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sábado, 9 de novembro de 2013

A vitória do Bolsa Família

02/07/2012 - Atualizado em 03/08/2012
- Luis Nassif on line
Coluna Econômica - GGN


Ao completar 10 anos recentemente o Programa Bolsa Família apresenta-se como a mais bem sucedida das iniciativas sociais do governo Lula, não importa o que digam adversários e porta-vozes abrigados na mídia empresarial conservadora.

Essa é a razão que nos leva a publicar o texto abaixo - de um ano e pouco atrás -, cujas linhas revelam-se ainda atuais e cada vez mais merecedoras de conhecimento e reflexão. (Blog Educom)
    

Se houve um vitorioso na Conferência Rio+20 foram as políticas de transferência de rendas do país e, entre elas, especificamente o Bolsa Família.

A agenda da pobreza acabou indo para o centro do documento final da conferência.

E em todo lugar em que se discutia o tema, a experiência brasileira era apontada como a mais bem sucedida, em vários aspectos: efetividade (não gera dependência), os beneficiários trabalham, há o emponderamento das mulheres, melhor frequência escolar e desempenho das crianças.

Hoje em dia, há pelos menos duas delegações internacionais por semana visitando o MDS (Ministério do Desenvolvimento Social), segundo informa a Ministra Tereza Campello, para saber mais detalhes da experiência.

Com 9 anos de vida e 13,5 milhões de famílias atendidas, com riqueza de séries históricas, estatísticas e avaliações, o BF conseguiu desmentir várias lendas urbanas:

Lenda 1 – o BF criará preguiçosos acomodados.
Os levantamentos comprovam que maioria absoluta dos adultos beneficiados trabalha na formalidade e na informalidade.

Lenda 2 – as beneficiárias tratarão de ter mais filhos para receber mais auxílio.
O último censo comprovou redução geral da natalidade no país, mais ainda no nordeste, mais ainda entre os beneficiários do BF.

Lenda 3 – um mero assistencialismo sem desdobramentos.
Nos estudos com gestantes, as que recebem BF frequentam em 50% a mais o pré-natal; as crianças nascem com mais peso e altura; houve redução da mortalidade materna e infantil. Há maior frequência das crianças às escolas.

Agora, através do Programa Brasil Carinhoso, se entra no foco do foco, as famílias mais miseráveis com crianças de 0 a 6 anos. No total, 2,7 milhões de crianças.

Em 9 anos, atendendo 13,5 milhões de família, o BF consegue uma avaliação refinada e de segurança para todos os parceiros.

Com Brasil Carinhoso pretende-se chegar a 2,7 milhões de crianças, em famílias pobres com filhos entre 0 e 6 anos de idade.

A grande preocupação da presidente, explica Tereza Campello [foto], é que essas crianças não podem esperar: qualquer impacto da pobreza sobre sua formação, qualquer problema nutricional as afetará por toda a vida

Essas famílias representam 40% dos extremamente pobres do país. Primeiro, se levantará sua renda atual. O Brasil Carinhoso complementará até atingir R$ 70,00 per capita por mês.

Hoje em dia, não há um técnico de renome que tenha ressalvas maiores ao Bolsa Família. As críticas estão concentradas em colunistas sem conhecimento maior de metodologia de políticas sociais, de estatísticas.

No início do governo Lula, havia duas vertentes de discussão sobre políticas sociais.

Uma, a do universalismo inconsequente, a do distributivismo sem metodologia – cujo representante maior era Frei Betto e seu Fome Zero.

A outra, um modelo metodologicamente sofisticado, tem como figura central (na parte de focalização) o economista Ricardo Paes de Barros [foto].

Prevaleceu um misto do modelo, com as estatísticas sendo utilizadas para focalizar melhor os benefícios. Foi esse modelo que acabou consagrando universalmente o BF.

As críticas desinformadas - 1
Conhecido por sua militância conservadora, o colunista Merval Pereira [foto] (o Globo e CBN) apresentou como contraponto ao Bolsa Familia o que ele considerou uma proposta alternativa de esquerda.

