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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

STF garante direitos indígenas

24/10/2013 - STF garante direitos constitucionais indígenas
- por Felipe Milanez (*)
- em seu blog, no site da Carta Capital

Decisão sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol não vincula condicionantes a outros casos de disputas territoriais.

Luis Roberto Barroso, relator do processo, profere seu voto enquanto é observado por indígenas

No julgamento dos embargos da Petição (PET) 3388, na quarta-feira, 24, em Brasília, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu os direitos constitucionais dos povos indígenas restringindo a aplicação da decisão, que contém 19 "condicionantes", apenas para o caso ao que se refere o julgamento: a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Os ministros foram precisos em afirmar: a decisão não tem efeito vinculante, não se estendendo a outros litígios que envolvam terras indígenas.

Qualquer extensão da decisão deste caso para um outro caso é mera "argumentação", segundo disse o relator, ministro Roberto Barroso [foto].

De forma clara, assim ele definiu a decisão do acórdão que estava em sede de embargos: "decisão atípica e não é um bom padrão a ser seguido".

As condicionantes teriam sido escritas para garantir a aplicação daquela decisão de 2009 na área, para ser efetiva, com a retirada dos invasores e a proteção do direito territorial dos povos indígenas. Por isso, de forma "atípica", a Corte definiu certas condições para o caso.

Portanto, segundo Barroso: "Uma outra demarcação pode levar em conta outras circunstâncias. A solução não pode ser a mesma para demarcações de áreas com outras características. As condicionantes estabelecidas para Raposa Serra do Sol valem apenas para este caso."

As "19 condicionantes" haviam sido oferecidas, na época, pelo falecido juiz Menezes Direito [foto], e criaram conflitos desde que o acórdão que protegeu a demarcação da Raposa Serra do Sol foi publicado.

Ruralistas, assim como o advogado da União, Luis Inácio Adams [foto abaixo], representando os interesses do governo federal, passaram a fazer uma interpretação extensiva desse argumento, tentando impedir novas demarcações e autorizar empreendimentos sem consulta aos índios.

Na visão dessas partes, não caberia demarcar nenhuma terra onde os índios não estivessem em 1988, não poderia haver nenhuma "ampliação", e os indígenas não teriam direito de serem consultados sobre projetos de "interesse nacional" (um termo complicado de ser definido) que recaiam sobre seus territórios tradicionais.

Portanto, Adams editou uma Portaria, a 303, e os ruralistas usaram os argumentos em mandados de segurança, como se a decisão da Raposa Serra do Sol funcionasse como uma súmula vinculante.

O alvo de Menezes Direito, cuja opinião serviu ao lobby ruralista, não era especificamente a terra indígena em Roraima mas, longe de lá, as terras guaranis no Mato Grosso do Sul e no sul do País, e os projetos desenvolvimentistas do governo federal.

Mesmo os casos de demarcações nos quais houvesse nulidade absoluta do processo não poderiam ser revistos.

A tentativa de Menezes Direito de produzir uma legislação por meio de uma decisão jurídica foi rechaçada pelos ministros do STF.

A decisão do STF sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas, explicou o ministro Barroso.

E, se não vincula o judiciário, também não deve vincular o Executivo na administração pública. Nesse sentido, a Portaria 303 da AGU, assinada por Adams em 2012 e que estava suspensa, perdeu sua justificativa maior.

A portaria era um dos principais alvos do movimento indígena, pois reescrevia as 19 condicionantes de Menezes Direito para os casos gerais.

Produzia, assim, uma interpretação da Constituição Federal que inovaria a ordem legislativa, o que perpassa os poderes dos advogados da União. Em meio a protestos, a medida foi suspensa.

STF e o acirramento dos conflitos
As argumentações sobre a aplicação da lei e o funcionamento do sistema jurídico podem sempre ser múltiplas e contraditórias.

É o que tem ocorrido nas decisões da Corte Suprema: decisões de Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa geralmente são antagônicas às de Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello no que tange os direitos indígenas.

Quando cai no colo de um ou de outro um processo, cada um decide do jeito que quer.

