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sexta-feira, 16 de março de 2012

A água novamente entre a vida e a morte

14/03/2012 - Elizabeth Peredo Beltrán(*) - Alai-Amlatina - Carta Maior
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
(No final ver Nota da Equipe Educom)

"O Conselho Mundial da Água, liderado por empresas como Veoliam, Suez, Coca Cola, Monsanto e outras grandes transnacionais desenvolveu uma visão muito sofisticada da água, uma visão que está fundamentada no conceito de que ela é um bem mercantil necessário para a vida e a ecologia, funcional aos direitos humanos e à sobrevivência e, portanto...um grande negócio. Como é possível que o Fórum Mundial da Água negue-se a reconhecer o direito humano à água e ao saneamento?"
O artigo é de Elizabeth Peredo Beltrán
  

Passaram-se já 15 anos da primeira edição do Fórum Mundial da Água e 20 da Declaração do Rio. Durante esses anos, o Conselho Mundial da Água, liderado por empresas como Veoliam, Suez, Coca Cola, Monsanto e outras grandes transnacionais desenvolveram uma visão muito sofisticada da água, uma visão que está fundamentada no conceito de que água é um bem mercantil necessário para a vida e a ecologia, funcionais aos direitos humanos e à sobrevivência e, portanto...um grande negócio.

Em todo esse período, ao invés de melhorar o cuidado com as fontes e aquíferos em todo o mundo a situação piorou substancialmente. Os equilíbrios ecológicos necessários para a sobrevivência e a fluidez do ciclo hidrológico foram rompidos como nunca havia acontecido, devido aos processos de agroindústria em larga escala, contaminação mineradora e projetos de energia baseados na construção de enormes hidroelétricas, entre outras causas. As empresas, por sua vez, estão buscando cada vez ganhar mais terreno da gestão pública e seguem ocorrendo debates entre gestores públicos e empresários diplomáticos corporativistas que tentam nos convencer de que o papel do setor privado é absolutamente necessário para a gestão da água.

Nestes debates e acordos de governança global da água pretende-se deslegitimar a gestão pública e fortalecer o conceito que foi desenvolvido pelo Consenso de Washington: o desenvolvimento e o cumprimento dos objetivos do Milênio só serão possíveis se existir um forte investimento privado; portanto, o desenvolvimento, os direitos humanos e os equilíbrios ecológicos estão ligados à sorte do mercado.

Este princípio permitiu construir um sistema especulativo de alto voo que agora é reforçado com o desenvolvimento da economia verde que é mais do mesmo, mas concebido para criar mercados especulativos coloridos com uma tinta verde acrescentada para dar a sensação de que se está protegendo o planeta e com a intenção de mercantilizá-lo todo; não só a água que tomamos e até o ar que respiramos, mas inclusive o futuro do planeta. Ainda que pareça ficção científica, isso é possível assim como foi possível que desde este Fórum tenham surgido soluções técnicas e corporativas escandalosas há alguns anos e que agora estão sendo colocadas em prática.

Em Haia, o Fórum Mundial da Água de 2003 se propôs incentivar a criação de sementes transgênicas para “poupar água”, sob o diagnóstico de que a agricultura é a atividade que consome mais água em todo o mundo. Na época, os ativistas da água reclamaram que esta solução podia se constituir em um crime que poderia afetar a saúde de todo o mundo e lançaram campanhas para evitar as sementes transgênicas e incluir o princípio de precaução nestas tecnologias. Hoje, as sementes transgênicas são parte do comércio mundial de alimentos e suas tecnologias e insumos. Nesta semana a Argentina apresentou ao mundo com orgulho o patenteamento de uma nova semente transgênica capaz de “poupar” água na produção de trigo, milho e soja em nível mundial.

As coisas vão mal porque deixaram as decisões mais importantes sobre a vida e sobre o planeta nas mãos das corporações e de governos poderosos e desenvolvimentistas que, baseados no princípio de que tudo se compra, se paga, se vende ou se repara pagando, levaram até os limites a impossibilidade de construir uma sociedade solidária, protetora do meio ambiente e, sobretudo, respeitosa de um bem sagrado para a vida como é a água.

O Fórum Mundial da Água se negou sistematicamente a apoiar em suas declarações o Direito Humano à Água e ao Saneamento. No Fórum Mundial da Água do México, em 2006, foram apenas quatro os países que assinaram uma declaração minoritária exigindo o direito humano à água, entre eles Uruguai e Bolívia. No entanto, nas Nações Unidas, há dois anos não houve nem um só voto contra a Resolução 64/292 declarando o Direito Humano à Água e ao Saneamento. Os países que se opunham a ela só puderam se abster de votar, mas não explicitar sua negativa a um evidente consenso gerado pelos povos e pelos países que sabem que esse é um direito inalienável para a humanidade.

Como é possível que, sistematicamente, o FMA se negue a reconhecer esse direito e que, na ONU, ele tenha sido aprovado sem oposição há dois anos?

Sendo que são os mesmos países que fazem parte das declarações ministeriais, por um lado, e das resoluções e conferências, por outro. Por que é que agora que ocorreu esse passo tão importante na ONU, o FMA não avança, mas, ao contrário, busca retroceder e diminuir as possibilidades de implementação do direito humano à água, favorecendo os processos de privatização? Mais do que isso, agora o FMA está decididamente disposto a incluir a água em “todas as suas dimensões econômicas, sociais e ambientais em um marco de governança, financiamento e cooperação”...como afirma sua declaração emitida ontem, apesar do protesto de alguns países.

