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segunda-feira, 16 de julho de 2012

A Hidra em Damasco

14/07/2012 - Pepe Escobar
em 13/7/2012, no Asia Times Online – The Roving Eye - “A Hydra in Damascus”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu para a redecastorphoto

Kofi Annan está cada vez mais parecido com Austin Powers [1], menos os ternos vermelhos; misterioso agente internacional, que voa de capital em capital, pelo mundo, tentando impedir uma guerra terrível.

O “Dr. Mal”, claro, é Bashar al-Assad, da Síria. “Mexa-se, baby”! [2]

O mediador-em-chefe da ONU está agora convencido de que Irã e Iraque apoiam seu novo plano de transição política para Damasco, que, na essência, é o plano anterior, de 12 de abril remixed, por causa de uma equipe de exilados oportunistas conhecidos como Conselho Nacional Sírio (CNS) [orig. Syrian National Council (SNC)].

Há matéria [3] com detalhes deliciosos do encontro em Damasco, no início da semana, entre Annan e Assad. Como em qualquer show decente, as melhores falas aparecem antes dos créditos:

Annan: Por quanto tempo você acha que essa crise continuará?
Assad: Durará enquanto o regime financiá-la.
Annan: Você acha que todo o dinheiro é deles?
Assad: Eles estão por trás de muitas coisas que acontecem em nossa região. Acham-se capazes de liderar todo o mundo árabe hoje e para sempre.
Annan: Mas tenho a impressão de que eles não têm a população necessária para tanta ambição. [Todos riem]

Chamem o agente Kofi Powers, para salvar o mundo?

Não apenas Annan e Assad: todo mundo sabe que “o regime” referido é o Qatar.

E por isso o CNS não aceita cumprir o cessar-fogo decidido no plano anterior de Annan – e novamente não aceitarão agora, pelo segundo plano. Todos sabem que o Qatar – e a Arábia Saudita – continuarão a armar os “rebeldes”, sejam desertores, associados ao CNS ou não, membros dos diferentes ramos do Exército-sírio-nada-Livre, ou mercenários salafistas-jihadistas outra vez alugados em alegre colaboração com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

O CNS foi a Moscou, para conversar com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov (foto abaixo). [4] Os russos não se impressionaram. Nas palavras do novo chefe do CNS, Abdulbaset Sayda, “Exigimos a partida imediata de todos os representantes do atual governo, a começar pelo líder Assad (...) Qualquer tentativa de reconciliação com o atual regime dará em nada”.

Quer dizer: outra vez, o CNS está torpedeando Kofi Powers Annan e sua transição política, antes até de haver alguma transição. Para nem dizer que já deram jeito de alienar Moscou, cujo principal interesse é ser o principal mediador de um governo sírio de transição. Moscou redigiu uma resolução, para prorrogar a missão da ONU na Síria por mais três meses, trocando o monitoramento de uma trégua que ninguém respeita, pela negociação de uma transição política.

O chamado plano de seis pontos de Annan implica imediato cessar-fogo (que jamais será respeitado pelo CNS e pelo ESL); retirada, de vilas e cidades, de todo o armamento pesado e forças militares; acesso para socorro humanitário e jornalistas; e criação de um mecanismo para a transição política.

Mais uma vez, até essa “transição política”, baseada em “aceitação mútua” – decidida em Genebra, dia 30 de junho – já começa plantada sobre terreno extremamente movediço. Para Washington, “aceitação mútua” significa “Assad fora”. Para Moscou, “aceitação mútua” significa que o sistema Assad é parte da negociação.

A oposição síria, representada pelo CNS e pelo Exército Sírio Livre (ESL) – devidamente apoiada pela secretária de Estado Hillary (“Viemos, vimos, ele morreu”) Clinton e sua gangue de “Amigos da Síria” – continua aos gritos: que se danem as negociações; queremos o poder e queremos já. Que democracia seria essa?

You say you want a revolution [5]

A essa altura, Kofi Powers já deveria ter subido a aposta e usado alguma tática de intimidação sedosa contra aquele pessoal. Afinal, é sua reputação que está em jogo. Não acontecerá.

Assim sendo, não surpreende que toda a gangue desejante – do pessoal do Pentágono, CIA e gente do Departamento de Estado, aos aliados turcos do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, incluindo aqueles “democratas” exemplares do Golfo – estejam salivando ante a possibilidade de... e o que mais seria?!... um golpe.

Agora, quando por todos os cantos florescem as “democraturas” [4/7/2012, redecastorphoto, Pepe Escobar: E tudo sempre pode acabar em “democratura” - ver em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/07/pepe-escobar-e-tudo-sempre-pode-acabar.html], o cardápio parece bem apetitoso. No Egito, o orwelliano Conselho Supremo das Forças Armadas já desferiu seu golpe, imediatamente antes das eleições presidenciais. No Iêmen, a Casa de Saud instalou o substituto preferido, no posto de Abdul Saleh, depois de uma espécie de golpe branco.

