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sábado, 27 de abril de 2013

Adolescente brasileiro, preso por israelenses

- 21/04/2013 - Brasileiro é preso acusado de atirar pedras em soldados israelenses
- Guila Flint - De Tel Aviv para a BBC Brasil - por: BBC e Stop the Wall 

O adolescente Majd Hamad, de 15 anos, filho de uma brasileira e que vinha sendo procurando pelo Exército israelense sob acusação de jogar pedras contra as tropas, se entregou neste domingo [21/04] em uma delegacia de polícia na Cisjordânia.

Acompanhado pela mãe, Najat Hamad, que nasceu em Goiás, e pelo ministro-conselheiro do escritório de Representação do Brasil em Ramallah, João Marcelo Soares [ao lado], ele chegou pela manhã ao posto policial Binyamin, perto de Ramallah.

Após cerca de uma hora de interrogatório, durante o qual as autoridades não permitiram a presença da mãe ou do diplomata, Majd ficou detido no local e, de lá, deverá ser transferido para a prisão de Ofer.

De acordo com a mãe, "quando saiu do interrogatório, estava muito nervoso e com olhos vermelhos, mas não me deixaram falar com ele".

Majd Hamad, 15 anos
O adolescente é acusado de jogar pedras contra soldados israelenses durante uma manifestação no dia 11 de abril, nas proximidades do vilarejo de Silwad, onde mora.

Najat Hamad, nascida na cidade de Anápolis, afirma que seu filho não participou da manifestação em questão.

"Naquele dia, eu e meu marido decidimos não deixar Majd sair de casa, pois a situação estava tensa em Silwad, depois que colonos de um assentamento próximo espancaram um agricultor palestino", disse a mãe à BBC Brasil.

Segundo o porta-voz do Exército israelense, capitão Barak Raz, "o Exército não prende ninguém à toa. Se foi preso, é sinal de que há provas contra ele", disse citando a possibilidade de haver vídeos, fotos ou depoimentos envolvendo o nome do adolescente.

Buscas
De acordo com o relato da mãe, soldados israelenses invadiram a casa da família às 2 horas da manhã do sábado (13/04).

"A família inteira estava dormindo quando ouvimos batidas muito fortes na porta", disse a brasileira. "Minha filha de 13 anos foi abrir e se deparou com um grupo de soldados com fuzis apontados para a cabeça dela."

"Eles entraram rapidamente e começaram a revistar a casa. Reuniram a nossa família na sala e começaram a procurar nos quartos", disse a mãe.

"Eu tinha certeza de que eles estavam procurando meu marido e fiquei muito surpresa quando um dos soldados me disse que vieram prender Majd."

"Eu disse a ele que Majd tinha ido dormir na casa de parentes e que ele é muito pequeno, só tem 15 anos", afirmou.

Ao fim da operação de busca, a mãe prometeu aos militares que entregaria seu filho às autoridades israelenses neste domingo.

Fiança
O diplomata brasileiro João Marcelo Soares, que acompanhou a apresentação do adolescente à delegacia, disse à BBC Brasil que "as autoridades israelenses me informaram que os interrogatórios ainda estão em curso e, ao final, haverá uma decisão sobre o pedido de libertação sob fiança".

"Caso o pedido seja negado, amanhã (22/04), os menores serão levados a um tribunal militar, que deverá reconsiderar o pedido", acrescentou.

Majd Hamad foi preso juntamente com mais quatro colegas da mesma classe, todos de 15 ou 16 anos.

Sua mãe, Najat Hamad, que mudou-se para a Cisjordânia há 17 anos, disse que "não esperava que aqui prendessem crianças desse jeito".

"O que são pedras diante das metralhadoras e dos veículos blindados do Exército israelense?", perguntou.

O Exército israelense define o lançamento de pedras como "atentados terroristas que podem matar".

Unicef
Em março, o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) publicou um relatório acusando Israel de violar os direitos de crianças e adolescentes palestinos presos.

O relatório afirma que "menores de idade palestinos detidos por militares israelenses são sujeitos a maus tratos que violam a lei internacional".

De acordo com o Unicef, a cada ano cerca de 700 menores palestinos, entre 12 e 17 anos, são interrogados e detidos pelo Exército, pela polícia e por agentes de segurança de Israel.