Lewandowski [foto] já havia decidido pela não aplicação
das condicionantes, enquanto Gilmar Mendes encontrou nelas um subterfúgio para suspender a demarcação da Terra Indígena Arroio-Korá, dos Kaiowá e Guarani, no Mato Grosso do Sul. 

Infelizmente, o STF, que deveria ser uma instituição pacificadora e garantidora do Direito, é um dos grandes responsáveis pelo acirramento de conflitos no campo no País e pela concentração fundiária.

A Corte, órgão máximo do Judiciário, é apontada pelo governo como responsável por travar as demarcações.

Apesar do julgamento ter sido favorável aos povos indígenas, os adversários dos índios passaram a contar na imprensa uma versão diferente, de que quem perdeu teria ganhado. Algo como: não ganhou, mas levou.

É uma retórica confusa, mas que ficou patente na declaração de Adams logo após o julgamento:

"[A decisão] reforça a portaria da AGU. O que a portaria é, é uma orientação técnica do advogado-geral à área jurídica dizendo que, na interpretação da norma constitucional, na aplicação da norma constitucional, nós temos que observar as condicionantes."

Acontece que a decisão do STF é justamente o contrário do argumento utilizado pelo advogado. Uma eventual tentativa de publicar a Portaria não será resguardada pelo STF, a priori, mas apenas opinião externada pelo órgão advocatício, e que deverá enfrentar opiniões contrárias e manifestações.

Em aberto
O STF deixou em aberto grandes questões, no entanto, que estão em debate no Brasil.

Tendo sido refutada a restrição das demarcações, resta o problema da "consulta prévia" aos povos indígenas, direito adquirido com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Para Raul do Valle, advogado do Instituto Socioambiental, o problema é o seguinte

"A decisão de 2009 é extremamente ambígua, dizendo que a instalação de bases militares, bem como suas intervenções, não precisam de consulta prévia para ocorrerem, no que o ministro 
Barroso concordou.

Mas ela estende essa mesma regra à "expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas, de cunho estratégico", sendo que a definição de "estratégico" caberia ao Conselho de Defesa Nacional.

Claramente uma extrapolação e uma afronta ao estado de Direito, na medida em que permite que decisões totalmente discricionárias possam impedir o exercício de um direito 
fundamental.

Se esse conselho decidir que é estratégico ao país vender soja para China com o menor preço possível estaria o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) autorizado a cortar uma pequena terra Kaingang no Paraná ao meio, sem consulta, porque seu desvio encareceria a saca exportada por Paranaguá em alguns centavos?"

Para Valle [foto acima], porém, é importante frisar que o voto de Barroso foi claramente pela negativa dessa hipótese, "dizendo que nem tudo pode ser considerado 'estratégico'".

Até o lado espiritual dos povos indígenas foi debatido pelos ministros em suas togas.

Há igrejas na Raposa Serra do Sol, protestantes e católicas, e a dúvida era se elas deveriam serem expulsas após a demarcação.

Sobre esse ponto, Barroso reafirmou o princípio constitucional da liberdade religiosa, facultando aos indígenas o poder da escolha se querem ou não a permanência das igrejas, templos, etc. No entanto, fez questão de frisar a "proteção aos locais de culto".

Nesse sentido, o trabalho das agências missionárias fundamentalistas, que praticam o proselitismo, segue sendo proibido nas terras indígenas, conforme portaria da Funai que expulsou missões internacionais que tentam evangelizar povos e traduzir a bíblia.

Essas atividades continuam sendo consideradas contrárias a lei. Isso não significa que os povos indígenas não possam praticar diferentes religiões que as suas tradicionais.

Mas invadir terras indígenas para converter os povos que lá habitam permanece sendo considerado uma afronta à proteção aos locais de culto.

As almas indígenas, conforme publiquei aqui no blog, em seus locais de culto que são os territórios tradicionais, devem continuar protegidas pelo Estado da sanha fundamentalista.

No julgamento, após terem sido tomadas as decisões centrais, os ministros que aparentemente teriam opinião diversa passaram a oferecer um debate raso, permeado de preconceito e discriminação aos povos indígenas.

