rua.
Mural de Os Gêmeos
Temos grandes artistas como Os Gêmeos, Nina Pandolfo, Nunca. Estava matutando sobre estas coisas e acabei descobrindo outro fera, o baiano Toz, que acaba de pintar, ao lado de oito grafiteiros, um painel gigante na lateral de um prédio da zona portuária do Rio.

Ao olhar o incrível de Toz, me dei conta de que a "arte" de que muitos sentem saudade é na verdade uma arte que fica trancada nos museus, que tem de ir à Europa para conhecer.

Detalhe do painel de Toz. Sergio Moraes/Reuters
A arte dos grafiteiros está na rua, ao alcance dos olhos de quem passa, não precisa pagar ingresso para ver.

Portinari, Di Cavalcanti, Volpi – é indiscutível sua qualidade artística. Mas ver de perto um quadro deles não é para todo mundo. O grafite é – e para mim tampouco, é discutível seu valor. Detalhe: o grafite no muro, ao contrário do quadro pendurado no museu, faz qualquer um sentir que pode ser artista. Isso é inclusão.

Painel de Nina Pandolfo
Guimarães Rosa, Gilberto Freyre… Entendo a provocação de Mino Carta, mas vários dos nomes que ele cita em seu artigo vieram da elite brasileira. E não é culpa do Brasil se a elite não cria mais.

Painel de Nunca, em Toronto, Canadá
Se, em vez de ir para a Europa se ilustrar e voltar escrevendo ou pintando obras fantásticas, os filhos da elite agora preferem ir a Miami comprar bugigangas, não é culpa do povo. 

Quem se imbecilizou não foi o Brasil, foi a elite. Já escrevi aqui, em tom de galhofa, sobre os submergentes: a elite brasileira submergiu, emburreceu, se vulgarizou.

Por que a imprensa, como diz Mino, está ruim? Porque a imprensa é o retrato dessa elite decadente e inculta.

Mas, prestem atenção: o que tem surgido de manifestação cultural vinda do povo é muito mais do que interessante. Representa o futuro, não o passado que ficou para trás. O mundo mudou, a arte também.

Ah, mas o povo gosta de axé, de sertanejo”. E acaso o axé e o sertanejo vieram do povo? Ou vieram do mainstream, da elite que controla a música, para pegar o dinheirinho do povo?

Ivete Sangalo, que cobra 650 mil reais para tocar sua música ruim até em inauguração de hospital, não veio do povo.

Luan Santana não veio do povo. Eles se impuseram ao povo por meio de mega-esquemas de divulgação. É completamente diferente.

O rap que vem da periferia de São Paulo vem do povo.

Ah, mas o rap não é brasileiro”. E o que é brasileiro? A bossa nova? Mas ela não veio do jazz norte-americano e ganhou elementos nossos?

A mistura está em nosso sangue e em nossa tradição cultural: bossa com jazz, rap com samba, funk com maracatu. Isso é Brasil.

Vejo, sim, grandes talentos do rap surgindo, fazendo ótima música e falando a linguagem do entorno onde vivem.

Os rappers são os cronistas dos rincões mais longínquos e esquecidos do Brasil urbano.


Assim como, gostando-se ou não dele, o funk carioca nasce no subúrbio, em estúdios de fundo de quintal. É original e vibrante. Não é “arte”? Voltamos ao começo: o que é arte, afinal?

Numa coisa Mino tem razão, a TV brasileira oferece muita coisa ruim. É verdade. Mas eu não sou tão pessimista.

A Globo, principal emissora do país, de vez em quando brinda seus telespectadores com coisas bacanas, até mesmo em novelas, seu mais popular produto – Avenida Brasil é um exemplo recente.

Ironia: as outras emissoras comerciais, que pretendem tirar a “supremacia” da Globo, não têm nenhuma exceção, só oferecem lixo.

Mural de Chivitz
Mas vejam só, temos TV a cabo, com várias opções (eu gosto muito do Canal Brasil), e ainda tem a TV pública. Ninguém é obrigado a assistir porcaria, é só usar o controle remoto.

Hoje mesmo li o Zeca Pagodinho se queixando de que não toca samba no rádio. Pois eu ouço samba direto no rádio, sabem por quê? Porque só ouço rádio pública, todas com programação de alto nível e variada.

Zeca, como tanta gente que reclama do que toca no rádio, devia simplesmente boicotar as emissoras comerciais.

Não vejo imbecilização alguma do Brasil. Temos uma significativa parcela de pessoas recém-incluídas que já estão produzindo cultura e, incentivadas, produzirão cada vez mais.

