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terça-feira, 26 de julho de 2011

Campanha contra os Agrotóxicos lança filme de Silvio Tendler


Texto Maria Lucia Martins



Lançada no Dia Mundial da Saúde, a Campanha Permanente Contra  os  Agrotóxicos e Pela Vida ganhou um valioso meio difusão, o documentário “ O Veneno está na mesa”,  realizado por Silvio Tendler, lançado ontem,25 de julho,no Teatro Oi Casa Grande, onde havia mais de mil pessoas e, agora,  disponível para a reprodução livre. A Campanha alerta sobre os venenos usados nos cultivos agrícolas brasileiros e os efeitos destes sobre os seres vivos e sobre o ambiente natural.
Organizada por mais de 20 entidades e movimentos sociais, a Campanha tem como metas a substituição de insumos no cultivo e a discussão da necessidade de outro modelo de produção no campo. Mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros vêm de pequenos e médios agricultores, alguns impelidos ao uso de agrotóxicos por motivos diversos. Parte destes produtores de alimentos conseguiu migrar para um cultivo orgânico e cresce o número dos que buscam esta transição. Esta tendência resgata os saberes de nossa agricultura tradicional, que podem ser aliados a modernos conhecimentos sobre plantio sem agentes nocivos à saúde.
Consumo de 5,2 kg de veneno per capita
De acordo com a organização da campanha, cada brasileiro consome em média 5,2 kg de veneno por ano.  O Brasil foi considerado em 2009, o maior consumidor destas substâncias pelo segundo ano consecutivo.
A coordenadora do Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacológicas (Sinitox), da Fiocruz, Rosany Bochner, afirma que “é preciso deixar claro que o que queremos com a campanha não é usar produtos menos tóxicos, não é nada paliativo. Nós não queremos mais agrotóxicos de nenhuma forma. É uma mudança de filosofia, temos que partir para produzir diversidade. Vamos ter que comer diferente, que fazer muita coisa e não depende só do agricultor, depende também da população, porque do jeito que está não é possível mais ficar". Rosany  também é consultora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Além da proibição definitiva do uso de venenos, a campanha aponta como saída para uma alimentação saudável e diversificada o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa. Para isso, propõe uma série de ações, como a reforma agrária, o fim do desmatamento, a geração de trabalho e renda para a população rural, o uso de novas tecnologias que favoreçam o fim da utilização de agrotóxicos e a produção baseada na agroecologia .
Efeitos danosos comprovados
O material da campanha alerta que os agrotóxicos causam uma série de doenças como câncer, problemas hormonais, problema neurológicos, má formação do feto, depressão, doenças de pele, problemas de rim, diarréia, entre outras.Recentemente, uma pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul detectou a presença de agrotóxicos no leite materno e nos ovos comercializados no país.
De acordo com Rosany, a Anvisa está disposta a discutir o uso destes produtos tóxicos, mas enfrenta a resistência de setores do próprio governo e do legislativo, onde está presente a bancada ruralista favorável ao uso do agrotóxico. Rosany destaca também as dificuldades de informação sobre os riscos de agrotóxicos no sistema de saúde, no qual não é costume relacionar os sintomas de diversas doenças com a exposição aos agrotóxicos, o que dificulta tanto a cura quanto a identificação de evidências dos efeitos danosos dos agrotóxicos sobre as pessoas e o ambiente.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Campanha contra os Agrotóxicos lança filme de Silvio Tendler


com informações da página do MST

A Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida lançará no próximo dia 25 de julho o filme “O veneno está na mesa”, mais nova produção do diretor Silvio Tendler. O evento acontecerá no teatro Oi Casa Grande, e contará com um debate com participação do diretor e de Letícia Rodrigues da Silva, da ANVISA.
Além disso, a Campanha acaba de lançar o primeiro caderno de formação. O caderno apresenta um material de subsídio sobre os efeitos dos agrotóxicos na agricultura, na saúde humana e no meio ambiente. O prefácio da caderno foi escrito por Jean Pierre Leroy, assessor da Fase e membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.
“Este livro quer nos colocar em movimento, nos armar para o bom combate, nos colocar em campanha não só contra este modelo agrário, mas a favor de outro desenvolvimento, minando por dentro o capitalismo que desumaniza o mundo e desnatura o planeta”, avalia Leroy

