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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Eleições 2014 e o Bolsa Família

30/10/2013 - Bolsa Família e o debate eleitoral em 2014
- Fabiano Santos - Carta Maior

É importante que o governo, partidos aliados, assim como seus principais contendores definam o que percebem como sendo a agenda mais promissora para o país

O programa Bolsa Família do governo federal completa 10 anos de existência.

A marcar a data, além de evento de vulto organizado pela própria Presidência da República, duas contribuições importantes no âmbito das ciências sociais: os livros Vozes do Bolsa Família, de autoria da socióloga Walquiria Domingues Leão [E] e O Bolsa Família e a social-democracia, escrito pela cientista política e jornalista Débora Thomé [D].

O primeiro inscreve sua pesquisa na tradição de se ouvir a clientela beneficiada ou atingida por uma política pública e enfatiza as mudanças ocorridas no imaginário deste segmento da população no que tange suas relações com o estado e o setor público.

O segundo contextualiza o programa no seio das disputas eleitorais entre partidos de orientação mais à esquerda versus partidos de persuasão conservadora ou neoliberal.

Constata um forte efeito de desmercantilização de famílias situadas nos extratos de renda mais baixos, aproximando o Programa, assim, das experiências social democratas europeias do pós segunda-guerra, experiências nas quais o aprofundamento das premissas do estado de bem estar promoveu inflexão relevante no perfil da distribuição da renda e da riqueza nos países daquele continente.

Os dois livros, embora partindo de abordagens e metodologias distintas, possuem, em comum, a aposta na dimensão política como sendo talvez a
mais fundamental consequência do Programa.

Dimensão que se revela com nitidez em dois traços essenciais da política brasileira contemporânea, a saber: que a pobreza e a miséria não são estados impostos pelo destino ou pela vontade divina, mas sim condição inaceitável que exige pronta e eficiente resposta do setor público; e, que políticas públicas visando o equacionamento do problema da exclusão e da pobreza têm peso eleitoral decisivo.

Nenhum partido, nenhuma candidatura com reais condições de competição em pleitos majoritários no Brasil hoje pode sustentar que o Programa não passa de uma esmola, focada nos pobres tendo em vista auferir dividendos eleitorais, uma espécie de compra dos votos dos pobres e miseráveis brasileiros.

A opinião existe, é razoavelmente disseminada em círculos da elite, à direita e às vezes à esquerda, mas não alcança o discurso dos principais candidatos de oposição.

O forte componente eleitoral do Programa, assim como a pouca relevância de questões doutrinárias, aliás, são outras duas características relevantes a aproximá-lo das experiências europeias do estado de bem estar.

Desde seus primórdios, no nascimento das primeiras medidas de proteção ao trabalho, aos idosos e inválidos, a disputa política entre liberais e conservadores já empolgava defensores e críticos da atuação do estado na economia e na questão social.

O espectro de uma classe operária revolucionária, ademais, sempre orientou a atuação das elites na aprovação de medidas de alívio das condições extremas de exclusão e privação.

O pós segunda-guerra, contudo, marcou fundamental inflexão nas políticas de welfare [bem estar], já agora impulsionadas por décadas acumuladas de passagem de partidos socialistas e de esquerda, em sentido mais amplo, pelos governos e parlamentos de diversos países.

O mote passou a ser não mais a aprovação de medidas tópicas de proteção aos trabalhadores, mas sim uma ampla alteração nos fundamentos da intervenção do estado na economia de forma a reconfigurar o padrão de distribuição dos benefícios da acumulação capitalista e da propriedade.

Desmercantilizar, isto é, reduzir drasticamente a dependência das famílias às idas e vindas do mercado de trabalho e do ciclo de negócios passou a ser a palavra chave da luta dos socialistas na Europa.

A extensão com que foi montado o estado de bem estar e o alcance do keynesianismo dependeram em cada país de vários fatores, sendo políticas específicas nas áreas do emprego, educação, saúde e habitação, vetores resultantes de diversas variáveis, políticas, econômicas e societais.

Uma vez geradas, todavia, e seus efeitos redistributivos produzidos, a ancoragem eleitoral foi sempre a garantia da manutenção de patamares civilizados de desigualdade e índices ínfimos de pobreza.

Não é o caso de se discutir aqui o aparente declínio dos fundamentos do socialismo europeu. A discussão é relevante e será objeto de intervenções
posteriores.

Por ora, trata-se de enfatizar o fato de que sempre existiu um vínculo entre a presença decisiva do estado no combate á pobreza e à desigualdade, por um lado, e o fator voto popular como mecanismo de legitimação e assunção de grupos e partidos ao poder e ocupação dos governos.

A versão sul-americana mais evidente de tal agenda é o Programa Bolsa Família.

Por óbvio, trata-se de um início e que uma vez instalado, diversos e cruciais desafios precisam ser enfrentados no sentido de se alcançar indicadores sociais mais compatíveis com uma economia em modernização acelerada como é o caso da brasileira.

Crucial neste momento a promoção de políticas de inclusão e treinamento das primeiras gerações de jovens beneficiados pelo programa.

Serão estes encaminhados para o ensino superior, na busca de um diploma universitário, ou buscarão cursos de formação técnica, visando perfil mais especializado?

Optarão pelo PRO-UNI/REUNI ou pelo PRONATEC? Uma distribuição mais uniforme pelos dois modelos?

Desde logo, é importante que o governo, partidos aliados, assim como seus principais contendores definam o que percebem como sendo a agenda mais factível e promissora para o país.