Segundo o presidente da Associação dos Prisioneiros Palestinos, Kadura Fares [foto], atualmente há cerca de 200 menores palestinos presos em cadeias israelenses.

Fares disse à BBC Brasil que, nas cadeias israelenses, os menores "têm o mesmo tratamento que os adultos, não há prisões especiais para as crianças".

Fontes:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/04/130421_palestino_brasileiro_prisao_gf_fn.shtml

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Se os EUA não fizerem o que Israel diz que Deus disse... estamos fritos

22/04/2013 - Institute for Political Economy
- em 21/4/2013, por Paul Craig Roberts
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Os governos dos EUA estão em guerra há 11 anos.

Os militares norte-americanos destruíram o Iraque, deixando em ruínas o país e milhões de vidas, e abriram as porteiras do sectarismo sanguinário que o governo secular de Saddam Hussein mantivera bem contido.

Qualquer dia que se observe o Iraque hoje “libertado”, o número de mortos é maior do que durante o auge da tentativa norte-americana para ocupar o país.

No Afeganistão, depois de 11 anos de tentativas norte-americanas para ocupar o (outro) país, o sucesso é ainda menor que depois de uma década de tentativas soviéticas.

Os afegãos não se entregam, apesar de duas décadas de guerra contra duas superpotências.

Como os soviéticos, os norte-americanos também deram jeito de matar muitas mulheres, crianças e velhos, mas número bem menor de valentes combatentes, que continuam vivos.

Em lugar do governo fantoche dos soviéticos, há lá um governo fantoche dos EUA.

Só isso mudou, e o fantoche dos norte-americanos é ainda mais frágil que o fantoche dos soviéticos.


Na Líbia, Washington usou seus fantoches corruptos da OTAN e bandidos recrutados pela CIA para derrubar outro governo estável, de Muammar Gaddafi, e deixou a Líbia entregue à violência sectária.

Um país estável e próspero foi simplesmente destruído por governos ocidentais que muito falam sobre respeito aos direitos humanos e tanto condenam China e Rússia por não fazer o que eles fazem.


No Paquistão e no Iêmen, Washington mata civis, usando drones em ataques aéreos.

Paquistão e Iêmen são dois países com os quais Washington não está em guerra, mas cujos governos foram subornados para que dessem aos EUA direito de assassinar os paquistaneses e iemenitas e norte-americanos em seu território, para assim desestabilizar também os dois países.

E agora, na Síria, Washington está ocupadíssima destruindo mais um governo secular e estável, chefiado por um médico oftalmologista [ao lado] formado na Inglaterra.

Os 11 anos de agressão ilegal a países muçulmanos cometida por Washington – que configura crime de guerra, nos termos definidos pelo Tribunal de Nuremberg que condenou nazistas – resultaram em número muito maior de civis mortos que de militares mortos.

Resultaram também numa política doméstica, cá nos EUA, que já destruiu o Estado de Direito e todas as proteções constitucionais de que gozavam os cidadãos norte-americanos.

Washington e sua imprensa-empresa prostituída (presstitutes) vivem a repetir que esse seria o preço a pagar para salvar os norte-americanos dos ataques dos terroristas da al-Qaeda [emblema ao lado] – nenhum dos quais foi jamais encontrado ou preso em território dos EUA.

Submetido à agressão ininterrupta da propaganda com a qual Washington e seu Ministério da Propaganda “midiático” bombardeiam meus ouvidos e olhos há 11 anos, imaginem qual não foi minha surpresa, atônito e boquiaberto, ao ver duas manchetes justapostas:

Frente Al-Nusra jura fidelidade à al-Qaeda” (BBC) e

Movimento para ampliar ajuda aos rebeldes sírios ganha velocidade no Ocidente” (NY Times).

Frente al-Nusra, [acima] terroristas da al-Qaeda financiados pelos EUA na Síria

A Frente Al-Nusra é o principal grupo militarizado dos “rebeldes sírios” e jurou fidelidade ao mais mortal inimigo dos EUA – a al-Qaeda de Osama bin Laden.

Parem as máquinas!
O governo dos EUA jurou a nós, cidadãos, durante 11 anos, que estava torrando trilhões de dólares em guerras e mais guerras para proteger os norte-americanos contra os ataques da al-Qaeda.

