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domingo, 23 de dezembro de 2012

Carta Aberta a um Delegado de Polícia

16/12/2012 - RedeDemocratica
- Respondendo à Intimação por parte do clube militar
- Escrito por  Silvio Tendler

Delegado,

Dois policiais vieram ontem [14/12] à minha residência entregar intimação para prestar declarações a fim de apurar atos de "Constrangimento ilegal qualificado – Tentativa – Autor", informa o ofício recebido.

Meu advogado apurou tratar-se de denúncia ou queixa ou sei lá o quê, por parte do "presidente do clube militar" (em letra minúscula mesmo, de propósito).


 Informo que na data da manifestação, 29 de março de 2012, estava recém-operado, infelizmente impedido de participar de ato público contra uma reunião de sediciosos, os quais, contrariando à determinação da Exma. Sra. Presidenta da República, comemoravam o aniversário da tenebrosa ditadura, que torturou, matou, roubou e desapareceu com opositores do regime.

Entre os presentes estava o matador do Grande Herói da Pátria, Capitão Carlos Lamarca, e seu companheiro Zequinha – doentes, esquálidos, sem força, encostados numa árvore.



Zequinha e Lamarca foram fuzilados sem dó, nem piedade, quando a lei e a honra determinam colocá-los numa maca e levá-los para um hospital para prestar os primeiros socorros. Essa gente estava lá, não eu. Eles é que devem ser investigados. Eu farei um filme enaltecendo o Capitão Lamarca e seu bravo companheiro Zequinha.

Tenha certeza, Delegado, de que, enquanto eu tiver forças, me manifestarei contra o arbítrio e a violência das ditaduras e, já que o Sr. está conduzindo o inquérito, procure apurar se o canalha que prendeu, torturou e humilhou minha mãe nas dependências do Doi-Codi participou do "festim diabólico". Isso sim é Constrangimento Ilegal.

E já que se trata de assunto de polícia, aproveite para pedir ao "constrangedor ilegal" que ficou com o relógio da minha mãe – ela entrou com o relógio no Doi-Codi e saiu sem ele – que o devolva. Processe-o por "apropriação indébita, seguida de roubo qualificado (foi à mão bem armada)”.

É fácil encontrar o meliante.
Comece pelo Comandante do quartel da Barão de Mesquita em janeiro de 1971. Já que eles reabriram o assunto, o senhor pode desenterrar o processo.


É, Delegado, o que eles fizeram durante a ditadura é mais assunto de polícia do que de política!

Pergunte ao queixoso presidente do clube militar se ele tem alguma pista do paradeiro do Deputado Rubens Paiva (foto). Terá sido crime cometido por algum participante da festa macabra, onde, comenta-se, havia vampiros fantasiados de pijama?

Tudo o que fiz foi um chamamento pelo you tube convidando as pessoas a se manifestarem contra as comemorações do golpe de 64. Se este general entendesse ou respeitasse a lei, não teria promovido a festa e, tendo algo contra mim, deveria tentar me enquadrar por "delito de opiniãomas aí, na fotografia, ele ficaria mais feio do que é, não é mesmo?

Por fim, quero manifestar minha solidariedade aos que protestaram contra o "festim diabólico" e foram tratados de forma truculenta, à base de gás de efeito moral, spray de pimenta e choque elétrico – como nos velhos tempos. Bastaria umas poucas grades para separar os manifestantes do povo, que estavam na rua, aos sediciosos que ingressavam no clube. Há muitos poderia causar a impressão de estar visitando um zoológico e assistindo a um desfile de símios.

Não perca tempo comigo e com a ranhetice de um bando de aposentados cri-cri, aporrinhando a paciência de quem tem mais o que fazer.


Pura nostalgia da ditadura, eles se portam como se ainda estivessem em posição de mando.

