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quinta-feira, 19 de julho de 2012

A diplomacia brasileira está em crise? (*)

16/07/2012 - Francisco Carlos Teixeira (**)
original extraído do site Carta Maior

Durante os dois governos de Lula da Silva (2003-2010) a diplomacia brasileira atingiu o ápice de dinamismo e autonomia pouca vezes praticada na políticas externa do país, servindo de comparação com a chamada Política Externa Independente dos anos de 1961-1964.

O chamado “Novo Protagonismo Mundial” do Brasil – tendo à frente o chanceler Celso Amorim e, como verdadeiro mentor, o embaixador Samuel Pinheiro Guimaraes, um intelectual de porte – foi, por isso mesmo, alvo de atenção, elogios e duríssimas críticas.

O Governo Dilma Rousseff, tendo o chanceler Antonio Patriota como condutor, mostrou, até o momento, pouco interesse e pouca ação nas relações internacionais, com duros revezes na agenda internacional.

A Guerra e a Paz do Governo Dilma
A presidente – nego a flexão de gênero da palavra por feia e desnecessária! – assumiu o governo do Brasil com três grandes desafios para enfrentar. O primeiro, e de longe o mais importante, reside na eliminação da pobreza e da miséria no país. Trata-se de cerca de 16 milhões de pessoas que recebem menos de R$70 por mês e não possuem, em sua maioria, acesso à água encanada, esgotamento sanitário e luz. Esta é a linha da extrema pobreza, como definida pelo IBGE, no Brasil. E é ela que embasa o Programa Brasil sem Miséria, criado por Dilma e administrado pela ministra do desenvolvimento social e combate à fome, Tereza Campelo.

O programa, em cerca de 18 meses de governo, já representou a incorporação ao Bolsa Família de cerca de 2.7 milhões de crianças [1]. Este é uma avanço concreto na luta pelo fim da miséria no país. Dilma impôs a si mesma a meta de eliminar, nesta geração, a vergonha da miséria absoluta num país tão rico como nosso.

Uma segunda, e duríssima frente de luta, é a manutenção do crescimento econômico no, com a geração de emprego e renda no país. Sem o crescimento econômico todas as demais metas – incluindo aí a eliminação da pobreza – estarão comprometidas. Entretanto, a crise mundial – com o afundamento das economias europeias, paralisia do Japão, a “gangorra” americana e a desaceleração da China Popular – bate com força ás portas do Brasil. O modelo usado com sucesso por Lula em 2008/09 para enfrentar a crise – aumento do consumo interno, redução dos juros e redução fiscal – embora benfazejo no momento não parece mais surtir os efeitos anteriores (crescimento de 7.5% do PIB em 2010).

Na verdade, o momento é de aumento dos investimentos, ampliação da infraestrutura e criação condições permanentes e sustentáveis de crescimento. Isso tem sido lento, pela dificuldade de fazer os investimentos – o PAC, por exemplo – e pela qualidade da gestão no nível local, além da praga da corrupção que paralisa obras públicas. De qualquer forma, mesmo crescendo a pouco mais de 2.5% o Brasil é uma exceção entre as grandes economias.

Por fim, Dilma teve que lidar com uma ampla sucessão de “malfeitos”, obrigando-a a tratar com uma base aliada sempre fisiológica, sem ideologia e ávida de cargos e sinecuras.

Assim, nestas condições, não é de se estranhar a pouca atenção aos assuntos externos, deixados aos cuidados dos “especialistas” do Itamaraty. Aí talvez residam as origens da atual situação.

A crise da Rio+20
Para falar toda a verdade, a Presidente Dilma foi quem mais se esforçou para o sucesso da Rio+20, utilizando suas, poucas, viagens ao exterior para pedir a presença de chefes de Estado e de Governo na conferência. Contudo, a agenda internacional era negativa. Com a agudização da crise econômica – que coincidiu com o auge da crise da Espanha e do euro – e a gastança mundial para socorrer bancos e banqueiros, a ideia original de um fundo mundial de obras e ações de sustentabilidade, foi perdida.

Da mesma forma, a proposta de criação de Agência Mundial de Meio-Ambiente – da qual não sabemos até o momento se o Brasil é favorável em razão do silêncio do Itamaraty – e posta na mesa pelo Presidente François Hollande, não prosperou. O resultado foi o rompimento das organizações não-governamentais com a direção da conferência e a “pequena crise” entre o Brasil, o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon e a primeira-ministra da Dinamarca, na ocasião representante da União Europeia.

Foi necessário e útil para a Rio+20 e o Brasil tal crise? Creio que não. Em Copenhague, em 2009, na própria presença de Dilma, quando foi armado o impasse pelos Estados Unidos e a China Popular – que não queriam nem metas nem compromissos sobre sustentabilidade – Lula deslocou-se até a capital do Príncipe Hamlet, e, ao lado de Nicolás Sarkozy, fez um imenso esforço de desbloquear a conferência e avançar metas e propostas, mesmo que auto-impostas.