Faça o download do Caderno de Formação
Abaixo, leia o prefácio da cartilha.
Prefácio
Em 1962, a norte-americana Rachel Carson publicou um livro de grande repercussão, A primavera silenciosa, em inglês Silent Spring. Ela mostrava que o DDT, pesticida inicialmente produzido para lutar contra a malária, matava não somente as pragas, mas todo tipo de insetos e de pássaros e penetrava na cadeia alimentar e no corpo dos animais e seres humanos. As consequências eram dramáticas para o meio ambiente e a saúde humana, tanto que o DDT foi progressivamente banido. Se o livro de Rachel Carson e suas repercussões forçaram as indústrias produtoras de pesticidas a se  defender e demonstrar a ausência de nocividade dos seus produtos, elas não se deram por vencidas.
O Desastre de Bhopal, ocorrido em 3 de dezembro de 1984, na região de Bhopal, Índia, quando uma fábrica da empresa Union Carbide deixou vazar 27 toneladas do gás mortal isocianato de metila, é paradigmático. Meio milhão de pessoas foi exposta ao gás; delas até o momento 25 mil já morreram e 100 mil pessoas são doentes crônicos pelos efeitos desse desastre. A Union Carbide e sua proprietária, a Dow Chemical, continuam negando a responsabilidade pela intoxicação e se negam a limpar a fábrica.
Os pesticidas causam ou podem causar a contaminação da água, do solo e do ar, de plantas e animais, e das pessoas. Às vezes, os seus efeitos sobre as pessoas são imediatos. Lembro a fumigação aérea que atingiu a cidade de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. Situada numa área de cultivo de soja, foi pulverizada por agrotóxicos em 2006, porque um pequeno avião de aspersão jogou químicos demais e de forma imprudente. Não demorou para que pessoas começassem a aparecer  com sintomas de contaminação, às vezes graves. Mas geralmente as consequências demoram em se fazer sentir, o que torna difícil apontar o culpado.
O fato é que estamos vivendo num mundo impregnado e saturado de produtos químicos, em particular de agrotóxicos, e que isso raramente aparece como uma preocupação da sociedade. Quando um trabalhador rural é atingido, se diz que não usou os  equipamentos de proteção, que não seguiu as normas de uso, ou que fez mau uso do produto, colocando doses exageradas ou aplicando fora do momento previsto.
Isso acontece, é verdade, mas acusá-los é inverter a responsabilidade: empresas produtoras e vendedoras e poder público devem fornecer o acesso à informação qualificada, não somente colar bulas nos frascos e nos galões. O problema é que as indústrias não têm nenhum interesse em informar, não só o trabalhador, mas também o vizinho da fábrica e o consumidor dos alimentos sobre os reais perigos dos seus produtos. E mais, elas não querem saber desses perigos potenciais, que poderiam
colocar em risco seus lucros. Não promovem pesquisas independentes e chegam mesmo a atacar e desmoralizar pesquisas que questionam seus produtos.
O que levou a essa situação? Aponto aqui três fatores interligados: o modelo de agricultura, a confiança desmedida no progresso tecnológico e o domínio das grandes empresas. O modelo de agricultura dominante é oriundo do que se convencionou chamar de “Revolução Verde”, implementada a partir da segunda metade do século XX para incrementar a agricultura nos países ditos então subdesenvolvidos. A Revolução Verde está calcada no uso combinado de variedades (sementes e matrizes) de alto rendimento, de adubos e produtos fitossanitários (os agrotóxicos) e na irrigação
intensiva. Ela facilitou o crescimento da grande propriedade e, com ela, o uso de maquinário pesado. Com ela, efetivamente, aumentou enormemente a produção de alimentos, embora a fome continue, já que a alimentação se tornou uma mercadoria inacessível para muitos.
Nota-se que os agrotóxicos fazem parte de um pacote. Se quisermos questioná-los, é preciso questionar o pacote inteiro. A Revolução Verde suscitou o entusiasmo dos pesquisadores que se empenharam para que a produção alimentar subisse, apoiada em muitas inovações tecnológicas. Ela não nasceu de um dia para o outro; tem a sua origem no processo de industrialização do mundo ocidental que se desenvolveu desde o início do século XIX. As ciências conheceram um enorme progresso e as aplicações das suas descobertas se multiplicaram. As duas guerras mundiais tiveram seu papel nisso, com o uso de gases mortíferos desenvolvidos pelas indústrias químicas e do DDT, para evitar que os soldados fossem vítimas da malária.
Os cientistas que criaram o DDT achavam que estavam dando uma grande contribuição à humanidade. A sua confiança na ciência e na tecnologia era total. Hoje também há cientistas e técnicos que acreditam sem restrição que as sementes transgênicas são a melhor solução. Eles ignoram o princípio de precaução, que reza que certas ações humanas podem ter consequências graves para o futuro e em lugares distantes do local onde estão sendo efetivadas. Agrotóxicos podem prejudicar a saúde de um ser humano que ainda não nasceu, porque sua mãe foi contaminada.
Zonas costeiras veem diminuir a vida marinha, porque um rio que deságua no mar carregou restos de agrotóxicos que vieram de centenas de quilômetros de distância.
Essa busca permanente da ciência por novas descobertas e novas aplicações para elas (o que foi nomeado tecnociência) encontrou um terreno propício ao seu desenvolvimento na agroindústria. Para esta, inovação significa novos produtos e mais lucros.
A ETC Group, a ONG mais atuante na temática das novas tecnologias, em comunicado de 2008 sobre as grandes corporações, menciona as palavras do presidente de Crop Science de Syngenta, John Atkin: “A resistência [das pragas aos agrotóxicos] é um fenômeno globalmente sadio, porque nos obriga a inovar”.
Segundo a ETC Group, “trinta anos atrás, havia dezenas de fabricantes de pesticidas enquanto hoje dez fabricantes realizam cerca de 90% das vendas de produtos químicos no mundo”. A conclusão que ela tira daí é muito instrutiva: Assim como a biotecnologia, as novas tecnologias não necessitam provar a sua utilidade social ou sua superioridade técnica para ser lucrativas. Só têm que expulsar a concorrência e forçar o Estado a
abrir mão do controle. Uma vez o mercado monopolizado, os verdadeiros resultados da tecnologia não têm mais a menor importância. E poderíamos acrescentar: “os verdadeiros efeitos dos agrotóxicos não têm importância”.
As pressões exercidas com sucesso sobre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para aumentar o valor de resíduo de agrotóxicos na soja Roundup Ready; o sucesso em manter o uso de pesticidas extremamente perigosos, como o endosulfan, proibido há mais de 20 anos na União Européia e em vários países e somente agora
proibido no Brasil; e, num outro registro, a maneira como a CNTBio toma as suas decisões sobre a liberação de sementes transgênicas; e a desqualificação e a criminalização de pesquisadores independentes são exemplos do poder do que poderíamos chamar de “discurso único”, uma das maneiras pelas quais se manifesta a hegemonia do capital.
Isso não seria possível sem uma combinação de interesses que junta as grandes corporações, os principais meios de comunicação e a grande maioria dos executivos e legisladores. Ao seu serviço, os economistas, que mostram que o agronegócio exportador, e a tecnociência já mencionada, é a salvação do país. Esse conjunto faz o
que eles identificam como sendo a “opinião pública” acreditar que a modernidade, o desenvolvimento do país e a erradicação da miséria passam por esse modelo de agricultura. Em retorno, empresas, partidos e políticos e meios de comunicação se apóiam nessa opinião pública que formaram para impor seus interesses como se fossem os interesses de todos. O círculo vicioso se fecha. As outras falas são silenciadas e passam a não exisitir.
É esse o bloco de poder que deve ser minado. “Minado”, não derrubado, pois na atual correlação de forças, há um longo caminho de transição a percorrer. O complexo do agronegócio é baseado tecnicamente no modelo da Revolução Verde. Do ponto de vista
econômico e político, é peça importante do capitalismo globalizado; cultural e ideologicamente, é orientado pela crença cega no poder quase absoluto das ciências e tecnologias de inventar o futuro. Não há lugar para a busca da igualdade e para o cuidado real da natureza, para a saúde e para a qualidade de vida no complexo agroindustrial. Frente a ele, quais são as tarefas?
O estudo dos agrotóxicos, a informação, a denúncia e o combate direto, sem dúvida. Mas isso não é suficiente. A agricultura ecológica, a economia solidária, estratégias locais/regionais de produção e de consumo, por atacarem o mode9 lo capitalista em um dos seus pilares de sustentação (o agronegócio), tornam-se tarefa política essencial.
Este livro quer nos colocar em movimento, nos armar para o bom combate, nos colocar em campanha não só contra este modelo agrário, mas a favor de outro desenvolvimento, minando por dentro o capitalismo que desumaniza o mundo e desnatura o planeta. É a Via Campesina assumindo o seu papel de protagonismo na construção do futuro.