Atenciosamente,

Silvio Tendler


[17/12/2012 - por Laerte Braga, via email

O cineasta Sílvio Tendler é uma dessas pessoas que transcendem o espectro corriqueiro do dia a dia em qualquer universo e se transforma num facho de luz a deitar história para não percamos o mínimo elo que nos sobra ou que buscamos, para nos mantermos seres humanos livres e agarrados com fé e determinação àquela que "não é carroça abandonada à beira da estrada".


A intimação policial a Tendler é um ato de violência contra todos os brasileiros. E particularmente contra os que foram vítimas da barbárie que foi a ditadura militar.

Que nos processem a todos, pois somos todos vítimas e aos indignados como Tendler, mas que transforma a indignação em mostras magníficas e fundamentais no resgate da História.

Costumo dizer que muitas vezes se compara Tendler a Michael Moore afirmando que o brasileiro é o "nosso" Moore. É o contrário. Moore é o Tendler deles.

Não importam divergências, importa a coragem e o destemor de um diretor de cinema que cresce e abraça o País inteiro com sua coragem, com sua determinação, com sua história e com sua luta. Um exemplo para todos nós.

Daqui a cem anos todos saberemos quem é Tendler (o é e não o foi, cem anos, é pelo caráter eterno e indispensável de seu trabalho) e ninguém saberá quem preside o Clube Militar.

A História é implacável com os medíocres, mas não com os lúcidos, os inteligentes, os corajosos, os que lutam.

Laerte Braga]


Fonte:
http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=3440%3Acarta-aberta-a-um-delegado-de-pol%C3%ADcia-ou-respondendo-%C3%A0-intimida%C3%A7%C3%A3o-por-parte-do-clube-militar

Vídeo URL: http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=1_Io8tz9WLM

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Tempo de Dilma, tempo de batalha

'A casa é nossa e estamos em boa companhia'. Foto: F.R. Pozzebom/ABr

Christina Iuppen*

Compas,

Amanhecemos num domingo diferente, um tempo diferente.

Entre amigos, companheiros, gente amada, eu vivi o momento esperado, tão trabalhado e tão longamente temido: nosso presidente Lula finalmente desceu a rampa.

Tudo é novo agora para os militantes, para nosso povo. Natural, atávico temermos o novo.

Eu me pergunto se, para além de todas as nossas teorias, temos a dimensão do que estamos vivenciando.

Porque, enquanto conspurcava a solenidade da cerimônia de posse 'pagando mico' com o nariz escorrendo e os olhos inchados, eu pensava, 'descobria' que ali se cristalizavam os sonhos de gerações de nossa melhor gente: ali estava um operário consagrado pelo povo, passando o poder formal a uma guerrilheira. Legalmente, voluntariamente, em paz. A tão famosa paz que surge do trabalho e do equilíbrio. E, fungando cada vez mais bandeirosamente, não controlei a viagem pela História e vi Manoel Fiel Filho, Vlado Herzog, Stuart, Iara, Honestino, Lyda, Grabois, Lamarca, Mariguela, Tito, Zuzu, vi todo o panteão que nossas gerações celebraram abraçado pela faixa verde-amarela, punhos definitivamente erguidos para a vitória.

O povo, o operariado, a resistência, a guerrilha. Lembra cartilha marxista-leninista versão tupiniquim, mas aconteceu na tarde nublada de ontem, no barro vermelho de Brasília.

Enfim, Lula repousou a cabeça por um momento no peito da companheira Dilma. E desceu. Sem gravata, descabelado, amassado, olhos bem mais inchados que os meus, missão cumprida, feliz, descomposto, desceu para ficar entre nós, os militantes.

Muita, muita batalha espera os que sabemos que é preciso combater a diário, lutar a diário para construir e manter o sonho. Que ainda é preciso muito até para configurar mesmo o sonho. Mas a casa é nossa. Cheia de tranqueiras e sapos, de obstáculos e infiltrações. Mas é nossa casa, nossa conquista, nossa tarefa. E estamos em boa companhia.

Saludos fraternos,

Christina
*professora de idiomas e militante da esquerda no Rio de Janeiro