Para ser mais explícito vamos citar a mídia da época: “... no último dia da conferência das Nações Unidas [ em Copenhague, 2009], o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confessou sua frustração em relação ao desenvolvimento das negociações e garantiu que o Brasil está disposto a fazer sacrifícios para financiar os países pobres a se adaptarem aos efeitos da mudança climática” [2]. Na ocassião Lula buscou apoio da Índia, da África do Sul e outros emergentes contra um “diktat” das duas grandes economias mundiais. Foi, então, o Brasil que criticou a fragilidade do docuemnto. Ao chegar a nossa vez de avançar, aceitamos um consenso murcho e frouxo...

No Rio, os diplomatas brasileiros buscaram, às pressas, um consenso mínimo e se declararam “ofendidos” pelas críticas aos parcos resultados, admoestando o secretário-geral da ONU e brandindo ofensas contra Helle Torning-Schmidt, a “premier” da Dinamarca, que havia, em verdade, criticado os Estados Unidos e pedido maior empenho em um resultado mais impositivo para a Rio+20 [3].

Ao contrário de Lula em Copenhague, a diplomacia brasileira optava pelo consenso mínimo, eximia-se de criticar os grandes poluidores – Estados Unidos à frente – e criava embaraços para a ONU e a União Européia. Ora, em Copenhague o Brasil aliara-se a U.E. e a ONU, exatamente na crítica aos EUA e a China Popular. Na ocasião, Lula não aceitara que os “dois grandes” criassem um novo “condomínio bipolar” no mundo, ressaltando o protagonismos dos emergentes.

Perdemos, na Rioi+20, a oportunidade de melhorar o perfil dos produtos brasileiros frente aos países poluidores, aceitando recomendações aquém da legislação brasileira.

Enquanto isso avolumava-se a crise no Paraguai.

A crise no Paraguai
A crise paraguaia deu-se simultaneamente a Rio+20, num momento que todas as atenções estavam voltadas para a aprovação do fraco documento proposto pela diplomacia brasileira.

O caráter “relâmpago” dos procedimentos já foi, aqui mesmo na Carta Maior, destrinchados e amplamente desmascarados seus procedimentos golpistas. Tratou-se, ainda uma vez, de um “golpe constitucional, expresso”, quando uma maioria atropela a Lei e seu espírito e letra – isso mesmo a letra da lei! – para depor um presidente constitucional, mas minoritário. Honduras, em 2009, foi o protótipo experimentado visando dar ares legais ao ilegal. A insistência da mídia brasileira em destacar os trâmites legais do golpe esbarra no Artigo 17, dos Procedimentos Processuais, Item 7, da prórpia Constituição Nacional do Paraguai que estabelece que todo acusado, em juizo, deve usufruir “...dos meios e prazos indispensáveis para a preparação de sua defesa de forma livre".

Foi tudo o que não houve no Paraguai.

Em suma, a diplomacia brasileira agiu certo ao impor, até próximas eleições, uma suspensão do país guarani no âmbito do Mercosul. No entanto, aí explicitam-se as dúvidas e dubiedades dos diplomatas brasileiros. O que houve com o acompanhamento da crise paraguaia pela diplomacia brasileira em Assunção antes do golpe? Somente no momento da crise acordamos para o, já então, inevitável?

Sem dúvida, houve erros de acompanhamento, já que a diplomacia venezuelana já havia detectado possibilidades de golpe e denunciando a situação de cerco de Lugo.

Além disso, após a “suspensão” do Paraguai, na Cúpula de Mendoza (Mercosul+UNASUL, 29/06/2012), se permitiu uma evolução ridícula da diplomacia de Assunção: primeiro cheia de elogios a Dilma Rousseff, depois tornou-se agressiva e, no limitem, injuriosa. Chegou-se ao ponto de acusar a política externa brasileira de reeditar a Tríplice Aliança – Uruguai, Argentina e Brasil na Guerra do Paraguai – reavivando o velho modelo da oligarquia do Paraguai de vitimizar-se para manter seu poder de mando. Já o embaixador paraguaio em Washington – satisfeito com a posição do governo Obama- definiu o Brasil como uma elefante numa loja de louças, sempre quebrando a “harmonia e paz” [4].

Por fim, aceitou-se a formação de uma “missão” da OEA – o mesmo organismo que se calou perante a crise de Honduras de 2009, como o Itamaraty já sabia e já experimentara com amargura – para fazer uma avaliação da “crise”, como se não fosse claro o golpe perpetrado. A missão, liderada por José Miguel Insulza, do Chile, era composta pelos EUA, Canadá, México – três países do NAFTA, extremamente críticos do Mercosul, antes defensores da ALCA, e estranhos e contrários a Unasul, além de Honduras – onde o governo é um produto do primeiro golpe constitucional das Américas e do pobre e desmantelado Haiti, de nenhuma experiência democrática.

A aceitação de tal missão, sabendo-se o que a OEA fez no caso de Honduras, e de tal composição da missão, foi um erro desde de sua criação. O resultado foi uma extrapolação dos objetivos e um claro endosso ao golpe. A bem da verdade, o Brasil só tem colecionado derrotas na OEA, incluindo aí casos como Honduras e questões de legislação. Hegemonizada pelos os Estados Unidos e seus dois aliados do Nafta – Canadá e México – seria o momento da Diplomacia brasileira romper tais laços e declarar a Doutrina Monroe – base de criação da OEA -, alma da hegemonia americana nas Américas, bem como o TIAR, como letra morta.