Fonte: MST  Rio site do Boletim   

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A história que não consta nos livros

Mais um primoroso artigo do jornalista e comentarista político Laerte Braga. Há mais de quatro décadas trabalhando na mídia e, portanto, testemunha ocular da história, o blogueiro mineiro nos ajuda a entender um pouco mais o jogo do poder em Brasília.

TANCREDO, AÉCIO, MALUF

Laerte Braga

Há diferenças abissais entre Tancredo Neves, de um lado e Aécio Neves e Paulo Maluf de outro. No dia 21 de dezembro em Moscou, milhares de comunistas foram ao túmulo de Stalin depositar cravos vermelhos em homenagem aos 131 anos de nascimento do líder soviético.

O presidente russo Medvedev anunciou que vai iniciar uma campanha para desestalinizar a Rússia. Não há muita diferença entre Vladimir Putin e Stalin, guardadas as proporções de tempo, espaço e personalidade. Putin se inspira e adota os métodos do secretário geral do antigo PCUS (Partido Comunista da União Soviética), com uma diferença. Stalin tinha um sentido coletivo em tudo o que fazia, até na barbárie. Putin não.

Foi esse sentido coletivo, vamos ficar com essa expressão, que lhe valeu um livro de encômios os mais elevados do filósofo Jean Paul Sartre, muitas páginas de louvor aos planos qüinqüenais do governante soviético.

Em seguida a morte de Stalin o marechal Zukov, herói da IIª Grande Guerra e grande comandante do exército soviético (venceu os alemães, sem ele a guerra teria durado muito mais tempo e sabe-se lá que lado venceria), ao perceber as indecisões e disputas no Politburo, principal câmara do Partido Comunista Soviético, fez saber aos líderes que o Exército Vermelho apoiava a indicação do ucraniano Nikita Kruschov.

Há um episódio, se real ou não é outra história, mas dimensiona Kruschov, sobre dar a notícia a Stalin que os alemães haviam invadido a União Soviética e rompido o pacto que fora feito com Ribbentrop. Stalin entrou para um apartamento do Kremlin com algumas mulheres, embebedou-se durante dias e ao abrir a porta diante do desatino dos líderes do partido sobre o que fazer, mandou que Kruschov lhe calçasse as botas e disparou.