Em nome disso, destroçaram a assistência social, Social Security, Medicare, toda a rede de seguridade social, o valor de câmbio do dólar, a avaliação do valor de câmbio dos papéis do Tesouro Norte-americano e todas as nossas liberdades civis.

TUDO, para salvar os EUA, dos ataques dos terroristas da al-Qaeda.

Assim sendo... por que, agora, Washington está apoiando a mesma al-Qaeda que trabalha para derrubar um governo secular não islamista na Síria, o qual nunca, em tempo algum, ameaçou, nem de longe, os norte-americanos!?

Duas presstitutes do The New York Times, Michael R. Gordon e Mark Landler, encarregaram-se de elevar a organização terrorista al-Qaeda ao status de “oposição síria”.

Numa reunião-almoço, reunida com esse fantoche de Washington, o secretário de Relações Exteriores britânico, William Hague [abaixo], e o secretário de Estado dos EUA, John Kerry [ao lado], a “oposição síria” – quer dizer: a al-Qaeda – “solicitou” jatos bombardeiros e armamento antitanques.

Um alto funcionário norte-americano esclareceu que “nossa ajuda está em trajetória ascendente. O presidente Obama ordenou que sua equipe de segurança nacional identifique outros meios pelos quais possamos ampliar nossa ajuda” (à al-Qaeda!).

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, anunciou um “pacote de ajuda para defesa”, no valor de $123 milhões, para a “oposição síria” (hoje comandada pela al-Qaeda!).

Washington já enviou $117 milhões em “alimentos e suprimentos médicos e hospitalares” para a “oposição síria”; e ordenou que seus fantoches no Oriente Médio mandem armas.

Observem o duplifalar orwelliano: os EUA estão fornecendo armas a uma força terrorista estrangeira, para que destrua um governo secular e uma população inteira com os quais os EUA não estão em guerra; e a isso se dá o nome de “pacote de ajuda para defesa”.

Dia 11/4, o jornal Le Monde, do establishment francês, noticiou que a Frente al-Nusra afiliada à al-Qaeda é a força militar que domina a “oposição síria”, não algum grupo de democratas revolucionários.

Apesar disso, os fantoches de Washington, França e Grã-Bretanha, estão empurrando a União Europeia para que também forneça armas à tal “oposição síria”, quero dizer, à al-Qaeda.

E o senador John McCain [ao lado] quer que os EUA ataquem diretamente o governo Sírio (bombardeio aéreo, é o que ele quer), apesar de os EUA não estarem em guerra contra a Síria, porque o senador McCain acha imprescindível que os EUA ajudem a al-Qaeda a assumir o governo por lá.

Simultaneamente, os xiitas islamistas, aos quais os EUA entregaram o controle do Iraque, anunciaram que se aliaram às forças de al-Qaeda-EUA (?!), interessados em também radicalizar e fundamentalizar a Síria.

Os números mais recentes da ONU indicam que os ataques contra a Síria organizados por procuração pelos fantoches de Washington já mataram 70 mil pessoas.

Mas os norte-americanos só pensam nas bombas da Maratona de Boston, que mataram três pessoas.

Mais uma vez “a única nação indispensável” está levando morte e destruição a um país inteiro... talvez para oferecer “liberdade e democracia” a pilhas de cadáveres.

Nenhum sírio jamais pediu para ser assim “libertado” da própria vida.

Americanos, orgulhem-se!

Estamos cumprindo nosso dever com nossa arrogante hegemonia sobre o mundo e também nosso dever com Israel, que já alugou o governo dos EUA.

Temos todo o direito de nos impor como potência hegemônica no planeta Terra, passando pelo Mar Mediterrâneo. Portanto... Washington tem todo o direito de destruir a Síria... para acabar com a base naval russa!

Os romanos jamais toleraram que potência estrangeira tivesse base naval ali.

Não podemos deixar por menos! Afinal, não somos estado-pateta, com medo da própria sombra.

O Mediterrâneo foi mare nostrum – nosso mar – dos romanos. Agora é nosso. Portanto... temos todo o direito de destruir a Síria.