[Gilmar] Mendes, [à direita, com Marco Aurélio Mello] que possui fazendas no Mato Grosso, chegou a citar uma reportagem preconceituosa da revista Veja, [VEJA - Edição 2091 - 17 de dezembro de 2008] como é a tônica da publicação, contrária aos índios da Raposa Serra do Sol.

Mendes inclusive deixou transparecer uma expressão de raiva no momento em que pronunciou "tribos de índios vivendo nos lixões" [ao lado].

Ao que Marco Aurélio de Mello deu seguimento ao bate-papo, como uma conversa de compadres na varanda do curral, revirando fantasmas da Ditadura e criticando os índios "aculturados" (um conceito que carrega significados discriminatórios).

Eles haviam aproveitado o gancho de Teori Zavascki [foto].

Segundo o advogado Raul Valle, Zavascki "queria, por alguma razão, dizer que os efeitos dos julgados se
estendiam a outros casos, mas não teve coragem".

Após uma grande confusão na sua argumentação, Zavascki resumiu tudo dizendo que o futuro é imprevisível e que tudo pode mudar um dia. Sob esse alerta, o relator Barroso completou: pode cair um meteorito aqui amanhã.

A onda anti-indígena em curso no Brasil hoje não acabou com a decisão do STF.

Especialmente pelos argumentos que aparentemente tornariam a decisão ambígua.

O bate papo dos ministros deu indicativos de que o STF empurrou para o Legislativo e o Executivo a pressão contrária aos índios.

E o Executivo tenta argumentar que vai se "inspirar" na decisão para agir de acordo com seus interesses e editar, novamente, normas que restringem direitos.

No entanto, por mais que se mire os índios como adversários de seus interesses, no caso do governo e ruralistas, em um aspecto o STF foi claro, sem nenhuma ambiguidade: vai ser preciso respeitar a Constituição Federal de 1988.

Caso ela seja mudada, tudo muda. Mas, hoje, o que vale é a Constituição e o sistema jurídico de hierarquia das normas e a separação dos poderes.

A Casa Grande, representada pelos grandes detentores de terras que não admitem interferências em seus negócios, vai ter de aceitar. 

Assim como o governo, submetido a um controle constitucional. Essa é a regra do jogo do "contrato social" que constitui o Brasil.

Conforme alerta o Conselho Indigenista Missionário, os desafios 
enfrentados pelos povos indígenas não foram resolvidos:

"O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) ressalta, todavia, que o encerramento do julgamento e a publicação do acórdão da Petição 3388 não servirão para cessar as problemáticas no tocante a questão das terras tradicionais dos povos indígenas.

É de se presumir que as forças político econômicas anti-indígenas continuem o ataque violento que vem desferindo contra os povos e seus direitos constitucionalmente estabelecidos."

Caso caia um meteorito em Brasília, cuja possibilidade alertou o ministro Barroso, muita coisa pode acontecer.

No entanto, mesmo assim, as 19 condicionantes formuladas por Menezes Direito não serão aplicadas fora do caso da Raposa Serra do Sol.

(*) Felipe Milanez, pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Felipe Milanez escreve sobre meio ambiente, conflitos sociais e questões indígenas. É também pesquisador visitante na Universidade de Manchester e integra o European Network of Political Ecology (Entitle). 

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/raposa-serra-do-sol-stf-garante-direitos-constitucionais-indigenas-6541.html

domingo, 8 de setembro de 2013

A ingratidão da Globo

06/09/2013 - Mino Carta - Revista Carta Capital

Com desfaçatez suprema, jornal desculpa-se enquanto evoca as razões que, 50 anos atrás, pretende terem justificado o apoio ao golpe.

Ingratidão da Globo me espanta, ela vomita no prato em que comeu, com o perdão pelo uso do verbo, de eficácia indiscutível, no entanto. Aludo ao editorial com que o mais autorizado porta-voz das Organizações, O Globo, brindou seus leitores dia 1º de setembro.

Diz-se ali que apoiar o golpe de 64 foi erro nascido de um equívoco. Veio a ditadura, como sabemos, provocada pelos gendarmes chamados pelos donos do poder civil, entre os quais figurava, com todos os méritos, Roberto Marinho, e os anos de chumbo de alguns foram de ouro para a Globo.