Enquanto isso, milhares, senão milhões de experiências e iniciativas de gestão social e solidária, experiências exitosas de gestão pública, são implementadas com base no conceito de que água é um bem comum, um bem não mercantil para a vida.

As políticas e visões promovidas pelo Fórum Mundial da Água não estão à altura dos desafios colocados diante do planeta e da humanidade. Pelo contrário, estão condenando a gestão da água a seu manejo pelos poderes corporativos incapazes de priorizar a vida, preocupados mais em extrair lucros de qualquer parte, por sistemas financeiros, especulativos e sistemas de litígios corporativos cobiçados nas instituições financeiras internacionais.

Considerando o extremo esgotamento dos recursos e o desequilíbrio ecológico produzido no planeta é indispensável que a governabilidade da água fique fora das mãos do Conselho Mundial da Água e seja construída a partir de consensos dos cidadãos, dos povos e do interesse público. É por isso que os movimentos sociais reunidos em Marselha estão propondo que a ONU convoque um Fórum Global da Água que possibilite escutar as vozes das pessoas para pensar a água como um bem para a vida. As organizações sociais estão pedindo que sejam reforçados os sistemas locais e que se contribua para um exercício de vigilância social para assegurar que seu manejo seja social, democrático e solidário.

Diz-se, não sem razão que “milhares viveram sem amor, mas ninguém viveu sem água” (Auden). Nós acrescentamos, a partir deste Fórum, “sem amor, empatia e solidariedade, será impossível assegurar que a água chegue limpa e pura para todos”.


(*) Elizabeth Peredo é psicóloga social, escritora e ativista pela água, cultura e contra o racismo. Escrito para o Fórum Alternativo Mundial da Água, Marselha, 2012 (http://www.fame2012.org/fr/)

Nota: a posição da Equipe Educom com relação a este assunto aproxima-se mais das colocações postas aqui por Elizabeth Peredo Beltrán. Ainda assim, sugerimos que o leitor tome conhecimento da percepção deste assunto por parte de um órgão governamental brasileiro, no caso o CPRM ou Serviço Geológico do Brasil, através das entrevistas que a jornalista Maria Lúcia Martins efetuou junto a dirigentes e pesquisadores desse órgão, divulgadas neste blog em 15/03/2012, logo aí abaixo, no link  ou na matéria sob o título "Amazônia, fronteira da água".

quinta-feira, 8 de março de 2012

John Perkins: “Portugal está a ser assassinado, como muitos países do terceiro mundo já o foram"

Entrevista concedida por John Perkins a Sara Sanz Pinto, publicada em 3 Mar 2012
no site Informação online - Portugal

Chamou-se a si próprio assassino económico no livro “Confessions of an Economic Hit Man”, que se tornou bestseller do “New York Times”

Em tempos consultor na empresa Chas. T. Main, John Perkins andou dez anos a fazer o que não devia, convencendo países do terceiro mundo a embarcar em projectos megalómanos, financiados com empréstimos gigantescos de bancos do primeiro mundo. Um dia, estava nas Caraíbas, percebeu que estava farto de negócios sujos e mudou de vida. Regressou a Boston e, para compensar os estragos que tinha feito, decidiu usar os seus conhecimentos para revelar ao mundo o jogo que se joga nos bastidores financeiros.

Como se passa de assassino económico a activista?
Em primeiro lugar é preciso passar-se por uma forte mudança de consciência e entender o papel que se andou a desempenhar. Levei algum tempo a compreender tudo isto. Fui um assassino económico durante dez anos e durante esse período achava que estava a agir bem. Foi o que me ensinaram e o que ainda ensinam nas faculdades de Gestão: planear grandes empréstimos para os países em desenvolvimento para estimular as suas economias. Mas o que vi foi que os projectos que estávamos a desenvolver, centrais hidroeléctricas, parques industriais, e outras coisas idênticas, estavam apenas a ajudar um grupo muito restrito de pessoas ricas nesses países, bem como as nossas próprias empresas, que estavam a ser pagas para os coordenar. Não estávamos a ajudar a maioria das pessoas desses países porque não tinham dinheiro para ter acesso à energia eléctrica, nem podiam trabalhar em parques industriais, porque estes não contratavam muitas pessoas. Ao mesmo tempo, essas pessoas estavam a tornar-se escravos, porque o seu país estava cada mais afundado em dívidas.

E a economia, em vez de investir na educação, na saúde ou noutras áreas sociais, tinha de pagar a dívida. E a dívida nunca chega a ser paga na totalidade. No fim, o assassino económico regressa ao país e diz-lhes “Uma vez que não conseguem pagar o que nos devem, os vossos recursos, petróleo, ou o que quer que tenham, vão ser vendidos a um preço muito baixo às nossas empresas, sem quaisquer restrições sociais ou ambientais”. Ou então, “Vamos construir uma base militar na vossa terra”. E à medida que me fui apercebendo disto a minha consciência começou a mudar. Assim que tomei a decisão de que tinha de largar este emprego tudo foi mais fácil. E para diminuir o meu sentimento de culpa senti que precisava de me tornar um activista para transformar este mundo num local melhor, mais justo e sustentável através do conhecimento que adquiri. Nessa altura a minha mulher e eu tivemos um bebé. A minha filha nasceu em 1982 e costumava pensar como seria o mundo quando ela fosse adulta, caso continuássemos neste caminho. Hoje já tenho um neto de quatro anos, que é uma grande inspiração para mim e me permite compreender a necessidade de viver num sítio pacífico e sustentável.