É uma notícia excelente: não são mais só os 5% de brasileiros que tinham acesso à cultura que podem fazer música, pintura, literatura, cinema.

Ainda não deu tempo de uma nova geração de intelectuais, oriunda das classes mais baixas da população, como é possível hoje, se formar.

Painel de Nunca
No futuro, tenho certeza, virão daí os novos Gilbertos Freyres, os novos Sergios Buarques de Holanda, escrevendo sobre o País, suas mazelas e seus desafios.

Com a diferença de que, para eles, não será só uma paixão intelectual. Sentiram na pele o que estão falando. Escreverão com as vísceras.

E é essa, para mim, a melhor definição de arte, sempre: aquela que vem das vísceras.

Fonte:
http://www.socialistamorena.com.br/em-que-tipo-de-arte-voce-acredita-ou-a-imbecilizacao-da-elite/
Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Um outro sonho para Joaquim Barbosa

29/10/2012 - Antonio Fernando Araujo (*)


Ramatis Jacino

Quando Ramatis Jacino, em seu belo texto "O Sonho do Ministro Joaquim Barbosa" assegurou-nos que "o conjunto de organizações sindicais, populares e partidárias, além das elaborações teóricas classificadas como 'de esquerda', [são] os aliados naturais dos homens e mulheres negros, na sua luta contra o racismo, a discriminação e a marginalização a que foram relegados" também recorreu a versos de Solano Trindade, dos

"Negros que escravizam e vendem negros na África, não são meus irmãos...
Negros senhores na América a serviço do capital, não são meus irmãos... 
Negros opressores, em qualquer parte do mundo, não são meus irmãos..."


para reafirmar que acima de tudo é a solidariedade dos que optaram pelos pobres que norteia-lhes a construção de dignidades, os seus indignares frente à exclusão social, as suas inconformações com toda forma de injustiça ou, como dizia Bobbio, as suas indestrutíveis considerações de que se trata mesmo de uma aberração a desigualdade social que campeia neste Brasil e que lhe dando uma dimensão de tragédia concede-lhe destaque ímpar na cena mundial.






Vai, Joaquim Barbosa! ser 'gauche' na vida, poderia ter-lhe dito Drummond.

Tudo porque, como escreveu Cynara Menezes na CartaCapital, "ser de esquerda é não roubar nem deixar roubar", mas também "é ser contra a exploração do homem pelo homem e de países por outros países; é ser a favor da igualdade entre raças e gêneros; do Estado laico; é ser contra o preconceito e a intolerância; é ser a favor da natureza; de que o povo coma 
bem e direito; da justiça social; é ser a favor de uma nova política para drogas e aborto; da reforma agrária; da moradia, da educação e da saúde de 
qualidade para todos. Ser de esquerda é ser um defensor incorruptível da paz, da democracia e da liberdade. E ser de esquerda é, sim, dar menos importância ao dinheiro e mais à felicidade."

E, como ele veria, se porventura sonhasse o sonho de Drummond, que isso é muito mais do que roubar, "não roubar, nem deixar roubar", justo aquilo do que ele mais acusa José Dirceu, não de ser um homem de esquerda, dotado de todas aquelas virtudes, mas tão somente um reles chefe de uma quadrilha de ladrões.

Fiquei feliz com as dezenas de comentários supimpas que surgiram depois da publicação neste blog e de outros tantos que aplaudiram em silêncio ou via emails, o "O Sonho do Ministro Joaquim Barbosa".

Não só porque Ramatis Jacino pusera o pingo nos is, mas porque permitirá, quem sabe, que o Ministro Barbosa perceba que só lhe é permitido estar presente nas capas e espaços que os Marinhos, os Civitas, os Frias e os Mesquitas lhes emprestam - essas quatro grandes famílias da nossa imprensa GAFE (Globo/Abril/Folha/Estadão) - enquanto ele funcionar como um vigilante escoteiro da direita ideológica, a mesma que se regozija quando "Negros escravizam e vendem negros...", quando se tornam "Negros senhores na América a serviço do capital..." e "Negros opressores, em qualquer parte do mundo...", postos a seus serviços.

Tal e qual esses pobres diabos que em fins de carreira trocaram suas dignidades de rebeldes de esquerda que foram na juventude, com os atuais donos do poder e dos meios de comunicação, por algum espaço para escrever ou deitar falação sempre anti-PT, Lula ou Dilma, anti-esquerda como exigem seus patrões, nas rádios e emissoras de TV empresariais para que assim lhes sejam assegurados a sobrevivência dos decadentes.