Considerando que a OTAN e os “Amigos da Síria” são totalmente ineptos/incapazes para montar golpe semelhante, e considerando que as elites no topo do poder da Síria absolutamente não racharam, o quadro é semelhante ao de Hosni Mubarak: tenta-se cortar a cabeça da cobra, mesmo que, imediatamente, novas minicabeças já estejam brotando na mesma cobra, como na Hidra.

Fachadas de inteligência dos EUA, como a recentemente hackeada-detonada empresa Stratfor, temem que esse arranjo só beneficie Irã e Rússia, ambos com complexas redes instaladas dentro da Síria, e ambos interessados em manter o atual sistema, porque interessa aos seus projetos geopolíticos.

Altamente útil será manter olho vivo, acompanhando o que o clã Assad enfrenta, no plano interno. Uma “transição” liderada de dentro da Síria pode dar ainda mais poder a alguns seletos sunitas e talvez a uns poucos cristãos e curdos – mas a mudança nada terá a ver com a “revolução” com que o CNS delira. Em termos estruturais, continuará tudo mais ou menos como está.

Dentre os sunitas que ganham poder num cenário pós-Assad, os principais candidatos são o ministro do Interior Mohammad Ibrahim al-Shaar; o Comandante do Estado-maior do Exército Fahd Jasem al-Farij; o vice-secretário regional do Partido Baath Muhammad Said Bukhaytan; e o comandante da Guarda Republicana Manaf Tlas (o qual, sim, desertou e já está em Paris [6]).

Dr. Evil e Mini-me

 Até agora, contudo, as deserções são praticamente irrelevantes; mas há um grupo que é preciso observar de perto. Se alguém desse grupo desertar, então, sim, o clã Assad pode começar a enfrentar problemas graves. Nesse grupo estão Jamil Hassan; Abdel-Fatah Qudsiyeh; Ali Mamlouk; e Muhammad Deeb Zaitoon. São os chefes das quatro agências de inteligência da Síria (sim, a Síria de Assad é estado policial de linha ultra dura). E, claro, Hisham Bakhtiar – chefe do Conselho de Segurança Nacional e principal conselheiro de segurança de Assad.

No pé em que estão as coisas hoje, o grupo governante sírio ainda parece monoliticamente indestrutível. Não sairão de lá e só serão arrancados com luta extrema. E a “alternativa” é a Fraternidade Muçulmana e o Conselho Nacional Sírio – cujas credenciais “revolucionárias”, para nem falar em democracia, são, para dizer o mínimo, pífias. As massas de civis apanhadas sob fogo cruzado, talvez até se interessassem pela possibilidade de golpe. Melhor que acabar governados pelos sinistros “Amigos da Síria”, o que seria substituir um Dr.Mal por um Dr. Mini-Mal [7], só que “democrático”.

Notas dos tradutores
[1] Personagem de três filmes sobre um agente do Ministério da Defesa britânico, e seu arqui-inimigo-nêmesis, Dr. Evil [Dr. Mal], obcecado com apressar o fim-do-mundo-como-o-conhecemos, e cujos planos Austin sempre consegue fazer fracassar. Imagens em: “Film: Austin Powers”. (ver em: http://tvtropes.org/pmwiki/pmwiki.php/Film/AustinPowers?from=Main.AustinPowers )

[2] De License to swing, da série Austin Powers, trailer a seguir: (ver em: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=wvHWmmZ3q5w )

[3] 10/7/2012, Al-Akhbar, em: “Assad and Annan: Back to Square One”. (ver em: http://english.al-akhbar.com/content/assad-and-annan-back-square-one )

[4] 11/7/2012, RIANOVOSTI, “Syrian Opposition Group Calls for Revolution”. (ver em: http://www.en.rian.ru/world/20120711/174555887.html )

[5] É verso de Revolution, Beatles, 1968, assista e ouça em: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=VKB-w179PIQ

[6] 6/7/2012, Syria Comment, “Manaf Tlas Defection Confirmed: His Statement from Paris”. (ver em: http://www.joshualandis.com/blog/?p=15233 )

[7] Orig. Mini-me. É personagem da série Austin Powers. Sobre ele, com imagens. (ver em: http://en.wikipedia.org/wiki/Mini-Me )

Postado por Castor Filho - em:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/07/pepe-escobar-hidra-em-damasco.html

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

BRICS e o veto ao projeto de resolução para a Síria

Pepe Escobar - A Síria e os “disgusting” [1] BRICS - 7/2/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online - Syria and those “disgusting” BRICS
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Um coro grego de “incomodados”, “repugnados” e “ultrajados” saudou, como bem se poderia prever, o duplo veto dos BRICS China e Rússia ao projeto de resolução do Conselho de Segurança da ONU para impor mudança de regime na Síria. O projeto vetado era apoiado pela Liga Árabe, aquele paraíso de democracia, organização controlada pelas seis monarquias/emirados do Conselho de Cooperação do Golfo, antigamente chamada Liga Árabe.

A secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton chamou de “travesti” o duplo veto. Na sequência, Clinton incitou “os amigos da Síria democrática” a continuar trabalhando para mudar o regime, mudança que era o objeto da resolução vetada. O proprietário do copyright dessa ideia é o libertador da Líbia, o neonapoleônico Nicolas Sarkozy, presidente da França, que disse que Paris já estava trabalhando para criar um “Grupo de Amigos do Povo Sírio” da CCGOTAN, encarregado de implementar o plano de mudança de regime da Liga Árabe.

Logo em seguida, em fila, Burhan Ghalyun, fantoche de Paris, chefe do Conselho Nacional Sírio (CNS) – grupo da oposição guarda-chuva – convocou os países “amigos do povo sírio”. Todos sabem quem são: EUA, Grã-Bretanha, França, Israel e dois membros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG): o Qatar e a Arábia Saudita. Com amigos como esses, o “povo sírio” não precisa de inimigos.

Os “disgusting” BRICS
A embaixadora dos EUA na ONU, Susan Rice – chefe da torcida organizada pró “Responsabilidade de Proteger” (R2P), também conhecida como bombardeio humanitário – declarou “disgusting” o duplo veto.

Até as vetustas pedras da mesquita Umayyad em Damasco sabem que só Washington tem o direto de exercer poder de veto na ONU – e sempre para proteger o direito que só Israel tem, de matar palestinos, homens, mulheres e crianças, com tanques e bombardeio cerrado, sem tomar conhecimento de resoluções da ONU. Uma relação parcial das vezes que os EUA vetaram projetos de resolução da ONU pode ser lida em: "US on UN Veto: “Disgusting”, “Shameful”, “Deplorable”, “a Travesty” . . . Really?"

A Rússia, em alto e bom som – e a China, discretamente – já haviam informado sobre o veto, há semanas: esqueçam resoluções da ONU para mudar regime na Síria ou, ainda pior, para abrir as portas da Síria para invasão ao estilo do bombardeio humanitário que a OTAN promoveu na Líbia.

A Rússia tem suas próprias razões geopolíticas para definir a Síria como limite infranqueável: a única base naval russa no Mediterrâneo está em território sírio, no porto de Tartus; e a Síria compra armas da Rússia. Mas, de fato, todos os cinco BRICS – mais a ampla maioria do mundo em desenvolvimento – estão em sincronia: esqueçam resoluções da ONU para viabilizar mudança de regime promovida pelos suspeitos de sempre, o trio ocidental EUA-França-Grã Bratanha e – o ápice da hipocrisia – planejada pelos hiper “democráticos” Qatar e Casa de Saud.

Na próxima 3ª-feira, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, estará em Damasco, para reunião com o presidente Bashar al-Assad, na qual discutirão plano sério para tentar pôr fim à violência. Lavrov explicou calma e ponderadamente as razões do veto russo.

Disse que enviou diretamente à secretária Clinton as emendas que a Rússia propunha ao texto da resolução: “Quem desse atenção àquelas emendas facilmente perceberia a racionalidade e a objetividade de nossa posição”, disse ele. Mas de nada adiantou. O projeto de resolução não foi emendado e permaneceu “unilateral” – nada pedindo à oposição armada. Lavrov disse claramente: “Nenhum presidente que não esteja absolutamente derrotado e que se respeite aceitaria algum dia essa exigência, por mais ameaçado que esteja. E nada, em nenhum caso, justifica render-se e entregar o país, sem resistência, a extremistas armados”.[2] Imaginem se Homs fosse cidade do Texas e alguma liderança local decidisse mudar o regime de Washington! Mesmo assim, o Conselho Nacional Sírio declarou que Moscou e Pequim são “responsáveis pela escalada nos atos de matança e genocídio” e facilitadoras de uma “licença para matar”. Lavrov não se deixou abalar: “Já dissemos várias vezes que não estamos protegendo Assad. Estamos protegendo a lei internacional. O Conselho de Segurança da ONU não tem competência para intervir em questões internas dos estados”.

Homs: Quem está matando quem?
O embaixador da Síria à ONU, Bashar Ja’afari, negou firmemente as acusações da oposição de que o exército sírio estaria bombardeando o bairro de Khadiliya em Homs, usando tanques e artilharia e que teria matado mais de 200 pessoas. Disse que “nenhum ser racional lançaria ataque desse tipo na véspera de o Conselho de Segurança da ONU votar a resolução sobre a Síria”. Sem qualquer investigação, a França declarou que teria havido “um massacre” em Homs, “crime contra a humanidade”. Alguma coisa semelhante, talvez, ao que a França fez várias vezes na guerra da Argélia?

Para começar a entender o que está em jogo, é preciso ter em mente quem está desertando do exército sírio. Os militares de mais alto escalão do exército sírio – e membros do Partido Ba’ath – são praticamente todos alawitas, seita xiita (10% da população total). Esses não estão desertando.