Por sinal, não é compreensível a razão pela qual o Itamaraty insiste em aconselhar a não abertura das investigações dos crimes contra os direitos humanos, como o caso Vladimir Herzog, opondo-se com leguleio e casuísmos perante a OEA. Em vez de sermos condenados em cortes internacionais deveríamos, ter as iniciativas da questão, como é, de fato, a política de Dilma Rousseff.

Algumas poucas verdades sobre o Paraguai
Além do Paraguai, desde décadas, nada fazer para controlar o fluxo de drogas, carros roubados e de lavagem de dinheiro, a postura internacional do país, cria sérios problemas para a diplomacia brasileira. Mesmo no âmbito Mercosul o Paraguai é um entrave. O Governo de Assunção – com outros países do Caribe e América Central e ilhas do Pacifico, sob injunções norte-americanas – reconhece o governo de Taiwan, criando sérios obstáculos para acordos entre o Mercosul e a China Popular.

Taiwan, para manter sua embaixada aberta em Assunção, oferece – como “ajuda” – cerca de 300 milhões de dólares anuais às autoridades paraguaias – no Malauí eram 400 milhões! – que são distribuídos segundo critérios políticos [5]. Uma das ameaças de Lugo, temida pelos “ajudados”, era exatamente o reconhecimento de Beijing, trocando os titulares das embaixadas. Quando a mídia brasileira “alertou” para a possibilidade de uma aproximação entre Assunção e Beijing como retaliação a sua suspensão do Mercosul, na verdade, estava trocando as bolas. As ameaças de Assunção são, sempre, de romper com o Mercosul para se aproximar dos... Estados Unidos.

Governo do Paraguai acusa Chávez
Mais uma vez a mídia brasileira apressou-se em desviar a atenção do “golpe expresso” em Assunção para acusar Chávez de intervenção nos assuntos internos do Paraguai. Mais uma vez, ainda, a Diplomacia brasileira, mesmo atingida e chamada de marionete de Chávez, manteve silêncio. Acusação, feita pela ministra da defesa Maria Liz Garcia ( portanto um ato de Estado) de que o chanceler Nicolas Maduro ( da Venezuela) tentou mobilizar o exército paraguaio para um golpe foi amplamente noticiada, mas o filme feito “provando” tal intervenção jamais foi exibido na TV brasileira. Por uma razão simples: a edição e a montagem eram primárias.

Na verdade, a Comissão de Inquérito criada para verificar a “intervenção da Venezuela” – o que ocasionou, antes de qualquer comprovação a declaração do embaixador venezuelano e do chancelar Maduro “persona non grata” em Assunção – e presidida pela Procuradora Geral da República Paraguaia Estella Marys Cano comprovou não ter havido qualquer ato ou proposta de intervenção ou conluio entre militares paraguaios e diplomatas venezuelanos.

Tal notícia, contrariando o “furo” da mídia brasileira, não foi notícia de relevo no Brasil [6].

Mais uma vez o Brasil, agora sob forte ataque da diplomacia paraguaia, decidiu por não comentar o resultado do inquérito paraguaio. Da mesma forma, as ofensas dirigidas pelo Congresso Paraguaio contra a Presidente Dilma ficaram sem resposta, inclusive da Comissão de relações Exteriores do Congresso Brasileiro, presidida pelo senador (PTB-AL) Fernando Collor.

As primeiras nomeações do novo presidente do Paraguai – uma irmã para presidir a empresa Itaipu Binacional e um cunhado como ministro – também não mereceram atenção.

Por fim, a Diplomacia brasileira sabia, e calou-se sobre isso, que o veto do parlamento paraguaio a admissão da Venezuela ao Mercosul era uma chantagem, visando arrancar dinheiro de Caracas da mesma forma que arrancam de Taiwan. No entanto, deixamos ser armada , pela política uruguaia anti-Mujica e pelos senadores paraguaios sobre os quais paira a acusação de benevolência perante o narcotráfico, uma pretensa ofensa brasileira aos brios da “democracia guarani”. O presidente Mujica, enfim, veio à público e confirmou as ligações do Partido Colorado – motor da demissão de Lugo – com os traficantes que, em última instância, infestam as grandes cidades brasileiras.

A crise com a Argentina
O país vizinho, nosso grande parceiro e aliado em fóruns internacionais – futebol à parte – passa por séria crise econômica, derivada de fatores múltiplos, incluindo uma tremenda seca e perda de lavouras (o que afeta também o Brasil). Neste contexto, Buenos Aires optou por controlar os fluxos de comércio com o Brasil, tomando uma série de medidas restritivas. A maioria delas contradiz fortemente o espírito das medidas que amparam o Mercosul.

Apesar de todas as restrições, o comércio bilateral, no entanto, alcançou a casa dos 40 bilhões de dólares, com crescimento de cerca de 35% das exportações brasileiras para a Argentina, gerando um déficit para os argentinos de mais de 6 bilhões de dólares. Tais dificuldades sempre foram comuns, e algumas vezes ásperas. Na administração Lula tais questões eram resolvidas através da chamada “diplomacia presidencial”, com entendimentos diretos entre o Planalto e a Casa Rosada. Essa era a política implantada por Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães – e que a mídia espezinhava como “diplomacia companheira” e que, em verdade, gerava emprego e renda no Brasil.