“Vocês são tão covardes que tendo oportunidade de me matar não o fizeram. Vamos ganhar a guerra”.

Tancredo Neves não teve a dimensão de Stalin e muito menos o caráter cruel, bárbaro e criminoso. Em defesa de Stalin se diga que a União Soviética começou sua história na defensiva e isso significa muito mais do que se possa imaginar.

Tancredo tinha uma característica. Não metia a mão no bolso de ninguém. Optou pelo que poderíamos chamar “caminho do meio”. O papel de pêndulo, mas sem perder de vista seus objetivos e sem deixar de ter uma visão de conjuntura de cada momento que viveu da história do Brasil.

Foi leal a Getúlio como foi leal a Jango.

Almino Afonso conta um episódio revelador sobre o golpe militar de 1964. Ministro do Trabalho do governo de Jango foi chamado por Darcy Ribeiro na Casa Civil, no dia 1º de abril de 1964 e recebeu a seguinte missão.

“Reassuma seu mandato de deputado e vá impedir que o Tancredo faça alguns acordos e o golpe triunfe”.

Almino relata numa entrevista que concedeu à revista PLAYBOY, logo após a anistia, que ao chegar ao Senado não disse uma palavra ao perceber a reação de Tancredo diante da disposição de Auro Soares de Moura Andrade, presidente da Casa e do Congresso, de decretar a vacância do cargo. Segundo Almino a coragem de Tancredo o surpreendeu. Enfrentava Auro e não poupou adjetivos à covardia golpista do senador. Fernando Lira, mais tarde, aliás, indicado ministro da Justiça de Tancredo afirma que esteva presente a algumas decisões de Tancredo que o surpreenderam pelo nível de comprometimento do ex-presidente com a democracia sem adjetivos.

Tancredo Neves deixou de ser eleito governador de Minas em 1960 por conta de manobras de parte do PSD, seu partido então. José Maria Alckimin e Benedito Valadares não aceitavam a candidatura de Tancredo e inventaram a de Ribeiro Pena pelo antigo PR – Partido Republicano, com o intuito de dividir os votos e permitir a eleição do sacripanta Magalhães Pinto.

Ribeiro Pena foi presidente de um banco estatal mineiro durante todo o governo de Magalhães. A compensação.

Quando Aureliano Chaves, Marco Maciel e outros foram comunicar a Tancredo que haviam fundado o PFL, que estavam em desacordo com o candidato do PDS, partido da ditadura e iriam apoiar sua candidatura presidencial, isso em 1984, se prontificaram a conversar com o general Ernesto Geisel e pedir-lhe o apoio a Tancredo.

O então ex-governador de Minas levantou-se, foi ao telefone, ligou para Geisel, chamou-o de “meu general” e deu a notícia do apoio de Aureliano e outros. Ali Sarney virou vice-presidente. Falta de alternativa, sob forte resistência de Tancredo.

Geisel foi do gabinete parlamentarista de Tancredo e ambos eram próximos, mais próximos que os principais líderes parlamentares da ditadura. Boa parte da “distensão lenta e gradual” de Geisel foi formulada por Tancredo. O general tinha absoluta confiança no mineiro.

No velório de Tancredo em Brasília pode-se ver, é só buscar os arquivos, o general Geisel subindo a rampa do Planalto sozinho e a pé, sem seguranças. Disse aos repórteres – “uma perda sem tamanho para a democracia e o Brasil –.

Era prodigiosa a capacidade de Tancredo Neves de equilibrar-se entre forças antagônicas, tanto quanto a de ser leal aos seus companheiros.

Delfim Neto está aí, vivinho da silva, pode confirmar a quem quiser. Quando se começou a primeira negociação, governo Figueiredo, para pedir ajuda ao FMI e renegociar a dívida externa do Brasil, ouviu de John Rockfeller, um dos maiores banqueiros do mundo, que a dívida de Minas ele preferia negociar pessoalmente com Tancredo.

Delfim tomou um susto, passou batido e disse aos jornalistas que “o doutor Tancredo é outro departamento”. Tancredo era governador recém empossado de Minas. E o primeiro pedido que fez a Rockfeller foi a suspensão de um contrato de locação de uma loja do grupo ao governo de Minas, sem multa pelo rompimento. A multa era de cinco mil dólares e Rockfeller acedeu.

Em 1982, pouco depois das eleições para governos estaduais, as primeiras desde o golpe de 1964, o eleito governador do Rio, Leonel Brizola, ao ouvir de um companheiro que o perigo para as eleições presidenciais seria o governador Franco Montoro de São Paulo, respondeu assim, “Você está enganado, o perigo vem de Minas”.

Brizola, como Tancredo, enxergava além de umbigo e vaidades pessoais.

O cineasta Sílvio Tendler está a ponto de lançar um documentário sobre Tancredo Neves e já surge uma polêmica. Tancredo teria recebido ajuda financeira de Paulo Maluf em duas campanhas eleitorais (senado e governo do estado de Minas) para neutralizar eventuais adversários nas eleições presidenciais de 1984, alvo de Maluf. O ex-governador de São Paulo pretendia debilitar a candidatura de Mário Andreazza, a preferida da direita militar, pois sabia que a disputa nesse campo se daria entre ele e o coronel ministro da ditadura, dentro do PDS.