Israel, claro, recebeu o título de “Grande Israel” das mãos de Deus em pessoa – e quem sou eu para discordar dos pregadores cristãos sionistas que engordam com o dinheiro israelense – para os quais parte da “Grande Israel” seria o rio no sul do Líbano que fornece preciosa água.

Militantes do Hezbollah
O Hezbollah, ajudado por Síria e Irã impediu que Israel confiscasse o sul do Líbano para pôr as mãos na água que Deus dera pessoalmente aos israelenses.

Portanto, os EUA, para fazermos nosso dever de fantoches de Israel, temos agora de destruir tudo – a Síria e o Irã, para isolar o Hezbollah [ao lado], tirá-lo do caminho que nos leva à água, indispensável à “Grande Israel”.

As igrejas cristãs sionistas nos EUA repetem essa mensagem todos os domingos.

Se você não acredita neles, é porque é algum tipo de antiamericano antissemita e tem de se exterminado.

Ou talvez seja um desprezível terrorista muçulmano a ser submetido a simulação de afogamento, até confessar.

A Segurança Doméstica fará picadinho de você, como fizeram dos russos/chechenos muçulmanos terroristas em Boston, que tentaram explodir a Maratona.

Quero dizer é que... como nós, povo indispensável, levaremos liberdade e democracia ao mundo, se os russos mantêm uma base naval em nosso mar?

Como projetaremos força, se projetamos tal fraqueza a ponto de admitir base de potência estrangeira na nossa exclusiva esfera de influência, a milhares de milhas de distância de nossas fronteiras?

Não esqueçam: as fronteiras dos EUA são as fronteiras do mundo. Como diz nosso hino: “Do mar ao mar brilhante”. Não esqueçam.

Claro, não queremos confrontos com outra potência militar nuclear, mas o jeito de contornar isso é demonizar o governo sírio e a Rússia por apoiar o governo de um oftalmologista e “brutal ditador” que resiste contra a tentativa da al-Qaeda para tomar a Síria e financiada com dinheiro de Washington.

Nossos mestres em Washington podem usar a ONU e todos os nossos bem pagos estados-satélites para pressionar os russos a calarem o bico e saírem do nosso caminho.

Quero dizer: por que Putin não aceita todas aquelas ONGs pagas com nosso dinheiro pelas ruas de Moscou empenhadas em derrubar seu governo?

Quero dizer, quem Putin [acima] pensa que é, para atravessar-se à frente de nossa hegemonia sobre o universo e, além do mais, também à frente da hegemonia sobre o Oriente Médio que Deus deu a Israel?

Quero dizer, Putin está em campo, e em campo estão aqueles malditos chineses.

Quero dizer, sério, quem essa gente pensa que é? Norte-americanos?! Aqueles chinas nunca ouviram falar do nosso controle sobre todo o Pacífico?

Quero dizer, qual é? Os chinas são surdos? Saíram para o almoço?

Quero dizer, sério, como poderemos os norte-americanos chegar ao Paraíso, se não obedecemos ao que Deus mandou fazer e entregamos todo o Oriente Médio a Israel, como Israel reza e rezam as sagradas escrituras?

Quero dizer, sério, vocês querem desobedecer à vontade de Deus e assar no Inferno?

Ali, em vez das virgens que os muçulmanos prometem, é só fogo, você será queimado vivo. Melhor você escolher o lado certo, antes de morrer.

Quero dizer, sério, quem quer acabar assim?

Melhor os EUA darmos cabo da Síria, o mais depressa possível, como Israel ordenou.

Se os EUA não obedecerem ao que Israel diz-que Deus disse... estamos fritos! 

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/04/se-os-eua-nao-fizermos-o-que-israel-diz.html

Nota:
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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Impressões de uma visita a Gaza

24/11/2012 - Noam Chomsky - Carta Maior
Tradução de André Cristi


Uma noite encarcerado é o bastante para que se conheça o sabor de estar sob total controle de uma força externa. E dificilmente demora mais de um dia em Gaza para que se comece a perceber como é tentar sobreviver na maior prisão a céu aberto do mundo.
Na Faixa de Gaza, a área de maior densidade populacional do planeta, um milhão e meio de pessoas estão constantemente sujeitas a eventuais e amiúde ferozes e arbitrárias punições, cujo propósito não é senão humilhar e rebaixar a população palestina e ulteriormente garantir tanto o esmagamento das esperanças de um futuro decente quanto a nulidade do vasto apoio internacional para um acordo diplomático que sancione o direito a essas esperanças.

