30/05/2012 - Antonio Fernando Araujo
Ninguém da companhia aérea nos socorreu, ansiosos que estávamos pra saber a razão de 4,5 horas de atraso.
Um hábito que já se enraizou entre as nacionais e a Avianca - ex-OceanAir, que nos levaria a Salvador -, não fugiu à regra, e olhem, essa empresa, a rigor não é assim tão nacional, uma subsidiária da poderosa colombiana Avianca.
Por conta disso, a noite de sexta-feira, 25/05, foi perdida no Galeão-Tom Jobim e com ela o "ato político em defesa da blogosfera e da liberdade de expressão", que inaugurou o IIIº Encontro de Blogueiros Progressistas, diante do mar de Tapamares, colado em Itapuã, Salvador, Bahia.
Os cerca de 300 blogueir@s que tiveram a sorte de estar presentes puderam testemunhar então o debate que se seguiu, do qual se destacou a fala de Franklin Martins, quando pareceu querer dizer que a produção de veículos impressos oriundos da mídia empresarial prescindiam da necessidade de regulamentação.
- Nada além da Constituição! disse naquele instante o ex-ministro das Comunicações do governo Lula. Foi algo que, inicialmente, talvez não tenha sido bem compreendido por alguns, quem sabe, por não terem percebido a tempo que a interpretação mais adequada dessa fala, no contexto em que foi pronunciada, significa apenas "nada mais, nada menos do que já consta na Constituição".
Foi preciso o ministro Ricardo Levandowski, do seu assento no STF (Supremo Tribunal Federal), se apressar em desfazer esse mal-entendido, enviando aos blogueir@s aqui reunidos, através do jornalista Paulo Henrique Amorim (PHA), também presente, aquilo que logo pareceu uma espécie de recado histórico:
"A Constituição Federal, nos artigos 5º, incisos IV e IX, e 220, garante o direito individual e coletivo à manifestação do pensamento, à expressão e à informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, independentemente de licença e a salvo de toda restrição ou censura",
acentuando que tudo o que diz respeito aos direitos e deveres dos produtores de mídia impressa já está devidamente estabelecido na legislação em vigor, dela decorrente. Assim sendo, o que nos resta, é lutarmos para que o marco regulatório seja proclamado no âmbito dos veículos de comunicação que utilizam recursos eletrônicos e assim, assegurando-nos de forma inequívoca os mesmos deveres e direitos dos quais já goza a mídia impressa, à salvo portanto, de toda restrição ou censura.
Isso tudo nos foi contado pelo PHA quando, na manhã chuvosa do sábado, 26/05, participou da Mesa da primeira atividade, ainda vinculada ao tema da noite anterior. E não apenas o ministro Lewandovski se pronunciara, acrescentou, mas outro ministro, também do STF, Carlos Ayres Britto, sabedor de nossas preocupações, cunhara uma frase para que não a esquecêssemos jamais:
"a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade",
sugerindo-nos que a mantivéssemos presente em todos os momentos do encontro para que se tornasse recorrente na memória, tal como sucede com as tartarugas que, quando adultas, retornam a mesma praia onde nasceram e assim mantêm intacto o ciclo da vida.
Nem mesmo um eventual "excesso de liberdade", prosseguiu PHA, porventura julgado presente em qualquer mídia, deve ser motivo de maiores preocupações. Dessa vez, se valendo de Alexis de Tocqueville, pegou carona em sua frase
"o excesso de liberdade se corrige com mais liberdade",
para contrapô-la aos esforços que ora se verificam, provenientes da grande mídia empresarial, entre outros, que visam exclusivamente judicializar a censura, mas com o cuidado de ornamentá-la com um odioso e retrógrado amparo legal, ao mesmo tempo em que se constatam os esforços desses mesmos agentes, para limitar a liberdade de expressão da blogosfera, tirando do ar alguns sítios, bloqueando seus acessos, eliminando postagens, como se isso fosse uma grande conquista civilizatória e não apenas vestígios dissimulados de um período ditatorial quando alguns desses veículos empresariais de comunicação se juntaram aos esforços do militares no esforço de extinguir as liberdades.
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Alexis de Tocqueville |
Finalizou então deixando bem claro que diante dos termos da nossa Constituição, dos recados que, por seu intermédio, nos enviaram os ministros Lewandovski e Ayres Brito, da "palavra de ordem" de Martins e do que deixara escrito o historiador Tocqueville só restava a nós, blogueiros aqui reunidos, porventura processados por seus eventuais desafetos e condenados nas instâncias inferiores da justiça, levar seus recursos até o STF, de onde jamais se poderá supor que serão deixados ao desamparo da justiça.
Coerente com essa convicção, PHA confessou-nos o quanto hoje se arrepende por ter, num passado recente e por ordem da primeira instância da Justiça, mandado retirar de seu blog algumas postagens.