Elizeu Rezende em Minas, candidato ao governo contra Tancredo em 1982 fortaleceria Andreazza.

Pode soar um tanto estranho e soa, mas a lógica política não é uma ciência exata como a concebia Bertrand Russel, por exemplo. Ou melhor, é possível matematizar a lógica. Na política e no futebol não.

A polêmica sobre essa “ajuda” de Maluf a Tancredo começa a surgir em veículos da mídia privada, portais da rede mundial de computadores e o cineasta Sílvio Tendler, um dos maiores nomes do cinema/documentário do País já disse que não sabe se o episódio será ou não incluído no filme “já um tanto longo”.

Não se queixou de pressões sobre o fato, tampouco disse algo sobre ele, como os veículos que deram guarida à notícia não revelaram que o intermediário entre Tancredo e Maluf foi o general Golbery do Couto e Silva. Do esquema do general Geisel, sustentáculo militar de Tancredo para a disputa presidencial.

Não sei se o documentário fala de uma grave crise de depressão que acometeu Tancredo logo após a derrota em 1960 para Magalhães Pinto. Refugiou-se em Petrópolis até a recuperação.

Em 1964 quando JK foi dizer a Tancredo que havia fechado um acordo para eleger o marechal Castello Branco presidente da República, JK era senador e Tancredo deputado, ouviu que não votaria em Castello. “Eu fui líder do governo Jango na Câmara e não tenho o hábito de trair amigos e nem princípios”.

Não votou. Disse um sonoro não quando chamado a proferir seu voto. Foi o único pessedista a não fazê-lo. E advertiu Juscelino que estava cavando sua sepultura.

Eleito presidente começou a trabalhar o Ministério e Fernando Henrique Cardoso procurou-o um dia para sugerir a indicação de seu próprio nome para o Itamaraty. Cabotino e sem caráter nenhum FHC chegou a dizer que “o senhor vai enriquecer o seu governo com um intelectual de renome mundial”. Tancredo disse não e nunca escondeu de ninguém que tinha ojeriza a FHC. Na melhor das hipóteses considerava-o um bobo.

Costumo enxergar Tancredo na história do Brasil a partir de três caixões. Carregou o de Getúlio e Jango em São Borja e o de JK. Sua morte em 21 de abril de 1985 provocou uma das maiores comoções já vistas no Brasil. A de São Paulo, quando o corpo saia do hospital num carro do corpo de bombeiros talvez tenha sido a maior manifestação espontânea de todos os tempos em nosso País. As pessoas iam abandonando seus carros, seus afazeres e quase um milhão de paulistas acompanhou o cortejo até o aeroporto onde o esquife seguiu para Brasília.

Analisar ou deixar de analisar erros e acertos de Tancredo é outra conversa. Não é o caso aqui. E por isso mesmo não há equívoco em afirmar que foi um dos maiores vultos de nossa história contemporânea. Se presidente teria evitado catástrofes como Sarney, Collor, FHC e Itamar. Por si só o ganho para o Brasil seria e é inestimável.

Aécio não tem nada a ver com Tancredo exceto o fato de ser neto. É um irresponsável com talento político e charme que usa e abusa, mas vazio e inconseqüente. Seus oito anos de governo em Minas foram só o de aparecer na hora agá. As decisões não eram dele, nunca foram. Cercou-se de gente da pior espécie, como o governador atual Antônio Anastasia (os mineiros viveram um dilema terrível nas últimas eleições, ou Anastasia, ou Hélio Costa, dois políticos menores, nunca à altura de Minas Gerais).

Se alguém encapuzar o ex-governador Aécio Neves em Belo Horizonte e soltá-lo num ponto qualquer do centro da capital, não tem a menor idéia de como chegar em casa, ou em qualquer lugar. É um tonto e uma grande ameaça ao País.

Cedo ou tarde vai se perceber isso, tomara que cedo.

Maluf é a lástima que conhecemos, legitimado por essa aberração que se chama Justiça Eleitoral. Um trem que não existe em países supostamente, claro supostamente, civilizados. Ou, minimamente organizados.

O documentário de Sílvio Tendler vai cumprir o papel de permitir aos brasileiros julgar um dos políticos mais importantes do século passado. Viveu e participou de momentos decisivos de nossa história.

Esse mérito do cinema de Tendler é decisivo para o resgate dessa história e associado ao seu talento extraordinário, torna-se imprescindível.

O filho de Pablo Escobar, um dos maiores produtores e chefe de cartel de drogas, financiador do ex-presidente da Colômbia Álvaro Uribe, apareceu num documentário exibido por um canal de tevê a cabo pedindo desculpas aos colombianos, bolivianos e aos povos do mundo pelo mal causado pelo pai.

No caso de Tancredo é diferente. Ele não pode pedir desculpas pelo destrambelhamento que é Aécio Neves. Pela ameaça que representa com sua conversa mole para boi dormir.

Um não tem nada a ver com o outro, exceto o fato de um ser avô e outro neto.

Fora isso Tancredo é parte da história do Brasil e Aécio do lixo político do País.