“O Fome Zero/Bolsa-Família, do jeito que estava montado pela turma do Frei Betto, era um projeto de reforma estrutural, da estrutura do Estado. Frei Betto queria fazer comissões regionais sem políticos, para distribuição do Bolsa-Família, e a partir daí fazer educação popular”.

As críticas desinformadas - 2
Continua o revolucionário Merval:
“ Era um projeto muito mais de esquerda, muito mais voltado para mudanças estruturais da sociedade. O Bolsa-Família hoje é um programa para manter a dominação do governo sobre esse povo necessitado. Patrus transformou-o num instrumento político espetacular, que foi o começo da força do lulismo”.

O conceito de educação popular significa fora da rede oficial, levando mensagens populares aos alunos.

As críticas desinformadas – 3
O que Merval descreve, em seu discurso, é modelo similar ao do MST e sua universidade popular. 

A troco de quê um comentarista claramente conservador de repente se põe a defender modelos revolucionários que levem a “mudanças estruturais na sociedade”?

Primeiro, a necessidade de ser negativo em relação a tudo. Segundo, o despreparo para tratar com temas técnicos. 

Empunha o primeiro argumento que lhe vem à mão, mesmo sendo contra tudo o que defende.

As críticas desinformadas – 4
Quando foi lançado, o Fome Zero nem podia ser tratado como programa. Era um amontoado de iniciativas caóticas cerca de slogans vazios.

O objetivo seria mobilizar a sociedade para receber ajuda, sem nenhuma preocupação com logística de distribuição, com levantamentos estatísticos. Não havia a preocupação mínima de integrar o auxílio com educação, meio social. 

Não gerou sequer um documento expondo qualquer filosofia.

As críticas desinformadas – 5
Todo defeito que Merval vê na BF era constitutivo do tal Fome Zero.


E as principais críticas ao Fome Zero vinham justamente dos economistas “focalistas”, aqueles que em geral são mais acatados nos círculos políticos que Merval frequenta.

Na época, defendia-se a focalização como maneira de focar os gastos nos mais necessitados, evitando desperdícios. A crítica contrária era a dos universalistas – que queriam políticas sociais para todos.

As críticas desinformadas – 6
O que o BF fez foi incorporar toda a ciência dos indicadores dos focalistas, montar sistemas exemplares de acompanhamento e avaliação, e universalizar o atendimento a todos os miseráveis. 

É essa visão, amarrada a metodologias de primeiro nível, que a transformou em modelo universal de políticas sociais, perseguido por países africanos, asiáticos, por ONGs europeias e norte-americanas.

Para consultas veja também:
- Fecundidade por Grandes Regiões e Faixas de Renda Domiciliar nos Censos Demográficos 2000 e 2010
- Considerações sobre possíveis impactos das ações do Brasil Carinhoso sobre a fecundidade
- Taxas de mortalidade infantil por região e faixa de renda domiciliar per capita entre os censos de 2000 e 2010

Fonte:
http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-vitoria-do-bolsa-familia


Especial sobre o Programa Brasil Carinhoso
Benefício reduz em 62% a extrema pobreza na primeira infância

Pagamento do Brasil Carinhoso começou em junho [2012], chegando a 1,97 milhão de famílias

O dia 18 de junho representa um marco na luta contra a pobreza no Brasil. A partir desse dia, 1,97 milhão de famílias começaram a receber o novo benefício do programa Bolsa Família, concebido para acabar com a extrema pobreza na primeira infância.

O novo benefício é calculado de modo a garantir renda mensal per capita (computados os recursos próprios e os benefícios) acima da linha de extrema pobreza de R$ 70 para todas as famílias do programa, com filhos de 0 a 6 anos, que permaneciam na extrema pobreza mesmo depois de receber as transferências tradicionais do Bolsa Família.

Estimativas feitas a partir do Censo 2010 indicam que, com o novo benefício, a extrema pobreza das crianças de 0 a 6 anos deve cair 62%. A extrema pobreza em todas as faixas etárias deve cair quase 40%, já que o benefício alcança não apenas as crianças, mas todas as pessoas de suas famílias.

