Mostrando postagens com marcador Revista Época. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Revista Época. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 16 de outubro de 2012

O vencedor foi Lula


08/10/2012 - Paulo Moreira Leite critica sábios da mídia
- Portal Brasil 247


[Colunista da revista Época pergunta, em artigo, quanto tempo os "analistas de plantão" irão levar para reconhecer que o grande vitorioso das eleições deste domingo [07/10] foi Lula e que, por isso, "os coveiros de sua força política passaram o dia de ontem trocando sorrisos amarelos"


Brasil 247 – Em artigo publicado nesta segunda-feira 8/10, um dia após as eleições municipais, o colunista da revista Época Paulo Moreira Leite questiona quanto tempo os "analistas de plantão" irão levar para reconhecer quem saiu como grande vitorioso na disputa deste domingo.

Segundo ele, foi o ex-presidente Lula, que sairia julgado neste 7 de outubro, de acordo com as previsões. Mas como diz Moreira Leite, "o pleito mostra que o eleitor não mudou de opinião".]


O vencedor foi Lula

Eu pergunto quanto tempo nossos analistas de plantão vão levar para reconhecer o grande vitorioso do primeiro turno da eleição municipal.


Não, não foi Eduardo Campos, embora o PSB tenha obtido vitorias importantes no Recife e em Belo Horizonte.

Também não foi o PDT, ainda que a vitória de José Fortunatti em Porto Alegre tenha sido consagradora. Terá sido o PSOL? Os "novos partidos"?


O grande vitorioso de domingo [7/10] foi Luiz Inácio Lula da Silva e é por isso que os coveiros de sua força política passaram o dia de ontem trocando sorrisos amarelos.

Nem sempre é fácil reconhecer o óbvio ululante. É mais fácil lembrar a derrota do PT no Piauí, ou em São Luís.

Nosso leitor Roberto Locatelli lembra: o PT passou o PMDB  e foi o partido que mais acumulou votos na eleição. Tinha 550 prefeituras. Agora tem mais de 612.

Vamos combinar: a  principal aposta de Lula em 2012 foi Fernando Haddad que, superando as profecias do início da campanha, não só passou para o segundo turno mas entra nessa fase da disputa em posição bastante favorável. Em São Paulo se travou a mãe de todas as batalhas.

Imagino as frases prontas e as previsões sombrias sobre o futuro de Lula e do PT se Haddad tivesse ficado de fora...

A disputa no segundo turno está apenas no início e é cedo para qualquer previsão.


Mas é bom notar que as  pesquisas indicam que Haddad é a segunda opção da maioria dos eleitores de Celso Russomano. Uma pesquisa disse até que Haddad poderia chegar em segundo no primeiro turno, mas tinha boas chances de vencer Serra, no segundo. Qual o valor disso agora? Não sei.

Mas é bom raciocinar com todas as informações.

Quem assistiu a pelo menos 30 minutos dos debates presidenciais sabe que Gabriel Chalita já tem lado definido desde o início – como adversário de José Serra. O que vai acontecer? Ninguém sabe.

O próprio Serra tem uma imensa taxa de rejeição, que limita, por si só, seu potencial de crescimento.

O apoio de  Russomano tem um peso relativo. Se ele não conseguia controlar aliados quando era favorito e podia dar emprego para todo mundo, inclusive para uma peladona de biquíni cor de rosa descrita como assessora, imagine agora como terá dificuldades para manter a, digamos, fidelidade partidária...

O mais provável é que seu eleitorado se divida em partes mais ou menos iguais.

Não vejo hipótese da Igreja Universal ficar ao lado de José Serra. Nem Silas Malafaia com Haddad.


A votação de Haddad confirma a liderança de Lula e a disposição dos eleitores em defender o que ele representa.

Mostra que o ambiente político de 2010, que levou a eleição de Dilma Rousseff, não foi revertido.

Isso não definiu o resultado em cada cidade mas ajudou a compor a situação no país inteiro.

Os 40% de votos que Patrus Ananias obteve em Belo Horizonte mostram um desempenho bem razoável, considerando que o tamanho do condomínio adversário.

Quem define a boa vitória de Lacerda como uma vitória de Aécio sobre Dilma incide no pecado da ejaculação precoce.

