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terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Por que, só agora?

25/11/2013 - Por que a Folha só ouviu o ‘guru do STF’ agora?
- Paulo Nogueira (*) - Diário do Centro do Mundo

José Joaquim Gomes Canotilho, ele teve que vir ao Brasil para ser ouvido

Outro dia perguntei se os brasileiros iam esperar que Genoíno [foto abaixo com a filha] morresse para se mexer.

Foi a mesma sensação que tive agora, e não só agora, para dizer a verdade, ao ver a entrevista que a Folha deu com o jurista português José Joaquim Gomes Canotilho.

O jornal o declara “guru” dos juízes do Supremo, tantas vezes Canotilho foi citado, em julgamentos diversos, por eles.

Canotilho criticou basicamente todo o processo do Mensalão: a ausência de um segundo fórum de julgamento, a onipresença de Joaquim Barbosa em todas as etapas do caso e os poderes extraordinários do Supremo, não encontrados, segundo ele, em nenhuma corte europeia.

A reação imediata banal que vem é: que processo cheio de falhas, deus do céu.

Mas a pergunta mais útil é: por que aquele tipo de colocação – que joga luz nas sombras, uma das atividades mais nobres do jornalismo – não veio na hora certa, em meio ao julgamento?

Injustiças poderiam ser evitadas. Absurdos poderiam ser corrigidos.

No caso da Folha, especificamente: por que ela não ouviu Canotilho antes?

E aí chegamos ao lastimável papel da mídia brasileira no julgamento.

A Folha não ouviu no momento devido o “guru” dos ministros por duas razões.

Primeiro, porque ele não estava no Brasil, e a mídia brasileira sofre de um provincianismo pavoroso.

Canotilho teve que vir ao Brasil – está lançando um livro – para que a Folha o ouvisse sobre um tema de extraordinária importância.

Segundo, porque não convinha colocar no debate uma voz dissonante – nem à Folha e muito menos às coirmãs Veja e Globo.

Tente, agora que Canotilho virou notícia no Brasil, encontrar alguma coisa dele na Veja, por exemplo.

O mesmo sentimento de atraso já me assaltara quando vi o jurista Ives Gandra Martins dizer que Dirceu estava sendo condenado sem provas.

Ora, por que ele não disse aquilo antes que a sentença fosse proferida?

Bandeira de Mello, outro jurista consagrado, também ganhou um destaque tardio quando sugeriu, dias atrás, que o PT processasse Joaquim Barbosa, a quem chamou de mau.

Depoimentos como o de Canotilho, Gandra e Bandeira de Mello teriam ajudado os brasileiros a entender melhor o julgamento do Mensalão e a evitar excessos que são a injustiça mascarada de justiça.

Por que só agora depoimentos tão relevantes vieram para o debate? Como réus que possam ter sido condenados iniquamente vão ser indenizados, caso – como suspeito – fiquem claro, com o correr dos dias, os erros do Supremo?

A posteridade há de colocar Joaquim Barbosa no devido lugar.

Aliás, espero que o julgamento de Barbosa perante os brasileiros não seja feito apenas pelos pósteros – mas pelo presente.

Mas o banco dos réus, nesse episódio, não será ocupado apenas por JB e quase todos os seus colegas de STF.

Também a mídia – notadamente a Veja e a Globo – estará sentada no mesmo banco.

(*) O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-a-folha-so-ouviu-o-guru-do-stf-agora/

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Um caminho sem volta

28/11/2013 - Brasil entra em caminho sem volta: que Paris tenha muitos apês charmosos para acolher a todos os omissos
- Hildegard Angel em seu blog

Recebo diariamente comentários carregados de ódio contra José Genoíno, que me abstenho de publicar até por vergonha de seu teor, vergonha pelo desequilíbrio e o descontrole dos remetentes.

A falta de discernimento, querendo atribuir a este homem combativo todos os males do país.

Daí que a prisão não basta.

É preciso a morte. A imolação final. A cruz.

É preciso a volta das torturas. Da ditadura.

Este, é o subtexto das tantas mensagens enviadas.

A que ponto essa mídia manipuladora, essa pseudo esquerda democrática, esse suposto “centrão” levaram o nosso país!

A que abismo a omissão daqueles que poderiam se posicionar, protestar e agir, está levando a nossa Nação.

A quanto estamos chegando com o silêncio dos nossos formadores de opinião influentes, nossos artistas politicamente conscientes e articulados.

Os intelectuais, pensadores, jornalistas de porte.