Que venha o documentário. Vai cumprir, como todos de Tendler, um papel importante na percepção e compreensão de uma quadra da vida brasileira.

E esse tipo de trabalho é de fundamental importância, como a controvérsia é parte de qualquer documentário feito com seriedade. Tendler é sério.

Palavra de Remy.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

"Utopia e Barbárie", de Silvio Tendler

Por Vinnicius Moraes, em seu blog*
Nessa quinta-feira, na abertura do 1º Encontro Regional de Blogueiros Progressistas, em Juiz de Fora, assisti ao filme "Utopia e Barbárie", do cineasta Silvio Tendler.

O documentário retrata os sonhos e as inúmeras lutas que moveram a humanidade desde o início do século XX. Contudo, o roteiro alerta aos espectadores sobre a proximidade dos dois movimentos: utopia e barbárie.

Após a exibição do filme, o documentarista conversou com os participantes do Encontro, que lotaram o Anfiteatro João Carriço, na região central da cidade.

Durante o bate-papo, citando o que dissera o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a blogueiros que o entrevistaram nessa quarta-feira ("as Forças Armadas dizem que não têm mais arquivo"), perguntei ao cineasta se, em sua opinião, ocultar a verdade - mesmo depois de tanto tempo - não é uma nova forma de barbárie, em que se tortura toda a sociedade brasileira...

Concordando com o argumento que apresentei, Silvio afirmou que "existir, ainda hoje, gente insepulta é um crime", citando detalhes da história do jornalista Bernardo Kucinscki - que participa de "Utopia e Barbárie" - em sua luta para encontrar a irmã Ana Rosa, desaparecida desde abril de 1974.

Outro momento bastante interessante foi a "leitura" do filme apresentada pelo jornalista juiz-forano Laerte Braga, a partir da citação - no documentário - do escritor Guy Debord, que escreveu em 1967 "La société du spectacle" ("A Sociedade do Espetáculo").

Silvio falou também sobre a imprensa brasileira e sobre os anos do século XX que considera "o ano orgásmico" e "o ano brochante".

Mais precisamente sobre o filme, são tantas as passagens marcantes, que pretendo assistir-lhe novamente.

Apenas como ilustração, registro a indignação que senti - mais uma vez - ao ouvir o então ministro Jarbas Passarinho dizer, dirigindo-se ao presidente Costa e Silva, durante a reunião do Conselho de Segurança que discutia a implantação do AI-5 (Ato Institucional nº 5): "às favas, senhor presidente, neste momento, todos, todos os escrúpulos de consciência".

Minha repulsa à declaração do ministro só não foi maior do que a causada quando ouvi, no filme, o nome "Fleury" [do delegado Sérgio Fleury, do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) de São Paulo, durante a ditadura militar no Brasil].

Ainda, conheci um pouco da história do jornalista Álvaro Caldas (na foto abaixo, em abril de 1973, após "ser atropelado por um Fenemê - caminhão da antiga Fábrica Nacional de Motores").


Emocionante também a declaração de Dilma Rousseff sobre a enorme solidão que sentiu após sair do Presídio Tiradentes, em 1972. A economista relata que, naquele momento, embora estivesse "livre", todos os seus amigos estavam presos, no exílio ou mortos.

"Utopia e Barbárie" é uma grande aula... adolescentes, jovens, adultos: todos deveriam vê-lo!

*Segundo informação veiculada pela Produtora Executiva Ana Rosa Tendler, em sua página no microblog twitter, o documentário estará disponível a partir de dezembro. Para saber mais: www.caliban.com.br

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

'Utopia e barbárie', de Silvio Tendler, inaugura domingo Ciclo de Cinema Documental da ASA

Nos próximos três domingos, a Associação Scholem Aleichem - ASA - apresenta seu Ciclo de Cinema Documental. Inaugurando a série, neste domingo, 21, Utopia e Barbárie, de Silvio Tendler.

Rodado ao longo de 20 anos, o filme de Tendler mostra protagonistas e personagens da história do século 20, entrevistados em 15 países. O diretor trafega por alguns dos episódios que mais marcaram o século passado, como o bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki, o Holocausto, a Revolução Bolchevique, o ano 1968 no mundo, a Operação Condor e a queda do Muro de Berlim.

A narração é de Letícia Spiller, Chico Diaz e Amir Haddad. A trilha sonora, especialmente composta para o filme, é assinada por Caíque Botkay, Marcelo Yuka e pelo grupo Cabruêra.

Dia 21 de novembro, domingo, às 18 horas, na sala de vídeo (Rua São Clemente, 155 - Botafogo). Ingressos a R$ 5.

Silvio Tendler estará presente e, depois da exibição, conversará com o público.



sábado, 9 de janeiro de 2010

Anistia x impunidade


Escrevi uma carta endereçada ao ministro Nelson Jobim, da Defesa, mas, assunto de transcendente importância, torno pública. "O Globo" de hoje (8/1/10), por problemas de espaço, publicou uma versão resumida. Repasso na íntegra.
Abraços,
Silvio Tendler*

Ao Ministro da Defesa
Exmo. Dr. Nelson Jobim

Invado sua caixa de mensagem pedindo atenção para um tema que trata do futuro, não do passado. O Sr. me conhece pessoalmente e lembra-se de que quando fui Secretário de Cultura de Brasília, no ano de 1996, o Sr. era Ministro da Justiça e instituiu e deu no Festival de Cinema Brasília um prêmio para o filme que melhor abordasse a questão dos Direitos Humanos. Era uma preocupação comum a nossa.