O grande derrotado do primeiro turno, que mede a força original de cada partido, não aquilo que se pode conquistar com alianças da segunda fase, foi o PSDB.


O desempenho tucano sequer qualifica o partido como oponente nacional do PT.

Perdeu eleição em Curitiba, onde seu concorrente tinha apoio do governador de Estado, desapareceu em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, terra do vice de José Serra em 2010 – que não é tucano, por sinal.

40 - PSB - Belo Horizonte
Se a principal vitória do PSDB foi com um candidato do PSB é porque alguma coisa está errada, concorda?

Respeitado por ter chegado em primeiro lugar em São Paulo, Serra já teve desempenhos melhores.

As cenas finais da campanha foram os votos do julgamento do mensalão, transmitidos em horário nobre durante um mês inteiro. Tinham muito mais audiência do que os programas do horário político.



Menino pobre e preto, Joaquim Barbosa já vai sendo apresentado como um contraponto a Lula...


Antes que analistas preconceituosos voltem a dizer que a população de renda mais baixa tem uma postura menos apegada a princípios éticos – suposição que jamais foi confirmada por pesquisadores sérios  — talvez seja prudente recordar que o eleitor é muito mais astuto do que muitos gostariam.

Sabe separar as coisas.

Aprendeu a decodificar o discurso moralista,  severo com uns, benigno com outros, como a turma do mensalão do PSDB-MG, os empresários que jamais foram denunciados na hora devida...


O "especialista" Merval Pereira, de O Globo
Anunciava-se, até agora, que a eleição seria nacionalizada e levaria a  um julgamento de Lula.

A "especialista" Cristiana Lobo, da Globo News
Não foi. O pleito mostra que o eleitor não mudou de opinião.

O eleitor mostrou, mais uma vez, que adora rir por último.


Fonte:
http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/82605/Paulo-Moreira-Leite-critica-s%C3%A1bios-da-m%C3%ADdia.htm

domingo, 14 de outubro de 2012

Sem domínio, sem fatos

10/10/2012 - Revista Época
- por Paulo Moreira Leite em sua página Vamos Combinar

Talvez seja a idade, quem sabe as lembranças ainda vivas de quem atravessou a adolescência e o início da idade adulta em plena ditadura.

Mas não consigo conviver com a ideia de que cidadãos como José Genoíno e José Dirceu possam  ser condenados por corrupção ativa sem que sejam oferecidas provas consistentes e claras.

A Justiça é um direito de todos. Mas não estamos falando de personagens banais.

Sei que os mandantes de atos considerados criminosos  não assinam papéis, não falam ao telefone nem deixam impressão digital. Isso não me leva a acreditar que toda pessoa que não assina papel, não fala ao telefone nem deixa impressão digital seja chefe de uma quadrilha.

Sei que existe a teoria do domínio do fato. Mas ela não é assim, um absoluto. Tanto que, recentemente, o célebre Taradão, apontado, por essa visão, como mandante do assassinato de irmã Dorothy, conseguiu sentença para sair da prisão. Contra Taradão havia confissões, testemunhas variadas, uma soma impressionante de indícios que não vi no mensalão. Mesmo assim, ele foi solto.


Não estamos no universo do crime comum. Estamos no mundo cinzento da política brasileira, como disse o professor José Arthur Gianotti, pensador do país e, para efeitos de raciocínio, tucano dos tempos em que a geração dele e de Fernando Henrique lia O Capital.

O país político funciona neste universo cinzento para todos os partidos. Eu acho, de saída, que é inacreditável que dois esquemas tão parecidos, que movimentaram quantias igualmente espantosas, tenham recebido tratamentos diferentes – no mesmo tempo e lugar.


O centro desse universo é uma grande falsidade.

O mensalão dos petistas, que condenou Dirceu e Genoíno, foi julgado pelo Supremo em clima do maior escândalo da história, definição que, por si só, já pedia, proporcionalmente, a maior condenação da história.


Já o mensalão do PSDB-MG escapou pela porta dos fundos.

Ninguém sabe quando será julgado, ninguém saberá quando algum nome mais importante for absolvido em instancias inferiores, ninguém terá ideia do destino de todos. Bobagem ficar de plantão a espera do resultado final. Esse barco não vai chegar.