Essa novidade faz parte da Ação Brasil Carinhoso (ABC), lançada em maio pela presidenta Dilma Rousseff, no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria (BSM). O diagnóstico que embasou o BSM mostra que crianças e adolescentes de até 15 anos representam 40% da população que vive na extrema pobreza.

“Nesse universo (0 a 15 anos), o foco na primeira infância era necessário e urgente porque essa é a fase mais decisiva para o crescimento e desenvolvimento do ser humano, e passa muito rápido, mas suas marcas permanecem ao longo da vida”, ressalta o secretário nacional de Renda de Cidadania, Luís Henrique Paiva.

Valores e famílias beneficiadas – O novo benefício não possui valor máximo. Seu objetivo é fazer com que todas as famílias beneficiárias com integrantes na primeira infância superem a extrema pobreza, mesmo as mais numerosas – que estão se tornando cada vez menos comuns. A taxa média de fecundidade no Brasil está abaixo da necessária para a reposição da população. Entre as famílias do programa, a média de filhos equivale à taxa de reposição, e não há qualquer indício de reversão dessa tendência.

Para 1,97 milhão de famílias que começam a receber o novo benefício, o valor médio do Bolsa Família passará de R$ 153 para R$ 237. Cerca de 90% dessas famílias receberão até R$ 352 e 99% receberão até R$ 532. Apenas 16 mil famílias receberão valor maior que esse, o que representa 0,1% dos 13,5 milhões de famílias do programa. São justamente as famílias maiores, que mais precisam de apoio para que as crianças possam se alimentar bem, estudar e crescer saudáveis.

O benefício médio para todas as famílias do programa aumentou de R$ 120 para R$ 134.

Impactos do Bolsa Família

Estudos comparativos mostram que a focalização do Bolsa Família nos mais pobres está entre as melhores para programas internacionais do mesmo tipo. Esses estudos também apontam que a extrema pobreza seria um terço maior, não fossem as transferências do programa.


A segunda rodada de avaliação de impacto do programa Bolsa Família registrou impactos positivos na educação das crianças beneficiárias (tanto na frequência escolar quanto na própria taxa de aprovação); na saúde, tanto das crianças (aumento da vacinação em dia e do aleitamento materno) quanto das gestantes (aumento do número de consultas de pré-natal); e na autonomia das mulheres (são as mães, sempre que possível, que recebem o benefício).

Tudo isso resulta de um programa com orçamento de R$ 20 bilhões em 2012, que representa menos de 0,5% do PIB, o que o coloca como solução extremamente eficiente no combate à extrema pobreza.

O programa Bolsa Família, que se tornou referência internacional no combate à pobreza, está entre os mais avaliados e auditados no governo federal. Batimentos e checagens de informações são feitos anualmente.

A lista de beneficiários é pública e está disponível em: 

Para evitar exploração indevida das informações sobre as famílias, a legislação do programa define que seus demais dados só podem ser repassados a terceiros para fins de implantação de políticas públicas ou de realização de estudos e pesquisas.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Brasil combate a fome fora das fronteiras