Hoje, a diplomacia brasileira – aliada com a burocracia dos ministérios brasileiros, fortemente anti-argentina – apela para uma denúncia na OMC, para além do entendimento direto com Buenos Aires. Não há, no entanto, qualquer iniciativa de discussão aberta e franca entre Cristina K. e Dilma, como antes se dava com Lula e Nestor K.

É interessante ressaltar que o comércio Brasil-Estados Unidos, a quem a Diplomacia brasileira atribui hoje grande relevância e se diz “apaziguadora” (numa crítica velada ao anterior secretário executivo do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães), é fortemente deficitário para o Brasil, e Washington prejudica claramente as exportações brasileiras de aço, sapatos, tecidos, suco de laranja, açúcar, algodão, etc...

Da visita de Obama conseguimos, em verdade, o reconhecimento da cachaça como produto nacional e a abertura de mais consulados, facilitando a ida de turistas para Miami. O Brasil exporta empregos para os estados Unidos – cerca de 900 mil postos de trabalho – com as compras brasileiras. Nem isso alenta a Diplomacia brasileira a exigir maior consideração pelos interesses brasileiros, seja no caso do Paraguai, seja na intervenção a licitação pública que anulou a compra de aviões Embraer pela Força Aérea Norte-Americana!

Projetos e Perspectivas
Sem dúvida o conjunto de iniciativas, e de ausências de iniciativas, da Diplomacia brasileira nos últimos meses explica a demissão do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães da presidência do Mercosul no último dia 29 de junho, em Mendoza. A Diplomacia brasileira volta a ser corriqueira, banal e fascinada pelos Estados Unidos – que trata o Brasil como piada, como aquela feita por Hillary Clinton na véspera de sua viagem para a Rio+20.

Em grande parte isso se deve a ausência de interesse, talvez conhecimentos, do cenário mundial por parte da presidente Dilma Rousseff. Mas, deve-se mais ainda, pela condução atual do Itamaraty.

Assim, as propostas em pauta da agenda brasileira são, exatamente, contrárias à dinâmica política externa anterior do país. Por exemplo, a proposta der aproximação com o México e sua adesão como “membro associado” ao Mercosul. Trata-se de um tremendo equívoco. O México, membro do Nafta e aliado dos Estados Unidos, será um cavalo de Tróia para produtos e serviços americanos ( além de vetar a reforma do Conselho de Segurança da ONU, visando impedir a entrada do Brasil). Além disso, criou, em 2011, com a Colômbia, Peru e Chile – países com Tratados de Livre Comércio com os EUA – a Associação de Países do Pacífico, visando contrapor-se às políticas brasileiras de integração sul-americana.

Por outro lado, abandonamos nossa posição construída lentamente no Oriente Médio. As relações com a pujante Turquia foram adormecidas, e a chancelaria brasileira recusou um encontro com os iranianos na Rio+20.

Ok, podemos entender que Dilma não goste de governos que permitem o apedrejamento legal de mulheres – ninguém gosta!

Mas, cabe dizer isso aos interessados e ter um papel construtivo numa crise – o uso de tecnologias nucleares – que envolvem, querendo ou não, o Brasil e nossos interesses. Perdeu-se uma ocasião de ouvir-se a voz do Brasil.

Enfim, seria bom, muito bom mesmo, que Dilma Rousseff encontre mais tempo para ocupar-se da Diplomacia brasileira e busca de identificá-la com as metas justas e claras de seu governo, em vez de deixar as relações exteriores no domínio da banalidade dos “especialistas”.

NOTAS
(*) Peço perdão aos leitores pela extensão do artigo, ocorre que o tema – bastante controverso – não permite uma abordagem menos clara.

[1] Ver http://blog.planalto.gov.br/brasil-sem-miseria-foco-sera-16267-milhoes-de-brasileiros-que-vivem-na-extrema-pobreza/.
[2] “Lula deixa a conferência de Copenhague”
[3] “Dinamarca critica texto da Rio+20 e pede mais empenho aos EUA” In:
[4] Embaixador paraguaio na OEA: Brasil é 'como um elefante em loja de cristal' In: BBC 'http://www.bbc.co.uk/portuguese.
[5] Paraguai vai retirar apoio a Taiwan e se aproximar da China In: http://www.felsberg.com.br/m3.asp?cod_pagina=393&conteudo=sim&i=33456&desc=if&frmArea=416&palavrachave=
[6] Manipulação das notícias no Paraguai In: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-manipulacao-das-noticias-no-paraguai

(**) Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5686

Nota da editora do Blog
Discordo da opinião do autor. Mas acho fundamental que o público a conheça. A posição do Itamaraty quanto Rio+20 foi correta, corajosa e diplomática. Acompanhei a imprensa francesa durante 20 anos, como assistente. Há 30 anos faço coberturas na área de meio ambiente. Participei da Eco-92. É fácil criticar, mas o jogo foi muito duro. Porque tudo que os europeus queriam era essa tal Agencia Ambiental. Não é preciso explicar porque. Nossos leitores são inteligentes. Regular a Amazônia, é claro!!
Zilda Ferreira

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Estados Unidos, Venezuela e Paraguai

12/07/2012 - Samuel Pinheiro Guimarães - Carta Maior

[Equipe Educom: Em 26 nacos suculentos uma espécie de beabá da crise paraguaia ou uma reedição, no umbigo da América do Sul, do "apressado come cru".]