O caminho foi diferente, a defesa terá mais chances e oportunidades. Não dá para corrigir.

O PSDB-MG passará, no mínimo, por duas instâncias. Quem sabe, algum condenado ainda poderá bater às portas do STF – daqui a alguns anos. Bons advogados conseguem tanta coisa, nós sabemos…

Não há reparação possível. São rios que seguiram cursos diferentes, para nunca mais se encontrar.










Partindo desse julgamento desigual, eu fico espantado que Dirceu tenha sido condenado quando os dois principais casos concretos – ou provas – contra ele se mostraram muito fracas.

Ponto alto da denúncia de Roberto Jefferson contra Dirceu, a acusação de que Marcos Valério fez uma viagem a Portugal para arrumar dinheiro para o PTB e o PT se mostrou uma história  errada. 

Lobista de múltiplas atividades, Valério viajou a serviço de outro cliente, aquele banqueiro da privatização tucana  que ficou de fora do julgamento.
Ricardo Lewandowski explicou isso e não foi contestado.

Outra grande acusação, destinada a sustentar que Dirceu operava o esquema como se fosse o dono de uma rede de fantoches, revelou-se muito mais complicada do que parecia. Estou falando da denúncia de que, num jantar em Belo Horizonte, Dirceu teria se aliado a Katia Rebelo, a dona do Banco Rural, para lhe dar a “vantagem indevida” pelos serviços prestados no mensalão.

A tese é que Dirceu entrou em ação para ajudar a banqueira a ganhar uma bolada – no início falava-se em bilhões – com o levantamento da intervenção do Banco Central no Banco Mercantil de Pernambuco. O primeiro problema é que nenhuma testemunha presente ao encontro diz que eles sequer tocaram no assunto.

Mas é claro que você não precisa acreditar nisso. Pode achar que eles combinaram tudo para mentir junto. Por que não?

Mas a sequencia da história não ajuda. Valério foi 17 vezes ao BC e ouviu 17 recusas. A intervenção no Banco Mercantil só foi levantada dez anos depois, quando todos estavam longe do governo. Rendeu uma ninharia em comparação com o que foi anunciado.

De duas uma: ou a denuncia de que Dirceu trabalhava para ajudar o Banco Rural a recuperar o Mercantil era falsa. Ou a denuncia é verdadeira e ele não tinha o controle total sobre as coisas.

Ou não havia domínio. Ou não havia fato.
Aonde estão os super poderes de Dirceu?

Estão na “conversa”, dizem. Estão no “eu sabia”, no “só pode ser”, no “não é crível” e assim por diante. Dirceu conversava e encontrava todo mundo, asseguram os juízes. Mas como seria possível coordenar um governo sem falar nem conversar? Sem sentar-se com cada um daqueles personagens, articular, sugerir, dirigir. Conversar seria prova de alguma coisa?

Posso até imaginar coisas. Posso “ter certeza.” Posso até rir de quem sustenta o contrário e achar que está zombando da minha inteligência.


Mas para condenar, diz  a professora Margarida Lacombe, na GloboNews, é preciso de provas robustas, consistentes. Ainda vivemos no tempo em que a acusação deve apresentar provas de culpa.

Estamos privando a liberdade das pessoas, o seu direito de andar na rua, ver os amigos, e, acima de tudo, dizer o que pensa e lutar pelas próprias ideias.


Estamos sob um regime democrático, onde a liberdade – convém não esquecer – é um valor supremo. Podemos dispor dela, assim, a partir do razoável?




Genoíno também foi condenado pelo que não é crível, pelo não pode ser, pelo nós não somos bobos. Ainda ouviu uma espécie de sermão. Disseram que foi um grande cara na luta contra a ditadura mas agora teve um problema no meio da estrada, um desvio, logo isso passa.
Julgaram a pessoa, seu comportamento. E ouviu a sentença de que seu caráter apresentou falhas.

Na falta de provas, as garantias individuais, a presunção da inocência, foram diminuídas, em favor da teoria que permite condenar com base no que é “plausível”, no que é “crível” e outras palavras carregadas de subjetividade, de visão

Não custa lembrar – só para não fazer o papel de bobo — que se deixou de lado o empresário das privatizações tucanas que foi um dos primeiros a contribuir para o esquema, um dos últimos a aparecer e, mais uma vez, um dos primeiros a sair.