por Fabiana Frayssinet, da IPS
35 Brasil combate a fome fora das fronteirasSalvador, Brasil, 9/11/2011 – O governo do Brasil avançou na luta contra a fome, desta vez no plano mundial, ao inaugurar um Centro de Excelência alimentar para estender suas experiências positivas a outros países em desenvolvimento, com ajuda de agências da Organização das Nações Unidas (ONU).
O centro, com sede em Brasília, foi apresentado no dia 7 pela diretora-executiva do Programa Mundial de Alimentos (PMA), Josette Sheeran, e pelo diretor da Agência Brasileira de Cooperação, Marco Farani, com a presença de José Graziano da Silva, diretor-geral eleito da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). O centro já começou associações entre PMA, Brasil, Moçambique, Timor Leste e Haiti.
“Trabalhamos de maneira conjunta para desenvolver capacidades de cooperação técnica em países da África, América Latina e também da Ásia, para que possam conhecer algo da experiência brasileira de combate à fome e, a partir dela, desenvolver seus próprios programas de alimentação escolar e combate à pobreza”, disse à IPS o diretor do Centro, Daniel Balabán.
O “Centro de Excelência contra a fome para o desenvolvimento de capacidades em alimentação escolar, nutrição e segurança alimentar”, seu nome completo, contará com recursos financeiros, tecnológicos e operacionais dessas entidades brasileiras e da ONU. O objetivo, segundo Farani, é “disseminar boas práticas no campo da alimentação escolar”, lançando mão das experiências do PMA e do Brasil para o desenvolvimento, a execução ou expansão de programas escolares sustentáveis, além de apoiar outras iniciativas existentes.
“O Brasil tem uma rica experiência a ser compartilhada com os governos interessados em aprender como os brasileiros conseguiram esse êxito, e adaptar esse conhecimento aos seus países”, disse Sheeran na cerimônia de lançamento, em Salvador, Estado da Bahia. Será uma “ponte Sul-Sul única para a segurança alimentar”.
Diante de uma realidade na qual uma em cada sete pessoas no mundo não tem o que comer diariamente, as únicas reações possíveis são “se revoltar, migrar ou morrer”, disse Sheeran por ocasião da IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que acontece até amanhã na capital baiana. “O Brasil criou uma quarta opção, que é combater a fome dando esperanças à infância, que é o futuro”, acrescentou.
O Brasil promove no plano internacional seus êxitos neste campo, com a aplicação desde 2003 do programa Fome Zero, que combina medidas de emergência com políticas de criação de empregos e ampliação da renda familiar. Implantado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e continuado por Dilma Rousseff, o programa conseguiu reduzir a desnutrição infantil em 61%, multiplicar por oito o crédito para a pequena agricultura e reduzir a pobreza rural em 15%, segundo Graziano, um dos arquitetos destas iniciativas.
No contexto de um programa mais amplo contra a pobreza, o Bolsa Família, que entrega subsídios às famílias mais pobres, desde que vacinem seus filhos e os mantenham na escola, o Fome Zero contribuiu para tirar cerca de 28 milhões de pessoas da pobreza neste país de 192 milhões de habitantes.
A prioridade do Centro será uma iniciativa do Fome Zero: o programa de merenda escolar que no Brasil serve três refeições diárias para 47 milhões de crianças e adolescentes, considerado um modelo mundial. O programa também está vinculado à agricultura familiar e às compras locais de alimentos “combinados de maneira a dar de comer às crianças e estimular a produção local”, destacou Farani. “A ideia do Centro surgiu porque havia muita demanda por cooperação brasileira nessa área”, disse à IPS o coordenador de ações internacionais de combate à fome do Ministério das Relações Exteriores, Milton Rondó Filho.
“O que fizemos com a alimentação escolar foi buscar uma espécie de círculo virtuoso” de desenvolvimento. Em primeiro lugar, a preocupação com a nutrição da criança. Com melhor nutrição se tem maior capacidade de aprendizagem, e com isso, e comprando localmente alimentos, se promove o desenvolvimento local”, afirmou Rondó. Por lei, 30% dos alimentos para a merenda escolar devem ser comprados da agricultura familiar da mesma região onde fica a escola.
Além disso, a iniciativa intervirá também na desigualdade de gênero. Rondó mencionou o caso do oeste do Paquistão, onde o analfabetismo das meninas chega a 97%. “A ONU nos diz que se entrarmos com alimentação escolar ninguém reterá essas meninas em casa e também as enviarão para a escola”, afirmou. Segundo Rondó, “não é o caso de as escolas se transformarem em pequenos restaurantes, mas é um estímulo importante que, além da nutrição, melhora a assistência à aula e a capacidade de aprender. E se compramos produtos do mesmo lugar, é um motor enorme do desenvolvimento local”.
O anfitrião do encontro, o governador da Bahia, Jaques Wagner, destacou que, em seu Estado, a alimentação escolar dinamiza a economia local, “a quitanda, a feira, o mercado, porque é um programa de geração de renda de baixo para cima”.
O Centro não pretende repetir a fórmula brasileira, mas adaptá-la às circunstâncias geográficas, culturais e étnicas de cada país, explicou o vice-ministro de Educação de Moçambique, Augusto Jone Luís. Neste país, de 20 milhões de habitantes, onde o programa de merenda chega a seis milhões de alunos e se expandirá com ajuda do Centro, o sucesso se baseia em abordar a “alimentação escolar com um cunho pedagógico”, disse Luís.
Mais de dois mil participantes do Brasil e cem internacionais assistem a IV Conferência, na qual autoridades e organizações civis avaliam os avanços para garantir o direito à alimentação, que no ano passado alcançou status constitucional no Brasil. Contudo, o país ainda tem matérias pendentes: 16 milhões de pessoas – incluídas no programa Brasil Sem Miséria, lançado por Dilma – vivem com menos do equivalente a US$ 41 por mês. E não foram alcançadas metas de nutrição adequada.
A IV Conferência, organizada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, aborda essas lacunas bem como outros temas preocupantes: aumento da obesidade, degradação do solo, mudança climática e agrotóxicos.