A política externa norte-americana na América do Sul sofreu as consequências totalmente inesperadas da pressa dos neogolpistas paraguaios em assumir o poder, com tamanha voracidade que não podiam aguardar até abril de 2013, quando serão realizadas as eleições, e agora articula todos os seus aliados para fazer reverter a decisão de ingresso da Venezuela.

A questão do Paraguai é a questão da Venezuela, da disputa por influência econômica e política na América do Sul.

(Samuel Pinheiro Guimarães, especial para a Carta Maior)


1. Não há como entender as peripécias da política sul-americana sem levar em conta a política dos Estados Unidos para a América do Sul. Os Estados Unidos ainda são o principal ator político na América do Sul e pela descrição de seus objetivos devemos começar.

2. Na América do Sul, o objetivo estratégico central dos Estados Unidos, que apesar do seu enfraquecimento continuam sendo a maior potência política, militar, econômica e cultural do mundo, é incorporar todos os países da região à sua economia. Esta incorporação econômica leva, necessariamente, a um alinhamento político dos países mais fracos com os Estados Unidos nas negociações e nas crises internacionais.

3. O instrumento tático norte-americano para atingir este objetivo consiste em promover a adoção legal pelos países da América do Sul de normas de liberalização a mais ampla do comércio, das finanças e investimentos, dos serviços e de “proteção” à propriedade intelectual através da negociação de acordos em nível regional e bilateral.

4. Este é um objetivo estratégico histórico e permanente. Uma de suas primeiras manifestações ocorreu em 1889 na 1a. Conferência Internacional Americana, que se realizou em Washington, quando os EUA, já então a primeira potência industrial do mundo, propuseram a negociação de um acordo de livre comércio nas Américas e a adoção, por todos os países da região, de uma mesma moeda, o dólar.

5. Outros momentos desta estratégia foram o acordo de livre comércio EUA-Canadá; o NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte, incluindo além do Canadá, o México); a proposta de criação de uma Área de Livre Comércio das Américas - ALCA e, finalmente, os acordos bilaterais com o Chile, Peru, Colômbia e com os países da América Central.

6. Neste contexto hemisférico, o principal objetivo norte-americano é incorporar o Brasil e a Argentina, que são as duas principais economias industriais da América do Sul, a este grande “conjunto” de áreas de livre comércio bilaterais, onde as regras relativas ao movimento de capitais, aos investimentos estrangeiros, aos serviços, às compras governamentais, à propriedade intelectual, à defesa comercial, às relações entre investidores estrangeiros e Estados seriam não somente as mesmas como permitiriam a plena liberdade de ação para as megaempresas multinacionais e reduziria ao mínimo a capacidade dos Estados nacionais para promover o desenvolvimento, ainda que capitalista, de suas sociedades e de proteger e desenvolver suas empresas (e capitais nacionais) e sua força de trabalho.

7. A existência do Mercosul, cuja premissa é a preferência em seus mercados às empresas (nacionais ou estrangeiras) instaladas nos territórios da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai em relação às empresas que se encontram fora desse território e que procura se expandir na tentativa de construir uma área econômica comum, é incompatível com objetivo norte-americano de liberalização geral do comércio de bens, de serviços, de capitais etc que beneficia as suas megaempresas, naturalmente muitíssimo mais poderosas do que as empresas sul-americanas.

8. De outro lado, um objetivo (político e econômico) vital para os Estados Unidos é assegurar o suprimento de energia para sua economia, pois importam 11 milhões de barris diários de petróleo sendo que 20% provêm do Golfo Pérsico, área de extraordinária instabilidade, turbulência e conflito.

9. As empresas americanas foram responsáveis pelo desenvolvimento do setor petrolífero na Venezuela a partir da década de 1920. De um lado, a Venezuela tradicionalmente fornecia petróleo aos Estados Unidos e, de outro lado, importava os equipamentos para a indústria de petróleo e os bens de consumo para sua população, inclusive alimentos.

10. Com a eleição de Hugo Chávez, em 1998, suas decisões de reorientar a política externa (econômica e política) da Venezuela em direção à América do Sul (i.e. principal, mas não exclusivamente ao Brasil), assim como de construir a infraestrutura e diversificar a economia agrícola e industrial do país viriam a romper a profunda dependência da Venezuela em relação aos Estados Unidos.

11. Esta decisão venezuelana, que atingiu frontalmente o objetivo estratégico da política exterior americana de garantir o acesso a fontes de energia, próximas e seguras, se tornou ainda mais importante no momento em que a Venezuela passou a ser o maior país do mundo em reservas de petróleo e em que a situação do Oriente Próximo é cada vez mais volátil.