Já perdemos a conta de casos arquivados no Supremo por falta de provas, ou por violação de direitos individuais, ou lá o que for, numa sequência de impunidades que – involuntariamente — ajudou a formar o clima do “vai ou racha” que levou muitos cidadãos honestos e indignados a aprovar o que se passou no julgamento, de olhos fechados.

Juizes do STF  emparedaram o governo Lula, ainda no exercício do cargo, em função de uma denuncia – absurdamente falsa – de que um de seus ministros fora grampeado, em conversa com o notável senador Demóstenes Torres, aquele campeão da moralidade que tinha o celular do bicheiro, presentes do bicheiro, avião do bicheiro…o mesmo bicheiro que ajudou a fazer várias denuncias contra o governo Lula, inclusive o vídeo dos Correios que é visto como o começo do mensalão.

Prova de humildade: os ministros do STF também pode se enganar. Apontado como suspeito pelo caso, o delegado Paulo Lacerda perdeu o posto. Dois anos depois, a Polícia Federal divulgou que, conforme seu inquérito, não havia grampo algum. Nada.

A condenação contra José Genoíno e José Dirceu sustenta-se, na verdade, pelo julgamento de caráter dos envolvidos. Achamos que eles erraram. Não há fatos, não há provas. Mas cometeram “desvios”.


Aí, nesse terreno de alta subjetividade, é que a condenação passa a fazer sentido. Os poucos fatos se juntam a uma concepção anterior e formam uma culpa.

A base deste raciocínio é a visão criminalizada de determinada política e determinados políticos.

(Sim. De uma vez por todas: não são todos os políticos. O mensalão PSDB-MG lembra, mais uma vez, que se fez uma distinção entre uns e outros.)

Os ministros se convenceram de que “sabem” que o governo “comprava apoio” no Congresso. Não contestam sequer a visão do procurador geral, que chega a falar em sistema de “suborno”, palavra tão forte, tão crua, que se evita empregar por revelar o absurdo de toda teoria.


Suborno, mesmo, sabemos de poucos e não envolvem o mensalão. Foram cometidos em 1998, na compra de votos para a reeleição. Mas pode ter havido, sim, casos de suborno.

Mas é preciso demonstrar, mesmo que não seja preciso uma conversa grampeada, como Fernando Rodrigues revelou em 1998.

Nesta visão, confunde-se compensações naturais da política universal com atitudes criminosas, como crimes comuns. Quer-se mostrar aos políticos como fazer politica – adequadamente.



Chega-se ao absurdo. Deputados do PT, que nada fariam para prejudicar um governo que só conseguiu chegar ao Planalto na quarta tentativa, são acusados de terem vendido seu apoio em troca de dinheiro.

Não há debate, não há convencimento, não há avaliação de conjuntura. Não há política. Não há democracia – onde as pessoas fazem alianças, mudam de ideia, modificam prioridades.

Como certas decisões de governo, como a reforma da Previdência, não pudessem ser modificadas, por motivos corretos ou errados, em nome do esforço para atravessar aquele ano terrível de 2003, sem crescimento, desemprego alto, pressão de todo lado.

A formula, é tudo por dinheiro, é nome de programa de TV, não de partido político.

Imagino se, por hipótese, a Carta ao Povo Brasileiro, que contrariou todos os programas que o PT já possuiu desde o encontro de fundação, no Colégio Sion, tivesse de ser aprovada pelo Congresso.


Tenho outra dúvida. Se este é um esquema criminoso, sem relação com a política, alguém poderia nos apresentar – entre os deputados, senadores, assessores incriminados – um caso de enriquecimento. Pelo menos um, por favor. Porque a diferença, elementar, para mim, é essa.

Dinheiro da política vai para a eleição, para a campanha, para pagar dívidas. Coisas, aliás, que a denuncia de Antônio Fernando de Souza, o primeiro procurador do caso, reconhece.

Decepção. Não há este caso. Nenhum político ficou rico com o mensalão. Se ficou, o que é possível, não se provou.

Claro que o Delúbio, deslumbrado, fumava charutos cubanos. Claro que Silvinho Pereira ganhou um Land Rover. A ex-mulher de Zé Dirceu, separada há anos, levou um apartamento e conseguiu um emprego.