Os desertores são soldados sunitas (70% da população total). Esses desertam e formam milícias armadas, ao estilo do que se viu na Líbia, e milícias que acolhem muitos mercenários pesadamente armados pelo Conselho de Cooperação do Golfo e que matam soldados do exército regular. A resposta do governo sírio foi atacar os bairros onde vivem as famílias desses desertores. O centro de Homs está hoje sob controle dos rebeldes. O que, então, está acontecendo em campo, em Homs? Reproduzo aqui trechos de um e-mail crucialmente importante, que recebi de fonte cristã e síria, altamente confiável:

"Muitos sírios estão entusiasmadíssimos com o duplo veto, mas a situação em Homs é muito preocupante. A oposição espalhou notícias sobre um massacre pouco antes da votação, falando de centenas [de mortos]. É inacreditável, mas a mesma notícia foi repetida em todos os canais de televisão (todos sempre citando “ativistas”), sem qualquer verificação. No máximo, o número de mortos foi reduzido para cerca de 33. Nenhum canal de notícias mostrou bombardeios ou cadáveres ou gente ferida (...) só homens despidos ou vestindo só cuecas, e lavados para serem enterrados, com mãos e pés atados, e com sinal de tiro de execução na cabeça. Que arma incrível será essa, do arsenal do governo sírio, uma bomba tão inteligente que consegue despir e amarrar os inimigos e, em seguida, executa-os com um tiro na testa?!

O que se sabe com certeza absoluta é que não há presença militar em Homs. Meus pais deixaram a cidade e retornaram para lá no sábado pela manhã – dia do alegado massacre – e nada viram. Como fazem sempre, telefonaram para um número (115) que fornece informações sobre segurança nas estradas. O operador disse que podiam viajar tranquilamente para Homs, que não havia qualquer sinal de agitação ou combates, nem na cidade nem nos arredores. Mas quase toda a cidade, principalmente a parte antiga, está sob controle de milícias armadas. O bairro onde moram meus pais e onde eu cresci (o bairro cristão de Bustan al-Diwan) está completamente tomado pelas milícias.

Há vídeos em YouTube que mostram que o Exército Síria Livre atacou e removeu os postos de vigilância que o exército mantinha em outro bairro próximo (Bab al-Dreib) e, em seguida, atacou e removeu o posto que protegia o nosso bairro. Pessoas que moram perto de nossa casa não viram qualquer sinal de agitação e não falam de qualquer tipo de agitação, embora todos saibam que alguns ‘revolucionários’ invadiram algumas casas cujos moradores partiram naqueles dias ou antes; e que também invadiram uma escola, a redação do jornal Homs Newspaper (operado pela igreja ortodoxa há mais de um século) e alguns restaurantes. Essas são as únicas reclamações que se ouvem por aqui. Quero dizer: se se considera o que esse Exército Síria Livre tem feito contra os alawitas, a comunidade cristã está sendo muito bem tratada, até aqui.

O que se diz por aqui é que os corpos mostrados amarrados e que teriam sido mortos em Khalidiya, e que seriam cadáveres de “homens, mulheres e crianças” mortos em bombardeio pelo exército sírio regular, são, de fato, soldados do exército sírio que foram sequestrados. Há também alawitas sequestrados, que não foram libertados (em trocas de prisioneiros). Quando o Exército Sírio Livre começou a sequestrar pessoas, os alawitas também passaram a sequestrar, para ter o que negociar e conseguir libertar soldados presos pelas milícias. Nem sempre dá certo, e muitos que não foram “trocados” apareceram mortos em Khalidiya.

O que se pode garantir é que, até agora, não há qualquer tipo de ataque pelo exército sírio regular na cidade. Os rebeldes continuam a atacar outros postos de segurança do exército. Ninguém por aqui tem qualquer ideia sobre o que o governo pensa fazer em relação à situação em Homs. É terrível para mim ver o nosso bairro transformado em campo de batalha e tantos amigos meus, que partem da cidade."

A informação da minha fonte coincide perfeitamente com o que escreveu o jornalista Nir Rosen, autor do indispensável Aftermath: Following the Bloodshed of America's Wars in the Muslim World: em Homs estão acontecendo ataques das milícias armadas contra postos de controle do exército sírio na estrada; e o exército sírio ataca alguns dos bairros onde vivem as milícias armadas. Segundo Rosen: "Não há luta em Homs. O governo bombardeia algumas áreas onde suspeita que haja rebeldes (o que sugere que o regime não tenha meios para atacar Khalidiya) (...). Até agora não houve qualquer baixa entre os rebeldes. Em Khaldiyeh houve 130 mortos e 800 feridos (mas não eram combatentes). É muita gente, sim, mas se você assiste aos noticiários... Segundo os noticiários, Homs teria sido destruída pelo governo da Síria. Essa notícia é falsa. De fato, o ataque das milícias em Homs sugere que, ali, o regime está enfraquecido, sem meios para atacar as milícias. [3]"
Confirma-se assim o que minha fonte escreveu: “Ninguém por aqui tem qualquer ideia sobre o que o governo pensa fazer em relação à situação em Homs”.

Todo o planeta viu como o milionário prefeito de New York respondeu ao movimento Occupy Wall Street – movimento pacífico. Imaginem, então, qual seria a resposta das autoridades a uma insurreição armada, para mudança de regime, que eclodisse numa cidade de porte médio nos EUA. 