12. Desde então desencadeou-se uma campanha mundial e regional de mídia contra o Presidente Chávez e a Venezuela, procurando demonizá-lo e caracterizá-lo como ditador, autoritário, inimigo da liberdade de imprensa, populista, demagogo etc. A Venezuela, segundo a mídia, não seria uma democracia e para isto criaram uma “teoria” segundo a qual ainda que um presidente tenha sido eleito democraticamente, ele, ao não “governar democraticamente”, seria um ditador e, portanto, poderia ser derrubado. Aliás, o golpe já havia sido tentado em 2002 e os primeiros lideres a reconhecer o “governo” que emergiu desse golpe na Venezuela foram George Walker Bush e José María Aznar.

13. À medida que o Presidente Chávez começou a diversificar suas exportações de petróleo, notadamente para a China, substituiu a Rússia no suprimento energético de Cuba e passou a apoiar governos progressistas eleitos democraticamente, como os da Bolívia e do Equador, empenhados em enfrentar as oligarquias da riqueza e do poder, os ataques redobraram orquestrados em toda a mídia da região (e do mundo).

14. Isto apesar de não haver dúvida sobre a legitimidade democrática do Presidente Chávez que, desde 1998, disputou doze eleições, que foram todas consideradas livres e legítimas por observadores internacionais, inclusive o Centro Carter, a ONU e a OEA.

15. Em 2001, a Venezuela apresentou, pela primeira vez, sua candidatura ao Mercosul. Em 2006, após o término das negociações técnicas, o Protocolo de adesão da Venezuela foi assinado pelos Presidentes Chávez, Lula, Kirchner, Tabaré e Nicanor Duarte, do Paraguai, membro do Partido Colorado. Começou então o processo de aprovação do ingresso da Venezuela pelos Congressos dos quatro países, sob cerrada campanha da imprensa conservadora, agora preocupada com o “futuro” do Mercosul que, sob a influência de Chávez, poderia, segundo ela, “prejudicar” as negociações internacionais do bloco etc. Aquela mesma imprensa que rotineiramente criticava o Mercosul e que advogava a celebração de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, com a União Européia etc, se possível até de forma bilateral, e que considerava a existência do Mercosul um entrave à plena inserção dos países do bloco na economia mundial, passou a se preocupar com a “sobrevivência” do bloco.

16. Aprovado pelos Congressos da Argentina, do Brasil, do Uruguai e da Venezuela, o ingresso da Venezuela passou a depender da aprovação do Senado paraguaio, dominado pelos partidos conservadores representantes das oligarquias rurais e do “comércio informal”, que passou a exercer um poder de veto, influenciado em parte pela sua oposição permanente ao Presidente Fernando Lugo, contra quem tentou 23 processos de “impeachment” desde a sua posse em 2008.

17. O ingresso da Venezuela no Mercosul teria quatro consequências: dificultar a “remoção” do Presidente Chávez através de um golpe de Estado; impedir a eventual reincorporação da Venezuela e de seu enorme potencial econômico e energético à economia americana; fortalecer o Mercosul e torná-lo ainda mais atraente à adesão dos demais países da América do Sul; dificultar o projeto americano permanente de criação de uma área de livre comércio na América Latina, agora pela eventual “fusão” dos acordos bilaterais de comércio, de que o acordo da Aliança do Pacifico é um exemplo.

18. Assim, a recusa do Senado paraguaio em aprovar o ingresso da Venezuela no Mercosul tornou-se questão estratégica fundamental para a política norte americana na América do Sul.

19. Os líderes políticos do Partido Colorado, que esteve no poder no Paraguai durante sessenta anos, até a eleição de Lugo, e os do Partido Liberal, que participava do governo Lugo, certamente avaliaram que as sanções contra o Paraguai em decorrência do impedimento de Lugo, seriam principalmente políticas, e não econômicas, limitando-se a não poder o Paraguai participar de reuniões de Presidentes e de Ministros do bloco.

Feita esta avaliação, desfecharam o golpe. Primeiro, o Partido Liberal deixou o governo e aliou-se aos Colorados e à União Nacional dos Cidadãos Éticos - UNACE e aprovaram, a toque de caixa, em uma sessão, uma resolução que consagrou um rito super-sumário de "impeachment”.

Assim, ignoraram o Artigo 17 da Constituição paraguaia que determina que “no processo penal, ou em qualquer outro do qual possa derivar pena ou sanção, toda pessoa tem direito a dispor das cópias, meios e prazos indispensáveis para apresentação de sua defesa, e a poder oferecer, praticar, controlar e impugnar provas”, e o artigo 16 que afirma que o direito de defesa das pessoas é inviolável.

20. Em 2003, o processo de impedimento contra o Presidente Macchi, que não foi aprovado, levou cerca de 3 meses enquanto o processo contra Fernando Lugo foi iniciado e encerrado em cerca de 36 horas. O pedido de revisão de constitucionalidade apresentado pelo Presidente Lugo junto à Corte Suprema de Justiça do Paraguai sequer foi examinado, tendo sido rejeitado in limine.

21. O processo de impedimento do Presidente Fernando Lugo foi considerado golpe por todos os Estados da América do Sul e de acordo com o Compromisso Democrático do Mercosul o Paraguai foi suspenso da Unasur e do Mercosul, sem que os neogolpistas manifestassem qualquer consideração pelas gestões dos Chanceleres da UNASUR, que receberam, aliás, com arrogância.