Mas é disso que estamos falando? É este o “maior escândalo da história”?

Os desvios de dinheiro público, comprovados, são uma denúncia séria e grave. Deve ser apurada e os responsáveis, punidos.

Mas  não sabemos sequer quanto o mensalão movimentou. Dois ministros conversaram sobre isso, ontem, [09/10] e um deles concluiu que era coisa de R$ 150 milhões. Queria entender por que se chegou a este número.

Conforme a CPMI dos Correios, é muito mais. Só a Telemig – daquele empresário que ficou esquecido – compareceu com maravilhosos R$ 122 milhões, sendo razoável imaginar que, pelo estado de origem, seu destino tenha sido o modelo PSDB-MG. Mas o Visanet entregou R$ 92,1 milhões, diz a CPMI. A Usiminas – olha como é grande o braço mineiro – mandou R$ 32 milhões para as agências de Marcos Valério. Mas é bom advertir: isso está na CPMI, não é prova, não é condenação.



A principal testemunha, Roberto Jefferson, acusou, voltou atrás, acusou de novo… Fez o jogo que podia e que lhe convinha a cada momento. Disse até que o mensalão era uma criação mental. (Está lá, no depoimento à Polícia Federal).


Eu posso pinçar a frase que quiser e construir uma teoria. Você pode pinçar outra frase e construir outra teoria. Jefferson foi uma grande “obra aberta” do caso.

O nome disso é falta de provas.


Fonte:
http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/2012/10/10/sem-dominio-sem-fatos/

Leia também:
O SONHO DO MINISTRO JOAQUIM BARBOSA

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Russomanno e a vulgaridade do desejo


17/09/2012 - por Eliane Brum (*) - original extraído da Revista Época


O “patrulheiro do consumidor” lidera em São Paulo porque, se a política é de mercado, ele pode convencer como mercadoria.


Como se define um povo? De várias maneiras.

A principal, me parece, é pela qualidade do seu desejo. É por este viés que também podemos compreender o fenômeno Celso Russomanno (PRB).

Como um homem que se tornou conhecido por bolinar mulheres na cobertura de bailes de carnaval e como “patrulheiro do consumidor” em programa da TV Record, apoiado pela Igreja Universal do Reino de Deus, torna-se líder de intenções de votos na maior cidade do Brasil?

Acredito que parte da resposta possa estar no desejo. Na vulgaridade do nosso desejo. No que consiste o desejo das diferentes camadas da população, seja o topo da pirâmide, a classe média tradicional, o que tem sido chamado de “nova classe média” ou classe C.

Para além das diferenças, que são muitas, há algo que tem igualado a socialite que faz compras no Shopping Cidade Jardim, um dos mais luxuosos de São Paulo, ao jovem das periferias paulistanas carentes de serviços públicos de qualidade. E o que é? A identificação como consumidor, acima de todas as maneiras de olhar para si mesmo – e para o outro. É para consumir que boa parte da população não só de São Paulo quanto do Brasil urbano tem conduzido o movimento da vida – e se consumido neste movimento.

Dois textos recentes são especialmente reveladores para nos ajudar a compreender o Brasil atual. Em sua coluna de 4/9, na Folha de S. Paulo, o filósofo Vladimir Safatle faz uma análise interessantíssima do caso Russomanno. Ele parte do fato de que a ascensão econômica de larga parcela da população no lulismo se dá principalmente pela ampliação das possibilidades de consumo – e não pela ampliação do acesso a serviços sociais de qualidade. Logo, para essa camada da população, os direitos da cidadania são decodificados como direitos do consumidor. Nada mais lógico para representá-la e defender seus interesses do que um prefeito que seja um pretenso “patrulheiro do consumidor”, bancado por uma das igrejas líderes da “teologia da prosperidade”. Russomanno seria, na definição de Safatle, “o filho bastardo do lulismo com o populismo conservador”.