Os “disgusting” BRICSs já deixaram bem claro que não haverá bombardeio humanitário à moda CCGOTAN na Síria. Mas o CCGOTAN pode estar conseguindo sucesso no seu plano B: lançar a Síria numa guerra civil.

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Notas dos tradutores
[1] Orig. disgusting. É palavra de difícil tradução ao português, no contexto da fala das autoridades dos EUA; cobre um campo semântico que vai de “incômodo” ou “desagradável”, até “repugnante” e “nojento”.
[2] 5/2/2012, “Ministro russo explica veto à Resolução sobre Síria”.
[3] 4/1/2012, The Angry Arab News Service, “What happened in Homs”

domingo, 22 de janeiro de 2012

China dá o primeiro passo para reciclar os petrodólares

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012 - redecastorphoto - MK Bhadrakumar
quinta-feira, 19/1/2012, *MK Bhadrakumar, Indian Punchline China tiptoes to petrodollar recycling
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

 Ver também neste blog:
19/1/2012, Pepe Escobar, “EUA-CCG: atração fatal”
20/1/2012, Adam Hanieh, “Classe e Capitalismo no Golfo”
 
O acordo de troca de moedas assinado entre China e Emirados Árabes Unidos (EAU) durante a viagem do premiê Wen Jiabao pela região do Golfo Persa, que termina hoje, provocará incômodo nas capitais ocidentais, especialmente em Londres e Washington. A lista de países com os quais a China já tem esse tipo de acordo vai aumentando lenta e continuadamente, e esse é o primeiro desses acordos assinado com estado do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG).


Visita de Wen Jiabao aos Emirados Árabes Unidos
O acordo com os EAU cobre $5,5 bilhões – o comércio bilateral no ano passado, com as exportações chinesas responsáveis por 2/3, alcançou $36 bilhões – e visa a “fortalecer a cooperação financeira bilateral, promovendo o comércio e os investimentos e, simultaneamente, salvaguarda a estabilidade financeira regional” – segundo o Banco Central da China. A China está, essencialmente, fornecendo “seed money” [lit. “dinheiro semente”], para que os comerciantes não precisem converter ao dólar todas as transações, o que reduz os custos de câmbio.

À primeira vista, o critério é da conveniência, mas evidentemente lança sombras sobre vários outros campos. Bem visivelmente, a China está tratando de “sensibilizar” o Oriente Médio, em relação à função do renminbi [1]. Estar guardado como moeda de reserva nos cofres dos Emirados Árabes Unidos aumenta o prestígio do renminbi. Quanto aos Emirados Árabes Unidos, ter o poderoso Yuan em suas reservas é a medida mais segura que jamais tomaram no mundo da alta finança, dado que a valorização da moeda chinesa é evento praticamente garantido para o futuro.

Além disso, a troca de moedas chama a atenção para o rápido crescimento dos laços econômicos da China com a região do CCG. É uma declaração política de que a China trabalha para ampliar seus laços com os Emirados Árabes Unidos que, até agora, historicamente, sempre viveram como “bolsão” dos britânicos no Oriente Médio. Dos dhows [2], ouvem-se os gritos “Yo, ho, os chineses estão chegando!”

Mas estão chegando também com propósito bem claro. Abu Dhabi controla 7% das reservas comprovadas de petróleo do mundo, o preço do barril já está ultrapassando os $100, os EAU estarão renovando suas concessões de petróleo em 2014, e, então, as empresas chinesas com certeza estarão posicionadas para dar trabalho, na disputa pelas concessões, à Royal Dutch Shell, à ExxonMobil e à Total francesa. Claro, os EAU são mercado difícil, no qual a cultura de negócios ocidental está profundamente enraizada, mas... Nunca subestimem os chineses.

Acima de tudo, a China dá seus primeiros passos no mundo embriagador da reciclagem de petrodólares, e é difícil imaginar que Pequim não saiba o que está fazendo agora, nessa troca de moedas com os Emirados Árabes Unidos. A China é país milenar e sabe muito bem que qualquer longa marcha começa num pequeno primeiro passo.

EAU - Emirados Árabes Unidos, o "outro lado" do Estreito de Ormuz
O xis da questão é que as moedas dos países do Conselho de Cooperação do Golfo são aderidas ao papel verde, e seus massivos lucros são em grande parte encaminhados para os cofres dos bancos de Londres ou New York, ou são usadas para comprar ações e bônus do Tesouro dos EUA – e, isso, quando não são usadas para comprar armas ou noutros gastos extravagantes.

O negócio agora assinado entre China e Emirados Árabes Unidos meteu um pensamento muito excitante na cabeça dos estados do CCG: a possibilidade de faturar em renminbis – que muito preocupará o ocidente. Atualmente, ninguém precisará perder o sono, porque Pequim restringe rigidamente os fluxos de sua moeda fora das fronteiras chinesas, mas não há dúvidas de que a China já está implantando toda a infraestrutura indispensável para uma era, não muito distante, quando poderá dar adeus às estritas restrições hoje vigentes para o fluxo de moedas, se se interessar por usar o renminbi no comércio internacional.