22. Em consequência da suspensão paraguaia, foi possível e legal para os governos da Argentina, do Brasil e do Uruguai aprovarem o ingresso da Venezuela no Mercosul a partir de 31 de julho próximo. Acontecimento que nem os neogolpistas nem seus admiradores mais fervorosos - EUA, Espanha, Vaticano, Alemanha, os primeiros a reconhecer o governo ilegal de Franco - parecem ter previsto.

23. Diante desta evolução inesperada, toda a imprensa conservadora dos três países, e a do Paraguai, e os líderes e partidos conservadores da região, partiram em socorro dos neogolpistas com toda sorte de argumentos, proclamando a ilegalidade da suspensão do Paraguai (e, portanto, afirmando a legalidade do golpe) e a inclusão da Venezuela, já que a suspensão do Paraguai teria sido ilegal.

24. Agora, o Paraguai procura obter uma decisão do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul sobre a legalidade de sua suspensão do Mercosul enquanto, no Brasil, o líder do PSDB anuncia que recorrerá à justiça brasileira sobre a legalidade da suspensão do Paraguai e do ingresso da Venezuela.

25. A política externa norte-americana na América do Sul sofreu as consequências totalmente inesperadas da pressa dos neogolpistas paraguaios em assumir o poder, com tamanha voracidade que não podiam aguardar até abril de 2013, quando serão realizadas as eleições, e agora articula todos os seus aliados para fazer reverter a decisão de ingresso da Venezuela.

26. Na realidade, a questão do Paraguai é a questão da Venezuela, da disputa por influência econômica e política na América do Sul e de seu futuro como região soberana e desenvolvida.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20570

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Samuel Pinheiro Guimarães deixa o Mercosul com uma advertência: ou muda ou fica irrelevante

29/06/2012 - Saul Leblon
original no Portal Carta Maior

Para ser o que dele se espera, uma alavanca progressista de desenvolvimento regional integrado, o Mercosul precisa enfrentar a sua hora da verdade.

Essa hora é agora, no curso da maior crise capitalista desde os anos 30, que abriu brechas e desarmou interesses, colocando em xeque dogmas e forças que ordenaram a criação do bloco, em 1991, por iniciativa dos governos Menem, Collor, Rodrigues e Lacalle.

Movia-os então a certeza de que o alinhamento regional às políticas preconizadas pelo Consenso de Washington, ancoradas em desregulação, privatização, livre trânsito de capitais e remoção de barreiras comerciais, seria suficiente para promover o desenvolvimento econômico e social. A concepção original e os alicerces a partir de então assentados não visavam o desenvolvimento econômico e social de cada Estado membro, menos ainda da região de forma associada.

O Mercosul tinha em seu DNA a determinação de ser um ponto de passagem, uma alavanca de desobstrução de barreiras e soberania estatal, de modo a alcançar a plena inserção no espaço virtuoso dos mercados globais, conforme os preceitos do neoliberalismo. Esse vício de origem nunca foi corrigido de forma estrutural, tampouco a baixa densidade operacional daí decorrente foi superada a contento.

O fosso aberto entre o passo seguinte da história e uma arquitetura desenhada para servir ao ciclo anterior, ora em colapso, ameaçam o Mercosul com o espectro da irrelevância.

Esse ponto de saturação exige respostas corajosas e iniciativas urgentes diante dos desafios que a longa crise do neoliberalismo impõe aos governos e às nações em desenvolvimento.

Foi para sacudir a modorra política e burocrática do bloco, que ameaça miná-lo como instrumento histórico de integração regional, que o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, um dos estrategistas da política externa independente do governo Lula, renunciou nesta 5ª feira, ao cargo de Alto Representante Geral do Mercosul.

(Leia aqui o relatório apresentado por ele ao Conselho de Ministros do bloco)


Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1022

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A urgência da união sul-americana

19/05/2012 - Mauro Santayana (*)
extraído do site Carta Maior

A América do Sul terá que unir-se com urgência, para que não se torne território aberto à disputa feroz pelos seus recursos naturais, no futuro que se apressa a chegar. Ao lado da África, a América Latina sempre foi vista como um território de todos, menos de seus próprios habitantes.
(Mauro Santayana)

Não há mais espaço para a dúvida: a América do Sul terá que unir-se com urgência, para que não se torne território aberto à disputa feroz pelos seus recursos naturais, no futuro que se apressa a chegar. Ao lado da África, a América Latina sempre foi vista como um território de todos, menos de seus próprios habitantes. Em nome da Fé e da Civilização, espanhóis e portugueses, holandeses e franceses, aqui chegaram para ocupar e dominar as civilizações existentes, como as andinas.

Nesse aspecto, o Brasil é uma exceção importante: os indígenas brasileiros ainda se encontravam no neolítico, ao contrário dos habitantes da cordilheira, senhores de uma cultura respeitável. Isso parece pouco, mas não é. Dos europeus que tentaram a conquista, os ibéricos tiveram mais êxito, não só na América do Sul, mas também em grande parte da América do Norte, até a chegada em massa dos seus rivais britânicos. O que nos interessa, no entanto, é esse continente em suas razões geográficas, políticas, econômicas e culturais. E não “subcontinente”, como muitos insistem em nos considerar.