Houve algum momento em particular em que tenha dito para si mesmo “não posso fazer mais isto”?
Sim, houve. Fui de férias num pequeno veleiro e estive nas Ilhas Virgens e nas Caraíbas. Numa dessas noites atraquei o barco e subi às ruínas de uma antiga plantação de cana-de-açúcar. O sítio era lindo, estava completamente sozinho, rodeado de buganvílias, a olhar para um maravilhoso pôr do Sol sobre as Caraíbas e sentia-me muito feliz. Mas de repente cheguei à conclusão que esta antiga plantação tinha sido construída sobre os ossos de milhares de escravos. E depois pensei como todo o hemisfério onde vivo foi erguido sobre os ossos de milhões de escravos. E tive também de admitir para mim mesmo que também eu era um esclavagista, porque o mundo que estava a construir, como assassino económico, consistia, basicamente, em escravizar pessoas em todo o mundo. E foi nesse preciso momento que me decidi a nunca mais voltar a fazê-lo. Regressei à sede da empresa onde trabalhava em Boston e demiti-me.

E qual foi a reacção deles?
De início ninguém acreditou em mim. Mas quando se aperceberam de que estava determinado tentaram demover-me. Fizeram-me propostas muito interessantes. Mas fui-me embora à mesma e deixei por completo de me envolver naquele tipo de negócios.

Diz que os assassinos económicos são profissionais altamente bem pagos que enganam os países subdesenvolvidos, recorrendo a armas como subornos, relatórios falsificados, extorsões, sexo e assassinatos. Pode explicar às pessoas que não leram o seu livro como tudo isto funciona?
Basicamente, aquilo que fazíamos era escolher um país, por exemplo a Indonésia, que na década de 70 achávamos que tinha muito petróleo do bom. Não tínhamos a certeza, mas pensávamos que sim. E também sabíamos que estávamos a perder a guerra no Vietname e acreditávamos no efeito dominó, ou seja, se o Vietname caísse nas mãos dos comunistas, a Indonésia e outros países iriam a seguir. Também sabíamos que a Indonésia tinha a maior população muçulmana do mundo e que estava prestes a aliar-se à União Soviética, e por isso queríamos trazer o país para o nosso lado.

Fui à Indonésia no meu primeiro serviço e convenci o governo do país a pedir um enorme empréstimo ao Banco Mundial e a outros bancos, para construir o seu sistema eléctrico, centrais de energia e de transmissão e distribuição. Projectos gigantescos de produção de energia que de forma alguma ajudaram as pessoas pobres, porque estas não tinham dinheiro para pagar a electricidade, mas favoreceram muito os donos das empresas e os bancos e trouxeram a Indonésia para o nosso lado. Ao mesmo tempo, deixaram o país profundamente endividado, com uma dívida que, para ser refinanciada pelo Fundo Monetário Internacional, obrigou o governo a deixar as nossas empresas comprarem as empresas de serviços básicos de utilidade pública, as empresas de electricidade e de água, construir bases militares no seu território, entre outras coisas. Também acordámos algumas condicionantes, que garantiam que a Indonésia se mantinha do nosso lado, em vez de se virar para a União Soviética ou para outro país que hoje em dia seria provavelmente a China.

Trabalhou de muito perto com o Banco Mundial?
Muito, muito perto. Muito do dinheiro que tínhamos vinha do Banco Mundial ou de uma coligação de bancos que era, geralmente, liderada pelo Banco Mundial.

Sugere no seu livro que os líderes do Equador e do Panamá foram assassinados pelos Estados Unidos. No entanto, existem vários historiadores que defendem que isso não é verdade. O que acha que aconteceu com Jaime Roldós e Omar Torrijos?
Não existem provas sólidas quer do que aconteceu no Equador, com Roldós, quer do que se passou no Panamá, com Torrijos. Porém, existem muitas provas circunstanciais. Por exemplo, Roldós foi o primeiro a morrer, num desastre de avião em Maio de 1981, e a área do acidente foi vedada, ninguém podia ir ao local onde o avião se despenhou, excepto militares norte-americanos ou membros do governo local por eles designados. Nem a polícia podia lá entrar. Algumas testemunhas-chave do desastre morreram em acidentes estranhos antes de serem chamadas a depor. Um dos motores do avião foi enviado para a Suíça e os exames mostram que parou de funcionar quando estava ainda no ar e não ao chocar contra a montanha. Isto é, existem provas circunstanciais tremendas em torno desta morte, e além disso todos estavam à espera que Jaime Roldós fosse derrubado ou assassinado porque não estava a jogar o nosso jogo. Logo depois de o seu avião se ter despenhado, Omar Torrijos juntou a família toda e disse: “O meu amigo Jaime foi assassinado e eu vou ser o próximo, mas não se preocupem, alcancei os objectivos que queria alcançar, negociei com sucesso os tratados do canal com Jimmy Carter e esse canal pertence agora ao povo do Panamá, tal como deve ser. Por isso, depois de eu ser assassinado, devem sentir-se bem por tudo aquilo que conquistei.”