Benyamin Netanyahu

O comprometimento a isso por parte das lideranças políticas israelenses (foto) foi ilustrado expressivamente nos últimos dias, quando eles advertiram que enlouqueceriam’ se os direitos palestinos fossem reconhecidos, mesmo que limitadamente, pela ONU.

Essa postura não é nova. A ameaça de enlouquecer’ (‘nishtagea’) tem raízes profundas, lá nos governos trabalhistas dos anos 1950 e em seus respectivos “complexos de Sansão”: “se nos contrariarem, implodimos as paredes do Templo à nossa volta”. À época, essa ameaça era inútil; hoje não é mais.

A humilhação deliberada também não é nova, apesar de adquirir novas formas constantemente. Há trinta anos, líderes políticos, inclusive alguns dos mais notórios ‘falcões’ (sionistas mais conservadores), apresentaram ao primeiro-ministro um relato detalhado de como colonos regularmente violavam palestinos da forma mais vil e com total impunidade. A proeminente analista Yoram Peri notou com repugnância que a tarefa do exército não é a de defender o Estado, mas de “acabar com os direitos de pessoas inocentes somente porque são araboushim (uma ofensa racial) vivendo numa terra que Deus nos prometeu”.


O povo de Gaza foi selecionado para punições particularmente cruéis. É quase miraculoso que eles suportem tal existência. Raja Shehadeh descreveu como eles o fazem num eloquente livro de memórias, A Terceira Via, escrito há 30 anos. O texto relata seu trabalho como advogado empenhado na tarefa de tentar proteger direitos elementares num sistema legal feito para ser insuficiente, além de sua experiência como um resistente que vê sua casa tornar-se uma prisão por ocupantes violentos e nada pode fazer além de “aguentar”.

A situação piorou muito desde o texto de Shehadeh. Os acordos de Oslo, celebrados com muita cerimônia em 1993, determinaram que Gaza e a Cisjordânia eram uma só entidade territorial. Os EUA e Israel puseram sua estratégia de separá-los para funcionar já naquela época, de forma a barrar um acordo diplomático e punir os araboushim em ambos os territórios.



A punição aos moradores de Gaza tornou-se ainda mais severa em janeiro de 2006, quando eles cometeram um crime hediondo: votaram no “lado errado” na primeira eleição do mundo árabe, elegendo o Hamas. Demonstrando seu amor pela democracia, os EUA e Israel, apoiados pela tímida União Europeia, impuseram um sítio brutal e ataques militares ostensivos logo de cara. Os norte-americanos também imediatamente recorreram ao procedimento operacional padrão para momentos em que populações desobedientes elegem o governo errado: prepararam um golpe militar para restabelecer a ordem.

O povo de Gaza cometeu um crime ainda pior um ano depois. Barraram a tentativa de golpe, levando a uma forte escalada do sítio e das ofensivas militares. Isso culminou, no inverno de 2008-9, na Operação Chumbo Fundido, um dos mais covardes e perversos exercícios de poder militar na memória recente, na qual uma população civil sem defesa e enclausurada ficou sujeita à implacável ofensiva de um dos mais avançados sistemas militares do mundo, que conta com o apoio das armas e da diplomacia estadunidense.


Um testemunho inesquecível do morticínio – infanticídio, nas palavras deles – é o livro Eyes in Gaza, [Olhos em Gaza - literal] de dois corajosos doutores noruegueses, Mads Gilbert e Erik Fosse, que à época trabalhavam no principal hospital de Gaza.

O Presidente Obama não foi capaz de dizer uma palavra além de reiterar sua sincera simpatia pelas crianças sob ataque – na cidade israelense de Sderot. A investida minuciosamente planejada foi levada a cabo justamente antes do empossamento de Barack, assim ele pôde dizer que era hora de vislumbrar o futuro, não o passado.