Por que me dirijo agora ao senhor? Um punhado de cidadãos - hoje somos mais de dez mil - assinamos um manifesto afirmando que os envolvidos em crimes de tortura em nome do Estado Brasileiro devem ser julgados e punidos por seus atos, contrários aos mais elementares sentimentos da nacionalidade. Agimos em nome da intransigente defesa dos direitos humanos. O Sr., Ministro da Defesa, homem comprometido com a ordem democrática, eminente advogado constitucionalista, um dos redatores e subscritores da Constituição de 1988, hoje em ação concertada com os comandantes das forças armadas, condena a iniciativa de punir torturadores pelos crimes que cometeram.

Este gesto, na prática, resulta em dar proteção a bandidos que desonraram a farda que vestiam ao torturar, estuprar, roubar, enriquecer ilicitamente sempre agindo em nome das instituições que juraram defender. É incompreensível que o nosso futuro democrático seja posto em risco para acobertar crimes praticados por bandidos o que reforça a sensação de impunidade. Ao contrário do que afirmam os defensores da impunidade dos torturadores. O que está em juízo não é o julgamento das forças armadas, como afirmam os que as querem arrastar para o lodo moral que mergulharam. Agora pretendem proteger sua impunidade, camuflados corporativamente em nome da honra da instituição.

Um pouco de história não faz mal a ninguém. Não está em questão que para consumar o golpe de 64, os chefes militares de então tiveram que expurgar das forças armadas milhares de homens entre oficiais, sub-oficiais e praças cujo único crime foi defender o regime constitucional do país. Afastaram da vida política brasileira expressivas lideranças, cassando direitos políticos e mandatos parlamentares ou sindicais. Empurraram milhares de cidadãos, na imensa maioria jovens, para a ação clandestina que desembocou na luta armada.

De qualquer maneira os golpistas de 64 protegidos pela lei de anistia não serão anistiados pela história. Fecharam e cercaram o Congresso Nacional. Inventaram a excrescência chamada de Senador Biônico para não perder, pelo voto, o controle do Senado em plena ditadura militar. Os chefes militares podem ficar tranqüilos que seus antecessores não irão para a cadeia pelos crimes que cometeram contra um país, contra uma geração inteira, a minha, que desaprendeu a falar e pensar em liberdade. Nada disso está em juízo. Vinte e cinco anos depois de iniciada a transição democrática, o que está em juízo não é o processo de anistia política.

Tranqüilize seus colegas militares, ministro. O regime militar não está sendo julgado pela quebra do sistema público de saúde ou pela quebra do sistema educacional. Estamos pedindo a punição contra criminosos comuns por crimes de lesa humanidade. Queremos o julgamento e condenação da prática de crimes hediondos. Só isso. Assusta a quem? Em nome do quê o Brasil será eternamente refém de bandidos? O que justifica acobertar crimes condenados por todos os códigos, normas e tribunais internacionais em matéria de direitos humanos? O Sr. deve estar se perguntando o porquê do meu empenho nesta causa. Vou lhe contar.

Despontei pra a vida adulta baixo a ditadura militar. Em 1964, tinha 14 anos e cresci sob o signo do medo. Sou de uma família de judeus liberais, meu pai advogado e minha mãe médica. Invoco as raízes judaicas porque meus pais eram muito marcados pelo holocausto, pelos crimes nazistas cometidos contra a humanidade. Tínhamos muito medo das soluções autoritárias. Eu queria viver num país livre e tinha sentimentos de profunda repugnância a ditaduras. Meus amigos também eram assim. Participei de passeatas, diretórios estudantis e cineclubes. Queria derrubar a ditadura fazendo filmes. Acreditava que era possível. Em 1969, um companheiro de Cineclubismo seqüestrou um avião para Cuba. Não tive nada a ver com isso. Desconhecia as intenções e a organização do seqüestro. Meu crime foi ser amigo – sim, meu crime foi o de ser amigo de um seqüestrador. Quase fui preso e morreria na tortura sem falar, não por ato de bravura, mas por absoluto desconhecimento de causa. Não pertencia a nenhuma organização revolucionária. Não sabia nada sobre o seqüestro.

Escapei dessa situação pela coragem pessoal de minha mãe que driblou os imbecis fardados que foram me prender e consegui fugir de casa nas barbas da turma do Ministério da Aeronáutica que, naquele momento, ao invés de dedicar-se a cumprir sua missão constitucional de proteger nossas fronteiras, prendiam, torturavam e matavam estudantes. Tive também a ajuda do Coronel Aviador Afrânio Aguiar que empenhou-se até a medula para que não fosse preso e massacrado na Aeronáutica. A ele dedico meu filme mais recente "Utopia e Barbárie". Sem ele, dificilmente estaria contando essa história hoje aqui. Outras pessoas também me ajudaram a sair vivo dessa história mas como não tenho autorização para citá-los e estão vivos, guardo nomes e lembranças no coração.