A empresa do doutor Roberto cresceu extraordinariamente graças aos favores proporcionados pelos ditadores, gozou de regalias incontáveis, floresceu até os limites do monopólio. O apoio de 64 prosseguiu impavidamente por 21 anos, enquanto o Terror de Estado imperava. Grassavam tortura e censura, repetiam-se os expurgos dentro do Congresso mantido como estertor democrático de pura fancaria.

Só o MDB do doutor Ulysses Guimarães redimiu o pecado original ao reunir debaixo da sua bandeira todos os opositores do regime. Para desgosto da Globo.

Sim, O Globo apoiou o golpe, juntamente com os demais jornalões como o editorial não deixa de acentuar, e também apoiou os desmandos do regime, a começar pelo golpe dentro do golpe que resultou no Ato Institucional nº 5. E prisões e perseguições, e até as ditaduras argentina, chilena e uruguaia.

Em contrapartida, combateu Brizola governador, e de modo geral, os demais governos de estado conquistados pela oposição em conjunturas diversas, bem como o movimento sindical surgido sob o impulso de um certo Luiz Inácio, presidente do Sindicado dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, responsável pelas greves de 78, 79 e 80, finalmente preso e enquadrado na famigerada Lei de Segurança Nacional.

Derradeiro lance global, a condenação inapelável do movimento das Diretas Já, quando a Globo foi alvo da ira popular e um veículo da empresa foi incendiado na Avenida Paulista no dia 25 de janeiro de 84, ao término de uma manifestação que reuniu na Praça da Sé 500 mil pessoas.

Rejubilou-se, contudo, o doutor Roberto, com a rejeição da emenda das Diretas, obra magistral da Arena de José Sarney, e com a formação da Aliança Nacional, nome de fantasia da enésima, inesgotável conciliação das elites.

Não se diga que a Globo deixou de ser coerente com seus ideais. Decisiva na eleição de Fernando Collor em 89, com a manipulação do debate de encerramento com Lula, comandada pelo doutor Roberto em pessoa.

Nosso colega, como sustentavam seus assalariados, não hesitou em promover a festa carnavalesca contra o presidente corrupto, desmascarado somente pela IstoÉ ao descobrir a testemunha inesperada e fatal, o motorista Eriberto. 

Antes disso, o governo Sarney contara com o apoio irrestrito da Globo, sempre beneficiada por Antonio Carlos Magalhães, ministro da Comunicações, na mesma medida em que o fora por outro amigo insubstituível, Armando Falcão, ministro da Justiça do ditador Ernesto Geisel.

O governo Fernando Henrique quebrou o País três vezes, mas nunca lhe faltou o aplauso global oito anos a fio, tanto mais na hora do singular episódio intitulado “Privataria Tucana” e da compra dos votos para garantir a reeleição do príncipe dos sociólogos, sem falar do “mensalão” também tucano.

Houve até o momento em que, tomado de entusiasmo, o doutor Roberto acreditou cegamente na sua colunista Miriam Leitão, segundo quem, eleito pela segunda vez, FHC garantiria a estabilidade da moeda até o último alento. Doze dias depois de reempossado, o príncipe desvalorizou o real e cobriu a Globo de dívidas. Havia, contudo, um BNDES à disposição para tapar o buraco.

FHC deixou saudades, a justificar o apoio compacto aos candidatos tucanos nas eleições de 2002, 2006 e 2010. E a adesão à maciça campanha midiática que, como em 1964, coloca jornalões e quejandos de um lado só, então a favor do golpe, nos últimos dez anos contra um governo tido como de esquerda, atualmente a carregar a herança de Lula.

Vale observar, aliás, que mesmo no instante do pretenso arrependimento, O Globo de domingo passado desfralda os mesmos argumentos de 50 anos atrás. Donde a evocação da “divisão ideológica do mundo” à sombra álgida da Guerra Fria, aprofundada no Brasil “pela radicalização de João Goulart”. Enfim, renova-se o aviso fatídico: a marcha da subversão estava às portas. Eu a espero em vão até hoje.

Sim, o doutor Roberto acreditou ter agido acertadamente até sua morte e sempre chamou o golpe de revolução. Explicaria em um dos seus retumbantes editoriais da primeira página, no 20º aniversário daquele que seus pupilos agora definem como “equívoco”, que “sem povo não haveria revolução”.