Fico então mais à vontade pra condimentar este texto, pois, recuando algumas décadas, arrisco a dizer que é bem possível que o Ministro Barbosa tenha sabido que "com Richard Nixon e as ordens executivas do 'black capitalism', delineou-se uma família de políticas raciais destinadas a propiciar o surgimento de uma elite negra no mundo empresarial" norte-americano e, naturalmente e por conta própria, tenha aventado a hipótese disso merecer um prolongamento até o sofisticado universo do supremo judiciário brasileiro.

Tanto lá, como cá "a elite negra que emergiria a partir dos estímulos do poder público - nesse quesito Lula até que deu uma mãozinha - cumpriria a função de um agente da ordem, contribuindo para a estabilidade social e política. Se para o governo americano, a estratégia cumpriria a finalidade de amortecer o descontentamento gerado pelas profundas desigualdades econômicas, numa sociedade em que não era fácil distinguir classes sociais de grupos raciais" no Brasil, anos mais tarde, o ex-prefeito negro de São Paulo, Celso Pitta, demonstraria na prática que o furo é bem mais embaixo.




Custo a crer que Barbosa não tenha lido "Uma Gota de Sangue", onde Demétrio Magnoli - um dos ex-comunistas que aderiu à direita midiática com a fúria dos derrotados -, disse isso tudo e ainda assegurou pra quem quisesse ouvir, que a pobreza, tem sim uma cor, mas que aos "talentosos 10%", é-lhes destinado salvar "a raça negra, como todas as raças, por homens excepcionais."


Joaquim foi muito pobre, mas certamente se considera talentoso e, por conseguinte um homem excepcional, fruto inconteste do "melhor desta raça, que pode guiar a massa para longe da contaminação e morte, provenientes da ralé na sua própria e em outras raças."


E porque, logo ele, foi dar ouvidos a Magnoli e não pensar nessas "outras raças" como sendo todo o povo brasileiro, posto agora nesse alvorecer em que a moralidade da revista Veja se apresenta como sendo a bandeira a qual Barbosa devesse desfraldar para que ele apareça sempre na capa entre fogos de artifício, sorrindo a encantar a titubeante classe média brasileira, seus leitores, com vistas as eleições de 2014?

No entanto, nesse jogo brutal, o que é sensato o Ministro Barbosa entender, desde já, é que além da resistência aos processos desumanizadores do racismo ser, de longe, a maior contribuição dos negros à cultura brasileira, é, agora, ele também ter a consciência nítida de que "as elites brasileiras sempre utilizaram indivíduos ou grupos, oriundos dos segmentos oprimidos para reprimir os demais e mantê-los sob controle", como escreveu Jacino.


E sem refrescar alerta: "A tragédia, para estes indivíduos – de ontem e de hoje -, se estabelece quando, depois de cumprida a função para a qual foram cooptados são devolvidos à mesma exclusão e subalternidade social dos seus irmãos."

Assim, diria eu ao ilustre Juiz e Ministro Barbosa, por razões óbvias, fazer parte do jogo da burguesia não têm o condão de alterar o panorama de exclusão que se verifica até o instante em que as elites brancas admitem que um "talentoso 10%" pode lhes ser útil, mas que, certamente não passará disso.







Daí em diante, o que volta a prevalecer é a consciência e a realidade dos excluídos, tanto os que o são pela cor da pele quanto pela cor da pobreza.

Na verdade, e isso é o mais importante, o que deveria ser uma consciência de todos nós, uma bandeira da nossa identidade brasileira, talvez quem sabe - ou seria pedir muito? -, um outro sonho para Joaquim Barbosa, até um prenúncio de uma reordenação da nossa realidade social, daquela que até então permanece gravada de forma cruel na história do povo brasileiro.







Um sonho, uma consciência e uma bandeira que não devem servir pra que se consagre apenas como a história particular de um talentoso juiz negro alçado a Ministro do Supremo Tribunal Federal que a Família GAFE da Imprensa guindou ao altar da fama, mas de todo um povo que não merece que a vaidade dele ponha tudo a perder, justamente por ter-lhe faltado um talento a mais, aquele que Magnoli escamoteou, mas que é justamente o decisivo, o que seria capaz de fazê-lo perceber, sem ter que esfregar muito os olhos, o que exatamente está em jogo, o que vale e o que não vale na mesa do capital, seja ele "black or white", quando se trata de manter a hegemonia sócio-econômica de uma elite tupiniquim a qual ele não pertence e que, por tantos motivos, como sabemos, deve ser posta abaixo.

(*) Antonio Fernando Araujo é engenheiro e colaborador deste blog