Fonte: Envolverde/IPS

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O Governo Lula

Frei Betto*
Anunciada a vitória de Lula nas eleições de 2002, publiquei em O GLOBO (28/10/2002) o artigo ‘O amigo Lula’. Encerrei-o com a frase: "Sobrevivente da grande tripulação do povo brasileiro, Lula é, agora, um vitorioso".

Apoiado por ampla maioria da opinião pública brasileira (hoje, 87%), Lula governa o país há oito anos. Surpreendeu a aliados e opositores. Lula é, também agora, um vitorioso – posso parafrasear-me.

Vivi sempre de meu trabalho, como recomenda o apóstolo Paulo. Por breves períodos mantive vínculo empregatício com a iniciativa privada. Recusei nomeações do poder público. Por considerar compatível com minha atividade pastoral, aceitei convite do presidente Lula para integrar, em 2003, sua assessoria especial no gabinete de Mobilização Social do Programa Fome Zero, ao lado de Oded Grajew.

Ali permaneci dois anos. Tive oportunidade de implantar dois programas de ampla capilaridade nacional e ainda vigentes: a Rede de Educação Popular, que atua segundo o método Paulo Freire na formação cidadã de beneficiários do Bolsa Família; e o Escolas Irmãs, que estabelece conexões solidárias entre professores e alunos de instituições de ensino.

Minha tarefa principal consistia em mobilizar a sociedade civil em prol do Fome Zero, sobretudo os Comitês Gestores que, eleitos democraticamente nos municípios, cuidavam do cadastro dos beneficiários e supervisionavam o cumprimento das condicionalidades do programa de erradicação da miséria.

Muitos prefeitos reagiram. Queriam a si o controle do Fome Zero. Temiam o despontar de novas lideranças locais via Comitês Gestores. Exigiam decidir, por razões eleitoreiras óbvias, quem entra e sai do cadastro. Por sua vez, o lobby do latifúndio – cerca de 200 parlamentares do Congresso – pressionava para o Fome Zero não efetivar a reforma agrária, que lhe asseguraria caráter emancipatório e constituía cláusula pétrea do programa do PT.

A Casa Civil deu ouvidos aos insatisfeitos. Tratou de substituir o Fome Zero por um programa de caráter compensatório e, até hoje, sem porta de saída, cujo cadastro é controlado pelos prefeitos: o Bolsa Família. Oded Grajew regressou a São Paulo, o ministro Graziano foi substituído e eu, em dezembro de 2004, pedi demissão. Voltei a ser um feliz ING – Indivíduo Não Governamental.

Às vésperas de encerrar o governo Lula, avalio-o como o mais positivo de nossa história republicana. O Brasil mudou para melhor.

Entre 2001 e 2008, a renda dos 10% mais pobres cresceu seis vezes mais que a dos 10% mais ricos. A dos ricos cresceu 11,2%; a dos pobres, 72%. No entanto, há 25 anos, de acordo com o IPEA, metade da renda total do Brasil permanece em mãos dos 10% mais ricos. E os 50% mais pobres dividem entre si apenas 10% da riqueza nacional.

Sob o governo Lula, os mais pobres mereceram recursos anuais de R$ 30 bilhões; os mais ricos, através do mercado financeiro, foram agraciados, no mesmo período, com mais de R$ 300 bilhões, o que impediu a redução da desigualdade social.