São tão poucos os que ousam falar, se manifestar. Um, dois, três, quatro ou cinco.

A pasmaceira, a imobilidade, o acomodamento prevalecem.

O Brasil que pensa e raciocina está congelado, em estado de letargia.

Os com bagagem intelectual, política, de memória, conhecimento histórico e político para se manifestar se calam. Certamente envelhecidos, provavelmente acomodados, talvez acovardados, quem sabe desesperançados.

Os jovens de nada sabem. Não viveram a História recente do país.

Não lhes deram a chance de saber. Lhes sonegaram o conhecimento nas escolas sobre os fatos.

O patriotismo caiu em desuso. Os sonhos globalizaram.

Soberania virou palavra empoeirada que se encontra no sótão – se é que ainda existe sótão -, dentro de algum baú – se é que há baú -, no interior de um papel amarelado, se houver ainda alguma folha de papel sobrevivente nessa era digital.

Os velhos sábios não falam. Se calam. Voam para Nova York, refugiam-se em Paris.

Precisamos dos velhos, imploramos aos velhos.

Falem, reajam!

Não é questão mais de uma posição partidária, trata-se de uma postura de Soberania brasileira, de Pátria, de Estado de Direito.

Triste ver crescer sobre nosso Céu, nossos tetos, nossa alma, nossos ambientes, nossa consciência, a mancha escura da obtusidade, do receio da livre manifestação, do silêncio, do embrutecimento coletivo. Do medo.

Quando eu me vejo, aqui, escolhendo palavras para não resvalar num erro, num equívoco, num excesso que me possa custar a liberdade ou que me valha antipatias graves, retaliações, sinto a gravidade do momento que estamos vivendo.

Quando uma única cidadã de bem não respira a liberdade, a Pátria não está mais livre.

Quem permitiu, por omissão, inoperância, ambições e conveniências políticas que o Brasil caminhasse para trás, chegando a tal retrocesso de consciência, a ponto de apagar os méritos de sua própria História e ao extremo de aclamar a vilania de seus opressores, ainda vai se arrepender demais.

Pagará alto preço por isso.

Estamos entrando num caminho sem volta.

E que Paris tenha muitos apartamentos charmosos para acolher a todos os valorosos omissos.

Perdoai-os, Senhor, por sua omissão!

Fonte:
http://www.hildegardangel.com.br/?p=31049

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Geni de uma biografia heroica e severina

25/11/2013 - Geni, por Roberto Amaral - Carta Capital

José Genoino, preso, algemado e torturado após a guerrilha do Araguaia. "Naquela hora eu pensava na minha família que esperava ter um filho doutor para ajudá-los"
(José Genoíno, sobre o momento da prisão em Xambioá)

É este ser humano que, para gáudio de seus torturadores, sofre o mais escandaloso linchamento moral a que um homem público brasileiro jamais foi submetido.

‘Nenhuma boa ideia merece um cadáver’.
(Héctor Erazo, escritor colombiano)

De sua vida conheço pouco. O suficiente, porém, para respeitá-lo e nutrir profundo desprezo pelos que tentam depredar sua história e sua honra.

Maria Laís e Sebastião Guimarães,
pais de José Genoíno 
Filho de camponês no interior do interior do Ceará [foto], em pleno semiárido nordestino, conheceu na carne, cedo, as forças telúricas que o sertanejo pobre precisa arregimentar para sobreviver.

Menino ainda, trabalharia com o pai como “cassaco” nas frentes de trabalho do DNOCS, carregando pedra e abrindo à força da enxada estradas de terra, pretexto para dar sobrevida aos flagelados da seca de 1958.

O salário era pago em alimentos e querosene para o lampião.

Pelas mãos de um pároco entusiasmado pela Teoria da Libertação (por onde andará o Padre Salmito?), do qual fora coroinha, deixa a roça para lutar na cidade grande por melhores oportunidades de sobrevivência digna.

Refaz a trajetória atávica de tantos antepassados.

Em Fortaleza, trabalha e estuda à noite em colégios públicos, ingressa na Faculdade de Direito (quando seria aluno de Paulo Bonavides) e é conquistado pelo movimento estudantil, pelo qual se destaca para conhecer a primeira prisão de sua vida severina (severíssima, saberia anos depois): na primeira incursão em defesa da democracia, em uma passeata contra o golpe de 1964 – golpe, relembre-se, maquinado nos quartéis e nos altos círculos do empresariado com destaque para os grandes capitães da grande imprensa brasileira, daquele de então e de hoje.