É possível que em 2025 a China esteja importando três vezes mais petróleo dos países do CCG, do que Tio Sam.

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Notas dos tradutores:
[1] Renminbi [lit. “moeda do povo”] é o nome oficial da moeda oficial da China, introduzida pelo Partido Comunista da República Popular da China, na fundação, em 1949. Também chamado “Yuan” (abr. RMB; símbolo ¥; código CNY, CN¥, ? e CN?).
[2] Dhow - Embarcação mercante tradicional na região.

*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

EUA-CCG - atração fatal

 Pepe Escobar - 20/1/2012, Asia Times Online - “The U.S. – GCC fatal attraction” - Redecastorphoto - Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Não há como entender o affair EUA-Irã, psicodrama maior que a vida, o ímpeto ocidental para mudar os regimes de Síria e Irã e os padecimentos e atribulações da(s) Primavera(s) Árabe(s) – já ameaçada(s) de inverno perpétuo – sem examinar de perto a atração fatal entre Washington e o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). [1]

O Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), clube de seis ricas monarquias do Golfo Persa (Arábia Saudita, Qatar, Omã, Kuwait, Bahrain e os Emirados Árabes Unidos, EAU), foi fundado em 1981 e imediatamente configurado como principal quintal estratégico dos EUA para as invasões do Afeganistão em 2001 e do Iraque em 2003, para a longa batalha no Novo Grande Jogo na Eurásia, e, também, como quartel-general para “conter” o Irã.

A 5a. Frota dos EUA está estacionada no Bahrain e o quartel-general avançado do Comando Central (Centcom) dos EUA está localizado no Qatar; o Centcom policia nada menos de 27 países, do Chifre da África à Ásia Central – que o Pentágono, até recentemente definia como “o arco de instabilidade”. Em resumo, o Conselho de Cooperação do Golfo é como um porta-aviões dos EUA no Golfo, ampliado para dimensões de Star Trek.


Prefiro falar do CCG como Clube Contrarrevolucionário do Golfo – por causa da performance destacada que teve na supressão da democracia no mundo árabe, desde antes de Mohammed Bouazizi atear fogo ao próprio corpo na Tunísia há mais de um ano.

Na linha de Orson Welles em Cidadão Kane, o Rosebud do CCG é que a Casa de Saud só vende seu petróleo em troca de dólares dos EUA – daí a proeminência do petrodólar – e, em troca disso, recebe apoio militar e político massivo e incondicional dos EUA. Além disso, os sauditas impedem que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC) – afinal, a Arábia Saudita é o maior produtor mundial de petróleo – faça preço e venda petróleo numa cesta de moedas. Assim, esses rios de petróleo fluem diretamente para comprar produtos financeiros à venda na bolsa dos EUA e para os papéis do Tesouro dos EUA.

Durante décadas, todo o planeta viveu como refém dessa atração fatal. Até agora.

Quero todos os seus brinquedos! O Conselho de Cooperação do Golfo é, essencialmente, o núcleo duro do império no mundo árabe. Sim, trata-se essencialmente de petróleo; o Conselho de Cooperação do Golfo será responsável por mais de 25% da produção global de petróleo nas décadas imediatamente futuras. Aquela microscópica classe dominante – as monarquias e seus sócios comerciais – opera como um anexo crucialmente decisivo para que o poder dos EUA se projete pelo Oriente Médio e adiante.

(Clique no link abaixo para ampliar o mapa)

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVBh0s3xL1F1l8YsF9gungw1d5Mvwwydu3llCmjmBHPmpfpWVzb5Wy454_2TRi2j1gGgUa-iK6JTb_dOpbZGlM4QvLaRs-ZFOyODMxEoCKK_oR72WLVMh6qpwrdMp86m0WVH4KimPECmO5/s1600/Golfo+P%25C3%25A9rsicousa%252520iran%252520800.jpg

Isso explica, dentre outros fatores, por que em outubro do ano passado Washington fechou sumarento negócio de US$67 bilhões – o maior negócio bilateral na história dos EUA – para abastecer a Casa de Saud com monumental coleção de flamantes modelos F-15s, Black Hawks, Apaches, bombas explode-bunker, mísseis Patriot-2 e navios de guerra último tipo.

Isso explica por que Washington encheu os arsenais dos Emirados Árabes Unidos com milhares de bombas explode-bunker; e os arsenais de Omã, com mísseis Stinger. Para nem falar de outro mega sumarento mega negócio – de US$ 53 bilhões – com o Bahrain, que só não está ainda assinado porque organizações de direitos humanos – diga-se a favor delas – denunciaram ferozmente o negócio.

E há também o deslocamento – ou, em idioma do Pentágono, o “reposicionamento” – de 15 mil soldados dos EUA, do Iraque para o Kuwait.

A justificativa para toda essa orgia armamentista nos é impingida pela lógica suspeita de sempre: seria necessário construir uma “coalizão de vontades” para “conter” o Irã. Por que o Irã? Meio-piada, meio a sério: porque o Irã não faz parte do Conselho de Cooperação do Golfo – quer dizer, porque já não é satrapia subserviente dos EUA, como antigamente, naqueles bons velhos tempos do Xá.