Na ótima reportagem intitulada “O Funk da Ostentação em São Paulo”, o repórter de Época Rafael de Pino conta como se dá a apropriação do funk carioca nas periferias de São Paulo. Preste atenção na abertura da matéria, que reproduzo aqui:

‘Vida é ter um Hyundai e uma Hornet/10 mil pra gastar, Rolex e Juliet’, canta o paulista MC Danado no funk ‘Top do momento’. Para quem não entendeu, ele fala, na ordem, de um carro, uma moto, dinheiro, um relógio e um par de óculos – um refrão avaliado em R$ 400 mil. Na plateia do show na Zona Leste, região que concentra bairros populares de São Paulo, os versos são repetidos aos berros pelas quase 1.000 pessoas presentes, que pagaram ingressos a R$ 30. O público da sexta-feira é jovem, etnicamente diverso e poderia ser descrito em três palavras: ‘classe C emergente’.”


MC Danado, como nos conta Rafael de Pino, antes de se tornar um astro, trabalhou como office-boy e auxiliar de escritório. Ele diz o seguinte: “Gosto da ostentação, gosto de ostentar. Parte do que canto, eu tenho. Outra parte, desejo e vou conquistar com meu trabalho”. Vale a pena conferir os refrões de outros funkeiros da ostentação, como MC Guimê: “Ta-pa-ta-pa tá patrão, ta-pa-ta-pa tá patrão/Tênis Nike Shox, Bermuda da Oakley, Olha a situação”. Ou MCs BackDi e Bio-G3: “É classe A, é classe A/quando o bonde passa nas pistas geral, tá ligado que é ruim de aturar/É classe A, é classe A/Nós tem carro, tem moto e dinheiro”.

MC Menor, outra estrela ascendente, explica: “Enxergo o mundo como meu público enxerga. Nasci na comunidade, sei que lá ninguém quer cantar pobreza e miséria”. Não por acaso, é em São Paulo que o funk se torna uma expressão do desejo de consumo da juventude emergente das periferias.

Ao ascender economicamente, a “nova classe média” parece se apropriar da visão de mundo da classe média tradicional – talvez com mais pragmatismo e certamente com muito mais pressa. Em vez de lutar coletivamente por escola pública de qualidade, saúde pública de qualidade, transporte público de qualidade, o caminho é individual, via consumo: escola privada e plano de saúde privado, mesmo que sem qualidade, e carro para se livrar do ônibus, mesmo que fique parado no trânsito. O núcleo a partir do qual são eleitas as prioridades não é a comunidade, mas a família.

Se no passado recente o rap arrastou multidões nas periferias de São Paulo com um discurso fortemente ideológico contra o mercado, hoje o espaço é parcialmente ocupado pelo “funk da ostentação” e seu discurso de que uma vida só ganha sentido no consumo. As marcas de uma vida não se dão pela experiência, mas se adquirem pela compra: as marcas da vida são grifes de luxo, segundo nos informam as letras do funk paulista. Alguns dos grandes nomes do rap engajado do passado também podem ser vistos hoje anunciando produtos na TV com desembaraço – o que também quer dizer alguma coisa.


É importante observar, porém, que aquilo que eu tenho chamado aqui de vulgaridade do desejo não é uma novidade trazida pela “nova classe média”. Ao contrário, a influência tem sinal trocado. O que os emergentes da classe C tem feito é se apropriar da vulgaridade do desejo das elites. O funk da ostentação de MC Danado, ao recitar grifes e fazer uma ode ao consumo, pode estar na boca de qualquer socialite que possamos entrevistar agora no corredor de um dos shoppings de luxo.

Neste contexto, a vulgaridade do desejo tem em Russomanno sua expressão mais bem acabada na política. Assim como na religião encontra expressão em parte das igrejas evangélicas neopentecostais e sua teologia do compre agora para ganhar agora. Nesta eleição de São Paulo, testemunhamos uma aliança e uma síntese da nova configuração do Brasil – possivelmente menos transitória do que alguns acreditam ser.

Russomanno não inventou a vulgaridade do desejo – apenas a explicitou e tratou de encarná-la. Seus oponentes têm uma biografia muito mais relevante, assim como partidos mais sólidos. Mas parecem ter perdido essa vantagem junto a setores da população no momento em que se renderem à lógica do consumo e viraram também eles um produto eleitoral. Pela adesão à política de mercado, perderam a chance de representar uma alternativa, inclusive moral.

José Serra (PSDB) tem feito quase qualquer coisa para conquistar o apoio das igrejas na tentativa de vencer as disputas eleitorais. Basta lembrar como um dos exemplos mais contundentes o falso debate do aborto estimulado por ele na última eleição presidencial, na ânsia de ganhar o voto religioso. 