Obviamente, havia pretextos – sempre há. O de costume, apresentado assim que necessário, é a “segurança”: neste caso, os foguetes caseiros de Gaza. Como de costume, também, o pretexto carecia de credibilidade. Em 2008, estabeleceu-se uma trégua entre Israel e o Hamas. E o governo israelense reconheceu formalmente que o Hamas cumpriu a trégua. Nenhuma bomba do Hamas foi disparada até que Israel rompeu a trégua encoberto pelas eleições presidenciais norte-americanas de 4 de novembro de 2008, invadindo Gaza por motivos ridículos e matando meia-dúzia de membros do Hamas.

O governo de Israel foi aconselhado por suas mais altas autoridades de inteligência de que a trégua poderia ser retomada por suavizar o bloqueio criminoso e acabar com as ofensivas militares. Mas o governo de Ehud Olmert, por reputação um “pombo” (termo para os sionistas “moderados”), preferiu rejeitar estas opções e lançar mão de sua enorme vantagem no quesito violência: a Operação Chumbo Fundido.


O modelo de bombardeio da Operação Chumbo Fundido foi analisado cuidadosamente pelo respeitado defensor dos direitos humanos Raji Souraninatural de Gaza. Ele aponta que o bombardeio concentrou-se ao norte, irando civis indefesos nas áreas de maior densidade populacional, sem qualquer desculpa do ponto de vista militar. O objetivo, ele sugere, talvez tenha sido mover a população intimidada para o sul, próximo à fronteira com o Egito. Mas, apesar da avalanche terrorista, os resistentes não se moveram.

Outro objetivo provavelmente era movê-los para lá da fronteira. Desde o início da colonização sionista dizia-se que os árabes não tinham motivo para estar na Palestina. Eles podiam continuar felizes noutro lugar e deveriam ser “transferidos” de maneira educada, sugeriam os pombos. Esta, que claramente não é uma preocupação menor do governo egípcio, talvez seja a razão pela qual o Egito não abre sua fronteira seja para civis, seja para os suprimentos dos quais o país necessita desesperadamente.

Sourani e outras fontes dignas de reconhecimento notam que a disciplina dos resistentes oculta um barril de pólvora que pode explodir inesperadamente, como aconteceu na primeira Intifada em Gaza em 1989, após anos de repressão indigna de qualquer interesse ou nota.


Só para mencionar um dos inumeráveis casos, pouco antes da eclosão da Intifada, uma menina palestina, Intissar al-Atar, foi assassinada no pátio da escola pelo morador de um assentamento judeu próximo. Ele era um dos milhares de colonos israelenses trazidos para Gaza, o que violava leis internacionais, sob proteção da enorme presença de um exército que assumiu o controle das terras e da escassa água da Faixa.

O assassino da estudante, Shimon Yifrah, foi preso. No entanto, foi solto rapidamente quando o tribunal determinou que “o delito não foi severo o suficiente” para justificar a detenção. O juiz comentou que Yifrah só pretendia assustar a garota por atirar na direção dela, não matá-la, assim, “o caso não é o de um criminoso que deve ser punido com um aprisionamento”. Yifrah recebeu uma pena suspensa de 7 meses, o que levou os outros colonos presentes à sala de tribunal a dançar e cantar. E o silêncio, pra variar, reinou. Afinal, a rotina é essa.


Assim que Yifrah foi libertado, a imprensa israelense reportou que uma patrulha armada atirou no pátio de um colégio para meninos de 6 a 12 anos num campo de refugiados da Cisjordânia, ferindo cinco crianças. O ataque só pretendia “assustá-los”. Não houve punições e o evento, para variar, não atraiu atenção. Era só mais um episódio do programa de “analfabetismo como punição”, disse a imprensa israelense, programa que incluía o fechamento de escolas, uso de bombas de gás, espancamento de estudantes a coronhadas, bloqueio de auxílio médico para vítimas; e para além das escolas predominou a mesma brutalidade, que até asseverou-se durante a Intifada, sob ordens do Ministro da Defesa Yitzhak Rabin, outro bem conceituado “pombo”.

Minha impressão inicial, depois de uma visita de alguns dias, foi de admiração ao povo palestino. Não só pela habilidade de levar a vida, mas também pela vitalidade da juventude, particularmente a universitária, com a qual eu passei um bom tempo numa conferência internacional. Mas também fui capaz de perceber que a pressão pode tornar-se grande demais. Relatos apontam que entre a população masculina jovem há uma frustração crescente e o reconhecimento de que, sob comando dos EUA e de Israel, o futuro não é promissor.