Faltou ao governo diminuir o contraste social por meio da reforma agrária, da multiplicação dos mecanismos de transferência de renda e da redução da carga tributária nas esferas do trabalho e do consumo. E onerar as do capital e da especulação.

Hoje, os programas de transferência de renda do governo representam 20% do total da renda das famílias brasileiras. Em 2008, 18,7 milhões de pessoas viviam com menos de ¼ do salário mínimo. Não fossem as políticas de transferência, seriam hoje 40,5 milhões. Isso significa que o governo Lula tirou da miséria 21,8 milhões de pessoas.

É falácia alardear que, ao promover transferência de renda, o governo "sustenta vagabundos". Isso ocorre quando não pune corruptos, nepotistas, licitações fajutas, malversação de dinheiro público. No entanto, a Polícia Federal prendeu, por corrupção, dois governadores.  

Mais da metade da população do Brasil detém menos de 3% das propriedades rurais. E apenas 46 mil proprietários são donos de metade das terras. Nossa estrutura fundiária é idêntica à do Brasil império! E o empregador rural não é o latifúndio nem o agronegócio, é a agricultura familiar: ocupa apenas 24% das terras e emprega 75% dos trabalhadores rurais.

A inflação manteve-se abaixo de 5%, cerca de 11,7 milhões de empregos formais foram criados e o salário mínimo corresponde, hoje, a mais de US$ 200. Isso permitiu ao consumidor planejar melhor suas compras, facilitado por uma política de créditos consignados e a longo prazo, malgrado as elevadas taxas de juros.

O governo Lula não criminalizou movimentos sociais; buscou o diálogo, ainda que timidamente, com lideranças populares; melhorou as condições dos quilombos; demarcou terras indígenas como Raposa Serra do Sol.

Ao rechaçar a ALCA e zerar as dívidas com o FMI, Lula afirmou o Brasil como país soberano e independente. O que lhe permitiu manter confortável distância da Casa Branca e se aproximar da África, dos países árabes e da Ásia, a ponto de enfraquecer o G8 e fortalecer o G20, do qual participam países em desenvolvimento. Estreitou relações com a África do Sul, a Índia e a China, valorizou a UNASUL e rompeu o "eixo do mal" de Bush ao defender a autodeterminação de Cuba, Venezuela e Irã.

O governo termina sem que, nos oito anos de mandato, tenham sido abertos os arquivos das Forças Armadas sobre os anos de chumbo, nem apoiado iniciativas para entregar à Justiça os responsáveis pelos crimes da ditadura. O país continua sem qualquer reforma estrutural, como a agrária, a política, a tributária etc.

Na educação, o investimento não superou 5% do PIB, quando a Constituição exige ao menos 8%. Embora o acesso ao ensino fundamental tenha se universalizado, o Brasil se compara, no IDH da ONU, ao Zimbábue em matéria de qualidade na educação. Os professores são mal remunerados, as escolas não dispõem de recursos eletrônicos, a evasão escolar é acentuada. Os programas de alfabetização de adultos fracassaram e o MEC se mostrou desastrado na aplicação do ENEM. De positivo, a ampliação das escolas técnicas e das universidades públicas, o sistema de cotas e o ProUni.

O SUS continua deficiente, enquanto o atendimento de saúde é progressivamente privatizado. Hoje, 44 milhões de brasileiros estão inscritos em planos de saúde da iniciativa privada. Mais de 50% dos domicílios do país não possuem saneamento, os alimentos transgênicos são vendidos sem advertência ao consumidor, os direitos das pessoas portadoras de deficiências não são devidamente assegurados.

Governar é a arte do possível. Implica imprevistos e exige improvisos. Lula soube fazê-lo com maestria. Espero que o governo Dilma possa aprimorar os avanços da administração que finda e corrigir-lhe as falhas, sobretudo na disposição de efetuar reformas estruturais e ampliar o rigor na preservação ambiental. Tomara que a presidente consiga superar a deficiência congênita de sua gestão: o matrimônio, por conveniência eleitoral, entre o PT e o PMDB.

PS: O poder não muda ninguém, faz com que as pessoas se revelem.
*escritor e assessor de movimentos sociais