Adam Hanieh, professor de estudos do desenvolvimento na School of Oriental and African Studies (SOAS) em Londres, e autor de Capitalism and Class in the Gulf Arab States [Capitalismo e Classes nos Estados Árabes do Golfo] foi dos poucos analistas globais que se empenhou em decodificar a centralidade do Conselho de Cooperação do Golfo na estratégia imperial. Em entrevista radicalmente importante, alinha o que é preciso saber. E não é bonito. [2]

Como Asia Times Online tem documentado extensamente, a Primavera Árabe morreu, praticamente, quando o Conselho de Cooperação do Golfo entrou em cena. Em Omã, o sultão Qaboos basicamente distribuiu montanhas de dinheiro. Na Arábia Saudita, houve feroz prevenção e repressão hardcore sustentada, na província do Leste, de maioria xiita, próxima do Bahrain, e província onde está o petróleo dos sauditas.

E no próprio Bahrain, houve não só repressão violentíssima – com prisões e tortura documentadas de centenas de manifestantes pró-democracia – mas o país foi invadido por soldados e tanques da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.

A invasão talvez tenha dado ao Conselho de Cooperação do Golfo o prazer adocicado da expansão territorial. O Marrocos e a Jordânia – embora, em termos geográficos básicos, não estejam no Golfo – foram “convidados” a participar do clube dos ricos: afinal, são também monarquias sunitas reacionárias como se exige; não são repúblicas árabes seculares “decadentes” como Líbia e Síria.

Questão interessante é por que a Primavera Árabe não irrompeu na Jordânia – uma vez que o mesmo vulcão socioeconômico que entrou em erupção na Tunísia e no Egito é ativo também na Jordânia. A parte chave da resposta é que o Conselho de Cooperação do Golfo – ainda mais que Washington, capitais europeias e Israel – vive sob medo pânico de que o trono hashemita seja derrubado.

Para a imensa riqueza do CCG, é facílimo controlar a Jordânia – país pequeno, onde a maior parte da população é, de fato, de palestinos, com oposição mínima (não é surpresa: a inteligência jordaniana prendeu ou matou todos os dissidentes). O que gasta para manter essa situação é dinheiro de bolso para o Conselho de Cooperação do Golfo, se comparado aos bilhões de dólares destinados a Egito e Tunísia, para que ninguém ali se atreva a tornar-se democrático “demais”.

Não havia outra via, para o Conselho de Cooperação do Golfo, além de converter-se em Central da Contrarrevolução, depois da onda democrática inicial que varreu o Norte da África. Como Hanieh destaca, as massas empobrecidas no Oriente Médio/Norte da África [ing. MENA (Middle East-Northern Africa)] jamais preocuparam os autocratas reinantes no Golfo.

A culminação desse processo foi o nascimento de uma nova monstruosidade geopolítica – OTANCCG ou CCGOTAN, na qual se corporificou o papel central que Qatar e os Emirados Árabes Unidos tiveram na invasão – e destruição – da Líbia, pela OTAN. A Líbia foi "operação especial” do CCG – do dinheiro vivo e armas entregues diretamente aos “rebeldes”, aos agentes treinados e à inteligência e por fim, mas não menos importante, à legitimação política (que obtiveram num arremedo de votação na Liga Árabe, para conseguir que a ONU aprovasse a implantação de uma zona aérea de exclusão; nesse arremedo de votação só 22 membros da Liga Árabe votaram “sim”; e, desses, seis eram membros do CCG; os outros três outros votos foram comprados; e Síria e Argélia votaram “não”).

A piada trágica mãe de todas as piadas trágicas vem agora: o CCG está tentando intervir e, de fato, já financia os sunitas fundamentalistas extremistas na Síria, que aparecem travestidos como manifestantes pró-democracia. Quando o débil secretário-geral da ONU Ban Ki-moon conclama o presidente Bashar al-Assad a pôr fim à violência contra manifestantes sírios e diz que acabou o tempo das dinastias e ditaduras de um só homem no mundo árabe, ele crê, obviamente, que o Conselho de Cooperação do Golfo seja colônia instalada num dos anéis de Saturno.

Depois que venceu na Líbia, o monstro CCGOTAN ganhou ímpeto. A estratégia do CCG de mudança de regime na Síria foi selecionada porque pareceu ser a melhor para enfraquecer o Irã e o chamado “crescente xiita” – ficção inventada durante o governo de George W Bush, pelo reizinho de Playstation da Jordânia e pela Casa de Saud.

O que nos leva a uma pergunta inevitável: e o que os dois principais BRICS – Rússia e China – estão fazendo em relação a tudo isso?

E entra o dragão!