Golpe que, não sabia, naquela altura, o perseguiria até hoje.

Quatro anos passados, ainda universitário, é preso no Congresso da UNE em Ibiúna (1968), no interior de São Paulo.

Solto, tem a prisão preventiva decretada; sem alternativa, ingressa na clandestinidade e vai travar como lhe permitem as circunstâncias sua luta na resistência à ditadura.

Não sei o que, naquela altura, faziam seus algozes de hoje.

Da luta de massa, ele transita para a resistência armada.

Em junho de 1970, filiado ao PCdoB, ingressa na guerrilha do Araguaia.

Conhece o inferno e descobrirá que sua vida severina era uma quase-morte.

Preso em 1972 pelo Exército Brasileiro, vê-se, clandestino, incógnito, à mercê da humilhação, da ofensa, da degradação física e moral, a ignomínia da tortura a mais insidiosa, implacável, fria, bestial e científica, na qual o pau-de-arara, a “cadeira do dragão” (choques elétricos), o sufocamento, os “telefones” (pancadas nos ouvidos) e os pontapés eram o vestibular do inimaginável em termos de perversão e perversidade.

Foi torturado ainda no Araguaia (e como o foi!), em Brasília e em São Paulo.

Preso clandestino, incógnito, verdadeiro sequestrado, sem conhecimento da autoridade judiciária, inteiramente à disposição de seus algozes, sem o amparo sequer da lei de proteção aos animais, invocada nos idos do Estado Novo pelo apóstolo Sobral Pinto na defesa de Prestes. Só não padeceu onde não esteve.

Conheci-o no final dos anos 80 (só em 1977 ele recobraria a liberdade), chefiando eu a assessoria da bancada do PSB na Constituinte liderada pelo inesquecível e saudoso Jamil Haddad, ele um dos mais destacados deputados do PT.

Ex-guerrilheiro, líder radical do Partido Revolucionário Comunista (então uma fração dentro do PT), revela-se conciliador e articulador habilidoso, um dos costuradores de muitas das conquistas que a esquerda brasileira logrou trazer para a “Constituição cidadã”.

Torturado por militares, poucos como ele, porém, tanto lutariam pela aproximação entre civis e militares.

Eu o reveria, corajoso, dedicado, na jornada do impeachment contra o ex-presidente Collor, e continuaria acompanhando sua vida parlamentar, voltada à liberdade, à democracia e à defesa da soberania nacional.

Distanciava-se do marxismo-leninismo, mas permanecia obcecado pela justiça social, caminhando do esquerdismo para concepções socialdemocratas avançadas. Para o bem das esquerdas em geral, cultivava a crítica de nossas organizações.

No primeiro governo Lula é eleito presidente do PT, em substituição a José Dirceu, e por artes e maquinações que desconheço termina envolvido no chamado escândalo do “mensalão”.

Sempre alegando inocência, foi acusado, julgado, condenado e apresentou-se à execução da pena.

É este ser humano (sim, ser humano!) que, para gáudio de seus torturadores impunes, sofre o mais escandaloso, brutal, injusto linchamento moral a que um homem público brasileiro jamais foi submetido.

Não discuto sua culpa nem o mérito da pena após tão longo e tumultuado julgamento, e sei que sua biografia não absolve os erros do presente.

Digo que o linchamento não é pena capitulada em nosso Código Penal.

Mais do que o justo clamor da opinião pública ferida em seus brios, cansada de tanta impunidade selecionada e sedenta de punição, vejo, na sua execração, uma difusa vendetta.

Mais que os erros que lhe são imputados (dessa ainda não suficientemente esclarecida aventura do “mensalão”), pesa sobre sua imagem de hoje a sombra do guerrilheiro do passado.

É a este que se pune. A biografia agrava a pena.


Os que não puderam matá-lo (como fizeram com Rubens Paiva, Stuart Angel, Mário Alves, Manuel Fiel Filho, Pedro Pomar, Bérgson Gurjão, Joaquim Câmara, Marighela, Herzog e tantos e tantos heróis), os que foram derrotados com a redemocratização, os que perderam todas as eleições, querem a revanche e avançam covardemente sobre o carcará sem asas, já sem garras, já sem fôlego.

No momento em que escrevo, a presa é um homem abatido, um cardiopata com uma aorta artificial, lutando contra crises de pressão arterial.

É o cadáver atrasado que, impacientes, reclamam.