A Faixa de Gaza parece uma típica sociedade de terceiro mundo, com bolsões de riqueza rodeados por uma pobreza medonha. Não é, entretanto, um lugar “subdesenvolvido”.


Na verdade, é “des-desenvolvido”, e de maneira muito sistemática, pegando emprestado um termo de Sara Roy (foto), a maior especialista acadêmica em Gaza.

Gaza poderia ter se tornado uma região mediterrânea próspera, com rica agricultura, uma promissora indústria pesqueira, praias maravilhosas e, como descobriu-se há dez anos, a perspectiva de uma extensa reserva de gás natural dentro dos limites de suas águas. Coincidentemente ou não, foi há uma década que Israel intensificou seu bloqueio naval, levando navios pesqueiros em direção à costa.

As perspectivas favoráveis foram frustradas em 1948, quando a Faixa tornou-se abrigo da enxurrada de refugiados palestinos que fugiram ou foram expulsos à força do que hoje é Israel.

Na verdade, eles continuaram sendo expulsos quatro anos depois, como informou no periódico Ha’aretz (25.12.2008) o estudioso Beni Tziper (foto). Ele afirma que, já em 1953, “avaliava-se necessário varrer os árabes da região”.

Isso foi em 1953, quando a necessidade de militarização ainda não se insinuava. As conquistas israelenses de 1967 ajudaram a administrar os golpes posteriores. Vieram então os terríveis crimes já mencionados, que continuam até hoje.

É fácil notar os sinais de tais crimes, mesmo numa visita breve. Num hotel perto da costa pode-se ouvir as metralhadoras israelenses empurrando pescadores para fora das águas de Gaza, em direção à própria costa. Assim, eles são levados a pescar em águas que estão poluidíssimas porque norte-americanos e israelenses não permitem a reconstrução dos sistemas de esgoto e energia que eles próprios destruíram.



Os Acordos de Oslo planejavam duas usinas de dessalinização, imprescindíveis em função da aridez da região. Uma instalação muito avançada, foi construída – em Israel. A segunda é em Khan Yunis, sul da Faixa de Gaza. O engenheiro encarregado de tentar obter água potável para a população explicou que essa usina foi projetada de forma tal que é incapaz de usar água do mar, ela depende de reservas subterrâneas, um sistema mais barato que, no entanto, degrada o aquífero já deficiente. Mesmo assim, a água é limitadíssima.

A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), que cuida dos refugiados (mas não dos outros moradores de Gaza), recentemente lançou um relatório advertindo que os danos ao aquífero podem em breve tornar-se “irreversíveis”, e que, sem ações reparadoras, Gaza talvez deixe de ser um “local habitável” em 2020.



Israel permite a entrada de concreto para projetos da UNRWA, mas não para os palestinos comprometidos com as enormes necessidades de reconstrução. O equipamento pesado permanece ocioso a maior parte do tempo, já que Israel não permite materiais para reparo. Tudo isso é parte do programa descrito por Dov Weisglass, conselheiro do primeiro-ministro Ehud Olmert, (foto) depois de os palestinos terem deixado de seguir certas ordens na eleição de 2006: “a ideia”, disse ele, “é aplicar uma dieta aos palestinos, mas não deixá-los morrer de fome”. Não seria de bom tom.


O plano está sendo seguido conscienciosamente. Sara Roy nos dá vasta evidência disso em seus estudos. Recentemente, após anos de esforços, a Gisha, organização israelense pelos direitos humanos, conseguiu obter uma ordem judicial exigindo que o governo divulgue os planos da “dieta”. 


Jonathan Cook, (foto) jornalista em Israel, assim os resume: “oficiais de saúde forneceram cálculos do número mínimo de calorias que Gaza precisa para que os 1.5 milhão de habitantes não fiquem desnutridos. Esse número traduziu-se no número de caminhões de comida que Israel supostamente permite a cada dia, uma média de apenas 67 caminhões – bem menos do que a metade do requerido. E que se compare com isso os 400 caminhões diários de antes do bloqueio”. Segundo relatórios da ONU, mesmo essas estimativas são bastante generosas.