E quem seria o povo daquela quadra criminosa? As marchas dos titulares da casa-grande e dos seus aspirantes, secundados pelos fâmulos momentaneamente retirados da senzala.

Sim, é verdade que muitos jornalistas de esquerda tiveram abrigo na redação de O Globo, e alguns deles foram e são amigos meus, mas não me consta que o doutor Roberto se tenha posicionado “com firmeza contra a perseguição” de profissionais de quaisquer outras redações. Vezos nativos.

O Estadão chegou a hospedar colunistas portugueses, inimigos do regime salazarista. Tinham eles a virtude de escrever em castiço os editoriais ditados pelo doutor Julinho. Este gênero de situações reflete a pastosidade emoliente da realidade do País, onde o dono da casa-grande pode permitir-se tudo o que bem entender.

De todo modo, não é somente deste ponto de vista que a Globo foi deletéria. Ensaios foram escritos no exterior para provar como a influência global foi daninha, inclusive com telenovelas vulgarizadoras de uma visão burguesota, movida a consumismo e cultura da aparência, visceralmente apolítica, anódina e inodora. 

Como tevê, e como jornal, a Globo já foi bem melhor. Ocorrem-me programas de excelente qualidade, conduzidos por humoristas como Chico Anysio e Jô Soares, capazes às vezes de ousar o desafio sutil à ditadura.

Mas a queda foi brutal, como se deu em relação ao jornal à época da direção de Evandro Carlos de Andrade. Lamentáveis as opiniões, em compensação, boa, frequentemente, a informação.

O texto do editorial carece, é óbvio, da grandeza que a situação recomendaria, pelo contrário é de mediocridade e superficialidade doridas, não somente na lida difícil com o vernáculo, mas também pela demonstração, linha a linha, palavra a palavra, e, mais ainda, no desenrolar do raciocínio central, da sua insinceridade orgânica.

Surge, de resto, da covardia diante das manifestações anti-Globo e, como de hábito, aferra-se à hipocrisia típica dos senhores da casa-grande, velhacos até a medula.

Esta é a gente que gosta de brigar na proporção de cem contra um, se possível mil, sem mudar o número de quantos ousam confrontá-los. Incrível, embora natural, inescapável, nesta pasta víscida e maligna que compõe a verdade factual do país da casa-grande e da senzala, a falta de um debate em torno da peculiar confissão global, como acentua Claudio Bernabucci na sua coluna desta edição.

Que dizem os jornalões acusados de conivência pelo O Globo?

Que dizem as lideranças partidárias?

E o Congresso?

Nem se fale das figuras governistas e parlamentares que até agora enxergam na Globo um sustentáculo indispensável.

Silêncio geral, entre atônito e perplexo.

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/revista/765/a-ingratidao-da-globo-8943.html

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Há o golpismo no DNA da mídia

27/04/2013 - O inconvertível DNA golpista da grande mídia
- das Malvinas à Goiás
- Palavras Diversas

Matéria de capa de Carta Capital traz a tona a rede criminosa de escutas ilegais, montada em benefício do governador de Goiás em exercício, o tucano Marconi Perillo.

Após escândalo que afastou os holofotes do verdadeiro governador do estado, Carlinhos Cachoeira, goianos continuam a mercê de um governo suspeito.

A pergunta é apenas retórica, mas precisa ser feita tantas e quantas vezes for necessário, para ver se algo de diferente ocorre:

Por que será que a imprensa hegemônica brasileira não se preocupa com determinados escândalos?

Por que será que Carlinhos Cachoeira permanece, tranquilo, em lua de mel, quem sabe prestes a frequentar as páginas de "Caras", e ninguém mais o importuna?

Aliás o contraventor goiano recebeu um "prêmio" da justiça do Rio de Janeiro.

Segundo noticiado, sem muito alarde, ignorado pela pauta do poderoso Jornal Nacional, sem direito a matéria de destaque, o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) reduziu sua pena para 6 anos e 8 meses de reclusão, anteriormente teria que cumprir 8 anos de reclusão.