É nesse homem que batem, um  prisioneiro da Justiça, cumprindo pena como devem cumprir todos os condenados.

Quem ganha com isso? Que benefícios aufere nossa sociedade com a prática de tratar o oponente político como inimigo, e inimigo a ser abatido, destruído, dilacerado?

Estranhos tempos. Estranha história.

Maluf caminha lampeiro pelos gabinetes da Corte e o torturador Brilhante Ustra saboreia a aposentadoria que a impunidade lhe facultou.

Mas José Genoino Neto, um homem pobre após quase sete mandatos de deputado federal, cumpre pena por corrupção.

Estranhos tempos. Estranha história.

Nesta hora sombria, estendo a mão ao homem José Genoino Neto e nego-a aos que lhe jogam pedras, como na Geni de Chico Buarque.

Desprezo os linchadores, como desprezo os que se omitem diante de sua dor.
Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/politica/geni-545.html

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

domingo, 14 de outubro de 2012

Sem domínio, sem fatos

10/10/2012 - Revista Época
- por Paulo Moreira Leite em sua página Vamos Combinar

Talvez seja a idade, quem sabe as lembranças ainda vivas de quem atravessou a adolescência e o início da idade adulta em plena ditadura.

Mas não consigo conviver com a ideia de que cidadãos como José Genoíno e José Dirceu possam  ser condenados por corrupção ativa sem que sejam oferecidas provas consistentes e claras.

A Justiça é um direito de todos. Mas não estamos falando de personagens banais.

Sei que os mandantes de atos considerados criminosos  não assinam papéis, não falam ao telefone nem deixam impressão digital. Isso não me leva a acreditar que toda pessoa que não assina papel, não fala ao telefone nem deixa impressão digital seja chefe de uma quadrilha.

Sei que existe a teoria do domínio do fato. Mas ela não é assim, um absoluto. Tanto que, recentemente, o célebre Taradão, apontado, por essa visão, como mandante do assassinato de irmã Dorothy, conseguiu sentença para sair da prisão. Contra Taradão havia confissões, testemunhas variadas, uma soma impressionante de indícios que não vi no mensalão. Mesmo assim, ele foi solto.


Não estamos no universo do crime comum. Estamos no mundo cinzento da política brasileira, como disse o professor José Arthur Gianotti, pensador do país e, para efeitos de raciocínio, tucano dos tempos em que a geração dele e de Fernando Henrique lia O Capital.

O país político funciona neste universo cinzento para todos os partidos. Eu acho, de saída, que é inacreditável que dois esquemas tão parecidos, que movimentaram quantias igualmente espantosas, tenham recebido tratamentos diferentes – no mesmo tempo e lugar.


O centro desse universo é uma grande falsidade.

O mensalão dos petistas, que condenou Dirceu e Genoíno, foi julgado pelo Supremo em clima do maior escândalo da história, definição que, por si só, já pedia, proporcionalmente, a maior condenação da história.


Já o mensalão do PSDB-MG escapou pela porta dos fundos.

Ninguém sabe quando será julgado, ninguém saberá quando algum nome mais importante for absolvido em instancias inferiores, ninguém terá ideia do destino de todos. Bobagem ficar de plantão a espera do resultado final. Esse barco não vai chegar.

O caminho foi diferente, a defesa terá mais chances e oportunidades. Não dá para corrigir.

O PSDB-MG passará, no mínimo, por duas instâncias. Quem sabe, algum condenado ainda poderá bater às portas do STF – daqui a alguns anos. Bons advogados conseguem tanta coisa, nós sabemos…

Não há reparação possível. São rios que seguiram cursos diferentes, para nunca mais se encontrar.










Partindo desse julgamento desigual, eu fico espantado que Dirceu tenha sido condenado quando os dois principais casos concretos – ou provas – contra ele se mostraram muito fracas.

Ponto alto da denúncia de Roberto Jefferson contra Dirceu, a acusação de que Marcos Valério fez uma viagem a Portugal para arrumar dinheiro para o PTB e o PT se mostrou uma história  errada. 

Lobista de múltiplas atividades, Valério viajou a serviço de outro cliente, aquele banqueiro da privatização tucana  que ficou de fora do julgamento.
Ricardo Lewandowski explicou isso e não foi contestado.

Outra grande acusação, destinada a sustentar que Dirceu operava o esquema como se fosse o dono de uma rede de fantoches, revelou-se muito mais complicada do que parecia. Estou falando da denúncia de que, num jantar em Belo Horizonte, Dirceu teria se aliado a Katia Rebelo, a dona do Banco Rural, para lhe dar a “vantagem indevida” pelos serviços prestados no mensalão.

A tese é que Dirceu entrou em ação para ajudar a banqueira a ganhar uma bolada – no início falava-se em bilhões – com o levantamento da intervenção do Banco Central no Banco Mercantil de Pernambuco. O primeiro problema é que nenhuma testemunha presente ao encontro diz que eles sequer tocaram no assunto.

Mas é claro que você não precisa acreditar nisso. Pode achar que eles combinaram tudo para mentir junto. Por que não?

Mas a sequencia da história não ajuda. Valério foi 17 vezes ao BC e ouviu 17 recusas. A intervenção no Banco Mercantil só foi levantada dez anos depois, quando todos estavam longe do governo. Rendeu uma ninharia em comparação com o que foi anunciado.

De duas uma: ou a denuncia de que Dirceu trabalhava para ajudar o Banco Rural a recuperar o Mercantil era falsa. Ou a denuncia é verdadeira e ele não tinha o controle total sobre as coisas.

Ou não havia domínio. Ou não havia fato.
Aonde estão os super poderes de Dirceu?

Estão na “conversa”, dizem. Estão no “eu sabia”, no “só pode ser”, no “não é crível” e assim por diante. Dirceu conversava e encontrava todo mundo, asseguram os juízes. Mas como seria possível coordenar um governo sem falar nem conversar? Sem sentar-se com cada um daqueles personagens, articular, sugerir, dirigir. Conversar seria prova de alguma coisa?

Posso até imaginar coisas. Posso “ter certeza.” Posso até rir de quem sustenta o contrário e achar que está zombando da minha inteligência.


Mas para condenar, diz  a professora Margarida Lacombe, na GloboNews, é preciso de provas robustas, consistentes. Ainda vivemos no tempo em que a acusação deve apresentar provas de culpa.

Estamos privando a liberdade das pessoas, o seu direito de andar na rua, ver os amigos, e, acima de tudo, dizer o que pensa e lutar pelas próprias ideias.


Estamos sob um regime democrático, onde a liberdade – convém não esquecer – é um valor supremo. Podemos dispor dela, assim, a partir do razoável?




Genoíno também foi condenado pelo que não é crível, pelo não pode ser, pelo nós não somos bobos. Ainda ouviu uma espécie de sermão. Disseram que foi um grande cara na luta contra a ditadura mas agora teve um problema no meio da estrada, um desvio, logo isso passa.
Julgaram a pessoa, seu comportamento. E ouviu a sentença de que seu caráter apresentou falhas.

Na falta de provas, as garantias individuais, a presunção da inocência, foram diminuídas, em favor da teoria que permite condenar com base no que é “plausível”, no que é “crível” e outras palavras carregadas de subjetividade, de visão

Não custa lembrar – só para não fazer o papel de bobo — que se deixou de lado o empresário das privatizações tucanas que foi um dos primeiros a contribuir para o esquema, um dos últimos a aparecer e, mais uma vez, um dos primeiros a sair.


Já perdemos a conta de casos arquivados no Supremo por falta de provas, ou por violação de direitos individuais, ou lá o que for, numa sequência de impunidades que – involuntariamente — ajudou a formar o clima do “vai ou racha” que levou muitos cidadãos honestos e indignados a aprovar o que se passou no julgamento, de olhos fechados.

Juizes do STF  emparedaram o governo Lula, ainda no exercício do cargo, em função de uma denuncia – absurdamente falsa – de que um de seus ministros fora grampeado, em conversa com o notável senador Demóstenes Torres, aquele campeão da moralidade que tinha o celular do bicheiro, presentes do bicheiro, avião do bicheiro…o mesmo bicheiro que ajudou a fazer várias denuncias contra o governo Lula, inclusive o vídeo dos Correios que é visto como o começo do mensalão.

Prova de humildade: os ministros do STF também pode se enganar. Apontado como suspeito pelo caso, o delegado Paulo Lacerda perdeu o posto. Dois anos depois, a Polícia Federal divulgou que, conforme seu inquérito, não havia grampo algum. Nada.

A condenação contra José Genoíno e José Dirceu sustenta-se, na verdade, pelo julgamento de caráter dos envolvidos. Achamos que eles erraram. Não há fatos, não há provas. Mas cometeram “desvios”.