Em 1970 fui viver no Chile por livre e espontânea vontade. Saí do Brasil legalmente com passaporte, ainda que tenha ido ao DOPS explicar por que saía do Brasil. Eles sabiam as razões pelas quais saía (como é cantado na música, "Não queria morrer de susto, bala ou vício"). Em Janeiro de 1971,do Chile, mandei uma carta para minha mãe, trazida por uma portadora, senhora de boa cepa, que fora visitar o filho no exílio em um gesto humanitário se ofereceu, ingenuamente, para trazer correspondência para os familiares dos exilados. O gesto lhe custou prisão e "maus tratos" nas dependências da aeronáutica. Na carta pedia a minha mãe que me enviasse livros e minha máquina de escrever. A carta foi entregue em Copacabana por militares do Doi-Codi que arrombaram minha casa, arrombaram móveis a procura de metralhadora (Assim entenderam "máquina de escrever"). Minha mãe foi levada para o quartel da PE na Barão de Mesquita, onde foi humilhada e um dos "patriotas"que a conduziu assumiu de forma permanente a guarda do relógio que entrou com ela na PE e não voltou para casa. Amigos ocultos numa rede de gente decente ajudaram a tirar minha mãe daquela filial verde oliva do inferno.

Sim ministro, havia muita gente decente nas forças armadas ou que gravitavam em torno dela e que faziam o que podiam para ajudar pessoas. A maioria, prefere, até hoje, não revelar seus gestos por medo dos que praticando atos dignos dos piores momentos da máfia intimidam e atemorizam pessoas de bem. Pior do que o relógio foi o destino do ex-deputado Rubens Paiva que foi preso no mesmo dia e nunca mais encontrado. Os senhores fazem muita questão mesmo de proteger os canalhas que seqüestraram e assassinaram o ex-deputado pelo crime de ter recebido correspondência pessoal de exilados no Chile? A quem interessa essa “Omertá"? Ministro, para esses crimes não há justificativa e menos O que leva a chefes militares e o Ministro da Defesa a se pronunciarem contra a apuração de crimes? Tortura, estupro, morte, muitas vezes seguido de roubo, são atos políticos passíveis de anistia?

Desculpe a franqueza, mas não consigo entender. Em nome do futuro democrático do Brasil , espero que a banda podre, montada no Dragão da Maldade, não saia vitoriosa.

Os chefes militares pronunciam-se a favor do pagamento de reparações às vitimas do arbítrio como um ato indenizatório. Pagamento este feito com recursos públicos desviado de finalidades mais nobres para ressarcir prejuízos causados por canalhas que deveriam ter seus bens confiscados e pagarem com recursos próprios os crimes que cometeram. Muitas empresas que se locupletaram durante a ditadura e inclusive financiaram o aparato repressivo poderiam participar dessas indenizações. No meu caso, ministro, posso lhe dizer que não há dinheiro que feche essa conta. Não pedi anistia nem indenização porque acho que não sou merecedor (nunca fui exilado, nunca me apresentei assim). E vivo bem com meu trabalho de cineasta há quarenta anos e professor universitário há 31. Se fosse pago com recursos dos bandidos, aceitaria de bom grado. Recursos públicos não. Cada centavo que aceitasse, me sentiria roubando de uma criança ou de um homem ou uma mulher humildes que precisam mais desse dinheiro numa escola pública, num posto médico, do que eu. Não recrimino quem, por necessidade ou sentimento de justiça, o faça.

A reparação que peço é a punição exemplar dos torturadores da minha mãe. O senhor há de concordar que não estou pedindo muito nem nada despropositado. E quando digo que penso no futuro e não no passado é porque a punição exemplar de criminosos desestimulará semelhantes práticas no futuro e terá uma função pedagógica para os que caiam em tentação de uso indevido dos poderes do Estado, que entendam que não vivemos no país da impunidade.Justiça, peço apenas justiça.

Bom 2010 para o sr.

Atenciosamente,
Silvio Tendler

P.S. Falamos de tanta coisa mas esquecemos de comentar dois crimes cometidos depois de 1979 que já não estariam cobertos pela lei de anistia: O assassinato de D. Lyda Monteiro da Silva, secretaria do Presidente da OAB, a mutilação do jornalista José Ribamar em 1980 e, em 1981, a bomba que explodiu no Riocentro que causou a morte de um sargento e graves ferimento no Capitão. Imagino que enquanto advogado, o quanto lhe repugna o assassinato da secretária do Presidente da OAB e a mutilação de um jornalista. Tantos anos decorridos, talvez ainda seja possível descobrir "os comunistas" responsáveis pela bomba do Riocentro, como concluiu o vexaminoso IPM instaurado na ocasião.

Por falar em comunistas, movimento que condenava a luta armada, o que dizer do assassinato do jornalista Wladimir Herzog, do operário Manoel Fiel Filho e do desaparecimento do dirigente Davi Capistrano? Seus assassinos terão imagem, nome e sobrenome ou continuarão protegidos por este exército das sombras? 
*cineasta, diretor de filmes como "Jango" e "Os Anos JK"