O imensamente poderoso secretário do Conselho Nacional de Segurança da Rússia e ex-chefe da FSB (sucessora da KGB), Nikolai Patrushev – que visita frequentemente o Irã – já alertou sobre “o perigo real” de os EUA atacarem o Irã; os EUA, diz ele, “querem converter o Irã, de inimigo, em parceiro apoiador; e, para conseguir isso, o plano é mudar o atual regime, pelos meios necessários.” [3]

Para a Rússia, mudança de regime no Irã é questão “não-não”. O vice-primeiro ministro da Rússia e ex-enviado à OTAN, Dmitry Rogozin, já declarou, sem meias palavras: “o Irã é nosso vizinho próximo, logo ao sul do Cáucaso. Se algo acontecer ao Irã, se o Irã for arrastado a dificuldades políticas e militares, o que acontecer ali ameaçará diretamente nossa segurança nacional”. [4]

O que implica que, de um lado, temos Washington, OTAN, Israel e o CCG. Não se pode chamar de “comunidade internacional” como diz o coro de especialistas nos jornais. E, do outro lado, temos Irã, Síria, um Paquistão-já-farto-das-conversas-de-Washington, Rússia, China e vários dos 120 países reunidos no Movimento dos Não Alinhados [ing. Non-Aligned Movement (NAM)].

A posição da China frente ao CCG provoca deslumbramento, suprema fascinação. O primeiro-ministro chinês Wen Jiabao acaba de visitar os três países chave do Conselho de Cooperação do Golfo – Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar.

Imaginem Wen Jiabao a dizer ao Príncipe Coroado Nayef (meio irmão do rei Abdullah), em Riad, que Pequim deseja que “empresas chinesas fortes e de sólida reputação” invistam fortunas em portos, estradas e no desenvolvimento da infra-estrutura na Arábia Saudita – como parte de uma “cooperação ampliada”, para enfrentar tendências regionais e internacionais complexas e mutáveis”. Imaginem Nayef salivando por baixo daquele poderoso bigode, reafirmando que a Casa de Saud, sim, sim, deseja “expandir a cooperação” em energia e infraestrutura.

O que acrescenta tempero à mistura é que Pequim também mantém relacionamento estratégico com o Irã – e saudável relacionamento comercial com a Síria. Assim sendo, no que tenha a ver com o Oriente Médio e a Ásia Central, Pequim está apostando – diferente do Pentágono – num verdadeiro “arco de estabilidade”.

Como a agência Xinhua noticiou, naquele estilo amplamente inclusivo que não tem rival no mundo, o que interessa à liderança em Pequim é que China, sudoeste asiático e Ásia Central tirem “pleno proveito de suas potencialidades respectivas e busquem, juntas, o desenvolvimento comum”. Por que, diabos, Washington nunca aparece com ideia simples assim?

É verdade que quem domine o Conselho de Cooperação do Golfo – com armas e apoio político – projeta globalmente o próprio poder. O Conselho de Cooperação do Golfo tem sido absolutamente decisivo para a hegemonia dos EUA dentro do que Immanuel Wallerstein define como sistema-mundo.

Passemos os olhos por alguns números. Desde o ano passado, a Arábia Saudita exporta mais petróleo para a China que para os EUA – parte de um processo inexorável pelo qual as exportações de bens e energia dos países do CCG estão-se mudando para a Ásia.

Ano que vem, com o petróleo a $70/barril, o CCG acumulará $3,8 trilhões em recebimentos estrangeiros. Com a infindável “tensão” no Golfo Persa, nada sugere, no futuro próximo, que o petróleo seja vendido a menos de $100. Nesse caso, os recebimentos com que o CCG contará alcançarão espantosos $5,7 trilhões – 160% a mais que antes da crise de 2008, e mais de $1 trilhão acima das reservas chinesas em moeda estrangeira.

Simultaneamente, a China estará fazendo mais negócios com o GCC. O GCC está importando mais da Ásia – embora a principal fonte de importações ainda seja a União Europeia. E o comércio entre EUA e o CCG está encolhendo. Em 2025, a China estará importando três vezes mais petróleo do CCG, que os EUA. Claro que a Casa de Saud está – para não exagerar – loucamente entusiasmada com Pequim.

No momento, vê-se predomínio militar do CCGOTAN e, em termos geopolíticos, do CCGEUA. Mas antes do que se supõe Pequim pode chegar ao ouvido da Casa de Saud e sussurrar “E se eu lhe pagar por esse petróleo, em Yuan?”. A China já compra petróleo e gás iranianos em Yuan. Quem sabe... petroyuan, em vez de petrodólar? Quem sabe? Afinal, sim, pode ser Star Trek.

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Notas dos tradutores
[1] 18/1/2012. Pepe Escobar “O mito do Irã isolado”, Ásia Times & Tom Dispatch
[2] LEWIS, Ed & HANIEH, Adam (entrevista) sobre Capitalism and Class in the Gulf Arab States, New Left Project,
[3] 14/1/2012 MK Bhadrakumar; “A avaliação dos russos: “Já se vê no horizonte uma nova guerra dos EUA no Oriente Médio”
[4] 15/1/2012, Washington’s blog: Rússia: “Shoud Anything Happen to Iran... This Will Be a Direct Threat to our National Security”