Aí, nesse terreno de alta subjetividade, é que a condenação passa a fazer sentido. Os poucos fatos se juntam a uma concepção anterior e formam uma culpa.

A base deste raciocínio é a visão criminalizada de determinada política e determinados políticos.

(Sim. De uma vez por todas: não são todos os políticos. O mensalão PSDB-MG lembra, mais uma vez, que se fez uma distinção entre uns e outros.)

Os ministros se convenceram de que “sabem” que o governo “comprava apoio” no Congresso. Não contestam sequer a visão do procurador geral, que chega a falar em sistema de “suborno”, palavra tão forte, tão crua, que se evita empregar por revelar o absurdo de toda teoria.


Suborno, mesmo, sabemos de poucos e não envolvem o mensalão. Foram cometidos em 1998, na compra de votos para a reeleição. Mas pode ter havido, sim, casos de suborno.

Mas é preciso demonstrar, mesmo que não seja preciso uma conversa grampeada, como Fernando Rodrigues revelou em 1998.

Nesta visão, confunde-se compensações naturais da política universal com atitudes criminosas, como crimes comuns. Quer-se mostrar aos políticos como fazer politica – adequadamente.



Chega-se ao absurdo. Deputados do PT, que nada fariam para prejudicar um governo que só conseguiu chegar ao Planalto na quarta tentativa, são acusados de terem vendido seu apoio em troca de dinheiro.

Não há debate, não há convencimento, não há avaliação de conjuntura. Não há política. Não há democracia – onde as pessoas fazem alianças, mudam de ideia, modificam prioridades.

Como certas decisões de governo, como a reforma da Previdência, não pudessem ser modificadas, por motivos corretos ou errados, em nome do esforço para atravessar aquele ano terrível de 2003, sem crescimento, desemprego alto, pressão de todo lado.

A formula, é tudo por dinheiro, é nome de programa de TV, não de partido político.

Imagino se, por hipótese, a Carta ao Povo Brasileiro, que contrariou todos os programas que o PT já possuiu desde o encontro de fundação, no Colégio Sion, tivesse de ser aprovada pelo Congresso.


Tenho outra dúvida. Se este é um esquema criminoso, sem relação com a política, alguém poderia nos apresentar – entre os deputados, senadores, assessores incriminados – um caso de enriquecimento. Pelo menos um, por favor. Porque a diferença, elementar, para mim, é essa.

Dinheiro da política vai para a eleição, para a campanha, para pagar dívidas. Coisas, aliás, que a denuncia de Antônio Fernando de Souza, o primeiro procurador do caso, reconhece.

Decepção. Não há este caso. Nenhum político ficou rico com o mensalão. Se ficou, o que é possível, não se provou.

Claro que o Delúbio, deslumbrado, fumava charutos cubanos. Claro que Silvinho Pereira ganhou um Land Rover. A ex-mulher de Zé Dirceu, separada há anos, levou um apartamento e conseguiu um emprego.

Mas é disso que estamos falando? É este o “maior escândalo da história”?

Os desvios de dinheiro público, comprovados, são uma denúncia séria e grave. Deve ser apurada e os responsáveis, punidos.

Mas  não sabemos sequer quanto o mensalão movimentou. Dois ministros conversaram sobre isso, ontem, [09/10] e um deles concluiu que era coisa de R$ 150 milhões. Queria entender por que se chegou a este número.

Conforme a CPMI dos Correios, é muito mais. Só a Telemig – daquele empresário que ficou esquecido – compareceu com maravilhosos R$ 122 milhões, sendo razoável imaginar que, pelo estado de origem, seu destino tenha sido o modelo PSDB-MG. Mas o Visanet entregou R$ 92,1 milhões, diz a CPMI. A Usiminas – olha como é grande o braço mineiro – mandou R$ 32 milhões para as agências de Marcos Valério. Mas é bom advertir: isso está na CPMI, não é prova, não é condenação.



A principal testemunha, Roberto Jefferson, acusou, voltou atrás, acusou de novo… Fez o jogo que podia e que lhe convinha a cada momento. Disse até que o mensalão era uma criação mental. (Está lá, no depoimento à Polícia Federal).


Eu posso pinçar a frase que quiser e construir uma teoria. Você pode pinçar outra frase e construir outra teoria. Jefferson foi uma grande “obra aberta” do caso.

O nome disso é falta de provas.


Fonte:
http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/2012/10/10/sem-dominio-sem-fatos/

Leia também:
O SONHO DO MINISTRO JOAQUIM BARBOSA