Geograficamente, nós constituímos uma realidade própria. Ainda que o istmo do Canadá una o Hemisfério Ocidental, e que grande parte da América do Sul política se encontre ao norte do Equador, e nela considerável parcela do Brasil, da Colômbia à Terra do Fogo somos uma realidade geográfica e histórica bem identificada. Sempre foi do interesse dos colonizadores que vivêssemos, brasileiros e hispano-americanos, bem separados uns dos outros.

Mesmo durante os 60 anos em que as coroas de Portugal e da Espanha estiveram unidas, a administração colonial se manteve separada e os contatos se limitavam às autoridades. Nossos povos não se conheciam, a não ser nos raros pontos fronteiriços.

Ao desdenhar os nossos povos, o arrogante Kissinger disse que nada de importante ocorreu no Hemisfério Sul. Ele, em sua visão preconceituosa e imperialista, se esqueceu de que a descoberta e conquista da América foram o fato mais importante de toda a História do Ocidente.

Essa importância começa com a viagem de Colombo, em 1492, mais arriscada do que a ida do homem à Lua. Os astronautas que desceram no satélite da Terra foram precedidos de sondas e exaustivos cálculos matemáticos; da metalurgia de novas ligas metálicas para as aeronaves, de todos os cuidados. Os navegantes do fim do século XV só contavam com sua coragem a fim de vencer o Mar Oceano em frágeis caravelas.

Devemos a Napoleão o surgimento da América do Sul como realidade política. Antes dele e da invasão da Península Ibérica por suas tropas, a América do Sul era assunto britânico, por intermédio de Lisboa e de Madri. A vitória de Waterloo confirmou a presença britânica no continente até a Primeira Guerra Mundial.

Éramos, segundo Hegel, em seu Curso de Filosofia da História, entre 1818 e 1822, uma região em constantes rebeliões chefiadas por caudilhos militares, enquanto a América do Norte, sob a razão protestante, anunciava uma nova civilização. Mas insinuava certo otimismo:

“A América é, portanto, a terra do porvir, onde, nos tempos futuros se manifestará, talvez, no antagonismo da América do Norte com a América do Sul, o ponto de gravidade da História Universal. É uma terra de sonho para todos aqueles que se encontram cansados do bric-à-brac da Velha Europa. Napoleão teria dito: Esta velha Europa me entedia.” 

E continua: “A América deve se separar do solo sobre o qual se passou, até agora, a história universal”.

Estamos no momento exato de separar-nos da velha Europa, coisa que os Estados Unidos só serão capazes de fazer quando os hispano-americanos se tornarem a etnia predominante naquele país.

A hora é, portanto, da América do Sul. E o primeiro movimento necessário nessa direção é o fortalecimento do Mercosul.

Roberto Requião
Essa constatação foi a tônica do primeiro encontro sobre “Crise, Estado e Desenvolvimento: Desafios e Perspectivas para a América do Sul”, promovido pela Representação Brasileira no Parlasul, por iniciativa do Senador Roberto Requião, sexta-feira passada [18/05/12], no Senado, de que participaram o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Representante Brasileiro no Mercosul, o Professor Carlos Lessa e este colunista. Temos que nos apressar, e negociar com o espírito de solidariedade efetiva, a quebra de barreiras internas no continente, base necessária aos acordos políticos.

Samuel Pinheiro Guimarães
 Nesse sentido, é interessante a proposta ousada da Argentina, de estabelecimento de uma tarifa comum, de 35% por cento, para a entrada de produtos estrangeiros no Mercosul, e abolição total das tarifas no espaço do acordo aduaneiro.

A História mostra – e o exemplo mais importante é o da Alemanha – que a união política necessita de uma união aduaneira prévia. Ainda em 1834, a Prússia iniciou esse processo de união aduaneira (Zollverein) com os numerosos estados alemães, o que possibilitou a união política quase 50 anos depois.

Carlos Lessa
Mas uma união aduaneira exige mais do que interesses econômicos, para se tornar uma união política. Exige certa identidade étnica, espírito de solidariedade e semelhante visão do mundo, o que ocorria na Alemanha, antes e depois de Bismarck, e que não existe na Europa de hoje. Temos, na América do Sul, não obstante a identidade cultural própria de nossos povos, certa identidade étnica, história mais ou menos comum de países que foram colônias, continuidade geográfica e espírito de solidariedade.
Mauro Santayana

Pressionados pela crise que provocaram, os governantes dos países nórdicos sentem-se tentados a nova aventura de conquista, econômica, política e, se for preciso, militar, da América do Sul. Pelo que fizeram e estão fazendo nos países produtores de petróleo, podemos prever o que se encontram dispostos a fazer em busca das matérias primas e dos nossos territórios que cobiçam. Para que não sejamos dominados neste século, como advertia Perón em 1945, temos que nos unir, logo, sem tergiversações menores, e respeitando-nos como povos rigorosamente iguais.

O problema, mais do que ideológico, é geopolítico. É o do nosso espaço, que eles consideram vital para eles. Nosso dever, na História, é o de resistir e construir nova forma de convívio, criador e solidário, no espaço que ocupamos há meio milênio.

(*) Colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.