A verdade é que os EUA, a CIA e pessoas como o Henry Kissinger admitiram que o nosso país tinha derrubado Salvador Allende, no Chile; Jacobo Arbenz, na Guatemala; Mohammed Mossadegh, no Irão; participámos no afastamento de Patrice Lumumba, no Congo; de Ngô Dinh Diem, no Vietname. Existem inúmeros documentos sobre a história dos EUA que provam que fizemos estas coisas e continuamos a fazê-las. Sabe-se que estivemos profundamente envolvidos, em 2009, no derrube no presidente Manuel Zelaya, nas Honduras, e na tentativa de afastar Rafael Correa, no Equador, também há não muito tempo. Os EUA admitiram muitas destas coisas e pensar que eles não estiveram envolvidos nos homicídios de Roldós e Torrijos... Estes dois homens foram assassinados quase da mesma forma, num espaço de três meses. Ambos tinham posições contrárias aos EUA e às suas empresas e estavam a assumir posições fortes para defender os seus povos – é pouco razoável pensar o contrário.

Algumas pessoas acusam-no de ser um teórico da conspiração. O que tem a dizer sobre isso?
Bem, não sou, de modo nenhum, um teórico da conspiração. Não acredito que exista uma pessoa ou um grupo de pessoas sentadas no topo a tomar todas as decisões. Mas torno muito claro no meu último livro, “Hoodwinked” (2009), e também em “Confessions of an Economic Hit Man” (2004) – editado em Portugal pela Pergaminho em 2007 com o título “Confissões de Um Mercenário Económico: a Face Oculta do Imperialismo Americano” –, que as multinacionais são movidas por um único objectivo que é maximizar os lucros, independentemente das consequências sociais e ambientais. Estes últimos são novos objectivos que não eram ensinados quando estudei Gestão, no final dos anos 60. Ensinaram-me que havia apenas este objectivo entre muitos outros, por exemplo tratar bem os funcionários, dar-lhes uma boa assistência na saúde e na reforma, ter boas relações com os clientes e os fornecedores, e também ser um bom cidadão, pagar impostos e fazer mais que isso, ajudar a construir escolas e bibliotecas.

Tudo se agravou nos anos 70, quando Milton Friedman, da escola de economia de Chicago, veio dizer que a única responsabilidade no mundo dos negócios era maximizar os lucros, independentemente dos custos sociais e ambientais. E Ronald Reagan, Margaret Thatcher e muitos outros líderes mundiais convenceram-se disso desde então. Todas estas empresas são orientadas segundo este objectivo e quando alguma coisa o ameaça, seja um acordo de comércio multilateral seja outra coisa qualquer, juntam--se para garantir que o mesmo é protegido. Isto não é uma conspiração, uma conspiração é ilegal, isto que fazem não é. No entanto, é extremamente prejudicial para a economia mundial.

Também escreveu que o objectivo último dos EUA é construir um império global. Como vê a recente estratégia norte-americana contra a China e o Irão?
Actualmente, podemos dizer que o novo império não é tanto americano como formado por multinacionais. Penso que a ditadura das grandes empresas e dos seus líderes forma hoje a versão moderna desse império. Repito, isto não é uma conspiração, mas todos eles são movidos por esse objectivo de que falámos anteriormente.

Mas vários especialistas defendem que estamos num cenário de terceira guerra mundial, com a China, a Rússia e o Irão de um lado e os EUA, a União Europeia (UE) e Israel do outro. E que toda a conversa de Washington em torno do programa nuclear iraniano não passa de uma grande mentira.
Não acredito que todo este conflito seja motivado por armas nucleares. Na verdade, vários estudos recentes, alguns deles das mais respeitadas agências de informações norte-americanas, mostram que não existem armas nucleares no Irão. E acredito que tudo isto não se deve apenas aos recursos iranianos mas também à ameaça de Teerão de vender petróleo no mercado internacional numa moeda que não o dólar, uma ameaça também feita por Muammar Kadhafi, na Líbia, e Saddam Hussein, no Iraque. Os norte-americanos não gostam que ameacem o dólar e não gostam que ameacem o seu sistema bancário, algo que todos esses líderes fizeram – o líder do Irão, o líder do Iraque, o líder da Líbia. Derrubaram dois deles e o terceiro ainda lá está. Penso que é disto que se trata.

Não tenho dúvidas de que a Rússia está a gostar de ver a agitação entre a UE e o Irão, porque Moscovo tem muito petróleo e, se os fornecedores iranianos deixarem de vender, o preço do petróleo vai subir, o que será uma grande ajuda para a Rússia. É difícil acreditar que qualquer destes países queira mesmo entrar numa terceira guerra mundial. No fundo, o que querem é estar constantemente a confundir as pessoas, parecendo que querem entrar em conflito e ajudar a alimentar as máquinas de guerra, porque isso ajuda uma série de grandes empresas.

