Maria Inês Nassif
Jornal GGN - Era um oceano de jovens. No meio, os não jovens sumiram – estavam lá como lembrança de ontem, com suas convicções democráticas intocáveis, indignados com a violência policial da semana anterior, com o conservadorismo político e com a pesada herança do passado autoritário que estava por trás de cada bomba de efeito moral e cada bala de borracha atirada pela polícia contra um jovem. Mas aquele não era o lugar para pessoas maduras. As ruas de São Paulo foram o endereço dos jovens na última segunda-feira – e naquele palco, o recado que deram em cada pedaço de papel empunhado como cartaz, cada um como parte de um mosaico caótico de miríades de reivindicações e protestos, é que o sistema político está velho. Estava velho antes. Envelheceu ainda mais, com maior velocidade, nas últimas semanas em que os jovens ocuparam as ruas.
As ruas tornaram-se espaço para cada um manifestar desconfortos particulares, grandes incômodos: contra o aumento das passagens, a educação ruim, a corrupção, a polícia de Geraldo Alckmin, a política – “nenhum partido me representa”, diziam vários desses cartazes-recados, tolerados pela multidão que impediu os partidos de empunharem suas bandeiras nas manifestações. Daí, no entanto, a atribuir ao movimento a negação da política, vai uma grande distância. O Movimento pelo Passe Livre foi o estopim de uma coisa maior: quando catalisou insatisfações, expôs uma enorme fragilidade da atual democracia.
A reclamação implícita em cada palavra de ordem é que a democracia não incorporou os jovens no jogo político porque está ultrapassada. Os políticos fizeram partidos na abertura política, forjaram novas lideranças e elas se consolidaram nas estruturas de poder sem que abrissem espaço para ingresso dos que chegavam à vida adulta. As estruturas partidárias não renovaram ideias, bandeiras, ideologias. O sistema, que obriga a formação de grandes coalizões e a grandes concessões em bandeiras que envolvem temas “morais” (como aborto, união de homossexuais etc), não é inteligível por essa faixa da população. Cada avanço social que ocorreu nos últimos dez anos teve como correspondência – na melhor das opções – uma estagnação na agenda de diretos de minorias, rechaçada por aliados conservadores ou bancadas religiosas. Cada vez que um programa social como o Bolsa Família produz a autonomia da família miserável em relação ao chefe político local, o poder do coronel é reforçado pela aliança que une, na esfera federal, o PT e os partidos de esquerda ao PDS, PMDB, PP, PR ou qualquer que seja.
O Partido dos Trabalhadores sofreu grandes transformações desde a sua fundação, em 1979. Passou pelo pragmatismo necessário para chegar ao poder pelo voto. Uma vez no poder, teve que usar de pragmatismo para formar maiorias. Os últimos dez anos consolidaram grandes conquistas sociais e econômicas que não teriam acontecido sem o apoio militante do partido aos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Todavia, quatro anos de enquadramento definitivo das bases partidárias à realidade eleitoral – de 1994 a 1998 – e dez anos no governo consolidaram o domínio de uma aliança interna que se tornou amplamente majoritária, tem o controle das decisões partidárias e é o elo de ligação da máquina petista com o governo. As velhas lideranças também firmaram suas posições dentro do partido e no governo por meio de mandatos eletivos - e hoje, conseguem esses mandatos, salvo honrosas exceções, com a mais prosaica política eleitoral. O sistema político tradicional engoliu a única estrutura partidária que, em sua origem, foi criada como partido de massas. Não existe possibilidade de ingresso e ascensão dentro da máquina para os novos.
Os pequenos partidos que se formaram como dissidências do PT à esquerda, como o PSTU e o PSOL, mantém-se com pouquíssimo apelo a uma massa jovem que está à procura de portas de entrada para a militância política. As organizações são feitas ainda à imagem e semelhança de velhos partidos de esquerda. A linguagem deles não corresponde a de uma geração que quer fazer política, mas não leu Marx, nem Lênin, nem entende a razão de precisar de um manual de política para ser contra o aumento do ônibus e a favor da descriminalização do aborto; contra os projetos homofóbicos da bancada evangélica e a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo; contra os políticos, mas a favor da democracia. O maior partido de oposição, o PSDB, trilhou um caminho do elitismo quase sem volta, quando entendeu como único caminho para a disputa pelo poder nas urnas a via da direita. Sempre esteve longe de ser um partido de massas - e cada vez mais se distancia léguas dessa possibilidade.
Nenhum dos partidos em funcionamento se antecipou à onda de participação dessa geração das redes sociais, de jovens que se comunicam muito fácil entre si, mas têm dificuldades de ser escutados pelos outros.
Os partidos, nem do governo, nem da oposição, devem ter medo desses jovens. Devem apenas escutar o que eles dizem.
Fonte:http://www.jornalggn.com.br/blog/nao-tenham-medo-dos-jovens-apenas-os-escutem