O resultado da imposição da dieta, observa o especialista em Oriente Médio Juan Cole, (foto) é que “cerca de 10% das crianças palestinas com menos de cinco anos tiveram seu crescimento atrofiado pela desnutrição. Além disso, a anemia hoje afeta dois terços das crianças mais jovens, 58,6% das crianças em idade escolar e mais de um terço das grávidas”. Os EUA e Israel querem ter certeza de que nada além da mera sobrevivência seja possível.

O que devemos ter em mente”, diz Raji Sourani, “é que a ocupação e o encerramento absoluto é um ataque em andamento contra a dignidade humana do povo de Gaza em particular, e contra os palestinos em geral. É degradação, humilhação, isolamento e fragmentação sistemática do povo palestino”.

Essa conclusão é confirmada por muitas outras fontes. Em um dos mais importantes periódicos médicos do mundo, The Lancet, um físico de Stanford, horrorizado com o que viu, descreveu a Faixa de Gaza como um tipo de “laboratório de observação da completa ausência de dignidade”, condição que tem efeitos “devastadores” sobre o bem-estar físico, mental e social da população. “A constante vigilância vinda do céu, punições coletivas por bloqueios e isolamentos, invasão de lares e de sistemas de comunicação, além de restrições aos que tentam viajar, casar ou trabalhar, tornam difícil viver de maneira digna em Gaza”.







Havia esperanças de que o novo governo egípcio de Mohammed Mursi, (foto acima) menos servil à Israel do que a ditadura de Mubarak, pudesse abrir a Travessia de Rafah, única saída de Gaza que não está sujeita a controle israelense direto. Até houve uma pequena abertura.

A jornalista Leila el-Haddad (foto) escreve que a reabertura sob Mursi “é simplesmente um retorno ao status quo de anos anteriores: somente os palestinos portadores de identidades de Gaza aprovadas por Israel podem usar a Travessia”, o que exclui inclusive a família da jornalista.

Ademais, continua Leila, “Rafah não leva à Cisjordânia e não permite o transporte de bens, restrito às travessias controladas por Israel e sujeito às proibições a materiais de construção e exportação”. A restrição à Travessia de Rafah não muda o fato, também, de que “Gaza permanece sob apertado sítio marítimo e aéreo e fechada para qualquer capital cultural, econômico ou acadêmico que venha do resto dos territórios palestinos, o que viola as obrigações dos EUA e de Israel segundo o Acordo de Oslo." 



Os efeitos disso são dolorosamente evidentes. No hospital de Khan Yunis, o diretor, que também é cirurgião-chefe, descreve enfurecido tanto a falta de remédios para aliviar o sofrimento dos pacientes quanto a dos equipamentos cirúrgicos mais simples.

Relatos pessoais dão vivacidade à corrente aversão à obscenidade da ocupação.

Um exemplo é o testemunho de uma jovem que desesperou-se quando seu pai, que se orgulharia ao saber que sua filha foi a primeira mulher do campo de refugiados a receber um diploma avançado, “faleceu após seis meses de luta contra o câncer, aos 60 anos. A ocupação israelense negou que ele fosse aos hospitais de Israel para tratar-se. Eu tive de suspender meus estudos, meu trabalho e minha vida para ficar ao lado de sua cama. Todos nós, incluindo meu irmão e minha irmã, sentamo-nos ao lado de meu pai, assistindo seu sofrimento impotentes e sem esperança. Ele morreu durante o desumano bloqueio a Gaza no verão de 2006, com pouquíssimo acesso a serviços de saúde."

"Sentir-se impotente e sem esperança é o sentimento mais terrível que alguém pode ter. É um sentimento que mata o espírito e quebra o coração. Podemos lutar contra a ocupação, mas não podemos lutar contra o sentimento de impotência. Não se pode nem dissolver esse sentimento”.

Aversão à obscenidade combinada com culpa: nós podemos acabar com esse sofrimento e permitir aos resistentes a vida de paz e dignidade que eles merecem.

(*) Noam Chomsky visitou a Faixa de Gaza nos dias 25 a 30 de outubro.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21304