Como durante a Guerra Fria?
Sim, como durante a Guerra Fria, porque isso é bom para os negócios. No fundo, estes países estão todos a servir os interesses das grandes empresas. Há algumas centenas de anos, a geopolítica era maioritariamente liderada por organizações religiosas; depois os governos assumiram esse poder. Agora chegámos à fase em que a geopolítica é conduzida em primeiro lugar pelas grandes multinacionais. E elas controlam mesmo os governos de todos os países importantes, incluindo a Rússia, a China e os EUA. A economia da China nunca poderia ter crescido da forma que cresceu se não tivesse estabelecido fortes parcerias com grandes multinacionais.

E todos estes países são muito dependentes destas empresas, dos presidentes destas empresas, que gostam de baralhar as pessoas, porque constroem muitos mísseis e todo o tipo de armas de guerra. É uma economia gigante. A economia norte-americana está mais baseada nas forças armadas que noutra coisa qualquer. Representa a maior fatia do nosso orçamento oficial e uma parte maior ainda do nosso orçamento não oficial. Por isso tanto a guerra como a ameaça de guerra são muito boas para as grandes multinacionais. Mas não acredito que haja alguém que nos queira ver de facto entrar em guerra, dada a natureza das armas. Penso que todas as pessoas sabem que seria extremamente destrutivo.

Como avalia o trabalho de Barack Obama enquanto presidente dos EUA?
Penso que se esforçou muito por agir bem, mas está numa posição extremamente vulnerável. Assim que alguém entra na Casa Branca, sejam quais forem as suas ideias políticas, os seus motivos ou a sua consciência, sabe que é muito vulnerável e que o presidente dos EUA, ou de outro país importante, pode ser facilmente afastado. Nalgumas partes do mundo, como a Líbia ou o Irão, talvez só com balas o seu poder possa ser derrubado, mas em países como os EUA um líder pode ser afastado por um rumor ou uma acusação.

O presidente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, ver a sua carreira destruída por uma empregada de quarto de um hotel, que o acusou de violação, foi um aviso muito forte a Obama e a outros líderes mundiais. Não estou a defender Strauss-Kahn – não faço a mínima ideia de qual é a verdade por trás do que aconteceu, mas o que sei é que bastou uma acusação de uma empregada de quarto para destruir a sua carreira, não só como director do FMI mas também como potencial presidente francês. Bill Clinton também foi afastado por um escândalo sexual, mas no tempo de John Kennedy estas coisas não derrubavam presidentes. Só as balas. Porém, descobrimos com Bill Clinton que um escândalo sexual – e não é preciso ser uma coisa muito excitante, porque aparentemente ele nem sequer teve sexo com a Monica Lewinsky, fizeram uma coisa qualquer com um charuto que já não me lembro – foi o suficiente para o descredibilizar. Por isso Obama está numa posição muito vulnerável e tem de jogar o jogo e fazer o melhor que pode dentro dessas limitações. Caso contrário, será destruído.

No fim do ano passado escreveu um artigo onde afirmava que a Grécia estava a ser atacada por assassinos económicos. Acha que Portugal está na mesma situação?
Sim, absolutamente, tal como aconteceu com a Islândia, a Irlanda, a Itália ou a Grécia. Estas técnicas já se revelaram eficazes no terceiro mundo, em países da América Latina, de África e zonas da Ásia, e agora estão a ser usadas com êxito contra países como Portugal. E também estão a ser usadas fortemente nos EUA contra os cidadãos e é por isso que temos o movimento Occupy. Mas a boa notícia é que as pessoas em todo o mundo estão a começar a compreender como tudo isto funciona. Estamos a ficar mais conscientes. As pessoas na Grécia reagiram, na Rússia manifestam-se contra Putin, os latino-americanos mudaram o seu subcontinente na última década ao escolher presidentes que lutam contra a ditadura das grandes empresas. Dez países, todos eles liderados por ditadores brutais durante grande parte da minha vida, têm agora líderes democraticamente eleitos com uma forte atitude contra a exploração.

John Perkins com Llyn Roberts e Jane Goodall

Por isso encorajo as pessoas de Portugal a lutar pela sua paz, a participar no seu futuro e a compreender que estão a ser enganadas. O vosso país está a ser saqueado por barões ladrões, tal como os EUA e grande parte do mundo foi roubado. E nós, as pessoas de todo o mundo, temos de nos revoltar contra os seus interesses. E esta revolução não exige violência armada, como as revoluções anteriores, porque não estamos a lutar contra os governos mas contra as empresas. E precisamos de entender que são muito dependentes de nós, são vulneráveis, e apenas existem e prosperam porque nós lhes compramos os seus produtos e serviços. Assim, quando nos manifestamos contra elas, quando as boicotamos, quando nos recusamos a comprar os seus produtos e enviamos emails a exigir-lhes que mudem e se tornem mais responsáveis em termos sociais e ambientais, isso tem um enorme impacto. E podemos mudar o mundo com estas atitudes e de uma forma relativamente pacífica.