E Fernando Haddad (PT), que se pretende “novo”, antes do início oficial da campanha já tinha abraçado o velho Maluf. Para quê? Para ter mais tempo de TV – o lugar por excelência no qual os produtos são “vendidos” aos consumidores.

Quem transformou eleitores em consumidores de produtos eleitorais não foi Celso Russomanno. Ele apenas aproveitou-se da conjuntura propícia – e não perdeu a oportunidade ao perceber que os outros reduziram-se a ponto de jogar no seu campo. Afinal, de mercadoria Russomanno entende.

É bastante interessante que entre os mais perplexos diante deste novo Brasil, representado pelo fenômeno Russomanno, estejam o PT e a Igreja Católica. Ambos, porém, estão no cerne da mudança que agora se desenha com maior clareza.

A “era” Lula marcou e segue marcando sua atuação também pelo esvaziamento dos movimentos sociais – e da saída coletiva, construída e conquistada que foi decisiva para a formação do PT.

Também estimulou sem qualquer prurido o personalismo populista na figura do líder/pai. Assim como na campanha que elegeu Dilma Rousseff, a sucessora de Lula no governo foi apresentada como filha do pai/mãe do povo. Em nenhum momento, nem o PT nem Lula pareceram se importar de verdade com o fato de que os numerosos militantes que no passado ocupavam os espaços públicos com suas bandeiras e seu idealismo foram gradualmente sendo substituídos por cabos eleitorais pagos, em mais uma adesão à lógica de mercado.

A cúpula da Igreja Católica no Brasil, por sua vez, atendendo às diretrizes do Vaticano, esforçou-se nas últimas décadas para esvaziar movimentos como a Teologia da Libertação, que representavam uma inserção do evangelho na política pelo caminho coletivo e pela formação de base. Esforçou-se com tanto afinco que perseguiu alguns de seus representantes mais importantes – e marginalizou outros.

Mas parece que nem o PT de Lula nem a CNBB têm compreendido que o fenômeno Russomanno também foi gerado no ventre de suas guinadas conservadoras – e, no caso do PT, de suas alianças pragmáticas e da sua atuação para transformar a política num balcão de negócios. Sem esquecer, claro, que o PRB de Russomanno é da base de apoio do governo Dilma.

Quando a presidente do país dá o Ministério da Cultura para Marta Suplicy, para que ela suba no palanque do candidato do PT à prefeitura de São Paulo, por mais que os protagonistas aleguem apenas coincidência, é só política de mercado que enxergamos.

E tudo piora quando Marta invoca uma trindade político-religiosa no palanque de Haddad: “O trio é capaz de alavancar (a candidatura de Haddad): a presidente Dilma, o Lula e eu. Eu, porque tenho o apelo de quem fez; eu sou a pessoa que faz. O Lula porque é um ‘deus’ e a presidente Dilma porque é bem avaliada. Então, com a entrada desse trio, vai dar certo”.

Diante do que está aí, feito e dito, por que o eleitor vai achar que Russomanno é pior? Ou que as alternativas a ele são de fato diferentes?

O mais importante não é atacar Celso Russomanno, mas compreender o que ele revela do Brasil atual. O fenômeno Russomanno pode ter algo a nos ensinar. Quem sabe sua liderança nas pesquisas eleitorais possa mostrar aos futuros candidatos que ética e coerência na política valem a pena se quiserem se tornar alternativas reais para uma parcela do eleitorado. Ou que se nivelar por baixo em nome dos fins pode ser um tiro no pé – tanto quanto se aliar com qualquer um. E talvez o fenômeno Russomanno possa ensinar aos futuros governantes que um povo se define pela qualidade do seu desejo. E desejo só se qualifica com educação.


Sempre se pode lamentar que o eleitor deseje o que deseja, mas o eleitor – em geral subestimado – sabe o que quer.

Se a maioria acredita que tudo o que dá sentido a uma vida humana pode ser comprado num shopping, então São Paulo – e o Brasil – merecem Celso Russomanno.



(*) Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E codiretora de dois documentários: Uma História Severina e Gretchen Filme Estrada. 

Fonte:
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/09/russomanno-e-vulgaridade-do-desejo.html