A imprensa brasileira anda ocupada demais com o preço do tomate, com as decisões do Copom sobre elevar ou não a taxa Selic, com a jogada política de Eduardo Campos, ou em oferecer generosos espaços midiáticos para os supremos do STF e suas divagações genéricas sobre tudo o quanto for possível arguir ou ser arguido.

Sendo mais claro: a procura de uma notícia que abale o governo Dilma e suas pretensões eleitorais para 2014 ocupa demasiadamente os figurões da grande imprensa.

O resto, daquilo que não for o que anseiam, parece noticiário sem importância...

Mas é preciso perguntar o óbvio para que mais questões surjam e cause algum, mínimo que seja, constrangimento aos barões da mídia brasileira.

Carta Capital, novamente, tenta furar o bloqueio que se forma em torno de determinados personagens brasileiros e apresenta uma matéria de Leandro Fortes sobre mais um mal feito praticado em favor do governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB.

No site da revista semanal a chamada da matéria apresenta trecho de mais um ato criminoso cometido em favor do ex-sócio político de Cachoeira e amigo de Demóstenes Torres:

"... Por meio de dois jornalistas e dois integrantes do primeiro escalão da administração goiana, ele operou entre 2011 e 2012 – época em que Perillo foi investigado na Operação Monte Carlo, da Polícia Federal – uma rede ilegal de grampos telefônicos em favor do tucano.

O hacker tinha como missão invadir contas de adversários – e até aliados – do governador por meio de perfis falsos na internet.

O contato era feito por um casal de radialistas de Goiânia, Luiz Gama e Eni Aquino.

Os pagamentos, mostra a reportagem, tinham como fontes o jornalista José Luiz Bittencourt, ex-presidente da Agência Goiana de Comunicação, e Sérgio Cardoso, cunhado de Perillo e atual secretário de Articulação Política no estado.

O esquema é investigado pelo Ministério Público Federal."

O texto informa que o Ministério Público Federal investiga o caso. Roberto Gurgel, Procurador Geral da República, se empenhará com bravura e destemor neste caso?

Parece outra pergunta meramente retórica...

Demóstenes Torres não perdeu sua aposentadoria, graças a voto de Gurgel no Conselho Nacional do Ministério Público.

O Correio do Brasil noticiou fato que passou discretamente no painel de notícias da grande imprensa, vai ver é por que, nem o Procurador Geral da República ou o ex-senador do DEM, são aliados do governo...

"Por maioria simples, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu, na tarde desta quarta-feira, que o ex-senador Demóstenes Torres [foto abaixo] – afastado do cargo de procurador de Justiça do MP de Goiás até o fim de maio – terá como pena máxima a aposentadoria compulsória.

Passará a receber R$ 22 mil por mês, em caráter vitalício, mesmo depois de ter o mandato cassado por envolvimento com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

(...) Ainda no julgamento desta quarta-feira [24/04], por sete votos a cinco, o Plenário decidiu que Demóstenes Torres tem cargo vitalício.

A vitaliciedade, entenderam os pares, é garantia da sociedade brasileira, e não prerrogativa do membro individual do Ministério Público.

Segundo a maioria, esta prerrogativa é inerente ao exercício da atividade do membro do Ministério Público.

Votaram com a divergência os conselheiros Jarbas Soares, Alessandro Tramujas, Lázaro Guimarães, Jeferson Coelho, Maria Ester, Mario Bonsalgia e Roberto Gurgel".

Outra matéria publicada em Carta Capital talvez explique porquê tais perguntas sejam solenemente ignoradas e nos mostrem, apesar de negativas veementes, o quanto o partidarismo é vigente nas redações da velha mídia brasileira e já fazem parte da cultura institucional.

A imagem abaixo saiu de um episódio histórico na América do Sul, a Guerra das Malvinas, e trata do empenho comovente de Alexandre Garcia em pintar os argentinos como únicos vilões no conflito e tornar legítima a postura bélica dos ingleses junto a opinião pública brasileira.

Faz muito tempo, mas a postura desses senhores que escrevem e opinam até os dias atuais, em veículos de comunicação que se apegam ao que há de mais atrasado para fazer valer suas idéias ou interesses, continua a mesma e coerente ao DNA golpista que carregam em si.