Mas as próprias empresas deviam ver que a ditadura das multinacionais é um beco sem saída.
Bem, penso que está absolutamente certa. Há alguns meses estive a falar numa conferência para 4 mil CEO da indústria das telecomunicações em Istambul e vou regressar lá, dentro de um mês, para uma outra conferência de CEO e CFO de grandes empresas comerciais, e digo-lhes a mesma coisa. Falo muitas vezes com directores-executivos de empresas e sou muitas vezes chamado a dar palestras em universidades sobre Gestão ou para empresários e também lhes digo o mesmo. Aquilo que fizemos com esta economia mundial foi um fracasso. Não há dúvida. Um exemplo disso: 5% da população mundial vive nos EUA e, no entanto, consumimos cerca de 30% dos recursos mundiais, enquanto metade do mundo morre à fome ou está perto disso. Isto é um fracasso. Não é um modelo que possa ser replicado em Portugal, ou na China ou em qualquer lado. Seriam precisos mais cinco planetas sem pessoas para o podermos copiar. Estes países podem até querer reproduzi-lo, mas não conseguiriam.

Por isso é um modelo falhado e você tem razão, porque vai acabar por se desmoronar. Por isso o desafio é como mudamos isto e como apelar às grandes empresas para fazerem estas mudanças. Obrigando-as e convencendo-as a ser mais sustentáveis em termos sociais e ambientais. Porque estas empresas somos basicamente nós, a maioria de nós trabalha para elas e todos compramos os seus produtos e serviços. Temos um enorme poder sobre elas. Por definição, uma espécie que não é sustentável extingue-se. Vivemos num sistema falhado e temos de criar um novo. O problema é que a maior parte dos executivos só pensa a curto prazo, não estão preocupados com o tipo de planeta que os seus filhos e os seus netos vão herdar.

Podemos afirmar que esta crise mundial foi provocada por assassinos económicos e rotular os líderes da troika como serial killers?
Penso que é justo dizer que os assassinos económicos são os homens de mão, nós, os soldados, e os presidentes das grandes multinacionais e de organizações como o Banco Mundial, o FMI ou Wall Street, os generais.

Ainda há dias o “Financial Times” divulgou que os gestores financeiros de Wall Street andavam a tomar testosterona para se tornarem ainda mais competitivos. Isto faz parte do beco sem saída de que estás a falar?
A sério?! Ainda não tinha ouvido isso, mas não me surpreende nada. No entanto, aquilo que precisamos hoje em dia é de um lado feminino, temos de caminhar na direcção oposta e livrar-nos dessa testosterona. Precisamos de mais líderes mulheres, mulheres reais – não homens vestidos com roupas de mulher, por assim dizer – para trazerem com elas os valores de receptividade e do apoio e encorajarem os homens a cultivar isso neles próprios. Nós, homens, temos de estar muito mais ligados ao nosso lado feminino.

Se fôssemos apresentar esta crise económica à polícia, quem seriam os criminosos a acusar?
Pense em qualquer grande multinacional e à frente dessa multinacional estará alguém responsável pela ditadura empresarial, seja a Goldman Sachs, em Wall Street, seja a Shell, a Monsanto ou a Nike. Todos os líderes dessas empresas estão profundamente envolvidos em tudo isto e, da mesma forma, estão os líderes do FMI, do Banco Mundial e de outras grandes instituições bancárias. Detesto estar a dar nomes, estas pessoas estão sempre a mudar de emprego, por isso prefiro apontar os cargos. Eles estão sempre em rotação, por exemplo, o nosso antigo presidente, George W. Bush, veio da indústria petrolífera. A sua secretária de Estado, Condoleezza Rice, também veio da indústria petrolífera. Já Obama tem a sua política financeira concebida por Wall Street, maioritariamente pela Goldman Sachs. Mudaram-se da empresa para a actual administração norte-americana. A sua política de agricultura é feita por pessoas da Monsanto e de outras grandes empresas do sector. E a parte triste é que assim que o seu tempo expirar em Washington voltam para essas empresas. Vivemos num sistema incrivelmente corrupto. Aquilo a que chamamos política das portas giratórias é só uma outra designação de corrupção extrema.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Carnaval subordinado ao mercado

19/02/2012 - Mário Augusto Jakobskind - Direto da Redação

É carnaval. Muita gente vai perguntar: e daí? Daí que a maioria cai na folia e muitas vezes não se dá conta que a festa está deixando de ser popular para se institucionalizar na base do deus mercado. As escolas de samba entraram nessa lógica e hoje os desfiles viraram espetáculo industrializado com regras castradoras. E para assistir no sambódromo o custo é alto.

O tema é polêmico por natureza. Outro exemplo é dos blocos de rua. Agora, o senso comum anda entoando a cantiga segundo a qual o carnaval de rua ressurgiu com o monobloco etc e tal. Não é verdade, antes da apropriação industrial dos blocos como começa a acontecer, o carnaval de rua sempre se fez presente. Neste 2012 tem até bloco que nem apresenta samba ou marcha, optando pelos Beatles e se dizendo responsável pelo “ressurgimento” do carnaval de rua.

As exigências que a prefeitura cria para permitir o desfile dos blocos são tantas que muitos desistiram de seguir as normas. A burocratização do carnaval faz parte do esquema industrial que visa a tornar a festa apenas uma fonte de lucros para poucos, como determina a lógica do capital.

Mas, enfim, como o tema é muito sério e complexo, tem muito folião que considera tal discussão chata. Prefere então embarcar na festa, sem perceber que com o andar da carruagem em pouco tempo o carnaval vai se afunilar e será para poucos pagando muito, como exige o mercado.

