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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Os Dez Mandamentos para Jornalista nas Redes Sociais

30/01/2012 - Leonardo Sakamoto em seu blog

Fico assustado com a quantidade de informação mal checada e precipitada que circula por aí, principalmente em momentos de grande comoção. Fofoca sempre existiu, mas agora é transmitida em massa por conta das novas tecnologias da comunicação. As redes sociais, principalmente o Twitter, são plataformas que estão mudando o modo como nos comunicamos e fazemos fluir informação pela sociedade, alterando – consequentemente – as estruturas tradicionais de poder. Mas se elas ajudam a formar, também desinformam.

Com a ajuda de alguns colegas jornalistas, fizemos uma breve lista com dez conselhos para quem assume a função de distribuir notícias nas redes sociais. Alguns podem nos achar malas sem alça, outros bradarem que estamos fazendo o jogo de X ou de Y com essas regrinhas que tolhem a liberdade. Bem, prefiro acreditar que uma informação errônea ao ser divulgada pode causar um impacto negativo contrário maior do que sua intenção. Ou pior, com o tempo, a credibilidade de quem divulga sem checar tende a ir para o ralo. Como já disse aqui anteriormente, acredito piamente que um diploma não faz um jornalista, mas sim o comprometimento e a ética que a pessoa assume ao exercer essa função.

Os Dez Mandamentos para Jornalista nas Redes Sociais:

1) Não tuitarás notícia sem antes checar a informação.

2) Não divulgarás notícias relevantes sem atribuir a elas fontes primárias de informação.

3) Tuítes “apócrifos”, sem fonte, jamais serão aceitos como instrumento de checagem ou comprovação.

4) Não esquecerás que informação precede opinião.

5) Não matarás – sem antes checar o óbito.

6) Lembrarás que mais vale um tuíte atrasado e bem checado que um tuíte rápido e mal apurado. E que um número grande de retuítes não garante credibilidade.

7) Serás assertivo apenas naquilo que tens certeza do que diz.

8 ) Não se esquecerás da apuração in loco, por telefone e/ou por e-mail.

9) Não terás pudores de reconhecer, rapidamente e sem poréns, o erro em caso de divulgação ou encaminhamento de informação incorreta.

10) Na dúvida, não retuitarás. Pois, tu és responsável por aquilo que repassas. Ou seja, se der merda, você é culpado.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Para OIT, Brasil é exemplo no combate ao desemprego

12/01/2012 - blog do Sakamoto

O Brasil foi apontado como exemplo de sucesso na geração de empregos e na promoção do trabalho decente em relatório da Organização Internacional do Trabalho, divulgado nesta quinta (12). De acordo com a OIT, o nível médio de desemprego na América Latina caiu de 7,6%, nos dez primeiros meses de 2010, para 7,0% no mesmo período em 2011. Para a entidade das Nações Unidas, o recuo no desemprego está associado ao crescimento econômico dos países latino-americanos.

A informação é de Daniel Santini e Maurício Hashizume, da Repórter Brasil, que também produziu um mapa interativo com base no relatório. Clique nos botões do mapa abaixo para ver os dados de cada um dos 14 países que serviram de base para o levantamento. Em verde, estão os 11 em que a taxa de desemprego caiu e, em vermelho, os três em que houve aumento.

“A experiência exitosa do país confirma que é possível avançar no objetivo de [garantir] trabalho decente, junto com a preservação dos equilíbrios macroeconômicos e com o vigor do crescimento”, destaca o relatório “Panorama Laboral 2011″, um documento detalhado sobre trabalho e emprego na América Latina, que reuniu dados indicando resultados positivos ao longo deste último período, mesmo com a crise financeira internacional. Para a instituição, o exemplo brasileiro “demonstra que a melhoria de salários e benefícios e a redução da pobreza constituem um estímulo para os investimentos, o crescimento e a criação de emprego”.

O desemprego na América Latina diminuiu tanto para homens quanto para mulheres, mas os dados relativos à desigualdade ainda preocupam. Para cada dez homens, há 14 mulheres desempregadas.

Para ver as informações em um mapa organizado pela Repórter Brasil com base em dados do relatório Panorama Laboral 2011 da OIT, clique no link:
http://maps.google.com.br/maps/ms?msid=216206765069041717544.0004b6552f0f64fedd3e3&msa=0&hl=pt-BR&ie=UTF8&t=m&vpsrc=6&ll=-7.536764,-67.5&spn=92.621211,80.859375&z=3&source=embed


Junto com a boa notícia da diminuição do desemprego, o relatório reiterou outros problemas graves e persistentes que continuam caracterizando os mercados de trabalho da região, como a informalidade e a pobreza rural. Cerca de um de cada três ocupados são trabalhadores por conta própria. A maior parte dos que se encaixam nessa categoria, salienta o documento da OIT, segue desempenhando atividades “em condições de precariedade laboral, desproteção social e com baixa produtividade e remuneração”.

Um total de 93 milhões de pessoas está no emprego informal em 16 países pesquisados da região. São 60 milhões em empresas informais, impressionantes 23 milhões estão na informalidade mesmo trabalhando para empresas formais, e cerca de 10 milhões que cumprem serviços domésticos.

Ainda que tenha retrocedido na última década, a extensão da pobreza entre os trabalhadores latino-americanos continua expressiva. Cerca de um terço da população da região convive diariamente com a pobreza; 13% se enquadram nos parâmetros de miséria. Em países como a Bolívia e o Paraguai, a pobreza oscila entre a metade e dois terços da população.

A pobreza rural foi inclusive objeto de uma análise específica dentro do relatório da OIT. Mesmo com a relativa diminuição do emprego rural na totalidade do mercado, um de cada cinco trabalhadores da América Latina está no campo. E a precária inserção laboral dos mesmos foi citada como explicação para a pobreza. Em 2009, mais da metade da população rural (53%) vivia na pobreza e 30% em condições consideradas de indigência. Nas áreas urbanas, esses mesmos índices são de 28% e 9%, respectivamente. Como resposta a esse quadro, a OIT sugere intervenções mais efetivas por parte do Estado.

Outra recomendação mais geral da OIT diz respeito aos riscos de retrocesso em cadeia decorrente de políticas de flexibilização trabalhista diante da crise financeira. Para a entidade, é preciso “conferir prioridade à economía real em detrimento da que sustenta o sistema financeiro”.

A política macroeconômica, prossegue a organização, deve ser combinada com o fomento ao investimento, à produtividade, ao crescimento econômico e ao emprego. “O objetivo é que o sistema financeiro não responda à especulação geradora de bolhas e crises, mas que esteja a serviço da economia real, provendo crédito às micro, pequenas e médias empresas para contribuir para que elas sejam mais formais produtivas e sustentáveis”.

O consumo interno cobra, segundo a OIT, um maior protagonismo na equação do PIB, ou seja, os salários dos trabalhadores devem ser preservados para que haja incentivo ao crescimento econômico e, justamente, ao emprego.

domingo, 20 de novembro de 2011

Em seis cenas: consciência negra e outros "delitos"

Toda a vez que trato da questão da desigualdade social e do preconceito que os negros e negras sofrem no Brasil (herança cotidianamente reafirmada de um 13 de maio de 1888 que significou mais uma mudança na metodologia de exploração da força de trabalho do que uma abolição de fato, pois não garantiu as bases para a autonomia real dos ex-escravos e seus descendentes) sou linchado pelos comentaristas. Até porque, como todos sabemos, o brasileiro não é racista. Nem pedófilo. Muito menos machista. Nem… Bem, deixa pra lá. 
No entanto, tenho recebido várias mensagens por e-mail falando deste post, publicado em 20 de novembro de 2010, pedindo que fosse publicado de novo a fim de provocar o debate. Uma surpreendente situação para quem está acostumado a ser acariciado com palavras doces de tolerantes leitores. Então, segue ele de novo:
No 20 de novembro, quando se rememora a morte de Zumbi dos Palmares, é celebrado o Dia da Consciência Negra em várias cidades do país. Um momento de reflexão e de resistência sobre os frutos da escravidão, de um 13 de maio incompleto, que se fazem sentir no cotidiano. Dia que deveria ser aproveitado por todos aqueles que têm seus direitos fundamentais rasgados para uma análise mais profunda do que têm feito para sair da condição de gado. Para isso, seis cenas, daquilo que há de melhor em nós.
Cena 1 – Lugares comuns
Tinha que ser preto mesmo!…Bandido bom é bandido morto… Baiano quando não faz na entrada faz na saída… Mulher no volante, perigo constante… Sabe quando pobre toma laranjada? Quando rola briga na feira.
Cena 2 – Conversando no trânsito
- Amor, fecha rápido o vidro que tá vindo um escurinho mal encarado.
- Aquilo é um cigano? Mantém o vidro fechado.
- Olha, meu filho não é preconceituoso, não. Ele até tem amigos gays.
- Tá vendo? É por isso que um tipo como esse vai continuar sendo lixeiro o resto da vida.
- Viu aquela luz? É um terreiro de macumba. Logo aqui na nossa rua! Mas o João Vítor vai dar um jeito nisso, ele conhece uma pessoa na subprefeitura que vai tirar essa gente daí.
Cena 3 – No salão de beleza
- Eu adoro o Brasil porque é um país onde não existe racismo como nos Estados Unidos. Aqui, brancos, negros e índios vivem em harmonia. Todos com as mesmas oportunidades e desfrutando dos mesmos direitos. O que? Se eu deixaria minha filha casar-se com um negro? Claro! Se ela conhecesse um, poderia sem sombra de dúvida.
Cena 4 – Na redação do vestibular
- Os sem-terra são todos delinquentes que querem roubar o que os outros conquistaram com muito suor.
- Os índios são pessoas indolentes. Erra o governo ao mantê-los naquele estado de selvageria.
- Tortura é um método válido de interrogatório.
Cena 5 – Enquanto isso, entre os amigos da classe média… 
- Uma puta! Alguém pega o extintor para jogar nessas vadias.
- Um índio! Alguém pega gasolina para a gente atear fogos nesses vagabundos.
- Um mendigo! Alguém pega um pau para a gente dar um cacete nesses sujos.
- Umas bichas! Alguém pega uma lâmpaga fluorescente para bater nessas aberrações.
Cena 6 – Em um bar qualquer
- Vê se me entende que eu vou explicar uma vez só. A política de cotas é perigosa e ruim para os próprios negros, pois passarão a se sentir discriminados na sociedade – fato que não ocorre hoje. Além disso, com as cotas, estará ameaçado o princípio de que todos são iguais perante a lei, o que temos conseguido cumprir, apesar das adversidades.
Como já disse aqui uma vez, no Brasil, tem gente que não entende a razão do 3o Programa Nacional de Direitos Humanos ter que possuir mais de 500 metas.
Porque a nossa idiotice não tem limites.

Fonte: Blog  do Sakamoto *

domingo, 6 de novembro de 2011

Está é Laísa. Ela está marcada para morrer


por Leonardo Sakamoto*
62 Esta é Laísa. E ela está marcada para morrer
Laísa Santos
As ameaças de morte que Laísa Santos Sampaio têm sofrido seguem um roteiro conhecido: recadinhos, invasões da própria casa, ter o cachorro alvejado por balas… E o final de uma história semelhante foi visto recentemente, quando assassinaram sua irmã, Maria do Espírito Santo da Silva, juntamente com o marido dela, José Claudio Ribeiro da Silva, ambos lideranças do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, localizado a cerca de 50 quilômetros da sede do município de Nova Ipixuna, Sudeste do Pará. O caso ganhou repercussão internacional em maio deste ano.
A professora de 45 anos é o próximo alvo dos pistoleiros porque manteve a luta da irmã.
Maria e Zé Cláudio foram emboscados em uma estrada e executados com tiros na cabeça no dia 24 de maio de 2011. Por denunciarem a ação de madeireiros ilegais, sofriam constantes ameaças e intimidações. Zé Cláudio ainda teve uma orelha decepada e levada pelos seus assassinos, provavelmente para mostrar aos mandantes que o serviço foi realizado com sucesso.
Naquela mesma tarde, a notícia do assassinato foi lida no plenário da Câmara dos Deputados, que estava se preparando para transformar o atual Código Florestal em embrulho de peixe. Ouviu-se, então, uma vaia vinda das galerias e da garganta de deputados da bancada ruralista ali presentes. Um desrespeito que, se não fosse no Congresso Nacional, seria difícil de acreditar.
O projeto em Nova Ipixuna garante o sustento de mais de 500 famílias com a produção de óleos vegetais, açaí e cupuaçu. Porém, ao invés de procurar formas de replicar esses modelos de sucesso, o Congresso Nacional está discutindo maneiras de passar por cima de suas riquezas naturais e da qualidade de vida das populações que os mantém, rifando as leis que os protegem. Agora, o Senado analisa o Código. Apenas um milagre nos separa de uma lei esvaziada, que vai reduzir a proteção ambiental e anistiar, na prática, quem desmatou além da conta, rifando a qualidade de vida das futuras gerações.

*publicado originalmente no Blog do Sakamoto 
.
Fonte: Extraído do Site Envolverde

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Estamos mais parecidos com a Europa. Infelizmente



por Leonardo Sakamoto*
91 300x225 Estamos mais parecidos com a Europa. InfelizmenteUm grupo de jovens brancos, bem vestidos, criados no leite Ninho e provavelmente alunos de escolas caras da Paulicéia alopravam dois bolivianos que cruzavam apressados uma rua na região dos Jardins. “Esse aí perdeu sua flauta de bambu e a lhama!”, proferiu um deles – que provavelmente aprendeu a fazer humor com alguns gênios da TV. Os dois, de origem humilde, antes mesmo de ouvirem qualquer uma das baboseiras, já deviam se sentir deslocados naquelas ruas de alto poder aquisitivo devido suas feições.
Há algum tempo, vi outro grupo de pessoas ridicularizando imigrantes bolivianos no Centro de São Paulo. Também jovens, todos brancos, alguns de olhos claros. Índios, portanto não eram. E, dessa forma, desprezavam aquilo que um dia seus pais também já foram: estrangeiros recém-chegados, tentando a sorte.
Queria retomar esse tema, aproveitando que a discussão sobre imigração está em alta por aqui por conta das recentes libertações de bolivianos em oficinas de costura. Não vou debater as origens da xenofobia, a relação entre estabelecidos e outsiders, o entendimento da alteridade… enfim. Afinal isto é um post, não uma missa ou uma defesa de mestrado. Mas é ridículo que pessoas da mesma classe média que reclama ser barrada nos aeroportos na Europa e nos Estados Unidos reserve um tratamento preconceituoso como esse aos que vêm de fora. O ser humano aprende com a experiência coletiva? Faz-me rir.
Muitos dos latino-americanos não vêm para cá atrás das belezas naturais (sic) de São Paulo, mas sim de oportunidades melhores ou fugindo da miséria. Miséria da qual, muitas vezes, somos co-responsáveis por explorar terra, trabalho e recursos naturais lá. Guardadas as proporções, é a mesma coisa que empresas e governos do hemisfério norte fazem com a gente. Reclamamos de estrangeiras operando no Brasil, porém, quando alguém na Bolívia ou no Paraguai pensa em rever contratos para tornar menos injusta a relação com o nosso país, parte da opinião pública daqui brada aos quatro ventos o absurdo que é essa ousadia. Quem eles pensam que são? Iguais a nós?
E, afinal de contas, o que é ser “brasileiro”? A história de nosso país é feita de migrações, de receber gente de todos os cantos (não tão bem, é claro – São Paulo, por exemplo, é a maior cidade nordestina fora do Nordeste e, ao mesmo tempo, ostentamos um preconceito raivoso e irracional). Mas não faz sentido que viremos às costas aos que vêm de fora e adotam o Brasil, mesmo que a contragosto. Eles são tão brasileiros quanto eu e você, trabalham pelo desenvolvimento do país, entregam sua juventude e sua dignidade para que possamos estar todos na moda sem gastar, mas normalmente passam invisíveis aos olhos da administração pública e do resto de nós.
O aumento da imigração de pessoas que procuram uma vida melhor em um país com maior oportunidade de emprego tem mostrado o que certas nações têm de pior. Os Estados Unidos erguem uma cerca entre eles e o México, para regular o fluxo de faxineiros, operários e serventes. Na Inglaterra, brasileiros levam bala. Na Espanha, turistas, se piscarem, são tidas como prostitutas querendo invadir o território. Em muitos cantos da Europa africanos, sul-americanos e asiáticos são carne de segunda.
(Lembrando que boa parte dos imigrantes faz o trabalho sujo que poucos europeus ocidentais querem fazer, limpando latrinas, recolhendo o lixo, extraindo carvão, isso vai ser um tanto quanto hipócrita de se ver. Até porque os países que recebem esses trabalhadores ganham com sua situação de subemprego e o não pagamento de todos os direitos.)
Tempos atrás, uma amiga me mandou o texto de uma campanha que estava circulando na Espanha. Apesar de errar um pouco nas referências, acerta na idéia final: “Seu Cristo é judeu, sua escrita é latina, seus números são árabes, sua democracia é grega, seu som é japonês, sua bola é coreana, seu DVD é de Hong Kong, sua camiseta é da Tailândia, seus melhores jogadores de futebol são do Brasil, seu relógio é suíço, sua pizza italiana. E você ainda vê o trabalhador imigrante como um depreciável estrangeiro?”
Em todo o mundo, culpamos os migrantes de roubar empregos, trazer violência, sobrecarregar os serviços públicos porque é mais fácil jogar a responsabilidade em quem não tem voz (apesar de darem braços para gerarem riqueza para o lugar em que vivem) do que criar mecanismos para trazê-los para o lado de dentro do muro que os separa da dignidade – que, inclusive, geraria recursos através de impostos.
Adoraria que o Brasil desse um exemplo aos países do Norte, derrubando os muros que criam cidadãos de primeira e terceira classe (coloco-os atrás dos brasileiros pobres, os cidadãos de segunda classe, porque esses – apesar de maltratados – ao menos existem para algumas políticas públicas), possibilitando o livre trânsito de trabalhadores sem condicionantes. Há legislação que já garante isso no caso do Mercosul e Estados parceiros, mas interpretações diferentes dentro do próprio governo e na Polícia Federal garantem que as coisas fiquem como estão. Mesmo com direito a permanecer por aqui, gente tem sido deportada por conta de ignorância estatal.
Vivemos sim uma dúvida parecida àquela enfrentada pelo Velho Mundo. Não, não é se haverá trabalho e espaço para todos com os deslocamentos de imigrantes em busca de emprego (ou fugindo de catástrofes ambientais). Mas se as características que nos fazem humanos não estarão corroídas até lá.

* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Madeireiros ameaçam fiscais e fazem churrasco para celebrar



por Leonardo Sakamoto*
1711 300x225 Madeireiros ameaçam fiscais e fazem churrasco para celebrarMadeireiros armados ameaçaram servidores da Funai, do Ibama e policiais militares para evitar que seus equipamentos fossem apreendidos no Sul do Estado do Amazonas. E comemoraram o desfecho do caso com uma churrascada noite adentro, mostrando que o governo federal, por lá, não manda muito.
“Chegaram caminhonetes e motos do meio do mato e nos cercaram rapidamente. Deviam ser uns 60 ou 70 madeireiros. Não estavam todos com armas aparentes, mas todos deviam armados, naturalmente. Todo mundo anda armado aqui, o pessoal do Ibama, inclusive, tem porte de arma, e muita gente da Funai anda com arma por conta própria. Eles chegaram, nos cercaram e não queriam deixar que levássemos os equipamentos apreendidos embora de jeito nenhum. Falavam em entrarmos em acordo para ‘evitar o pior’ ”, contou a este blog um dos servidores públicos presentes no incidente que começou na última sexta (12) à tarde na região do município amazonense de Humaitá.
Na divisa com Rondônia, Humaitá possui uma grande população Tenharim. E, básico, quem atua para proteger esses indígenas e suas terras está acostumado ao contato pouco amistoso com os madeireiros. Na tarde da última sexta-feira, a coisa estava bem mais quente do que o habitual. A Funai, em conjunto com o Ibama e o apoio de oito policiais militares do Amazonas, haviam apreendido máquinas usadas para cortar madeira de terras indígenas de forma ilegal. E, como era de se esperar, os madeireiros não estavam dispostos a deixar o material apreendido (dois tratores e um caminhão, além de 50 toras cortadas) sair dali. Custasse o que custasse.
O impasse e a negociação armada girava em torno de quem seria o fiel depositário do material. Funciona assim: quando Ibama ou Funai apreendem veículos e máquinas, alguém tem que ficar responsável por eles até que a Justiça defina seu destino final. Em tese, esse alguém manterá esse aparato longe das mãos dos madeireiros ou a apreensão não terá servido pra nada. Muitas vezes, quando o agente público não é muito, digamos, rigoroso, o próprio dono do equipamento ou algum amigo dele fica de fiel depositário. Nesses casos, assim que a equipe vira as costas, tudo volta a funcionar como era antes. Na situação ideal, uma pessoa ou entidade interessada na preservação do meio ambiente deve ser a responsável – por exemplo uma tribo indígena da região, uma prefeitura honesta ou um posto do Ibama ou da Funai.
Os madeireiros sabem bem como funciona esse jogo. E por isso bloquearam a pequena estradinha de terra que era a única saída para a clareira onde estava a equipe composta por cinco funcionários da Funai, os três servidores do Ibama e os oitos PMs que tentavam dar uma destinação adequada ao maquinário apreendido. Em outras palavras, os madeireiros fizeram os funcionários públicos de reféns. Alertavam que “o pessoal da vila pode ficar revoltado”, sendo que “o pessoal da vila” eram eles mesmos. Também não aceitaram que as coisas fossem levadas para um posto do Ibama na região ou que a negociação continuasse na cidade. Ameaças surgiram: “Pô, você é do Ibama e tá querendo apreender. Depois vai ter que voltar aqui pra trabalhar, como é que vai ser?”
Essa cena toda ocorria em uma clareira próxima ao “180”, como é conhecido o distrito de Santo Antônio do Matupi, vila de 5 mil habitantes entre os municípios de Humaitá e Apuí, cuja economia gira toda em torno da extração ilegal de madeira e da criação de gado nos locais já desmatados.
E se para os servidores as ameaças foram veladas, para os Tenharim elas foram diretas. Avisados no início de sexta de que havia uma chance deles ficarem como fiéis depositários do caminhão e do trator, um grupo de índios foi para a vila próxima à clareira onde ocorria a negociação entre o grupo de madeireiro armados e os servidores. Ao chegar lá no final da tarde, depois que a negociação já tinha tomado outro caminho, os índios foram cercados por um grupo fortemente armado de madeireiros e ameaçados de morte aos berros à luz do dia. A associação indígena dos Tenharim denunciou o ocorrido à Polícia Federal, que se comprometeu a abrir investigação sobre o caso.
Ao final, surgiu a proposta de levar os veículos apreendidos para a base do Ibama em Apuí, o que abriu um sorriso de orelha a orelha nos madeireiros porque não queriam que os veículos fossem deixados nem para os Tenharim e nem para a FUNAI. Enfim, segundo fontes ouvidas pelo blog, o material continuará acessível a eles. Aliás, gostaram tanto da solução que chegaram a providenciar fogos de artifício e a matar dois bois para promover uma grande festa à noite na cidade e festejar a solução encontrada que, segundo eles, “evitou o pior”.
Vale lembrar que a história recente mostra que o enfrentamento entre fiscais e infratores tem levado a baixas. Em 28 de janeiro de 2004, na região de Unaí, Noroeste de Minas Gerais, quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego foram emboscados e mortos no que ficou conhecido como a “Chacina de Unaí”. Entre os indiciados como mandantes, os irmãos Antério e Norberto Mânica, grandes produtores de feijão e que haviam recebido diversas multas por irregularidades trabalhistas. Antério foi eleito e reeleito prefeito do município depois do ocorrido e ninguém foi julgado até agora.
Os indigenistas e seus companheiros dormiram no mato, sozinhos, protegendo as toras, enquanto a festa dos madeireiros corria solta, a alguns quilômetros dali. No sábado, chegaram cinco agentes da Polícia Federal ao local em que passaram a noite, e os escoltaram de volta a Humaitá, onde chegaram em segurança.
O blog, até o momento, não conseguiu contato com os madeireiros envolvidos no caso.
Que o respeito pelo poder público em alguns locais da fronteira agricola amazônica é menor que um piolho de pomba isso é público e notório. A novidade agora é que tripudiar o Estado brasileiro acaba em festa.

Fonte:* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.
Extraído do site Envolverde

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Cansei. Agora, sou Agro

 Leonardo Sakamoto*

Empresas e entidades ligadas ao agronegócio lançaram, esta semana, uma grande campanha de mídia para tentar reverter a imagem negativa do setor, contando com atores como Lima Duarte e Giovana Antonelli. O Movimento de Valorização do Agronegócio Brasileiro – Sou Agro envolve também a produção de notícias e o desenvolvimento de pesquisas. A verdade é que, para mudar a imagem do agronegócio, que não vai lá muito bem com os recentes assassinatos de trabalhadores rurais, a tratorada sobre o Código Florestal, o trabalho escravo velho de guerra, noves fora os problemas de sempre, vai ser necessário uma campanha muito longa.
Quando o Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros (lembram do “Cansei”?), organizado pela OAB-SP e parte rechunchuda da elite brasileira, foi lançado tive a mesma sensação estranha que estou tendo agora com o Sou Agro. A de que soa como algo que quer fazer com que você defenda interesses específicos pensando lutar pelo interesse nacional, passando por cima de algumas verdades. Que, muito provavelmente, não estarão na boca do Lima e da Giovana.
O Brasil não conseguiu garantir padrões mínimos de qualidade de vida aos seus trabalhadores rurais, principalmente aqueles em atividades vinculadas ao agronegócio monocultor e exportador em área de expansão da fronteira agrícola. Ocorrências de trabalho escravo, infantil e degradante, superexploração do trabalho, remuneração insuficiente para as necessidades básicas são registradas com freqüência. Prisões, ameaças de morte e assassinatos de lideranças rurais e membros de movimentos sociais que reagem a esse quadro também são constantes e ocorrem quase semanalmente. A estrutura fundiária extremamente concentrada também funciona como uma política de reserva de mão-de-obra, garantindo sempre disponibilidade e baixo custo da força de trabalho para as grandes propriedades rurais.
Parte do agronegócio brasileiro ainda não consegue operar com práticas sustentáveis, fazendo com que o meio ambiente sofra as conseqüências do desmatamento ilegal, da contaminação por agrotóxicos, do assoreamento e poluição de cursos d’água, entre outros. Da mesma forma, para a ampliação da área cultivável ou no intento de viabilizar grandes projetos há um histórico de expulsão de comunidades tradicionais, sejam elas de ribeirinhos, caiçaras, quilombolas ou indígenas, que ficou mais intensa com a colonização agressiva da região amazônica a partir da década de 70. Esse tipo de ação tem sido sistematicamente denunciado pelos movimentos sociais brasileiros às organizações internacionais – Belo Monte que o diga.
Mesmo se fossem fechadas as fronteiras agrícolas da Amazônia e do Cerrado – hoje abertas e em franca expansão – o país ainda teria uma das maiores áreas cultiváveis do planeta. Da mesma forma, seu clima (diverso, entre o temperado e o tropical, o que garante um vasto leque de produtos), relevo (grandes extensões de planícies e planaltos), disponibilidade de água e um ciclo de chuvas relativamente regular na maior parte do ano garantem excelentes condições de produção.

 Além disso, o Brasil é um dos países mais populosos do planeta, com mais de 180 milhões de habitantes, dos quais aproximadamente 10% trabalham no campo. Há mão-de-obra disponível, o que garante o desenvolvimento e a ampliação das atividades sem depender de migração externa ou de um choque de mecanização, como acontece com a União Européia ou os Estados Unidos.
O país possui uma legislação trabalhista que, se fosse seguida corretamente, seria capaz de resolver boa parte dos problemas sociais que ocorrem nessas propriedades rurais. Ela incomoda o capital e prova disso são as fortes pressões de empregadores por uma reforma que diminua os gastos com os direitos trabalhistas. 
O que existe efetivamente é um descompasso entre o que prevê a lei e a realidade no campo. Na busca por aumentar sua faixa de lucros e seu poder de concorrência no mercado nacional e internacional, parte dos agricultores descumpre o que está previsto na legislação e explora os trabalhadores, em intensidades e formas diferentes. Ficam com parte dessa expropriação e transferem a maior fatia para: a) a indústria, b) comerciantes de commodities de outros países e c) o sistema bancário brasileiro e internacional – que financia a produção.

 Os casos de exploração mais leves são mais freqüentes e dizem respeito ao pagamento de baixos salários e à manutenção de condições que colocam em risco a saúde do trabalhador. Do outro lado, as ocorrências mais graves estão na utilização de mão-de-obra escrava.
Como os casos “mais leves” de desrespeito ao trabalhador são mais freqüentes, eles passam despercebidos na mídia, preteridos em detrimento à gravidade do trabalho escravo e infantil, que ocorrem em menor número. Também não é interesse de algumas empresas de comunicação em discutir aumentos de salários no campo, uma vez que é freqüente a propriedade de TVs, jornais e rádios por grupos familiares do agronegócio. Já os assassinatos de trabalhadores rurais são vistos como “baixas de conflito”, inseridos em um discurso de que a defesa da propriedade privada predispõe e justifica o uso da força. Segundo esse discurso, é comum o progresso ter as suas vítimas.


A força política dos proprietários rurais continua sendo um entrave para a mudança dessa estrutura. Há uma laissez-faire no campo.
O detentor da terra na Amazônia, por exemplo, muitas vezes exerce o poder político local, seja através de influência econômica, seja através da força física. O limite entre as esferas pública e privada se rompe. Há no Congresso Nacional um influente grupo de parlamentares que defende os interesses das grandes empresas rurais, a chamada “bancada ruralista”. Infelizmente, esses deputados e senadores têm inviabilizado a aprovação de leis importantes que poderiam ajudar efetivar os direitos dos trabalhados do campo – como a que prevê o confisco das terras em que trabalho escravo seja encontrado. Temem que isso afete os seus principais eleitores.


É necessário acelerar a efetivação dos direitos dos trabalhadores e alterar a estrutura agrária brasileira. A tarefa é árdua, tendo em vista as razões expostas anteriormente, e passa também por mudanças políticas e econômicas que, certamente, irão incomodar as elites rurais, industriais, comerciais e financeiras, tanto do Brasil como do exterior, que lucram com esse sistema.
Infelizmente, a forma como vem sendo feito o desenvolvimento da agricultura brasileira, principalmente em regiões de expansão agrícola na Amazônia e no Cerrado, tem trazido crescimento econômico, mas não bem-estar social. Apesar do nível de consciência do trabalhador rural ter aumentado significativamente nos últimos anos, o que é pré-condição para que ele se torne um protagonista social, a mobilização ainda é insuficiente para uma mudança radical na estrutura de concentração econômica no campo. O governo Lula esteve aberto ao diálogo com grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mas frustrou expectativas por não tomar decisões que alterariam o statuo quo no campo. Pelo contrário, reforçou-o. Uma delas seria dar, pelo menos, o mesmo apoio garantido ao latifúndio para a pequena propriedade, considerando que a sua produtividade é comparável ou maior, ao passo que a degradação do meio ambiente e da força de trabalho são maiores na grande propriedade. Ressalte-se que apesar das grandes fazendas ficarem com a maior fatia do bolo do financiamento público, as pequenas propriedades é que empregam 80% da mão-de-obra no campo, produzem a maior parte dos alimentos consumidos pela população brasileira.
Ou seja, seria necessário um enfrentamento político e econômico contra as condições que garantem a exploração do trabalhador e do meio ambiente. Fato que, até a vista alcança, permanece distant


Leonardo Sakamoto* Jornalista e doutor em ciências políticas.

Fonte: BLOG DO SAKAMOTO

terça-feira, 5 de julho de 2011

Trabalho infantil: liberdade e barbárie no Brasil



por Leonardo Sakamoto*


Teresina – Preciso elevar meu conceito de barbárie porque ele está desatualizado.

Esta semana, em um post sobre a morte de um operário de 16 anos durante o desabamento de uma obra em São Paulo, reclamei do absurdo daquilo reunindo à história dele sete outras envolvendo crianças em condições insalubres. Cheguei a pensar se não havia pegado pesado demais. Nesta sexta, aqui no Piauí, cheguei à conclusão que não.
155 Trabalho infantil: liberdade e barbárie no BrasilUm auditor fiscal do trabalho me relatou um caso bizarro. Em uma operação, libertou uma jovem de 14 anos que, durante o dia, cuidava do barracão onde estavam alojados outros dez trabalhadores – todos em condição de escravidão, inclusive ela. Arrumava as coisas dos peões, responsabilizava-se pela alimentação, era a empregada do local. À noite, assumia jornada dupla e tornava-se a diversão sexual de todos – isso mesmo, todos – os trabalhadores. Entregava-se “pão e circo” a um grupo de espoliados, no intuito de que esquecessem suas tragédias e reclamassem menos. Não é assim conosco em escala nacional com alguns esportes e festas?
Anteontem, durante uma palestra no Congresso de Jornalismo Investigativo da Abraji, perguntaram-me qual a pior situação que encontrei pelas andanças que tive. Cobri guerras, me meti nos piores buracos, acho que já vi muita coisa. Mas o que sistematicamente me tira do sério é me deparar com crianças completamente alijadas de sua dignidade, que, para sobreviver, emulam uma maturidade que não têm a fim de segurar a barra em um mundo de desgraça. Um amadurecimento incompleto, em que, de noite, se prostituem em boleias de caminhão por alguns reais e, de dia, penteiam bonecas de pano.
(Aí eu ligo a TV e uma socialite diz com a boca cheia de dentes que apoia o “social”. Que dá dinheiro para uma instituição de crianças, pois acha importante ter a caridade no coração. Mais um pouquinho, se ela dissesse que tratava as filhas das suas criadas como suas, me enforcava no quarto do hotel com o lençol.)
Boa parte dessas barbáries são decorrência de nosso modelo de desenvolvimento perverso, que forçam crianças a trabalhar desde cedo e nas piores formas de serviço. E que, para justificar o injustificável, cria todo um discurso de que trabalhar é bom, pois forja o caráter. Barbáries que não vão se resolver com medidas paliativas, como caridade, mas com ações estruturais. O problema é que lutar pela implementação de políticas públicas efetivas ou pela aprovação de leis pode não servir para deixar a consciência mais leve na cama à noite no curto prazo.
A jovem de 14 anos do caso acima trabalhava em uma área destinada à produção de leite. Mas como não nos importamos em saber de onde vêm os produtos que consumimos e o caminho de impactos negativos que alguns deles vão gerando pelo caminho para suprir nossa demanda, ela simplesmente não existe. Ou melhor, existe, mas é um dano colateral necessário.
Trago o poeta inglês John Donne, citado em “Por Quem os Sinos Dobram”, de Ernest Hemingway:
“Nenhum homem é uma ilha, inteiramente isolado / Todo homem é um pedaço de um continente, uma parte da terra / Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa de teus amigos ou a tua própria / A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. / E por isso não perguntes por quem os sinos dobram: eles dobram por ti.”
Em outras palavras, o sofrimento de qualquer pessoa me diminui, pois sou parte da humanidade: nunca procure saber por quem os sinos dobram, pois eles dobram por você também.
Se o problema é do filho ou filha do outro, do desconhecido distante, então que se dane. A verdade é que defendemos liberdades coletivas quando estas nos dizem respeito individualmente. Será que vamos, um dia, conseguir defender o outro simplesmente porque ele é (ou deveria ser) semelhante a mim em direito e dignidade?
* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.
(Blog do Sakamoto)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O Brasil e a sua guerra particular



por Leonardo Sakamoto*


O Ibama apreendeu quatro toneladas de agrotóxicos, entre eles desfolhante 2.4D, que estava sendo utilizado na substituição de três mil hectares de floresta por pastagem no Sul do Amazonas. Cerca de 250 hectares já haviam ido para o beleléu.
115 300x224 O Brasil e a sua guerra particularAngeli
O 2.4D, que é usado na agricultura, é um dos componentes do agente laranja, despejado no Vietnã para revelar inimigos do Tio Sam que se escondiam na mata. Comentei com um colega antropólogo que, seguindo essa toada, em breve, o pessoal ia começar a usar napalm para limpar fazendas de indígenas indesejáveis.
No que ele me lembrou que isso já aconteceu. Durante a construção da BR-174, que cortou o território Waimiri Atroari, entre Roraima e o Amazonas, o exército brasileiro controlado pela Gloriosa quase levou à extinção o povo kinja na década de 1970. Há relatos de bombas lançadas por aeronaves na população.
Outros relatos apontam o massacre de indígenas no Mato Grosso na década de 1960, quando fazendeiros, com o apoio de representantes do Estado, teriam lançado objetos contaminados com doenças como sarampo nas aldeias indígenas.
Reestabelecida a democracia, casos assim continuaram. Há denúncias de que pecuaristas, temendo que suas terras viessem a ser devolvidas aos indígenas isolados que nelas viviam no Sul de Rondônia, mandaram dar açúcar de presente à tribo. O que não avisou a eles é que o açúcar tinha sido temperado com veneno de rato.
E olha que não falamos de trabalhadores rurais, como nas bombas jogadas durante a repressão violenta à greve dos cortadores de cana em Guariba, Estado de São Paulo, na década de 1980, ou nas chacinas e massacres, como Eldorados dos Carajás, Estado do Pará.
Em suma, quando dizemos que uma guerra tem sido travada no campo no Brasil, tem gente que duvida. O pior é que ela não foi ou é apenas convencional, mas é também química e biológica.
Não dava para ter aplicado a Convenção de Genebra por aqui, não?
* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.
(Blog do Skamoto)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Por que o pessoal se surpreende com o Congresso?



por Leonardo Sakamoto*

Recebi uma cascata de mensagens pedindo para comentar a aprovação do novo Código Florestal, nesta terça, por acachapante votação na Câmara dos Deputados. Isso sem contar as emendas que, na prática, anistiam quem desmatou além da conta.
1408 300x239 Por que o pessoal se surpreende com o Congresso?Mas, caros leitores, vocês querem que eu fale o quê? Que a Câmara dos Deputados rifou o futuro das próximas gerações? Tá bom: a Câmara dos Deputados rifou o futuro das próximas gerações. Que a Câmara dos Deputados novamente se dobrou a interesses bizarros? Claro! Por que não? Vamos chover todos no molhado só para desopilar o fígado. Mas cadê a novidade? Ou alguém achou realmente que a maioria daquele pessoal gente boa se preocupa com as consequências dos seus atos para a qualidade de vida da coletividade? Há! Faz me rir. Não é de hoje que colocam o cumprimento de compromissos de campanha e os interesses individuais e econômicos à frente. Porque em última instância é disso o que estamos falando, pois meio ambiente é uma discussão sobre qualidade de vida e não sobre a preservação do bragre-cego-de-barba-albina-e-topete-escarlate.
Garantir uma legislação ambiental decente significa evitar os deslizamentos de terra que soterram centenas de pessoas nas chuvas, os assassinatos de trabalhadores rurais e sindicalistas (que ousaram ir contra o modelo de desenvolvimento vigente), a expulsão de indígenas de suas terras para dar lugar a pastos e carvoarias, a ignomínima do trabalho escravo – cujas histórias forjam meus pesadelos há muitos anos. Tudo isso está interligado. Se quiser saber a relação, pesquisa aí na ferramenta de busca do blog. Mas, não, preferimos contribuir com o ajuste do termostato do planeta para a posição “gratinar os idiotas lentamente”.
Sobre Aldo Rebelo, eu não comento mais. Quando alguém discorda dele, é porque está desinformado, foi vendido para os gringos, é um ambientalista perverso, torce para o Corinthians. Como Aldo já me chamou de vaca holandesa, então eu gostaria de ruminar meus parabéns a uma das mais importantes lideranças ruralistas deste país por ter conseguido o que queria. Se o Senado ou o Planalto não corrigirem o curso desse desastre, acreditem, a História não será leve com ele.
Mas, com todo o respeito: os culpados, de verdade, são todos vocês que estão lendo este texto agora, cujo deputado ou deputada votou a favor daquele texto construído sem a devida participação da sociedade (fui em uma das “audiências públicas” do projeto…lamentável). Acompanhei o que meu representante fez e participou dos debates ao longo de meses e votou contra. E o seu? Aliás, você se lembra em quem votou ou digitou os números só para ajudar o Miltinho, primo da Maria Rita, vizinha da sua cunhada – que é gente boa e te deu um picolé quando criança e agora está trabalhando para um candidato? Sim, a responsabilidade é sua também que botou aquela galera lá. Agora aguenta.
Ah, e quando desgraça começar a rolar, não vai pedir ajuda a Deus. Ele já está suficientemente envergonhado por ter uma bancada evangélica que fala em seu nome e – mais forte que um governo que rifa direitos para segurar seu ministro – luta pelo direito à homofobia, impedindo que nossas crianças aprendam e exerçam a tolerância nas escolas.
* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.
(Blog do Sakamoto)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A ironia do SUV com adesivo "Save the Planet"



por Leonardo Sakamoto*
1285 A ironia do SUV com adesivo “Save the Planet”Alguém me explica como uma pessoa tem a pachorra de colocar um adesivo “Save the Planet” em uma SUV? Ou sua variante “adventure cool”, que é usar uma capa para o estepe traseiro com os mesmos dizeres sobre uma imagem de uma jaguatirica ou um papagaio.
Em grandes aglomerados urbanos, como São Paulo, a poluição gerada pelos automóveis é maior do que aquela cuspida por indústrias. E essa categoria de carro (veículo esportivo utilitário, em inglês), beberrona de combustível, e que deveria estar sumindo por questões socioambientais, vende que é uma beleza nas lojas daqui.
À medida que cresce nossa economia, aumenta o desejo da classe média alta de copiar esse modelo (em declínio) do Grande Irmão do Norte, de veículos grandes e potentes. Talvez para mostrar a todo mundo “cheguei lá”, talvez para compensar o tamanho do vazio que espera aqueles que atingem o topo do pódio da sociedade enquanto o restante se segura para não rolar morro abaixo. Será que não dava para usar uma fitinha branca na lapela mostrando a classe social? Seria algo bem bizarro, meio Admirável Mundo Novo, mas ainda assim menos danoso aos demais seres que habitam a polis do que baforadas de fumaça.
“Ah, mas eu abasteço com biodiesel! Sou um guerreiro da nova consciência.” A despeito do fato da mistura oriunda de matriz vegetal/animal (é isso aí, a gordura animal – banha de boi, por exemplo – só perde para a soja no ranking das matérias-primas mais usadas na produção de biodiesel no Brasil) representar apenas 5% da sua composição, sua cadeia produtiva ainda conta com uma série de impactos sociais, ambientais e trabalhistas mal resolvidos que impedem de chamá-lo de combustível limpo. No que pese os esforços da indústria e do governo de propagandear isso lá fora, pelo comércio, e aqui dentro, para aplacar corações e mentes.
O melhor de tudo é que tenho certeza que muitos dos que andam de SUV com um adesivo desses dão bronca na empregada porque esta jogou a latinha de alumínio na cesta de lixo orgânico (mas ligam os 1.536 aparelhos de ar condicionado de casa ao mesmo tempo), brigam com a faxineira por lavar a calçada com mangueira (mas não dispensam o banho de beleza na banheira com bolhas duas vezes por semana), compram móveis de madeira certificada da Indonésia (mas não se perguntam de onde veio a madeira extraída ilegalmente da Amazônia utilizada na construção de seu apartamento de frente para o parque).
Não, não. Não estou pedindo coerência. Afinal, somos humanos e errados por natureza. Mas é estranho, feito o Batmóvel com um adesivo do Coringa.
* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.
(Blog do Sakamoto)

Leia também:
A conferência Rio+20 e suas
polêmicas<http://www.outraspalavras.net/2011/04/26/a-conferencia-rio20-e-suas-polemicas/>

terça-feira, 19 de abril de 2011

Dia do Índio. Qual sociedade é composta por selvagens?



por Leonardo Sakamoto*
Criança branca pintada de índio em escola de classe média alta é hype. Criança índia desterrada esmolando no semáforo é kitsch. 1214 300x297 Dia do Índio. Qual sociedade é composta por selvagens?Índio só é fofo se vem embalado para consumo.
Hoje, 19 de abril, é Dia do Índio. Data boa para lembrar qual sociedade é, de fato, composta por selvagens. Vamos celebrar:
Dia do Índio se tornar escravo em fazenda de cana no Mato Grosso do Sul.
Dia do Índio ser convencido que precisa dar sua cota de sacrifício pelo PAC e não questionar quando chega a nota de despejo em nome de hidrelétricas com estudo de impacto ambiental meia-boca.
Dia do Índio armar um barraco de lona na beira da estrada porque foi expulso de sua terra por um grileiro.
Dia do Índio ver seus filhos desnutridos passarem fome porque a área em que seu povo produziria alimentos foi entregue a um fazendeiro amigo do rei.
Dia do Índio ser queimado em banco de ponto de ônibus porque foi confundido com um mendigo.
Dia do Índio ser chamado de indolente.
Dia do Índio ter ignorado o direito sobre seu território porque não produz para exportação.
Dia do Índio ter negado o corpo de filhos assassinados em conflitos pela terra porque o Estado não faz seu trabalho.
Dia do Índio se tornar exposição no Zoológico da maior cidade do país como se fosse bichinho.
Dia do Índio ser retratado como praga em outdoor no Sul da Bahia por atravancar o progresso
Dia do Índio tomar porrada na Bolívia, no Paraguai, na Colômbia, no Peru, no Equador, no Chile, na Argentina, na Venezuela porque é índio.
Dia do Índio ser motivo de medo de atriz de TV, que acha que um direito de propriedade fraudulento está acima de qualquer coisa.
Dia do Índio entender que a invasão de nossas fronteiras é iminente e, por isso, ele precisa deixar suas terras para dar lugar a fazendas.
Dia do Índio sofrer preconceito por seus olhos amendoados, sua pele morena, sua cultura, suas crenças e tradições.
Enfim, Dia do Índio se lembrar quem manda e quem obedece e parar com esses protestos idiotas que pipocam aqui e ali. Ou será que nós, os homens de bem, vamos precisar de outros 511 anos para catequisar e amansar esse povo?
* Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Já foi professor de jornalismo na USP e, hoje, ministra aulas na pós-graduação da PUC-SP. Trabalhou em diversos veículos de comunicação, cobrindo os problemas sociais brasileiros. É coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
**Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.
(Blog do Sakamoto)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Leonardo Sakamoto: "O trabalho escravo está inserido na economia brasileira"

por Aldrey Riechel, do Amazônia.org.br
O debate sobre trabalho escravo nunca deixou de ser pautado no Brasil e principalmente na Amazônia, onde se encontra o maior número de trabalhadores libertados. Neste mês dois fatos ajudaram a divulgar o assunto: a atualização da Lista Suja do Trabalho Escravo, que mostra as empresas que foram flagradas utilizando mão de obra escrava e a divulgação do Programa Nacional de Direitos Humanos, que tenta consolidar a meta de erradicar esse crime.

Leonardo Sakamato, jornalista e coordenador da organização Repórter Brasil, defende que as duas ações são positivas. A Lista Suja, segundo ele é um importante instrumento de combate à prática, já que funciona como um bloqueio econômico para estas empresas que constam na lista. Sakamato afirma que as pessoas usam trabalho escravo porque dá lucro, "então se o trabalho escravo começar a gerar prejuízo, elas vão repensar antes de usá-lo", explica.

Já o Programa de Direitos Humanos, se for cumprido, pode ser um importante instrumento para que se mude o modelo de desenvolvimento no país. Sakamoto afirma que os que criticam o plano são "as forças retrógradas" da sociedade: militares, ruralistas e setores conservadores da igreja nacional, que conjecturam, segundo ele, "como manter a alma e o corpo dos trabalhadores e dos seres humanos, em constante privação".

Confira a entrevista exclusiva:

Amazônia.org.br - A Amazônia é a região que concentra a maior parte das empresas que usam mão-de-obra escrava. Na lista editada pelo Ministério do trabalho e Emprego, aponta que dos 164 casos enumerados, cem deles (61%) ocorreram em Estados que pertencem à Amazônia. Por que nesta região tem tantas ocorrências?

Leonardo Sakamoto - Está diretamente relacionado ao fato do trabalho escravo ser muito usado no Brasil como um instrumento de expansão agropecuária. Trabalho escravo e fronteira agrícola são duas coisas que caminham de mãos dadas. Durante o processo de implantação de um empreendimento agropecuário, você tem muitas vezes, um fazendeiro que não está capitalizado ou, na maioria das vezes, que não quer botar a mão no bolso. E para uma atividade periférica da fazenda, ampliação da fazenda, por exemplo, ele acaba se valendo de formas ilegais e vai fazer o que já é conhecido: vai grilar terras, vai desmatar além da conta e vai usar trabalho escravo, ou seja, para poupar dinheiro. Dinheiro que ele não tem ou que ele não quer gastar em um momento de expansão agropecuária.

Dessa forma, ele pode competir no mercado de uma forma mais rápida sem esses gastos de investimentos. Isso eu estou falando de uma forma geral. O trabalho escravo é utilizado para ampliar a fronteira, para expandir a área agrícola, para expandir a fronteira agrícola.

Amazônia.org.br - No caso da Amazônia, a impunidade também auxilia?

Sakamoto - Trabalho escravo no Brasil é sustentado por um tripé: impunidade, pobreza e ganância. Ganância que leva as pessoas a quererem obter lucros fáceis, por meio de uma concorrência desleal e através do sofrimento humano. A pobreza que empurra esse pessoal para fora, longe de suas casas e cidades e que facilita o fato deles serem traficados, do nordeste até a Amazônia, por exemplo. E a impunidade, que dá aquela certeza de que pode usar trabalho escravo e depois não vai acontecer nada. É claro que para combater o trabalho escravo estamos tentando reverter esse tripé que sustenta o problema.

Amazônia.org.br - Você disse que trabalho e fronteira agrícola trabalham de mãos dadas. É possível dizer que o trabalho escravo gera economia?

Sakamoto - Vou até refazer essa sua colocação: o trabalho escravo está inserido na economia brasileira. Ele não é fundamental, e por isso pode ser erradicado. A Repórter Brasil, desde 2003, realiza estudo de cadeia produtiva. Já rastreamos mais de 500 fazendas e, em todas elas, eles entram nessas chamadas "redes comerciais globais". Você tem fazendas vendendo para grandes frigoríficos que exportam produção ou vendem aqui, em território nacional. Tem usinas com trabalho escravo produzindo etanol para o mercado nacional e internacional, açúcar também, algodão, soja, o milho, o arroz, o tomate, a madeira, o carvão vegetal para a siderurgia, para minério de alto valor... Então você tem o trabalho escravo sendo usado como uma ferramenta para gerar competitividade. Tem gente que usa isso para crescer, existir e começar um negócio.

Agora, trabalho escravo não é necessário para a economia, então ele pode ser cortado. Basta para isso que a gente mude o modelo de desenvolvimento. O trabalho escravo não é em nenhum momento uma doença, é uma febre. Febre é sintoma. Sintoma de que alguma coisa está ruim no corpo e o trabalho escravo é o sintoma de que alguma coisa está com problema no corpo, no caso o nosso modelo de desenvolvimento que é extremamente predatório, excludente e destruidor em todos os sentidos.

Amazônia.org.br - Isso significa que é preciso uma reforma em todo o sistema produtivo e econômico...

Sakamoto - É claro que as pessoas falam assim: "poxa! Tem que acabar com o capitalismo para acabar com o trabalho escravo?" A discussão é longa, mas na verdade se você mudar o modelo de desenvolvimento, se combater impunidade, ganância e pobreza, você reduz drasticamente o trabalho escravo.

Olha a diferença: você vai atuando na questão da pobreza, da dignidade e da ganância, e, se você conseguir mudar o modelo de desenvolvimento, que é isso que nós defendemos, e é isso que as entidades que trabalham com a questão socioambiental defendem, nós vamos acabar com o trabalho escravo. Por quê? Porque é uma forma de exploração que está relacionada com uma maneira de ver o meio ambiente e a sociedade como meros instrumentos de lucro e não como elementos que devem estar em harmonia.

Amazônia.org.br - A atualização da Lista Suja do Trabalho Escravo foi feita há pouco tempo, onde foram incluídas 12 empresas e excluídos 10 nomes. Você acredita que a divulgação das empresas por meio dessa relação é uma medida que ajuda a punir aquelas que usaram mão-de-obra escrava? Essa é uma medida que traz resultados?

Sakamoto - Traz muitos resultados sim. A Lista Suja do Trabalho Escravo, que foi criada em 2003 pelo governo federal é, em nossa opinião, um dos mais importantes instrumentos de combate ao trabalho escravo do Brasil. O pacto nacional pela erradicação do trabalho escravo, que foi criado pela repórter Brasil, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo Instituto Ethos e depois também foi abraçado pelo Instituto de Observatório Social, é um instrumento que se baseia na lista suja, ou seja, mais de 200 empresas e associações, que fazem parte do pacto, são obrigadas a checar a Lista Suja antes de fechar negócio. Empresas públicas, privadas, bancos públicos e bancos privados são obrigados a checar a lista suja antes de fechar negócio. E também o próprio governo federal já deixou claro que Banco Público Federal não emprestará para quem estiver na Lista Suja.

Se você consegue evitar que essas empresas consigam escoar sua produção, tenham compradores, clientes e que também evitem créditos para esse pessoal, você vai atuar naquela ganância. O pessoal usa trabalho escravo porque gera lucro. Não é porque alguém é malvado.

Então se o trabalho escravo começar a gerar prejuízo, elas vão repensar antes de usá-lo. A lista suja, além de ser um instrumento de publicização, de transparência do combate ao trabalho escravo, é uma forma de atuar diretamente no combate a esse problema, por meio das empresas que são signatárias do pacto.

É uma medida que é usada para bloqueio comercial. O objetivo da criação dela foi a transparência e é um instrumento corajoso do governo e das instituições que fazem parte da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, elas apóiam, sem sombras de dúvida, a lista suja.

Amazônia.org.br - Você acredita que o Programa Nacional de Direitos Humanos, recém- lançado pelo governo, pode contribuir na luta contra o trabalho escravo?

Sakamoto - O programa, ao buscar a redução da pobreza, a validação dos direitos humanos, combater a negação dos direitos humanos, garantiu uma série de ações que bate de frente com impunidade, bate de frente com a pobreza e age contra essa ganância desmensurada. Então é claro que o Plano Nacional, vai ser um instrumento importante.

Ele tem um capítulo sobre trabalho escravo, que a gente [Repórter Brasil] ajudou a confeccionar. O programa prevê reforçar a adoção do Plano Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que existe e está à disposição de qualquer um.

Agora é importante que se diga o seguinte: num Brasil onde os direitos Humanos não valem nada, o trabalhador é tratado como bicho, indígenas são tratados como descartáveis, quilombolas, ribeirinhos e outras pessoas pobres do campo são tratados como ninguém é de admirar que a área de direitos humanos tenha conseguido avançar gerando um terceiro programa.

O trabalho escravo é uma das piores formas de exploração humana. Porque não mexe apenas com direitos trabalhistas, mexe com vários direitos fundamentais: ele também é a ausência do tratamento digno, do direito humano, do aceso a terra, de acesso a alimentação e ao trabalho descente. Um plano que eleva o patamar da dignidade dos trabalhadores do campo é um plano que ajuda a combater o trabalho escravo. E se fosse adotado, é claro que o modelo de desenvolvimento no Brasil seria outro.

Tanto é que veja as forças retrógradas que não defenderam o plano: militares, ruralistas e setores conservadores da igreja nacional, mantendo um padrão semelhante ao padrão do Brasil: é o padre, o delegado é o coronel. São os três conjecturando sobre como manter a alma e o corpo dos trabalhadores e dos seres humanos em constante privação. Até pelo antagonismo de quem atacou o plano, você sabe que o plano é um instrumento que deve ser defendido.

sábado, 28 de novembro de 2009

Curso de Jornalismo Prático: O manual do colunista

do Blog do Sakamoto
Agora que a obrigatoriedade do diploma para exercício da profissão caiu, o Blog do Sakamoto reforça o seu "Curso de Jornalismo Prático". Já em sua terceira aula (a primeira e a segunda, sobre o Disk-Fonte: O Jornalismo Papagaio de Repetição, foram um sucesso), o Curso é elaborado em conjunto com amigos que são grandes repórteres e conhecem como ninguém o universo das redações. Para esta aula, um deles foi certeiro na análise do problema, criando um manual que será de grande utilidade aos recém-formados, mas também àqueles com mais quilometragem que querem “chegar lá”.

Quer virar colunista ou editorialista de jornalão impresso, de um telejornal noturno ou de uma revista semanal de grande circulação? Fácil. Basta seguir esse manual. Para cada tema polêmico da atualidade, há um repertório de cinco argumentos que devem ser repetidos ad nauseum, sem margem para hesitação. Pintou o tema, escolha um dos cinco argumentos abaixo e tasque na sua coluna. Se quiser, use mais de um. Você é a estrela.

Uma dica: para sua coluna parecer diversificada, democrática, procure colocar alguns dos argumentos abaixo na boca de “especialistas”. Veja a lista de nossos especialistas no Disk -Fonte e escolha livremente. Se já estiver na hora do fechamento e ninguém atender, ligue para o Demétrio Magnolli, pois esse está sempre à disposição e discorre sobre qualquer assunto. Ele é fera.

E atenção: não se preocupe se o seu concorrente direto anda usando exatamente esses mesmos argumentos há anos. Não importa também se quase todos esses argumentos já foram aniquilados pelos fatos. O importante, em todos os casos, não é citar fatos. O que conta é dar ênfase no argumento. Se você estiver apresentando um telejornal, faça cara de compenetrado. Se for uma coluna, um editorial, carregue no título.

Além da segurança, da facilidade e da comodidade, há várias outras razões para você usar esse manual: 1) você vai parecer erudito; 2) você vai gastar pouco tempo para fechar a coluna; e 3) seu texto irá repercutir muito bem junto ao dono do(a) jornal/revista/TV que você trabalha.

Ao manual:

Se o assunto é: Cotas nas universidades, ação afirmativa, Estatuto da Igualdade Racial

Seus argumentos devem ser:
“Para a biologia, a raça humana é uma só. Logo, não faz sentido dividir as pessoas por raças”
“A política de cotas é perigosa. Irá criar conflitos que não existem hoje no Brasil”
“É uma ameaça à qualidade do ensino, pois os beneficiários não conseguirão acompanhar as aulas”
“Essas iniciativas representam uma ameaça ao princípio de que todos são iguais perante a lei”
“Cotas são ruins para os próprios negros, pois eles sempre se sentirão discriminados na faculdade”

Se o assunto é: Reforma agrária, MST, agricultura familiar

Seus argumentos devem ser:
“Não faz mais sentido fazer reforma agrária no século 21”
“O agronegócio é muito mais produtivo, eficiente, rentável, moderno e lucrativo”
“O Fernando Henrique já fez a reforma agrária no Brasil”
“Se você distribui lotes, o agricultor pega a terra e a vende para terceiros depois”
“O MST é bandido”

Se o assunto é: Bolsa Família

Seus argumentos devem ser:
“O pobre vai usar o dinheiro para comprar TV, geladeira, sofá e outros artigos de luxo”
“O pobre não terá incentivo para trabalhar. Vai se acostumar na pobreza”
“Não adianta dar o peixe, tem de ensinar a pescar”
“O programa não tem porta de saída” (não tente explicar o que é isso)
“O governo só sabe criar gastos”

Se o assunto é: Mortos e desaparecidos políticos, abertura de arquivos da ditadura, revisão da Lei de Anistia

Seus argumentos devem ser:
“Não é hora de mexer nesse assunto”
“A Anistia foi para todos. Valeu para os militares; valeu para os terroristas”
“Não é hora de mexer nesse assunto”
“A Anistia foi para todos. Valeu para os militares; valeu para os terroristas”
“Não é hora de mexer nesse assunto”

Se o assunto é: Confecom, democratização da comunicação, classificação indicativa

Seus argumentos devem ser:
“Qualquer regulamentação é ruim, o mercado regula”
“É um atentado à liberdade de imprensa”
“Querem acabar com o seu direito de escolha”
“Já tentaram expulsar até o repórter do New York Times, sabia?”
“A classificação indicativa é censura. Os pais é que têm que regular o que seus filhos assistem”

Se o assunto é:
A política econômica

Seus argumentos devem ser:
“O governo deveria aproveitar esse período de vacas gordas para fazer as reformas que o Brasil precisa, cortando custos”
“Os gastos e a contratação de pessoal estão completamente fora de controle”
“O país precisa fazer a lição de casa e cortar postos de trabalho”
“Quem produz sofre muito com o Custo Brasil, é necessário cortar custos e investir em infra-estrutura”
“Só dá certo porque é continuidade do governo FHC”

Se o assunto é:
Trabalho e capital

Seus argumentos devem ser:
“O que os sindicatos não entendem é que, nesta hora, todos têm que dar sua cota de sacrifício”
“Os grevistas não pensam na população, apenas neles mesmos”
“Sem uma reforma trabalhista que desonere o capital, o Brasil está fadado ao fracasso”
“A CLT é uma amarra que impede a economia de crescer”
“É um absurdo os sindicatos terem tanta liberdade”