Recentemente, o Wikileaks revelou que Diogo Mainardi, Merval Pereira e William Waack [foto] prestaram assessoria à Embaixada Americana sobre as eleições presidenciais de 2010.

Em alguns trechos, conforme publicado em Conversa Afiada, é possível identificar o tipo de jornalismo que praticam: partidário, medíocre e combinado.

Além de nada criativo, se ocupam do ofício de manufaturar fatos e testar possibilidades que sirvam para locupletar seus pleitos.

"O telegrama “10RIODEJANEIRO32” relata que Ataulfo Merval de Paiva (foto) reuniu-se com o cônsul no dia 21 de janeiro de 2010 para falar sobre a conversa que teve com Aécio Neves e buscar seu compromisso para a campanha de Serra.

Os documentos revelam ainda a relação desses jornalistas com o PSDB, o que era óbvio pela (…) que realizam contra o governo do PT pela direita.

Diogo Mainardi [abaixo] reuniu-se em almoço privado no dia 12 de janeiro de 2010 com o cônsul dos EUA no Rio de Janeiro para (…) a formação da chapa da direita nas eleições presidenciais durante a qual revelou sua (…) ao PSDB.

O documento revela que a “recente coluna [de Mainard], na qual propõe o nome de Marina Silva como vice-presidente na chapa de Serra, foi baseada em conversa entre Serra e Mainardi, na qual Serra dissera que Marina Silva seria a ‘companheira de chapa de seus sonhos’ (…)."

"Naquela conversa com Mainardi, Serra expôs as mesmas vantagens que, depois, Mainardi listou em sua coluna: a história de vida de Marina e as impecáveis credenciais de militante da esquerda, que contrabalançariam a atração pessoal que Lula exerce sobre os pobres no Brasil, e poriam Dilma Rousseff (PT) em desvantagem na esquerda, ao mesmo tempo em que ajudariam Serra a superar o peso da associação com o governo de Fernando Henrique Cardoso que Dilma espera usar como ponta de lança de ataque em sua campanha”.

De Alexandre Garcia [foto], e sua obediência aos interesses britânicos, até a mal sucedida consultoria do trio conservador, Merval, Waack e Mainardi, os contextos políticos mudaram nessas três décadas, tanto no Brasil quanto no planeta, mas aquilo que representam e praticam parece seguir um modelo histórico inconvertível, com grande afeição a desinformação e a manipulação dos fatos para alcançar proveitos, aqueles ditos inconfessáveis, que não podem ser admitidos em seus púlpitos midiáticos.

Será por essas e [tantas] outras que a imprensa hegemônica brasileira não se preocupa com determinados escândalos?

A Veja desta semana sai em socorro ao STF e seus aliados de toga e omite, descaradamente, novo escândalo envolvendo Perillo, que é amigo de Policarpo Jr., Demóstenes Torres e Cachoeira...

É o DNA golpista prontamente manifestado

Fonte:
http://www.diversaspalavras.com/2013/04/o-inconvertivel-dna-golpista-da-grande.html

Não deixe de ler:
- Fora Marin! - Rede Democrática
- BNDES financiará a democratização midiática - Cesar Fonseca
- Um 1º de Maio para expressar a liberdade - Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

No mundo de Murdoch

12.12.2012 - Luiz Gonzaga Belluzzo - Carta Maior


Arrisco a dizer: o relatório Levenson é a mais corajosa e serena crítica aos abusos e malfeitos da mídia contemporânea.

O relatório é tão destemido em sua ousadia como a Areopagítica de John Milton ao pregar a liberdade de impressão em 1644, no auge da Revolução Inglesa.

Milton resistia a Cromwell e à reintrodução da “licença de ­publicação”, hoje conhecida como censura prévia.



Esta edição [727 de 07/12/2012] de CartaCapital também corajosamente disseca os pontos mais importantes do relatório. Não vou repetir a narração dos fatos, exaustivamente tratados nas cinco páginas anteriores. Peço, no entanto, licença ao leitor para reproduzir argumentos que já esgrimi nos anos 1990 a respeito das diferenças entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa.

Vou começar com Paul Virilio (foto), importante pensador francês da atualidade.

Ao analisar as transformações do papel dos meios de comunicação na moderna sociedade capitalista de massa, Virilio chegou a uma conclusão tão óbvia para os cidadãos de boa-fé quanto negada pelos senhores do aparato midiático.

A mídia, diz ele, é o único poder que tem a prerrogativa de editar as próprias leis, ao mesmo tempo que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. Mas a liberdade de expressão não se esgota na liberdade de imprensa.
A liberdade de imprensa só se justifica enquanto realização da liberdade de expressão dos cidadãos livres e iguais, os legítimos titulares do sagrado e inviolável direito à opinião livre e desimpedida.



Essa reivindicação da cidadania torna-se mais importante na medida em que os meios de divulgação e de formação de opinião têm se concentrado, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes impérios capitalistas, como os construídos pelo australiano Rupert Murdoch (foto).

Esse imperador midiático não trepidou em utilizar a chantagem contra políticos pusilânimes, como o “novo” trabalhista Tony Blair e o janota conservador David Cameron.

Metido até o pescoço em negócios que envolvem o Estado e seus funcionários, Murdoch mobilizou suas forças para conseguir o controle da emissora de televisão BSkyB (foto abaixo) valendo-se dos serviços e pareceres de certo Adam Smith, conselheiro do então ministro da Cultura Jeremy Hunt. Os Smith de nome Adam já foram melhores.



A peculiaridade da mercadoria colocada à venda juntou o objetivo natural e legítimo de ganhar dinheiro ao desejo de ampliar a influência e o poder sobre a sociedade e sobre a política.

A acumulação monetária já implica necessariamente a acumulação de poder e de influência.

Ao brandir a superioridade da liberdade de opinião e de informação pro domo sua, os senhores da mídia se recusam a submeter ao livre debate as transformações ocorridas ao longo dos séculos XIX e XX na chamada esfera pública.

Quando sua legitimidade é questionada, imediatamente gritam:

Censura!
E assim sufocam qualquer crítica a seu desempenho como provedores de informação e amordaçam os reclamos de maior diversidade.

Murdoch e seus competidores abusaram da manipulação, da construção da notícia, da censura da opinião alheia e da intimidação sistemática das vítimas dos assassinatos morais.

Mas o tycoon [magnata] australiano não estava, nem está só.

Na Inglaterra e em outras partes do planeta, o poder que esconde seu nome não descansa em sua faina de produzir cadáveres.

Por essas e outras, foi dura a reação das famílias e dos indivíduos torturados no pau de arara dos grampos ilegais e dos homicídios morais.

Reagiram com indignação aos comentários apaziguadores do peralvilho Cameron, mais uma vez imponente no papel de Cameron defensor dos patrões de Fleet Street.

O Parlamento inglês mobiliza-se para atenuar os estragos e responder às exigências de 80% da população que concorda com os ofendidos.


Acossada pela opinião pública, a secretária de Cultura, Maria Miller, tratou de convocar os editores dos principais jornais para reconstruir o ambiente regulatório da imprensa.

Esse espaço é ocupado desde 1991 pela Press Complaints Comission [Comissão de Queixas contra a Imprensa - tradução livre], formada por representantes das empresas de comunicação.

Um jornalista do Guardian sugeriu que essa forma de regulação poderia ser equiparada a um julgamento de crimes de estupro por um corpo de jurados composto por violadores contumazes.

É tragicamente curioso que os valores mais caros ao projeto da Ilustração, as liberdades de expressão e de opinião, tenham se transformado em instrumentos destinados a conter e cercear o objetivo maior da revolução das luzes: o avanço da autonomia do indivíduo.

Não bastasse, os ímpetos plebiscitários colocam em risco o sistema de garantias destinado a proteger o cidadão das arbitrariedades do poder, público ou privado.

Sob a aparência da democracia ­plebiscitária e da justiça popular, perecem os direitos individuais, fundamentos da cidadania moderna, tais como construídos ao longo da ascensão liberal-burguesa e consolidados pelas duas revoluções dos séculos XVII e XVIII.

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/no-mundo-de-murdoch/

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Compare: o juiz inglês e os nossos juízes - Paulo Nogueira

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.