Tem mais. Nestes dias de Carnaval, muita coisa que acontece por aqui e pelo mundo afora fica em segundo plano. A mídia de mercado aproveita o embalo e não divulga questões relevantes. É o caso da repercussão que poderia ter um fato ocorrido na França e que envolve uma empresa conhecida nesta plagas abençoadas por Deus e bonita por natureza.

A empresa estadunidense Monsanto foi julgada por um Tribunal da cidade de Lyon, na França, e considerada legalmente “responsável” pela intoxicação de um agricultor. Foi uma decisão judicial em primeira instância e a empresa deverá apelar, o que retardará a decisão final. Mesmo assim, a primeira decisão pode ser considerada uma vitória, pois remete a questão para o debate e questionamento da Monsanto.

É importante os brasileiros serem informados a respeito do acontecido na França, porque de um modo geral a Monsanto por aqui tudo pode e conta com total apoio dos meios de comunicação de mercado, que ignoram os protestos e denúncias contra a empresa acusada de provocar sérios danos ao meio ambiente e à saúde das pessoas ou manipulam o noticiário criminalizando os movimentos de protesto.

Outro tema que continua a ocupar grandes espaços de discussão e matérias mesmo na mídia de mercado é o que se passa em Cuba. Recentemente, por exemplo, a TV Bandeirantes apresentou uma série de matérias completamente manipuladas e equivocadas.

O repórter ouviu apenas um dos lados, ou seja, exatamente o que faz oposição ao regime e sempre com o estímulo dos setores extremistas radicados em Miami que nunca se conformaram com a perda de privilégios.

Foram mostradas imagens com o objetivo de o telespectador concluir ser Cuba um inferno na Terra e que seu povo vive no pior dos mundos. O repórter apurou mal certos fatos, um deles ao afirmar que o CUC, a moeda do turismo, pode ser convertido em dólar pelos cubanos e assim sucessivamente. Esqueceu de dizer o principal, ou seja, que o turista troca a sua moeda, dólar ou euro, pelo CUC para então usar para os gastos em território cubano. Se reconverter, cubano ou turista, para dólar ou euro vai perder, claro. Mas o repórter ignorou essa obviedade.

Os CUCs deixados pelos turistas, que em 2011 vieram num total de dois milhões e 700 mil, permitem ao Estado cubano aplicações nas áreas de saúde, educação, moradia etc. Ou seja, as divisas do turismo são destinadas exatamente para a utilização em favor do povo. Aí o senso comum prefere dizer apenas que apesar de permitido são pouco os cubanos que têm acesso aos locais frequentados pelos turistas.

Saúde e educação de boa qualidade e de graça é salário indireto. Se contabilizado, utilizando como termo de comparação muitos países latino-americanos, europeus e mesmo os Estados Unidos, chega-se a cifras altas e até astronômicas. E tem mais um detalhe: saúde cara não raramente pouco acessível a muitos assalariados sem condições de pagar planos de saúde de empresas particulares. E em não poucos países com a saúde pública em péssimas condições.

Mas como as reportagens objetivam apenas reforçar o sentimento contra Cuba, mostrar a realidade sem manipulações não interessa a mídia de mercado, muito menos ao esquema Barack Obama, que corre atrás dos votos de Miami, onde os cubano-americanos têm peso eleitoral.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Simpósio denuncia pressões da Monsanto sobre Brasil para alterar tolerância a veneno na água potável

Do website da EPSJV-Fiocruz
O modelo de agricultura baseado no agronegócio, com grande concentração de terras e uso massivo de agrotóxicos, foi um dos temas que mais norteou as discussões do I Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental (I SIBSA). O evento foi realizado de 6 a 10 de dezembro em Belém do Pará, e reuniu, além de pesquisadores, também militantes de movimentos sociais e trabalhadores da área de saúde e meio ambiente. Ao final do encontro, os participantes aprovaram uma moção que vai contra o uso de agrotóxicos na agricultura e cobra a mudança do modelo de cultivo para uma plataforma agroecológica. Outra moção , também aprovada durante o encontro, questiona o processo de revisão da portaria 518/2004 do Ministério da Saúde sobre os procedimentos relativos ao controle e vigilância da água para consumo humano. A moção critica a tentativa de modificação do limite máximo de determinado agrotóxico na água potável e a falta de diálogo com os vários setores ligados à saúde ambiental durante o processo.

"O tema de agrotóxicos foi um dos mais prestigiados do Simpósio, as pessoas procuravam as oficinas e as mesas que tratavam do tema. Isso é também um reflexo da realidade, já que somos o país que mais consome agrotóxicos no mundo", avalia o professor do departamento de saúde coletiva da Universidade de Brasília (Unb) Fernando Carneiro, que também faz parte do GT de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), um dos organizadores do evento. Além do GT saúde e ambiente, também organizaram o Simpósio o Instituto Evandro Chagas e a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, com o apoio da Fundação Oswaldo Cruz. "O Simpósio uniu pesquisadores, professores, organizações sociais e demais militantes da saúde ambiental, o que fez com que saíssem de lá contribuições muito ricas", destaca o professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Alexandre Pessoa, que participou do encontro, junto com outros quatro representantes da Escola: Maurico Monken, André Burigo, Gladys Miyashiro e Edilene Pereira.