Quando, finalmente, ele conclamou a plateia no sentido de fazer dos próximos Encontros uma manifestação ampliada, fruto do alcance da blogosfera ficou claro que ele apontava para uma necessidade atual, sobre a qual reflito há algum tempo, do blogueiro se desfazer da ideia de que será capaz de sobreviver, mesmo que mantenha seu veículo à salvo de uma representatividade que obrigatoriamente lhe deve ser outorgada por uma sociedade na qual ele esteja inserido até o pescoço. Dois mil blogueiros ali presentes, "pobres, desdentados, índios e quilombolas", ao invés de apenas trezentos, seria a expressão de um profundo diálogo que, aos meus olhos, se faz necessário e inadiável.
Talvez o ponto de partida se situe na compreensão mais aguda do papel do blogueiro como comunicador comunitário, desses interlocutores que estabelecem com uma porção social qualquer, uma relação tão abrangente que não raro se imagina ser ela suficiente para transformar o mundo. Como tal, nesta noite de sábado, não teríamos ficado tão "marginalizados, entregues à própria sorte", numa cidade tão rica de manifestações artísticas e onde tantos blogueir@s mantem suas páginas com uma piedosa dedicação, perseverantes é verdade, mas tão isolados como se missionários fossem. Diante desses fatos, alguém terá dúvida quanto à oportunidade de uma reflexão sobre os passos vindouros direcionados para um entrelaçamento e um diálogo mais estreito com a sociedade como um todo?
Esses pontos acabaram permeando alguns dos debates que aconteceram, tanto no sábado quanto no domingo. Foram eles que, em parte, nos fizeram crer que se nossa luta "em defesa da blogosfera e da liberdade de expressão" pretende se tornar robusta não deve ficar circunscrita a cada blogueiro ou quando muito às ligações dele com outros ativistas. Muito pelo contrário, enraizado em seu meio social, torne seu veículo, também, um símbolo da expressão de desagrado de vastas e diversas camadas da sociedade, surfando pra valer na liberdade de expressão pela qual se empenha, "nada mais, nada menos", ao sabor dos ditames da nossa Constituição.
A certeza disso é que, embora estejamos mergulhados em um movimento de ideias que se manifestam através de uma grande variedade de blogs distintos, mas que, no entanto, participam de um "espírito" comum, a liberdade de expressão em suas denúncias críticas à grande mídia conservadora, só pontualmente somos capazes de repercutir com alarde e a cada instante o brado dos excluídos, dos sem-voz, dos sem-mídia, dos injustiçados enfim, dos 5.200 municípios deste país. Por conta disso não se percebeu um gesto sequer, originário dos 300 blogueir@os reunidos, solidário e alusivo à greve de mais de cinco dias, dos motoristas e cobradores de ônibus de Salvador.
Sem dúvida estamos diante de um baita desafio, posto aqui para que talvez possamos indicar um caminho para que todas as vozes se tornem audíveis, que se torne representativo o nosso blog e, talvez, até mais do que isso, legítima personificação de quem se propõe intérprete das necessidades, dos sentimentos, da ousadia, da criatividade, das esperanças de um agrupamento social. E quando aqui, limito-me a indicar um possível caminho, como se fosse um passo adiante, é porque alimento a convicção de que ninguém mais, além da cultura, pode proporcionar aos blogueir@s os espaços e os diálogos necessários para que essa caminhada comece sem mais tardanças, ao menos para que a gente não se pareça tanto com a Avianca e seus atrasos inexplicáveis, tão nefastos.
Sem menosprezar a complexidade das relações entre comunicação, cultura, produtores artísticos e de eventos culturais, veículos de comunicação (rádios, TVs e blogs comunitários), como parte de uma proposta de integração penso que assim podemos acenar para o advento de uma era em que blogueir@s não mais serão vistos apenas como especialistas em veicular ideias e posições políticas, não raro restritos a um círculo fechado de debates entre seus pares, mas ao contrário, ambicionando sair pelas ruas de sua comunidade consigam se posicionar com o que de mais essencial sua acuidade for capaz de capturar dos anseios da população, para que, "bem casados", a robustez política e cultural que almejamos para os enfrentamentos com a classe dominante esteja ali, bem ao alcance da mão.
É evidente que não é aqui o espaço mais adequado para que esmiuçamos essa ideia, muito menos para proceder uma análise detalhada.
Fica no entanto, a proposta para que esse tema possa ser visto e posteriormente estudado pela Coordenação e daí surjam iniciativas outras, indicativas de caminhos alternativos para o fortalecimento da blogosfera e, principalmente, das propostas políticas associadas a ela.
O tanto que Franklin Martins, PHA, Ricardo Lewandovski, Ayres Brito, Alexis de Tocqueville e tudo o mais com que palestrantes e blogueir@s presentes no IIIº Encontro de Blogueiros Progressistas contribuiram para a construção dessa trajetória, certamente nos servirá de muito.