Do lado do eleitorado popular e mais à esquerda, assim parece, a opção será por aquela que com mais clareza vier a representar a agenda do desenvolvimento com desmercantilização.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Bolsa-Familia-e-o-debate-eleitoral-em-2014/4/29393

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Boaventura de Sousa Santos e o G20: 'A História da Austeridade'

Por Boaventura de Sousa Santos*, para Carta Maior
A recente reunião do G-20 em Seul foi um fracasso total. Chegou a ser constrangedora a perda de credibilidade dos EUA, como suposta economia mais poderosa do mundo, e o modo como tentaram acusar a China de comportamentos monetários afinal tão protecionistas quanto os dos EUA. A reunião mostrou que a “ordem” econômico-financeira, criada no final da Segunda Guerra Mundial e já fortemente abalada depois da década de 1970, está a colapsar, sendo de prever a emergência de conflitos comerciais e monetários graves. Mas curiosamente estas divergências não têm eco na opinião pública mundial e, pelo contrário, um pouco por toda a parte os cidadãos vão sendo bombardeados pelas mesmas ideias de crise, de tempo de austeridade, de sacrificos repartidos. Há que analisar o que se esconde por detrás deste unanimismo.

Quem tomar por realidade o que lhe é servido como tal pelos discursos das agências financeiras internacionais e da grande maioria dos Governos nacionais nas diferentes regiões do mundo tenderá a ter sobre a crise econômica e financeira e sobre o modo como ela se repercute na sua vida as seguintes ideias: todos somos culpados da crise porque todos, cidadãos, empresas e Estado, vivemos acima das nossas posses e endividamo-nos em excesso; as dívidas têm de ser pagas e o Estado deve dar o exemplo; como subir os impostos agravaria a crise, a única solução será cortar as despesas do Estado reduzindo os serviços públicos, despedindo funcionários, reduzindo os seus salários e eliminando prestações sociais; estamos num periodo de austeridade que chega a todos e para a enfrentar temos que aguentar o sabor amargo de uma festa em que nos arruinamos e agora acabou; as diferenças ideológicas já não contam, o que conta é o imperativo de salvação nacional, e os políticos e as políticas têm de se juntar num largo consenso, bem no centro do espectro político.

Esta “realidade” é tão evidente que constitui um novo senso comum. E, no entanto, ela só é real na medida em que encobre bem outra realidade de que o cidadão comum tem, quando muito, uma ideia difusa e que reprime para não ser chamado ignorante, pouco patriótico ou mesmo louco. Essa outra realidade diz-nos o seguinte. A crise foi provocada por um sistema financeiro empolado, desregulado, chocantemente lucrativo e tão poderoso que, no momento em que explodiu e provocou um imenso buraco financeiro na economia mundial, conseguiu convencer os Estados (e, portanto, os cidadãos) a salvá-lo da bancarrota e a encher-lhe os cofres sem lhes pedir contas. Com isto, os Estados, já endividados, endividaram-se mais, tiveram de recorrer ao sistema financeiro que tinham acabado de resgatar e este, porque as regras de jogo não foram entretanto alteradas, decidiu que só emprestaria dinheiro nas condições que lhe garantissem lucros fabulosos até à próxima explosão. A preocupação com as dívidas é importante mas, se todos devem (famílias, empresas e Estado) e ninguém pode gastar, quem vai produzir, criar emprego e devolver a esperança às famílias?

Neste cenário, o futuro inevitável é a recessão, o aumento do desemprego e a miséria de quase todos. A história dos anos de 1930 diz-nos que a única solução é o Estado investir, criar emprego, tributar os super-ricos, regular o sistema financeiro. E quem fala de Estado, fala de conjuntos de Estados, como a União Europeia e o Mercosul. Só assim a austeridade será para todos e não apenas para as classes trabalhadoras e médias que mais dependem dos serviços do Estado.

Porque é que esta solução não parece hoje possível? Por uma decisão política dos que controlam o sistema financeiro e, indiretamente, os Estados. Consiste em enfraquecer ainda mais o Estado, liquidar o Estado de bem-estar onde ele ainda existe, debilitar o movimento operário ao ponto de os trabalhadores terem de aceitar trabalho nas condições e com a remuneração unilateralmente impostas pelos patrões. Como o Estado tende a ser um empregador menos autônomo e como as prestações sociais (saúde, educação, pensões, previdencia social) são feitas através de serviços públicos, o ataque deve ser centrado na função pública e nos que mais dependem dos serviços públicos. Para os que neste momento controlam o sistema financeiro é prioritário que os trabalhadores deixem de exigir uma parcela decente do rendimento nacional, e para isso é necessário eliminar todos os direitos que conquistaram depois da Segunda Guerra Mundial. O objetivo é voltar à política de classe pura e dura, ou seja, ao século XIX.

A política de classe conduz inevitávelmente à confrontação social e à violência. Como mostram bem a recentes eleições nos EUA, a crise econômica, em vez de impelir as divergências ideológicas a dissolverem-se no centro político, agrava-as e empurra-as para os extremos. Os políticos centristas (em que se incluem os políticos que se inspiraram na social democracia europeia) seriam prudentes se pensassem que na vigência do modelo que agora domina não há lugar para eles. Ao abraçarem o modelo estão a cometer suicídio. Temos de nos preparar para uma profunda reconstituição das forças políticas, para a reinvenção da mobilização social da resistência e da proposição de alternativas e, em última instância, para a reforma política e para a refundação democrática do Estado.
*sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal)