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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Nuvens de veneno

21/01/2014 - Wellinton Nascimento, do Forest Blog
- do blogue Mercado Ético

Há uma grande disparidade no tratamento que o agronegócio dispensa à saúde da lavoura e a saúde dos trabalhadores.

A preocupação com o aumento da produção sem economizar no uso dos agrotóxicos, revela um descaso com os efeitos colaterais causados na vida da população e do meio ambiente.

No estado de Mato Grosso – o maior produtor de soja, algodão e gado no Brasil -, apenas seis municípios possuem Programa de Saúde dos Trabalhadores.

O estado detêm também o recorde de maior consumidor de agroquímicos no país.

A aviação agrícola despeja sobre as lavouras nuvens de endosulfan, tamaron, futrifol e outros inseticidas controversos já proibidos nos Estados Unidos, na Europa e até mesmo na China.

Os produtos são exportados, mas os agrotóxicos ficam.

Esse é o grande questionamento trazido pelo preciso curta “Nuvens de Veneno”, dirigido por Beto Novaes, aonde vão parar os milhões de litros de agrotóxicos que estavam nos vasilhames agora vazios?

Os inseticidas usados pelos grandes produtores tem afetado drasticamente a saúde e as lavouras de pequenos produtores familiares de assentamentos e comunidades rurais de Mato Grosso.

Os insumos químicos levados pelas nuvens de veneno, andam quilômetros e tem chegado até às cidades.

Os pesticidas evaporam, se condensam na chuva e intoxicam pessoas, plantas, nascentes.

Uma pesquisa realizada por Wanderlei Pignati [foto], professor da Universidade Federal de Mato Grosso, na água de 10 poços artesanais das cidades de Lucas do Rio Verde e Campo Verde, durante dois anos, revelou que todos estavam contaminados com resíduos agrotóxicos.

O curta mostra que, lastimavelmente, os insumos não tem surtido mais efeito contra as pragas, o que gera um ciclo destrutivo: a quantidade de veneno é aumentada à exaustão e depois substituída por outros agrotóxicos ainda mais nocivos.

Obediência aos códigos florestais, controle social e visão crítica da população são algumas das soluções apresentadas no vídeo.



Reserve apenas 22 minutos da sua semana, assista “Nuvens de Veneno” e reflita.

Até quando vamos aceitar essa situação? Que qualidade de vida as futuras gerações terão, se tamanha irresponsabilidade persistir?

(Forest Comunicação)

Leituras afins:
- A obesidade e a fome - Entrevista com Esther Vivas
- XV Simpósio Internacional IHU - “Alimento e Nutrição no contexto dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio” - de 05 a 08 de maio de 2014
- Fome: 10 fatos para saber em 2014 - Ana Duarte Carmo

Fonte:
http://www.mercadoetico.com.br/arquivo/nuvens-de-veneno/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Agrotóxicos: o perigo eterno

A questão é a seguinte: o Brasil é o maior exportador de soja, de carnes, de açúcar, de suco de laranja e de café. Somos o número um no mundo. E temos uma estrutura de vigilância, de fiscalização e de estruturação de apoio aos setores de saúde quase zero. 

Por Najar Tubino - Carta Maior
 
Não é uma metáfora, apenas o prazo de validade que estes produtos químicos usados intensivamente na produção de alimentos usufruem no Brasil, o maior consumidor mundial – um milhão de toneladas ou um bilhão de litros. Nos Estados Unidos o prazo é de 15 anos, na União Europeia 10 anos e no Uruguai quatro anos. Entre 2006 e 2011, época da implantação dos transgênicos o volume consumido aumentou 72% de 480,1 mil para 826,7 mil toneladas. A área de lavouras aumentou 19% de 68,8 milhões de hectares para 81,7 milhões. E o consumo médio por hectare passou de 7 kg em 2005 para 10,1kg em 2011.

Neste mês de setembro o assunto voltou à tona. Em uma matéria na revista Galileu, a ANDEF (Associação Nacional de Defesa Vegetal), por intermédio do presidente, Eduardo Dahler, desqualificou o dossiê dos agrotóxicos lançado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Em uma nota, assinada em conjunto com o Instituto Nacional do Câncer e a Fundação Oswaldo Cruz, desqualificaram as declarações do representante das corporações que dominam o setor:

“Não aceitaremos pressões de setores interessados na venda de agrotóxicos e convocamos a sociedade brasileira a tomar conhecimento e se mobilizar frente a grave situação em que o país se encontra, de vulnerabilidade relacionada ao uso massivo de agrotóxicos. O compromisso dos que criticam as pesquisas é apenas o lucro na venda de venenos”.

Maior exportador e zero

O dossiê da Abrasco têm 472 páginas, dividida em três partes. A segunda foi lançada durante a Rio+20, e a última no final do ano passado. É um levantamento nacional baseado em várias pesquisas de profissionais das universidades federais do Ceará, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Goiás e de Pelotas, além dos pesquisadores da Fiocruz, do INCA e de outras entidades.

Traz dezenas de relatos, inclusive uma série de cartas depoimentos de representantes de comunidades atingidas pelo impacto dos agrotóxicos, ou que estão cercadas por projetos de irrigação – caso do nordeste-, ou do Centro-oeste, caso do Mato Grosso. Faz uma análise detalhada dos efeitos de vários dos produtos usados pelo agronegócio no país.

A questão é a seguinte: o Brasil é o maior exportador de soja, de carnes, de açúcar, de suco de laranja e de café. Somos o número um no mundo. E temos uma estrutura de vigilância, de fiscalização e de estruturação de apoio aos setores de saúde quase zero. Exemplo: 46 técnicos para avaliar agrotóxicos contando ANVISA, Ministério da Agricultura e IBAMA. A Divisão de Agrotóxicos da EPA, Agência Ambiental dos EUA tem de 90 a 100 apenas no registro, na reavaliação de 180 a 240 e no impacto ambiental de 80 a 90 técnicos especializados.

Neste quesito não podemos dizer que não há comparativo, porque há e muitos. Os profissionais da saúde não tem capacidade de diagnosticar as pessoas intoxicadas com agrotóxicos. Os registros, que são espontâneos no SINITOX – Sistema Nacional de Informação Toxicológica- na maioria dos casos só contabilizam os casos de intoxicação aguda e nunca as crônicas.

Tentativas de suicídio

Num trabalho de pós-graduação do curso de Geografia Humana, da USP, a pesquisadora Larissa Mies Bombard avaliou as estatísticas do SINITOX de 1999 a 2009 – 62 mil intoxicações por agrotóxicos. A Organização Mundial da Saúde calcula que para cada registro outros 50 não ocorreram. Ou seja, poderiam ser 3,1 milhões de intoxicações. Também foram registradas 25.350 tentativas de suicídios, com 1.876 mortes. Cabe ressaltar que no nordeste, principalmente Ceará e Pernambuco, tentativas de suicídios abarcaram 75% dos casos notificados. Relação direta com as áreas de irrigação onde se cultivam frutas para exportação – melão, abacaxi e banana, manga, entre outras.

Não há novidade neste quesito. Os agrotóxicos, venenos descobertos e testados na época da II Guerra Mundial tinham por objetivo principal matar pessoas. No caso dos organofosforados – produtos do fósforo-, testaram os gases Sarin, Soman e Tabun. Entre os sintomas mais conhecidos nos intoxicados é a depressão. O veneno atinge o sistema nervoso dos humanos, dos insetos e de qualquer outro ser vivo.

Quanto custa o registro de um ingrediente ativo no Brasil? Entre 50 e mil dólares. Nos Estados Unidos: US$630 mil. Para fazer reavaliação: US$150 mil nos Estados Unidos. No Brasil – isento. Os agrotóxicos também não pagam ICMS, IPI, PIS/PASEP e COFINS.

Tirar os agrotóxicos da ANVISA

Não foi exatamente o dossiê da Abrasco que causou problema às corporações. Desde a década passada que a ANVISA está fazendo a reavaliação de 14 princípios ativos dos agrotóxicos. Quatro já foram banidos, dois estão com indicativos. O último deles, o endossulfan, um inseticida usado em vários cultivos, teve seu prazo de validade encerrado em julho de 2013. A pressão aumentou contra os dirigentes da agência. A bancada ruralista inferniza os profissionais . Um deles, ex-gerente geral de Toxicologia, Luiz Cláudio Meirelles, acabou exonerado, depois que foi divulgado que sete agrotóxicos não haviam passado pelo sistema de avaliação, e obtiveram registro no Ministério da Agricultura diretamente.

A intenção da bancada ruralista e da senadora Kátia Abreu é tirar da ANVISA o registro dos agrotóxicos, levar para uma comissão do Ministério da Agricultura, que funcionaria nos moldes da CNTbio. Isso é um passaporte para a eternidade dos agrotóxicos no país.

Uma das integrantes da vigilância tóxica da ANVISA, Letícia Rodrigues da Silva num trabalho sobre as controvérsias dos agrotóxicos aponta os limites do atual modelo de avaliação:
“Os estudos feitos pelas empresas não são de acesso público. Existe um conflito de interesse e ingerência do patrocinador nos estudos. Existe proteção de dados por 10 anos. Relação privilegiada entre governo e empresas.”

E ressaltou a estratégia das empresas para combater os estudos dos órgãos reguladores. Começa pela desqualificação dos estudos que apontam riscos dos agrotóxicos. Logo em seguida, a contratação de pareceristas e jornalistas, para combater do ponto de vista técnico, questionam protocolos de estudos, significância e exposição. Depois captura e desqualificação dos autores e instituições que apontam os riscos. Terceiro passo: a busca de aliados políticos e a pressão aos órgãos de governo. Última etapa, a judicialização.

Irregularidades dentro das fábricas

Letícia da Silva também apontou alguns resultados das fiscalizações que a ANVISA realiza diretamente nas fábricas das empresas. Em 2010, houve interdição de 800 mil litros na BASF, por falta de rastreabilidade nas soluções utilizadas e componentes vencidos. Na fábrica da Dow encontraram embalagens vazando, problema em rótulos, com data de fabricação adulterada, alterações em formulações. Na fábrica da FMC interditaram 140 mil litros com produtos vencidos e com etiquetas adulteradas. Acrescentando a isso, casos de irregularidades nas condições de trabalho e saúde dos funcionários, problemas ambientais, do consumidor.

No Brasil, os agrotóxicos ilegais, que entram por contrabando ou com origem desconhecida, somam 9% do mercado, um dado do Sindicato da Indústria de Produtos da Defesa Vegetal (SINDAG). Em dinheiro representa US$540 milhões e seria a quinta empresa do setor. O Sindicato dos Auditores da Receita Federal tem divulgado um dado constantemente – 30% dos agrotóxicos importados e eles somaram 57% do consumo em 2012, não tem origem conhecida.

São químicos com alto impacto na vida da população e no ambiente. Um estudo da Embrapa sobre a retenção dos agrotóxicos nas plantas indica o seguinte: 32% do que foi aplicado fica retido na planta, 19% o vento carrega para a vizinhança e 49% permanece no solo. Será levado pela chuva, penetrará no lençol freático, viajará por córregos, rios, até chegar às estações de tratamento de água.

O índice de potabilidade da água, a percentagem de produtos aceitáveis na água potável mudou da década de 1990 para 2013. Naquela época era permitida a presença de 13 tipos de agrotóxicos e 11 produtos de química inorgânica (metais pesados). Em 2004, aumentou para 22 tipos de agrotóxicos e 13 produtos inorgânicos. A portaria de potabilidade da água n º2.914/2011 permite a presença de 27 tipos de agrotóxicos e 15 produtos químicos inorgânicos.

Pressão de todo tipo

No Brasil existem 434 ingredientes ativos e 2.400 formulações de agrotóxicos registrados nos ministérios da Saúde, Agricultura e Meio Ambiente. Dos 50 mais utilizados nas lavouras 22 são proibidos na União Europeia. No segmento das hortaliças, que envolve uma área de 800 mil hectares são destinados 20% dos ingredientes ativos dos fungicidas. Entre 2006-2011 o volume de fungicidas aumentou de 56 mil toneladas para 174 mil toneladas, a maior parte para combater a ferrugem da soja. O volume de inseticidas, no mesmo período, aumentou de 93,1 para 170,9 mil toneladas e os herbicidas, consequência dos transgênicos, de 279,2 mil toneladas para 403,6 mil toneladas.

“No Brasil, o suporte laboratorial e tecnológico, seja para monitorar resíduos nos alimentos e no meio ambiente, seja para monitoramente biológico, dos trabalhadores expostos, permanece bastante limitado há décadas, apesar da necessidade crescente.”

Um trecho do dossiê da Abrasco, que segue:
“O pacto político/econômico em que predominam os interesses da bancada ruralista para uma maior liberalização do uso dos agrotóxicos no âmbito do Legislativo mais de 40 projetos de lei nessa direção; no Executivo pressão sobre os órgãos reguladores como a ANVISA; no Judiciário a impunidade nas mortes no campo; na pesquisa mais de 95% dos recursos da Embrapa voltados ao agronegócio e na mídia com os canais especializados na televisão”.

Campanha Permanente Contra

A indústria dos agrotóxicos com todo o seu poder deve estar reavaliando suas estratégias. O combate direto cada vez mais expõe o perigo da questão. Não adianta arregimentar profissionais para desmentir, denunciar, produzir outras versões. Agora as corporações, pela primeira vez na história, enfrentam uma Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e em Defesa da Vida, que reúne mais de 50 entidades.

Além de um Fórum Permanente contra os impactos dos Agrotóxicos, envolvendo 16 instituições, entre elas o Ministério Público do Trabalho. Em 2013, o MPT conseguiu uma grande vitória, ao definir um acordo no Tribunal Superior do Trabalho, para indenizar mais de mil trabalhadores da antiga fábrica de agrotóxicos organoclorados da Schell, em Paulínia (SP), funcionou até 2002. No total, entre ações coletiva e individual, R$370 milhões, divididos entre a Schell e a BASF, última dona da fábrica. Duas campanhas organizadas e permanentes, além do documentário rodando na internet “O Veneno tá na mesa”, de Sílvio Tendler.

Isenção Ideológica

Mesmo assim, a ANDEF levou a Lucas do Rio Verde (MT), onde um avião agrícola pulverizou áreas urbanas, atingindo 65 chácaras e 180 canteiros um professor de química da USP para contestar o estudo em leite materno de 62 nutrizes, que detectou várias substâncias tóxicas. Erro de metodologia.

Outro da Unicamp, também do regimento da ANDEF, diz que vai contestar o dossiê da Abrasco, que analisou 4.896 currículos, para identificar os pesquisadores que trabalham com a temática dos agrotóxicos. Apenas 10% estudam os aspectos de toxicidade aguda ou crônica dos químicos.

“-Esse mapeamento aponta que os estudos não têm abordado a temática da saúde e ambiente, que deveria ser de grande interesse, tanto dos pesquisadores, das suas instituições e dos órgãos de fomento, no país que já há alguns anos tem se colocado no topo do consumo mundial de agrotóxicos. As indústrias de agrotóxicos investem em mecanismos de cooptação de pesquisadores para produção de evidências científicas para a legitimação do uso de seus produtos, com o fomento de recursos financeiros para pesquisas”.

A maior acusação do presidente da ANDEF, Eduardo Dahler contra o dossiê, é “que esses pesquisadores mostraram que há conduta ideológica na Fiocruz, não se pode acreditar nos dados deles”. Na época da ditadura, quando criaram o sistema de crédito rural e vincularam o dinheiro ao uso de um pacote de químicos, as mesmas corporações mostraram a sua isenção ideológica. Contrataram o general Golbery do Couto e Silva, no caso da Dow Química, e o general Ernesto Geisel, após deixar a presidência, assumiu a Norquisa.

O veneno tá na mesa, também está no sangue, na gordura dos corpos, no sistema nervoso de milhares de pessoas, só ainda não entrou na agenda urbana do país. Os agrotóxicos levam uma vantagem, não são visíveis. A pessoa come, ingere minúsculas doses, que vão se acumulando por anos, até resultar numa doença grave. Os maiores registros de diversos tipos de câncer.

É claro, nunca há o vínculo com o veneno. Nunca haverá, porque o assunto não está no currículo dos profissionais de saúde, nem das ciências agrárias. Os ingleses definem os agrotóxicos, que no Brasil está na lei 7.802/1989, como pesticidas, significa o que acaba com as pestes. Provavelmente, na história futura da civilização industrial, vai ser definido exatamente quem é a peste: se os insetos e as plantas chamadas de invasoras ou os venenos.

Fonte:http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22741

sexta-feira, 7 de junho de 2013

pesticidas contaminam a fronteira agrícola da Amazônia




por Antonio Carlos Quinto, da Agência USP

A análise de três diferentes cenários agrícolas permitiu a cientistas brasileiros e do exterior avaliarem os prejuízos que podem ser causados pelo uso equivocado de pesticidas na fronteira agrícola da Amazônia brasileira, bem como apontar possíveis soluções. Uma das constatações se refere às ocasiões em que a frequência recomendada de utilização dos produtos foi excedida, chegando até 96% entre pequenos produtores.

De acordo com o coordenador da pesquisa, professor Luís César Schiesari, do curso de Gestão Ambiental da Escola de Artes Ciências e Humanidades (EACH) da USP, os dados são referentes ao consumo de pesticidas e ao impacto nos mamíferos e organismos aquáticos daquela região. Os estudos tiveram início em 2005.

Num dos cenários os pesquisadores avaliaram a atuação de 220 pequenos produtores de frutas e verduras em quatro cidades da região central da Amazônia, na várzea do rio Solimões. “Foi lá que detectamos o excesso na frequência de uso dos pesticidas: em 96% dos casos, pesticidas foram usados com maior frequência do que a recomendação técnica”, conta Schiesari. Em parte, isso ocorreu porque estes produtores têm pouca informação e falta assistência técnica para que eles utilizem adequadamente os defensivos agrícolas.

Os outros dois cenários foram uma fazenda de cultivo de soja de 80 mil hectares (ha), no Mato Grosso, na borda da Amazônia, e outra grande propriedade (60 mil ha) com uma plantação de cana-de-açúcar ainda em formação, na região do rio Negro. “Com alto conhecimento técnico e recursos, mais expostos ao controle legal, e buscando mercados mais restritivos, grandes produtores aderiram mais fortemente às recomendações agronômicas e até mesmo substituíram voluntariamente compostos mais tóxicos por compostos menos tóxicos”, descreve Schiesari. “No entanto, mesmo assim, a pegada ecológica aumentou significativamente ao longo do tempo por causa de um aumento da dosagem, ou porque formulações que são menos tóxicas para a saúde humana podem ser mais tóxicas para outros organismos, como os organismos aquáticos que analisamos.”

Atenção especial

Para a professora Cristina Adams, da EACH, que integra a equipe de cientistas, há que se dar uma atenção especial à questão, principalmente na Amazônia. “Muitas fronteiras agrícolas, na atualidade, estão localizadas em regiões tropicais, que possuem ecossistemas naturais caracterizados por alta biodiversidade e presença de espécies sensíveis que nunca foram expostas a pesticidas, além de espécies endêmicas”, alerta. “Isso significa que são zonas onde devemos esperar uma grande perda de espécies no processo de conversão agrícola, mesmo não sendo o alvo dos pesticidas.”

Entre as soluções, a professora considera primordial se investir em pesquisas para determinar níveis ambientais seguros de exposição aos pesticidas nestes ambientes e desenvolver práticas agrícolas mais sustentáveis. Além disso, propõe ainda que se rediscuta a legislação, aumente a fiscalização e controle de uso e comercialização, entre outras medidas. “Não é uma tarefa fácil”, avalia. O uso adequado de pesticidas envolve múltiplos atores sociais (governo, produtores, universidades, ONGs) e uma estratégia de ação bem articulada.

Reconhecimento internacional

O trabalho desenvolvido pelo grupo de cientistas acaba de ser publicado na mais antiga revista científica do mundo, a Philosophical Transactions of The Royal Society. Editada pela primeira vez em 1665, a publicação britânica publicou o primeiro artigo de Isaac Newton. Entre outros cientistas, Charles Darwin e Edmund Halley também tiveram seus artigos publicados na revista.

O artigo Uso de pesticidas e conservação da biodiversidade da fronteira agrícola amazônica teve a participação de Andrea Waichman, da Universidade Federal do Amazonas, Theo Brock, do Instituto Alterra (Holanda), e Britta Grillitsch, da Universidade de Medicina Veterinária de Viena (Áustria).

* Publicado originalmente no site Agência USP.

Fonte: Site Envolverde


domingo, 3 de fevereiro de 2013

A Monsanto, além da justiça


Por Mauro Santayana*
Agricultores brasileiros, também cúmplices da agressão química contra a natureza, estão em litígio contra a Monsanto, que lhes cobrou royalties pelo uso de uma tecnologia cuja patente expirou em 2010, de acordo com a legislação brasileira. As leis nacionais estabelecem que o início da vigência de uma patente é a data de  seu primeiro registro. A Monsanto invoca a legislação norte-americana, pela qual a patente passa a vigorar a partir de seu último registro. Como sempre há maquiagem dos processos tecnológicos, a patente não expira jamais.

Os lobistas da Monsanto não tiveram dificuldades em negociar acordo vantajoso, para a empresa, com os senhores do grande agronegócio, reunidos em várias federações estaduais de agropecuária, e com a poderosa Confederação Nacional da Agricultura, comandada pela senadora Kátia Abreu. Pelo cambalacho, a Monsanto suspenderia a cobrança dos royalties até 2014, e os demandantes desistiriam dos processos judiciais.

Uma das maldições do homem é a tentativa de criar uma natureza protética, substituindo o mundo natural por outro que, sendo por ele criado, poderá, na insolência da razão técnica, ser mais perfeito.  Essa busca, iniciada ainda na antiguidade, continuou com os alquimistas, e se intensificou com as descobertas da química, a partir do século 18. O conluio entre a ciência, mediante a tecnologia e o sistema capitalista que engendrou a Revolução Industrial, amparada pelo laissez-faire, exacerbou esse movimento, que hoje ameaça a vida no planeta.

A Alemanha se tornaria, no século 19, o centro mais importante das pesquisas e da produção industrial de novos elementos a fim de substituir a matéria natural, construída nos milênios de vida no planeta, por outra, criada com vantagens para o sistema de produção industrial moderno.

Não há exemplo mais evidente desse movimento suicida do que a Monsanto. A empresa foi fundada em 1901 a fim de produzir sacarina, o primeiro adoçante sintético então só fabricado na Alemanha. Da sacarina, a empresa foi ampliando seus negócios com outros produtos sintéticos, como a vanilina e corantes, muitos deles cancerígenos. Não deixa de ser emblemático que o primeiro grande cliente da Monsanto tenha sido exatamente a Coca-Cola. É uma coincidência que faz refletir.

Não é só a Monsanto que anda envenenando as terras e as águas com seus produtos químicos. Outras empresas gigantes da química com ela competem na produção de agrotóxicos mortais. Com o controle da engenharia genética aplicada aos vegetais de consumo humano e de consumo animal, no entanto, ela tem sido a principal responsável pelos danos irreparáveis à natureza e à saúde dos animais e dos seres humanos.

Vários países do mundo têm proibido a utilização das sementes transgênicas da Monsanto, entre eles a França, que interditou o uso das sementes alteradas. No Brasil, ela tem vencido tudo, com a conivência das autoridades responsáveis, ou irresponsáveis. A Comissão Técnica de Biossegurança e o Conselho Nacional de Biossegurança  vêm dando sinal verde aos crimes cometidos pela Monsanto e outras congêneres no Brasil.

Essa devia ser uma preocupação prioritária do Parlamento, que só se movimenta com entusiasmo quando se trata das articulações internas para a eleição bianual de suas mesas diretoras.
*no JB On Line e em seu blog

-Apreensão no campo: o poder de Kátia Abreu
-Dilma refém do PMDB

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Brasil: Monsanto em apuros


Carmelo Ruiz Marrero*,
da Alai América Latina

A companhia de biotecnologia estadunidense Monsanto, maior empresa de sementes do mundo, pode acabar tendo que pagar 7,5 bilhões de dólares a cinco milhões de plantadores de soja brasileiros, que processam a empresa pela cobrança de royalties.
A Monsanto, uma das corporações mais detestadas do mundo, tornou-se aos olhos de muitos o símbolo mais facilmente reconhecido de controle coorporativo sobre os alimentos e a agricultura. Suas táticas duras para cobrar royalties de agricultores pelas suas sementes patenteadas foram documentadas nos filmes “Food Inc” e “El Mundo Según Monsanto”. Esta corporação, tão acostumada a processar e intimidar agricultores, vive uma situação contrária no Brasil, onde agora é processada por agricultores.
O Brasil é o segundo maior produtor de cultivos transgênicos ou geneticamente modificados (GM) no mundo, superado somente pelos Estados Unidos. A vasta maioria deste cultivo consiste em soja, que tem sido alterada geneticamente pela Monsanto para resistir ao herbicida Roundup, produto da mesma companhia.
O Brasil exporta a maior parte de sua colheita de soja para Europa e China, que a utilizam para produzir biodiesel ou como alimento para gado. Estima-se que 85% da soja brasileira sejam geneticamente modificados. Não se sabe a proporção exata, porque a soja da Monsanto foi contrabandeada da Argentina a partir de 1998. Em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para fazer frente a uma situação de fatos consumados, legalizou o cultivo de soja GM no país.
Uma vez legalizada, a Monsanto começou a cobrar dos agricultores brasileiros um imposto de 2% por sua produção de soja GM. A companhia também comercializa soja não modificada geneticamente e requer aos agricultores que mantenham ambas as variedades estritamente separadas. Caso seja encontrada soja transgênica em carregamento de soja que se supõe não modificada, o agricultor é penalizado com uma cobrança de 3%.

Em 2009, um grupo de sindicatos rurais do Rio Grande do Sul processou a Monsanto, denunciando que a soja GM e a soja não GM são praticamente impossíveis de se separar e que, portanto, o “imposto Monsanto” é injusto.
Esta alegação contradiz diretamente um dos principais meios de propaganda da indústria da biotecnologia: de que as sementes e plantas transgênicas nunca aparecem onde não deveriam estar. Esta ocorrência, conhecida como contaminação genética, é negada pelas companhias. Quando isto ocorre, eles negam, mas quando a evidência é demasiadamente contundente para negá-la, a companhia minimiza a importância ou coloca a culpa no agricultor.
“O problema é que separar a soja GM da soja convencional é difícil, dado que a soja GM é altamente contaminante”, declarou João Batista da Silveira, presidente do Sindicato Rural de Passo Fundo (RS), um dos principais denunciantes do caso.
No último mês de abril, um juiz do Rio Grande do Sul determinou que são ilegais as cobranças da Monsanto e notou que a patente da semente de soja GM da companhia estava expirada no país. O juiz também ordenou que a empresa deixe de cobrar royalties e também devolva todos os royalties cobrados desde 2004 - estamos falando de 2 bilhões de dólares.
A Monsanto está apelando da decisão, mas recebeu outro golpe no dia 12 de junho, quando o Supremo Tribunal Federal determinou de forma unânime que a decisão do judiciário do Rio Grande do Sul seja abrangente ao país inteiro. Isso aumenta o montante envolvido para 7,5 bilhões de dólares. Agora, os agricultores que processam a Monsanto são cinco milhões.
Em uma declaração concisa, a Monsanto declarou que seguirá cobrando os royalties dos agricultores brasileiros até que o caso se resolva em definitivo.
Em 2008, a revista científica Chemical Research in Toxicology publicou um estudo do cientista francês Gilles-Eric Seralini, especialista em biologia molecular e professor da Universidade de Caen, que indica que o Roundup é letal para células humanas. Conforme sua investigação, doses muito menores que as utilizadas em cultivos de soja provocam morte celular no solo em poucas horas.
Em 2010, a mesma revista publicou um estudo revisado pelos parceiros do embriólogo argentino Andrés Carrasco, principal pesquisador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet) e diretor do Laboratório de Embriologia Molecular da Universidade de Buenos Aires, que mostrou que o glifosato, ingrediente ativo do Roundup, é extremamente tóxico a embriões de anfíbios mesmo em doses até 1.540 vezes menores que as utilizadas nas fumigações agrícolas.

*Carmelo Ruiz Marrero é escritor, jornalista e educador ambiental. Dirige
o Projeto de Biossegurança de Porto Rico
Fonte: Brasil de Fato
Em uma declaração concisa, a Monsanto declarou que seguirá cobrando os royalties dos agricultores brasileiros até que o caso se resolva em definitivo (em 6 de agosto de 2012)


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

População: será que não cabe?



por Raquel Torres, da Fundação Oswaldo Cruz
754890 68831682rev 199x300 População: será que não cabe?Chegamos a 7 bilhões de habitantes no mundo e muitos têm dito que não há comida nem recursos para todos. Mas isso é mesmo verdade?
Todo mundo que costuma acompanhar os principais veículos de comunicação – e até quem só dá uma olhada neles de vez em quando – viu, no fim do ano passado, um volume grande de reportagens abordando o aumento da população mundial e as consequências disso. O motivo é termos atingido, em 2011, a marca de 7 bilhões de habitantes.
Essas mesmas reportagens também trouxeram, em sua maioria, a previsão de um futuro não muito feliz para a crescente população – a falta de recursos naturais, especialmente a água, e a insuficiente produção de alimentos fariam da Terra um ambiente inóspito nas próximas décadas, já que, segundo a ONU, passaremos de 9 bilhões em 2050, quando finalmente esse número se estabilizará. A conclusão é a de que o planeta não vai conseguir comportar tanta gente e, para evitar um colapso, em geral se propõe a combinação de duas ações: o controle de natalidade – especialmente em países subdesenvolvidos, em que a tendência ainda é a de crescimento populacional – e o emprego de mais tecnologias no campo para aumentar a produtividade.
Quanto produzimos e quem tem fome
A fome não é um problema do futuro. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) estima que, hoje, um bilhão de pessoas passem fome no mundo. Além disso, dois bilhões são mal nutridas, 200 milhões de crianças menores de cinco anos estão abaixo do peso e nove milhões de pessoas chegam a morrer de fome todos os anos.
Com base nesses dados, tem-se dito que um aumento da população mundial vai necessariamente ampliar esses números, caso não façamos alguma coisa para aumentar a produção de alimentos. Mas há um detalhe: apesar dos dados alarmantes em relação aos famintos, a FAO também afirma que na verdade hoje já se produz mais comida do que o necessário para alimentar a todos. Em 1950, havia 2,5 bilhões de pessoas no planeta, e cada uma dispunha de 2.450 calorias diárias, em média. Hoje, a FAO estima que haja 2.800 calorias por pessoa, por dia. A mesma organização indica que cada um precisa de 1.900 calorias diárias, o que significa que nossa produção atual conseguiria dar conta de mais de 10 bilhões de pessoas, caso o alimento fosse bem distribuído. Portanto, se seremos 9 bilhões a partir de 2050, não há muito motivo para temores, já que ainda estaremos dentro do limite – e isso sem aumentar a produção.
E a suficiência não é só em relação ao valor calórico: no artigo ‘Fome não se acaba com agricultura ‘forte’, o sociólogo Antonio Inácio Andrioli, da Universidade Federal da Fronteira Sul, diz que a produção atual seria suficiente para prover diariamente 2 kg de alimento por pessoa – seriam 1,1 quilo de cereais, 450 g de carne, leite e ovos e mais 450g de frutas e verduras. Além disso, segundo Julian Perez, da coordenação executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, desde o início dos anos 1980 a população cresceu 36%, enquanto a produção de cereais cresceu 45%, a de frutas 120% e a de carnes subiu 91%. Como se vê, a falta de comida não é a causa da fome de um sétimo da população mundial, e ainda cai por terra a ideia de que é preciso fazer controle de natalidade para evitar o problema.
Especulação
De acordo com Julian, a maior dificuldade é o acesso da população, decorrente do alto preço da comida – segundo a FAO, nos últimos 11 anos, os preços de carnes, azeites e gordura, laticínios, cereais e açúcar aumentaram em média 250%. E, para ele, isso está diretamente relacionado à especulação financeira em torno dos alimentos, consequência do livre mercado no setor. “Cada vez menos o Estado tem um papel regulador na definição de preços e de políticas agrícolas. Com isso, o mercado toma conta dessa definição e, consequentemente, do acesso aos alimentos. Se é interessante para o mercado elevar os preços dos produtos agrícolas, isso acaba reduzindo a possibilidade de acesso da população a esses bens”, explica.
Segundo a socióloga Carolina Niemeyer, isso também está relacionado à produção de agrocombustíveis – combustíveis extraídos de produtos agrícolas, como a cana-de-açúcar e óleo de palma -, que faz com que parte da comida produzida não tenha a finalidade da alimentação. Hoje, dos cereais produzidos, 46% são usados para alimentar pessoas, enquanto 35% vão para animais e 18% para a produção de combustíveis. “Além disso, o aumento da demanda por agrocombustíveis ajuda a elevar o preço dos alimentos”, diz a pesquisadora.
Quem passa fome está no campo
É no campo que se encontra uma grande contradição em relação ao problema da fome: dentre os malnutridos do mundo, 75% são camponeses – aqueles que produzem o alimento e que, teoricamente, deveriam ter fácil acesso a ele. Julian explica que isso se dá porque é priorizada a produção de poucas culturas em larga escala, num modelo que não se adapta à agricultura familiar. “A maior parte das linhas de crédito não funcionam para autoconsumo”, diz.
Carolina Niemeyer aponta que muitos dos pequenos agricultores hoje trabalham no modelo da ‘integração’, ou seja, se especializam na produção de determinado alimento para venderem para grandes empresas. “Eles entram nisso para terem um comprador certo para seus produtos, já que faltam no país e no mundo políticas de estímulo ao pequeno agricultor. Só que, com isso, acabam obrigados a se desfazerem de suas hortas e dos animais que criavam para seu próprio consumo”, explica.
Fim dos recursos
A relação de proporção entre a quantidade de recursos naturais disponíveis e o número de pessoas sobre o planeta não é nova: ela já foi pensada há mais de 200 anos pelo sacerdote inglês Thomas Malthus. Em tempos de revolução industrial e explosão demográfica, ele dizia que a população crescia muito mais que a produção de alimentos, e que o resultado disso seria a fome.
A questão não é apenas a quantidade de alimentos, mas também inclui a disponibilidade de recursos naturais necessários para produzi-los – a água é o principal deles. Segundo o geógrafo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carlos Walter Porto Gonçalves, a teoria malthusiana baseia-se na ideia de que um aumento da população gera consequentemente um aumento na pressão sobre os recursos naturais. E, de acordo com ele, é preciso reconhecer que esse raciocínio não é inteiramente errado. “Só que a verdade nele é apenas uma parte muito pequena da verdade total. Podemos dizer que, se uma pessoa exerce certa pressão sobre os recursos naturais existentes, então duas pessoas, vivendo sob as mesmas condições, vão exercer o dobro da pressão. O detalhe é que não vivemos sob as mesmas condições”, aponta.
Ele explica que, para ter uma dimensão mais exata do que acontece no planeta, é importante entender o conceito de ‘pegada ecológica’, que pode ser calculada para uma pessoa ou para grupos de um bairro, cidade ou país, por exemplo. A pegada corresponde ao território necessário para produzir a infraestrutura que aquela população utiliza e os alimentos e a madeira que consome, além de absorver o gás carbônico que produz. “Vemos assim que a pressão sobre os recursos naturais está diretamente ligada ao estilo de vida. Quando nasce um bebê em um país desenvolvido, sua pegada ecológica é muito maior do que em países menos desenvolvidos, como Índia e Etiópia. Analisando sob esse conceito, vemos, por exemplo, que um país como a Inglaterra precisa na verdade de ‘dez Inglaterras’ para se sustentar, e que um cidadão médio norteamericano ‘equivale’ a 144 cidadãos da Etiópia. E é muito fácil colocar a culpa dos problemas na Etiópia”, diz.
A água e o discurso da escassez
Quem nunca ouviu dizer que a água está acabando? Carlos Walter diz que, apesar de ser muito presente hoje, esse discurso praticamente não existia 20 anos atrás. “Se observarmos, por exemplo, o documento que resultou da Rio 92 [a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento], perceberemos que a água não era um tema pautado na época. O assunto quase não tinha destaque. Em outro relatório da época – o da Comissão Brundtland, da ONU, que fazia um balanço das condições do planeta nos anos 1980 -, o capítulo sobre a água simplesmente inexiste, e o tema aparece de maneira absolutamente irrelevante”, diz o professor. De acordo com ele, foi no meio dos anos 1990 que o Banco Mundial começou a pautar a água como um bem a ser privatizado.
E, segundo o professor, o discurso da escassez é uma condição para a ideia da privatização da água. “Quando se se fala de um bem que é abundante e está disponível para todos, é muito difícil torná-lo mercadoria. Mas quando esse bem se torna escasso, as pessoas têm que comprar. Do ponto de vista teórico, as ideias de escassez e privatização preparam uma à outra”.
No livro ‘A globalização da natureza e a natureza da globalização’, Carlos Walter diz que o setor privado tem expandido, desde os anos 1990, suas funções na ordenação dos recursos hídricos, e que houve um rápido aumento do grau de privatização dos sistemas de condução de água anteriormente administrados pelo Estado. Ele escreve que “várias empresas vêm processando governos sempre que esses, alegando o interesse público, ferem os interesses comerciais das grandes corporações”. De acordo com o autor, um exemplo aconteceu na Bolívia, quando a empresa estatunidense Bechtel, expulsa do país ano 2000 por prestar maus serviços, tentou processar o governo boliviano por isso.
No mesmo livro, Carlos Walter volta à questão do estilo de vida ao falar de consumo de água, e mostra que, embora a população mundial tenha crescido três vezes desde os anos 1950, a demanda por água cresceu seis vezes – o que mostra que a demanda não cresce na mesma medida que a população. “No Canadá, entre 1972 e 1991, enquanto a população cresceu 3%, o consumo de água cresceu 80%, segundo a ONU”, acrescenta o professor. De acordo com ele, o que é impossível não é manter a população crescendo, mas manter os mesmos hábitos e padrões de consumo. “Dados da ONU apontam que, hoje, consumimos anualmente 30% a mais do que a capacidade da biosfera de se reproduzir. Esta pressão está, de fato, tirando as possibilidades de vida das gerações futuras”.
Produção e recursos
O professor afirma que quem mais usa água no planeta é a agricultura, responsável por 70% do consumo – em segundo lugar está a indústria, com 20%. E, de acordo com ele, na agricultura a água ainda é muito mal utilizada e desperdiçada. “Muitos cultivos são feitos por irrigação e, embora isso aumente a área a ser cultivada, muita água se perde nesse processo. aluguns pesquisadores dizem que se perde de 50% a 60%. Além disso, bastante água é perdida por conta do uso de agrotóxicos, que contaminam rios”, enumera.
Assim, apesar do discurso corrente de que é preciso aumentar a produção – usando mais tecnologias como a de fertilizantes químicos e sementes transgênicas -, Julian afirma que, hoje, a preocupação não deve ser produzir mais, mas sim produzir de maneira a garantir que os recursos naturais continuem disponíveis. “Poucos levam em conta que o modelo que hoje é convencional – com agrotóxicos e sementes transgênicas – contamina o solo e a água, comprometendo o processo de produção no futuro. Hoje, por conta desse processo, temos áreas enormes salinizadas e desertificadas”, critica.


* Publicado originalmente no site Fundação Oswaldo Cruz.
Extraído do site Envolverde

sábado, 3 de setembro de 2011

O MST e a saúde dos brasileiros


Por Emanuel Cancella
A única entidade de visibilidade nacional e internacional que faz campanha em defesa da saúde dos brasileiros, denunciando o uso indiscriminado de agrotóxicos e transgênicos, é o MST.

O Brasil já é o país que mais utiliza agrotóxicos, desde 2008. Ativistas ambientais e pesquisadores,como a professora Raquel Rigotto, do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, denunciam: além de contaminar a água, os agrotóxicos são responsáveis por diversos tipos de câncer e chegam até a provocar abortos.

Os transgênicos são ruins para os produtores e para os consumidores: os produtores serão obrigados a pagar pelas sementes; os consumidores correm alto risco, já que as pesquisas que estudam o efeitos desses alimentos em nossos organismos ainda não estão concluídas.

Os trabalhadores rurais ligados ao MST e à Via Campesina, através da Agricultura Familiar, praticam a agricultura orgânica sem o uso de agrotóxicos e transgênicos. A Agricultura Familiar é responsável pela maior parte dos alimentos produzidos no campo que vão para a mesa dos brasileiros.

É preciso que as entidades ligadas ao governo, o Ministério Público e os produtores rurais
previnam a população sobre os riscos do uso de alimentos que utilizam agrotóxicos e transgênicos.

O filme "O veneno está na mesa", do cineasta Silvio Tendler, faz esse alerta. Além das campanhas que chamam atenção para os riscos provocados pelos cigarros, bebidas e drogas, também é preciso alertar a sociedade para o perigo dos agrotóxicos e transgênicos.

Se não querem proibir uso dos agrotóxicos e dos transgênicos, pelo menos alertem à população, nos rótulos dos alimentos e em campanhas publicitárias, sobre os riscos que se corre. Até quando vamos continuar agindo como se o veneno não estivesse na mesa!

Fonte: Emanuel Cancella é diretor do Sindipetro-RJ/Agência Petroleira de Notícias. 

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terça-feira, 26 de julho de 2011

Campanha contra os Agrotóxicos lança filme de Silvio Tendler


Texto Maria Lucia Martins



Lançada no Dia Mundial da Saúde, a Campanha Permanente Contra  os  Agrotóxicos e Pela Vida ganhou um valioso meio difusão, o documentário “ O Veneno está na mesa”,  realizado por Silvio Tendler, lançado ontem,25 de julho,no Teatro Oi Casa Grande, onde havia mais de mil pessoas e, agora,  disponível para a reprodução livre. A Campanha alerta sobre os venenos usados nos cultivos agrícolas brasileiros e os efeitos destes sobre os seres vivos e sobre o ambiente natural.
Organizada por mais de 20 entidades e movimentos sociais, a Campanha tem como metas a substituição de insumos no cultivo e a discussão da necessidade de outro modelo de produção no campo. Mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros vêm de pequenos e médios agricultores, alguns impelidos ao uso de agrotóxicos por motivos diversos. Parte destes produtores de alimentos conseguiu migrar para um cultivo orgânico e cresce o número dos que buscam esta transição. Esta tendência resgata os saberes de nossa agricultura tradicional, que podem ser aliados a modernos conhecimentos sobre plantio sem agentes nocivos à saúde.
Consumo de 5,2 kg de veneno per capita
De acordo com a organização da campanha, cada brasileiro consome em média 5,2 kg de veneno por ano.  O Brasil foi considerado em 2009, o maior consumidor destas substâncias pelo segundo ano consecutivo.
A coordenadora do Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacológicas (Sinitox), da Fiocruz, Rosany Bochner, afirma que “é preciso deixar claro que o que queremos com a campanha não é usar produtos menos tóxicos, não é nada paliativo. Nós não queremos mais agrotóxicos de nenhuma forma. É uma mudança de filosofia, temos que partir para produzir diversidade. Vamos ter que comer diferente, que fazer muita coisa e não depende só do agricultor, depende também da população, porque do jeito que está não é possível mais ficar". Rosany  também é consultora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Além da proibição definitiva do uso de venenos, a campanha aponta como saída para uma alimentação saudável e diversificada o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa. Para isso, propõe uma série de ações, como a reforma agrária, o fim do desmatamento, a geração de trabalho e renda para a população rural, o uso de novas tecnologias que favoreçam o fim da utilização de agrotóxicos e a produção baseada na agroecologia .
Efeitos danosos comprovados
O material da campanha alerta que os agrotóxicos causam uma série de doenças como câncer, problemas hormonais, problema neurológicos, má formação do feto, depressão, doenças de pele, problemas de rim, diarréia, entre outras.Recentemente, uma pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul detectou a presença de agrotóxicos no leite materno e nos ovos comercializados no país.
De acordo com Rosany, a Anvisa está disposta a discutir o uso destes produtos tóxicos, mas enfrenta a resistência de setores do próprio governo e do legislativo, onde está presente a bancada ruralista favorável ao uso do agrotóxico. Rosany destaca também as dificuldades de informação sobre os riscos de agrotóxicos no sistema de saúde, no qual não é costume relacionar os sintomas de diversas doenças com a exposição aos agrotóxicos, o que dificulta tanto a cura quanto a identificação de evidências dos efeitos danosos dos agrotóxicos sobre as pessoas e o ambiente.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Campanha contra os Agrotóxicos lança filme de Silvio Tendler


com informações da página do MST

A Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida lançará no próximo dia 25 de julho o filme “O veneno está na mesa”, mais nova produção do diretor Silvio Tendler. O evento acontecerá no teatro Oi Casa Grande, e contará com um debate com participação do diretor e de Letícia Rodrigues da Silva, da ANVISA.
Além disso, a Campanha acaba de lançar o primeiro caderno de formação. O caderno apresenta um material de subsídio sobre os efeitos dos agrotóxicos na agricultura, na saúde humana e no meio ambiente. O prefácio da caderno foi escrito por Jean Pierre Leroy, assessor da Fase e membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.
“Este livro quer nos colocar em movimento, nos armar para o bom combate, nos colocar em campanha não só contra este modelo agrário, mas a favor de outro desenvolvimento, minando por dentro o capitalismo que desumaniza o mundo e desnatura o planeta”, avalia Leroy

Faça o download do Caderno de Formação
Abaixo, leia o prefácio da cartilha.
Prefácio
Em 1962, a norte-americana Rachel Carson publicou um livro de grande repercussão, A primavera silenciosa, em inglês Silent Spring. Ela mostrava que o DDT, pesticida inicialmente produzido para lutar contra a malária, matava não somente as pragas, mas todo tipo de insetos e de pássaros e penetrava na cadeia alimentar e no corpo dos animais e seres humanos. As consequências eram dramáticas para o meio ambiente e a saúde humana, tanto que o DDT foi progressivamente banido. Se o livro de Rachel Carson e suas repercussões forçaram as indústrias produtoras de pesticidas a se  defender e demonstrar a ausência de nocividade dos seus produtos, elas não se deram por vencidas.
O Desastre de Bhopal, ocorrido em 3 de dezembro de 1984, na região de Bhopal, Índia, quando uma fábrica da empresa Union Carbide deixou vazar 27 toneladas do gás mortal isocianato de metila, é paradigmático. Meio milhão de pessoas foi exposta ao gás; delas até o momento 25 mil já morreram e 100 mil pessoas são doentes crônicos pelos efeitos desse desastre. A Union Carbide e sua proprietária, a Dow Chemical, continuam negando a responsabilidade pela intoxicação e se negam a limpar a fábrica.
Os pesticidas causam ou podem causar a contaminação da água, do solo e do ar, de plantas e animais, e das pessoas. Às vezes, os seus efeitos sobre as pessoas são imediatos. Lembro a fumigação aérea que atingiu a cidade de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. Situada numa área de cultivo de soja, foi pulverizada por agrotóxicos em 2006, porque um pequeno avião de aspersão jogou químicos demais e de forma imprudente. Não demorou para que pessoas começassem a aparecer  com sintomas de contaminação, às vezes graves. Mas geralmente as consequências demoram em se fazer sentir, o que torna difícil apontar o culpado.
O fato é que estamos vivendo num mundo impregnado e saturado de produtos químicos, em particular de agrotóxicos, e que isso raramente aparece como uma preocupação da sociedade. Quando um trabalhador rural é atingido, se diz que não usou os  equipamentos de proteção, que não seguiu as normas de uso, ou que fez mau uso do produto, colocando doses exageradas ou aplicando fora do momento previsto.
Isso acontece, é verdade, mas acusá-los é inverter a responsabilidade: empresas produtoras e vendedoras e poder público devem fornecer o acesso à informação qualificada, não somente colar bulas nos frascos e nos galões. O problema é que as indústrias não têm nenhum interesse em informar, não só o trabalhador, mas também o vizinho da fábrica e o consumidor dos alimentos sobre os reais perigos dos seus produtos. E mais, elas não querem saber desses perigos potenciais, que poderiam
colocar em risco seus lucros. Não promovem pesquisas independentes e chegam mesmo a atacar e desmoralizar pesquisas que questionam seus produtos.
O que levou a essa situação? Aponto aqui três fatores interligados: o modelo de agricultura, a confiança desmedida no progresso tecnológico e o domínio das grandes empresas. O modelo de agricultura dominante é oriundo do que se convencionou chamar de “Revolução Verde”, implementada a partir da segunda metade do século XX para incrementar a agricultura nos países ditos então subdesenvolvidos. A Revolução Verde está calcada no uso combinado de variedades (sementes e matrizes) de alto rendimento, de adubos e produtos fitossanitários (os agrotóxicos) e na irrigação
intensiva. Ela facilitou o crescimento da grande propriedade e, com ela, o uso de maquinário pesado. Com ela, efetivamente, aumentou enormemente a produção de alimentos, embora a fome continue, já que a alimentação se tornou uma mercadoria inacessível para muitos.
Nota-se que os agrotóxicos fazem parte de um pacote. Se quisermos questioná-los, é preciso questionar o pacote inteiro. A Revolução Verde suscitou o entusiasmo dos pesquisadores que se empenharam para que a produção alimentar subisse, apoiada em muitas inovações tecnológicas. Ela não nasceu de um dia para o outro; tem a sua origem no processo de industrialização do mundo ocidental que se desenvolveu desde o início do século XIX. As ciências conheceram um enorme progresso e as aplicações das suas descobertas se multiplicaram. As duas guerras mundiais tiveram seu papel nisso, com o uso de gases mortíferos desenvolvidos pelas indústrias químicas e do DDT, para evitar que os soldados fossem vítimas da malária.
Os cientistas que criaram o DDT achavam que estavam dando uma grande contribuição à humanidade. A sua confiança na ciência e na tecnologia era total. Hoje também há cientistas e técnicos que acreditam sem restrição que as sementes transgênicas são a melhor solução. Eles ignoram o princípio de precaução, que reza que certas ações humanas podem ter consequências graves para o futuro e em lugares distantes do local onde estão sendo efetivadas. Agrotóxicos podem prejudicar a saúde de um ser humano que ainda não nasceu, porque sua mãe foi contaminada.
Zonas costeiras veem diminuir a vida marinha, porque um rio que deságua no mar carregou restos de agrotóxicos que vieram de centenas de quilômetros de distância.
Essa busca permanente da ciência por novas descobertas e novas aplicações para elas (o que foi nomeado tecnociência) encontrou um terreno propício ao seu desenvolvimento na agroindústria. Para esta, inovação significa novos produtos e mais lucros.
A ETC Group, a ONG mais atuante na temática das novas tecnologias, em comunicado de 2008 sobre as grandes corporações, menciona as palavras do presidente de Crop Science de Syngenta, John Atkin: “A resistência [das pragas aos agrotóxicos] é um fenômeno globalmente sadio, porque nos obriga a inovar”.
Segundo a ETC Group, “trinta anos atrás, havia dezenas de fabricantes de pesticidas enquanto hoje dez fabricantes realizam cerca de 90% das vendas de produtos químicos no mundo”. A conclusão que ela tira daí é muito instrutiva: Assim como a biotecnologia, as novas tecnologias não necessitam provar a sua utilidade social ou sua superioridade técnica para ser lucrativas. Só têm que expulsar a concorrência e forçar o Estado a
abrir mão do controle. Uma vez o mercado monopolizado, os verdadeiros resultados da tecnologia não têm mais a menor importância. E poderíamos acrescentar: “os verdadeiros efeitos dos agrotóxicos não têm importância”.
As pressões exercidas com sucesso sobre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para aumentar o valor de resíduo de agrotóxicos na soja Roundup Ready; o sucesso em manter o uso de pesticidas extremamente perigosos, como o endosulfan, proibido há mais de 20 anos na União Européia e em vários países e somente agora
proibido no Brasil; e, num outro registro, a maneira como a CNTBio toma as suas decisões sobre a liberação de sementes transgênicas; e a desqualificação e a criminalização de pesquisadores independentes são exemplos do poder do que poderíamos chamar de “discurso único”, uma das maneiras pelas quais se manifesta a hegemonia do capital.
Isso não seria possível sem uma combinação de interesses que junta as grandes corporações, os principais meios de comunicação e a grande maioria dos executivos e legisladores. Ao seu serviço, os economistas, que mostram que o agronegócio exportador, e a tecnociência já mencionada, é a salvação do país. Esse conjunto faz o
que eles identificam como sendo a “opinião pública” acreditar que a modernidade, o desenvolvimento do país e a erradicação da miséria passam por esse modelo de agricultura. Em retorno, empresas, partidos e políticos e meios de comunicação se apóiam nessa opinião pública que formaram para impor seus interesses como se fossem os interesses de todos. O círculo vicioso se fecha. As outras falas são silenciadas e passam a não exisitir.
É esse o bloco de poder que deve ser minado. “Minado”, não derrubado, pois na atual correlação de forças, há um longo caminho de transição a percorrer. O complexo do agronegócio é baseado tecnicamente no modelo da Revolução Verde. Do ponto de vista
econômico e político, é peça importante do capitalismo globalizado; cultural e ideologicamente, é orientado pela crença cega no poder quase absoluto das ciências e tecnologias de inventar o futuro. Não há lugar para a busca da igualdade e para o cuidado real da natureza, para a saúde e para a qualidade de vida no complexo agroindustrial. Frente a ele, quais são as tarefas?
O estudo dos agrotóxicos, a informação, a denúncia e o combate direto, sem dúvida. Mas isso não é suficiente. A agricultura ecológica, a economia solidária, estratégias locais/regionais de produção e de consumo, por atacarem o mode9 lo capitalista em um dos seus pilares de sustentação (o agronegócio), tornam-se tarefa política essencial.
Este livro quer nos colocar em movimento, nos armar para o bom combate, nos colocar em campanha não só contra este modelo agrário, mas a favor de outro desenvolvimento, minando por dentro o capitalismo que desumaniza o mundo e desnatura o planeta. É a Via Campesina assumindo o seu papel de protagonismo na construção do futuro.

Fonte: MST  Rio site do Boletim   

sábado, 9 de julho de 2011

"O uso de agrotóxicos no Brasil é abusivo, exagerado e incontrolável"



por Redação IHU
 

“Os agrotóxicos são usados sem nenhum controle pela sociedade brasileira. Seu uso está sob os interesses do que se chama de agronegócio”, constata o professor José Juliano de Carvalho, na entrevista a seguir, concedida por telefone para a IHU On-Line.
194 300x217 O uso de agrotóxicos no Brasil é abusivo, exagerado e incontrolávelProfessor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Carvalho tem percebido a destruição e a inviabilização da agricultura familiar não apenas pelo agrotóxico, mas pelo conjunto do modelo do agronegócio. “É preciso que se institua a regulação do agronegócio. Senão, pega-se um investimento público feito para a agricultura familiar ou para áreas de assentamento e deixa-se que essa área seja dominada por monoculturas ligadas ao agronegócio, com uso de agrotóxicos, transgênicos, prejudicando assim todas as pessoas que ali estão.”
José Juliano de Carvalho Filho possui graduação e doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo, e pós-doutorado pela Ohio State University. Além de professor, integra a Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual sua opinião em relação ao uso de agrotóxicos no Brasil?
José Juliano de Carvalho – Minha atividade de pesquisa junto às populações camponesas durante muitos anos me colocou em contato com os efeitos do agrotóxico. Mas o que importa é discutir esse modelo que se chama de agronegócio. Não se trata de uma simples técnica. É um modelo com efeitos perversos para a economia nacional, que nos faz voltar ao passado em relação à exportação de produtos primários e, o pior, com a dependência de poucas empresas multinacionais.
O agrotóxico, evidentemente, está ligado à questão das patentes e dos transgênicos. E os efeitos do enorme consumo de agrotóxicos no Brasil, que chega a 5,7 litros de veneno por habitante, estão ligados a esse modelo.
Isto tudo está dentro de uma questão maior, a questão agrária, que se caracteriza aqui no Brasil pela concentração fundiária, que está crescendo.
Os agrotóxicos são usados sem nenhum controle pela sociedade brasileira. Seu uso está sob os interesses do que se chama de agronegócio. Olhando para o campo, veremos que há um mecanismo que torna o governo refém dos ruralistas. Neste mecanismo, está embutida a própria questão macroeconômica, que tem um déficit crescente em contas correntes. Isto implica pressão para se exportar mais commodities e o governo acaba ficando refém.
Basta olhar para o Congresso Nacional e ver que ali há um domínio muito amplo dessas forças, que eu considero as mais retrógradas do país. Tenho visto muito a destruição e a inviabilização da agricultura familiar. Não só por causa do agrotóxico, mas pelo conjunto do modelo do agronegócio.
Um caso emblemático no Rio Grande do Sul é a detecção do agrotóxico no leite materno. A mãe, ao amamentar, envenena o filho com o próprio leite. Isto é um absurdo, um descontrole total. Minha opinião sobre o uso de agrotóxicos no Brasil é que é abusivo, exagerado, incontrolável.
Ficou muito mais difícil para a agricultura familiar. Quando se fala em integração da agricultura familiar com a indústria, eu vejo mais uma relação de subordinação. O Brasil se sujeita a se entregar à economia mundial num lugar subalterno e sob o domínio de grandes empresas multinacionais. Elas fazem o que querem aqui, sem regulação e com domínio total. E não são punidas por seus crimes.
IHU On-Line – Então o impacto do uso de agrotóxicos pode prejudicar a economia brasileira?
José Juliano de Carvalho – Penso que sim. E falo do impacto do pacote inteiro do modelo do agronegócio. Existe um eufemismo em torno disso, que vem dos Estados Unidos com o agrobusiness. O modelo inteiro prejudica o agrotóxico, inclusive, visto que ele está junto. É preciso que se institua a regulação do agronegócio. Senão, pega-se um investimento público feito para a agricultura familiar ou para áreas de assentamento e deixa-se que essa área seja dominada por monoculturas ligadas ao agronegócio, com uso de agrotóxicos, transgênicos, prejudicando assim todas as pessoas que ali estão.
IHU On-Line – O Brasil é um dos países que mais utilizam agrotóxicos. O que isto revela sobre a posição brasileira em relação ao futuro da agricultura?
José Juliano de Carvalho – Isto revela a subordinação brasileira na nova divisão internacional do trabalho. A nós coube voltar nossa pauta de exportação para os produtos primários, vendendo etanol, massa de celulose, soja, sempre com pouco valor agregado. Estamos nos colocando não como o país do futuro, mas como subalternos. Continuaremos sendo periferia.
IHU On-Line – Por que os países em desenvolvimento são os que mais utilizam agrotóxicos?
José Juliano de Carvalho – Porque eles são dominados pelas empresas, que têm um domínio inclusive sobre as terras. E a tática que essas empresas usam é do jogo mais baixo possível. Fazem de tudo, até suborno. Isto está ligado ao avanço do capital financeiro em todo o mundo, sendo que esses países vão perdendo a capacidade de fazer política. Eles fazem apenas a pequena política.
IHU On-Line – Quais são as alternativas aos agrotóxicos?
José Juliano de Carvalho – Nós podemos ter uso de química na agricultura, mas tem que ser um uso regulado. O que eu não vejo é alternativa ao modelo do agronegócio. Porque não é um modelo de produção, mas um modelo de domínio econômico, em que nem a reprodução das sementes é mais facultada aos agricultores. Eles têm que pagar pelas sementes e estas implicam no uso do agrotóxico X. É preciso quebrar o poder de mercado dessas empresas. Um país como o nosso deveria regular a atividade do agronegócio, voltada aos interesses nacionais. Como  podem ser usados produtos que prejudicam a saúde da própria população trabalhadora?
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.
(IHU On-Line)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O Brasil e a sua guerra particular



por Leonardo Sakamoto*


O Ibama apreendeu quatro toneladas de agrotóxicos, entre eles desfolhante 2.4D, que estava sendo utilizado na substituição de três mil hectares de floresta por pastagem no Sul do Amazonas. Cerca de 250 hectares já haviam ido para o beleléu.
115 300x224 O Brasil e a sua guerra particularAngeli
O 2.4D, que é usado na agricultura, é um dos componentes do agente laranja, despejado no Vietnã para revelar inimigos do Tio Sam que se escondiam na mata. Comentei com um colega antropólogo que, seguindo essa toada, em breve, o pessoal ia começar a usar napalm para limpar fazendas de indígenas indesejáveis.
No que ele me lembrou que isso já aconteceu. Durante a construção da BR-174, que cortou o território Waimiri Atroari, entre Roraima e o Amazonas, o exército brasileiro controlado pela Gloriosa quase levou à extinção o povo kinja na década de 1970. Há relatos de bombas lançadas por aeronaves na população.
Outros relatos apontam o massacre de indígenas no Mato Grosso na década de 1960, quando fazendeiros, com o apoio de representantes do Estado, teriam lançado objetos contaminados com doenças como sarampo nas aldeias indígenas.
Reestabelecida a democracia, casos assim continuaram. Há denúncias de que pecuaristas, temendo que suas terras viessem a ser devolvidas aos indígenas isolados que nelas viviam no Sul de Rondônia, mandaram dar açúcar de presente à tribo. O que não avisou a eles é que o açúcar tinha sido temperado com veneno de rato.
E olha que não falamos de trabalhadores rurais, como nas bombas jogadas durante a repressão violenta à greve dos cortadores de cana em Guariba, Estado de São Paulo, na década de 1980, ou nas chacinas e massacres, como Eldorados dos Carajás, Estado do Pará.
Em suma, quando dizemos que uma guerra tem sido travada no campo no Brasil, tem gente que duvida. O pior é que ela não foi ou é apenas convencional, mas é também química e biológica.
Não dava para ter aplicado a Convenção de Genebra por aqui, não?
* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.
(Blog do Skamoto)

domingo, 10 de abril de 2011

Agrotóxicos, veneno do agronegócio, contaminam alimentos e meio ambiente

O casamento do capital financeiro com o latifúndio gerou o que chamam de "moderno" agronegócio. A lógica de exploração da terra - grandes extensões, monocultura, produção basicamente de grãos para exportação, mecanização e pagamento de baixos salários - necessita ainda de um ingrediente venenoso: mais de um bilhão de litros de agrotóxicos despejados na lavoura  no Brasil, só em 2009. Isso significa que cada brasileiro consome cerca de 5,2 litros de venenos por ano, dissolvidos nos alimentos e na água contaminados. O impacto desses produtos sobre a saúde humana, tanto de quem os maneja diretamente (trabalhadores rurais), como das comunidades e dos consumidores, é grande, inclusive com registros de inúmeros casos de problemas neurológicos, má formação fetal, câncer e até mortes.

Em 2009, o Brasil se tornou o maior consumidor do produto no mundo. O uso exagerado de agrotóxicos é o retrato do agronegócio: apesar de todo seu dito "avanço tecnólogico", não conseguiu criar um modelo de produção e técnicas agrícolas que garantam a produção de alimentos saudáveis para a população. Porque esse não é o interesse do agronegócio.

O agronegócio expulsa os camponeses do campo, destrói a terra, enche suas grandes extensões de máquinas e venenos, paga mal seus poucos trabalhadores e para quê? Para vender soja e cana para outros países. Correm para aprovar transgênicos - mesmo que seus potenciais danos à saúde ainda não tenham sido comprovados - querem de qualquer jeito flexibilzar o Código Florestal, para poderem desmatar mais sem ter que prestar contas por isso. Enfim, querem fazer do Brasil uma grande colônia de exploração, um quintal das transnacionais.

Por isso estamos nos somando a mais de 20 de entidades da sociedade civil brasileira, movimentos sociais, entidades ambientalistas e grupos de pesquisadores na "Campanha Permanente contra o Uso dos Agrotóxicos e pela Vida".

A campanha pretende abrir um debate com a população sobre os impactos dos venenos na saúde dos trabalhadores, das comunidades rurais e dos consumidores nas cidades, a contaminação dos solos e das águas e denunciar a falta de fiscalização do uso, consumo e venda de agrotóxicos,

A campanha prevê a realização de atividades em todo o país. Em Brasília, mais de 3 mil pessoas fizeram um ato no dia 7 para denunciar a responsabilidade do agronegócio pelo uso abusivo de agrotóxicos no país.

Participe dessa campanha para acabar com os agrotóxicos!


Saiba mais sobre a campanha em: http://www.mst.org.br/Campanha-contra-o-uso-de-agrotoxicos

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Simpósio denuncia pressões da Monsanto sobre Brasil para alterar tolerância a veneno na água potável

Do website da EPSJV-Fiocruz
O modelo de agricultura baseado no agronegócio, com grande concentração de terras e uso massivo de agrotóxicos, foi um dos temas que mais norteou as discussões do I Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental (I SIBSA). O evento foi realizado de 6 a 10 de dezembro em Belém do Pará, e reuniu, além de pesquisadores, também militantes de movimentos sociais e trabalhadores da área de saúde e meio ambiente. Ao final do encontro, os participantes aprovaram uma moção que vai contra o uso de agrotóxicos na agricultura e cobra a mudança do modelo de cultivo para uma plataforma agroecológica. Outra moção , também aprovada durante o encontro, questiona o processo de revisão da portaria 518/2004 do Ministério da Saúde sobre os procedimentos relativos ao controle e vigilância da água para consumo humano. A moção critica a tentativa de modificação do limite máximo de determinado agrotóxico na água potável e a falta de diálogo com os vários setores ligados à saúde ambiental durante o processo.

"O tema de agrotóxicos foi um dos mais prestigiados do Simpósio, as pessoas procuravam as oficinas e as mesas que tratavam do tema. Isso é também um reflexo da realidade, já que somos o país que mais consome agrotóxicos no mundo", avalia o professor do departamento de saúde coletiva da Universidade de Brasília (Unb) Fernando Carneiro, que também faz parte do GT de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), um dos organizadores do evento. Além do GT saúde e ambiente, também organizaram o Simpósio o Instituto Evandro Chagas e a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, com o apoio da Fundação Oswaldo Cruz. "O Simpósio uniu pesquisadores, professores, organizações sociais e demais militantes da saúde ambiental, o que fez com que saíssem de lá contribuições muito ricas", destaca o professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Alexandre Pessoa, que participou do encontro, junto com outros quatro representantes da Escola: Maurico Monken, André Burigo, Gladys Miyashiro e Edilene Pereira.

Agrotóxico e saúde
"Os pesquisadores, profissionais e demais militantes da saúde ambiental, presentes neste simpósio, reafirmam o compromisso e a responsabilidade em desenvolver pesquisas, tecnologias, formar quadros, prestar apoio aos órgãos e instituições compromissadas com a promoção da saúde da sociedade brasileira, e com os movimentos sociais no sentido de proteger a saúde e o meio ambiente na promoção de territórios livres dos agrotóxicos, e fomentar a transição agroecológica para a produção e consumo saudável e sustentável", afirma a moção ‘Contra o uso dos agrotóxicos e pela vida', aprovada durante o Simpósio.

Para Alexandre Pessoa, o simpósio mostrou que a academia e os movimentos sociais estão acompanhando sistematicamente os agravos à saúde coletiva decorrentes do uso de venenos. Ele lembra que cerca de 50 trabalhos apresentados traziam como tema os riscos dessa prática à saúde humana e aos ecossistemas. "Ficou claro lá que são o latifúndio e o agronegócio que têm a ganhar com o agrotóxico e que, portanto, temos que isolá-los. O pequeno agricultor só tem a perder e é papel da política pública promover uma saúde ambiental livre dos venenos", afirma o professor.

Tanto em 2008 quanto em 2009, o Brasil foi o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Em um hectare de soja, por exemplo, chega-se a usar 10 litros de agrotóxico. No total, no ano passado, o país consumiu 920 milhões de litros. Os dados são apresentados pelo professor do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) Wanderlei Pignati, um dos palestrantes do Simpósio. "Isso vai levar uma série de prejuízos para a população, como intoxicações agudas, e o grande problema que fica menos visível, que são as intoxicações crônicas - que podem, por exemplo, provocar câncer. Vários agrotóxicos usados aqui no Brasil são cancerígenos e proibidos na União Europeia. Há outros também que causam má formação do feto, permitidos aqui e também proibidos na União Europeia, e ainda outros que causam desregulação endócrina, distúrbios psiquiátricos e neurológicos", alerta.

A moção contra o uso de agrotóxicos pede também que a Abrasco apóie a ‘Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida', que já conta com apoio de outras sociedades científicas, como Associação Latinoamericana de Sociologia Rural.

Glifosato na água
A portaria 518/2004 do Ministério da Saúde regulamenta quais e que quantidades de substâncias podem estar na água para consumo humano. Entre esses elementos, está o agrotóxico glifosato, mais conhecido como Roundup, nome comercial usado pela empresa Monsanto para comercializar o produto. De acordo com o professor Pignati, o glifosato é o agrotóxico mais consumido no Brasil, responsável por 40% da comercialização. Atualmente, na portaria 518 está especificado que a água para consumo humano pode conter até 500 microgramas (ug/L) desse elemento por litro. Entretanto, durante o processo de revisão da portaria, que está em curso, foi feita uma proposta de se elevar esse valor para 900 microgramas por litro (ug/L). A moção aprovada durante o Simpósio questiona a iniciativa. "Iniciado em 2009, o processo de revisão da referida portaria desembocou numa aprovação da minuta, pelo grupo de trabalho ministerial, que, durante as atividades do I SIBSA, concluiu pela possibilidade de permissão de substâncias anteriormente proibidas, como algicidas, bem como pela ampliação dos limites já estabelecidos, a exemplo do glifosato que, de 500 ug/L, passaria a 900 ug/L, na contramão dos princípios da precaução que norteiam a práxis da Saúde Ambiental", afirma o texto.

A moção pede ainda que seja ampliado o prazo da consulta pública para revisão da portaria e também que "seja criada uma comissão de diálogos envolvendo movimentos sociais, academia e órgãos do SUS que atuam na temática, para que seja avaliada e complementada a minuta produzida pelo GT". Para Pignati, o histórico das portarias de potabilidade da água no Brasil revela o quanto a legislação foi "legalizando a poluição". "Quando se analisam as três portarias sobre potabilidade da água feitas no país, a primeira - portaria nº 56/1977 -, a segunda - nº36/1990 - e a terceira - nº 51/2004, é possível ver a legalização da poluição e aonde chegamos com isso. A primeira portaria diz que pode ter na água para consumo humano dez metais pesados, nada de solventes, 12 agrotóxicos e nenhum produto de desinfecção doméstica, com exceção do cloro. Já na segunda portaria, editada 13 anos depois, os metais pesados passaram para 11, os solventes para sete, os agrotóxicos para 13 e os produtos de desinfecção passaram para dois. E na última portaria, os metais pesados já passaram para 13, os solventes para 13, os agrotóxicos para 22, e os produtos de desinfecção para seis. Então, vão poluindo, aumentando o uso de agrotóxico, de metais, de solventes, de desinfetantes e isso começa a ser permitido na água. Hoje, em um litro de água que nós estamos bebendo, pode-se ter esse volume todo de coisas. Então, é preciso fazer uma discussão no Brasil e no mundo sobre que tipo de água nós queremos. Será que isso é mesmo água?", questiona.

Práxis
O I Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental contou com a participação de cerca de mil participantes, que afirmaram na carta final do evento - a carta de Belém - o compromisso com uma ciência cidadã, na qual se valorizem os processos coletivos de produção de conhecimento. Para André Burigo, também presente no evento, ainda que essa consciência precise avançar, muitos pesquisadores do campo da saúde ambiental têm apresentado um compromisso com esses princípios. "Foi manifestado durante o Simpósio que o papel do cientista comprometido com a agenda da saúde ambiental é o de fazer uma ciência que contribua para dar visibilidade às populações que não têm voz e têm sofrido os grandes impactos desse modelo de desenvolvimento econômico -, principalmente comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, assentamentos da reforma agrária", comenta.

Para o professor Fernando Carneiro, um grande desafio é fazer com que os pesquisadores se aproximem mais da análise da realidade de vida das pessoas. "Ao mesmo tempo em que no campo da saúde ambiental há estudos que privilegiam uma terminologia clássica muito ligada a uma toxicologia dura, que tem seu papel e sua importância, muitas vezes esses estudos não conseguem desnudar as injustiças ambientais, as desigualdades. As abordagens são muito reducionistas e não é feita uma análise mais integrada de como se dá o trabalho das pessoas, onde elas vivem e quais são suas culturas", diz.

Um exemplo de como a ciência pode estar próxima e contribuir para solucionar os problemas das populações foi exposto durante o simpósio. A professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Raquel Rigotto, também membro do GT de Saúde e Ambiente da Abrasco, contou a experiência do núcleo de pesquisa Tramas - Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a sustentabilidade - coordenado por ela. Há cerca de quatro anos, o grupo acompanha os problemas da população da região do baixo Jaguaribe, no Ceará. A professora explica que o campo de pesquisa é uma região de expansão recente da fruticultura irrigada para exportação, baseada na monocultura e no modelo químico-dependente, com padrão muito forte de exploração da força de trabalho e de degradação ambiental. "Quando chegamos lá, a comunidade do Tomé nos falou de um problema que era a pulverização aérea de agrotóxicos, especificamente no cultivo da banana, com fungicidas que são muito tóxicos e persistentes no meio ambiente. E essa pulverização atingia também as comunidades, já que as empresas foram instaladas justamente onde já havia muitas comunidades há muitos anos. Eles fizeram relatos de que as roupas que eles lavavam ficavam com cheiro de veneno no varal, que galinhas morriam e crianças passavam mal. E como estávamos fazendo um modelo de pesquisa que tenta dialogar com as comunidades e respeitar os saberes e as necessidades de conhecimento delas, nós incorporamos a pulverização aérea em nosso estudo e fizemos um acompanhamento dela durante dois anos", relata.

O acompanhamento foi feito durante os anos de 2008 e 2009, e durante esse período o grupo conseguiu informações que confirmaram as preocupações da comunidade. Amostras de água foram colhidas e, nelas, verificadas contaminação pelo mesmo veneno pulverizado e também por outras substâncias. A professora conta que os dados foram apresentados em um seminário na Universidade Estadual do Ceará no município sede da região, Limoeiro do norte. "As comunidades se mobilizaram muito para conseguir proibir a pulverização e, em novembro de 2009, uma lei municipal da Câmara de Vereadores de Limoeiro do Norte proibiu a pulverização aérea. Essa proibição tem uma importância muito grande porque a União Europeia também tinha proibido há dez meses a pulverização aérea", detalha.

Diante da lei municipal, as empresas reagiram fortemente dizendo que isso inviabilizaria a continuidade do cultivo no local. Na ocasião, uma audiência pública foi realizada na Câmara de Vereadores, quando diversas organizações e movimentos sociais referendaram a necessidade da proibição da pulverização e novos dados da pesquisa foram apresentados. "As empresas também tiveram voz e falaram que elas teriam um prejuízo de R$ 22 milhões caso a pulverização não fosse realizada. E nós questionamos o que são R$ 22 milhões para investidores diante da saúde de uma enorme população. Foi um momento de muito embate, um auditório com mais de 300 pessoas, durante sete horas", lembra Raquel. Poucos dias depois, em uma sessão realizada, segundo Raquel, "às escondidas", a Câmara de Vereadores de Limoeiro revogou a lei anterior e a pulverização aérea voltou a ser permitida na região. Atualmente o movimento social segue mobilizado e todos os dias 21, data em que José Maria - um dos ativistas do movimento organizado contra a pulverização, que foi assassinado -, a população faz manifestações. "Nós apresentamos isso no Simpósio, como grupo de pesquisa que busca ter uma prática científica comprometida com os processos históricos em curso nos locais onde a pesquisa está inserida. Aí existe todo um cuidado que vai desde a forma como nós definimos o objeto de estudo, como compomos a equipe de pesquisa, como definimos progressivamente, dinamicamente a metodologia de estudos, podendo inserir aí essas preocupações, esses saberes trazidos pelas comunidades, pelos sujeitos atingidos pelo problema que está sendo estudado", aponta Raquel.

A professora explica que outra preocupação é criar um processo de comunicação que também busque, mesmo antes da finalização da investigação, beneficiar o sujeito da pesquisa com alguns resultados, ainda que parciais, como recomenda o código de ética de pesquisa em saúde, em resolução do Conselho Nacional de Saúde. "Percebemos o quanto essa pesquisa foi enriquecida por estabelecer uma relação profunda de confiança, de respeito e de troca com os movimentos sociais e com as comunidades locais. Isso mostra uma possibilidade de acesso ao real vivido muito maior do que quando a pesquisa se coloca de forma distanciada", observa. A apresentação da experiência do núcleo Tramas durante o Simpósio foi aplaudida de pé. "Isso significou muito para nós. Estamos buscando, de uma forma muito humilde, tímida, dar passos no sentido de uma práxis e no sentido do que temos conversado nos ambientes acadêmicos sobre a ecologia dos saberes, a interdisciplinaridade. E se estamos ousando fazer isso, muitas vezes com muita insegurança, nós recebemos neste simpósio um referendo da comunidade acadêmica e científica de que este caminho é válido, é relevante e que é importante continuar tentando", destaca.