Agrotóxico e saúde
"Os pesquisadores, profissionais e demais militantes da saúde ambiental, presentes neste simpósio, reafirmam o compromisso e a responsabilidade em desenvolver pesquisas, tecnologias, formar quadros, prestar apoio aos órgãos e instituições compromissadas com a promoção da saúde da sociedade brasileira, e com os movimentos sociais no sentido de proteger a saúde e o meio ambiente na promoção de territórios livres dos agrotóxicos, e fomentar a transição agroecológica para a produção e consumo saudável e sustentável", afirma a moção ‘Contra o uso dos agrotóxicos e pela vida', aprovada durante o Simpósio.

Para Alexandre Pessoa, o simpósio mostrou que a academia e os movimentos sociais estão acompanhando sistematicamente os agravos à saúde coletiva decorrentes do uso de venenos. Ele lembra que cerca de 50 trabalhos apresentados traziam como tema os riscos dessa prática à saúde humana e aos ecossistemas. "Ficou claro lá que são o latifúndio e o agronegócio que têm a ganhar com o agrotóxico e que, portanto, temos que isolá-los. O pequeno agricultor só tem a perder e é papel da política pública promover uma saúde ambiental livre dos venenos", afirma o professor.

Tanto em 2008 quanto em 2009, o Brasil foi o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Em um hectare de soja, por exemplo, chega-se a usar 10 litros de agrotóxico. No total, no ano passado, o país consumiu 920 milhões de litros. Os dados são apresentados pelo professor do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) Wanderlei Pignati, um dos palestrantes do Simpósio. "Isso vai levar uma série de prejuízos para a população, como intoxicações agudas, e o grande problema que fica menos visível, que são as intoxicações crônicas - que podem, por exemplo, provocar câncer. Vários agrotóxicos usados aqui no Brasil são cancerígenos e proibidos na União Europeia. Há outros também que causam má formação do feto, permitidos aqui e também proibidos na União Europeia, e ainda outros que causam desregulação endócrina, distúrbios psiquiátricos e neurológicos", alerta.

A moção contra o uso de agrotóxicos pede também que a Abrasco apóie a ‘Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida', que já conta com apoio de outras sociedades científicas, como Associação Latinoamericana de Sociologia Rural.

Glifosato na água
A portaria 518/2004 do Ministério da Saúde regulamenta quais e que quantidades de substâncias podem estar na água para consumo humano. Entre esses elementos, está o agrotóxico glifosato, mais conhecido como Roundup, nome comercial usado pela empresa Monsanto para comercializar o produto. De acordo com o professor Pignati, o glifosato é o agrotóxico mais consumido no Brasil, responsável por 40% da comercialização. Atualmente, na portaria 518 está especificado que a água para consumo humano pode conter até 500 microgramas (ug/L) desse elemento por litro. Entretanto, durante o processo de revisão da portaria, que está em curso, foi feita uma proposta de se elevar esse valor para 900 microgramas por litro (ug/L). A moção aprovada durante o Simpósio questiona a iniciativa. "Iniciado em 2009, o processo de revisão da referida portaria desembocou numa aprovação da minuta, pelo grupo de trabalho ministerial, que, durante as atividades do I SIBSA, concluiu pela possibilidade de permissão de substâncias anteriormente proibidas, como algicidas, bem como pela ampliação dos limites já estabelecidos, a exemplo do glifosato que, de 500 ug/L, passaria a 900 ug/L, na contramão dos princípios da precaução que norteiam a práxis da Saúde Ambiental", afirma o texto.

A moção pede ainda que seja ampliado o prazo da consulta pública para revisão da portaria e também que "seja criada uma comissão de diálogos envolvendo movimentos sociais, academia e órgãos do SUS que atuam na temática, para que seja avaliada e complementada a minuta produzida pelo GT". Para Pignati, o histórico das portarias de potabilidade da água no Brasil revela o quanto a legislação foi "legalizando a poluição". "Quando se analisam as três portarias sobre potabilidade da água feitas no país, a primeira - portaria nº 56/1977 -, a segunda - nº36/1990 - e a terceira - nº 51/2004, é possível ver a legalização da poluição e aonde chegamos com isso. A primeira portaria diz que pode ter na água para consumo humano dez metais pesados, nada de solventes, 12 agrotóxicos e nenhum produto de desinfecção doméstica, com exceção do cloro. Já na segunda portaria, editada 13 anos depois, os metais pesados passaram para 11, os solventes para sete, os agrotóxicos para 13 e os produtos de desinfecção passaram para dois. E na última portaria, os metais pesados já passaram para 13, os solventes para 13, os agrotóxicos para 22, e os produtos de desinfecção para seis. Então, vão poluindo, aumentando o uso de agrotóxico, de metais, de solventes, de desinfetantes e isso começa a ser permitido na água. Hoje, em um litro de água que nós estamos bebendo, pode-se ter esse volume todo de coisas. Então, é preciso fazer uma discussão no Brasil e no mundo sobre que tipo de água nós queremos. Será que isso é mesmo água?", questiona.

Práxis
O I Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental contou com a participação de cerca de mil participantes, que afirmaram na carta final do evento - a carta de Belém - o compromisso com uma ciência cidadã, na qual se valorizem os processos coletivos de produção de conhecimento. Para André Burigo, também presente no evento, ainda que essa consciência precise avançar, muitos pesquisadores do campo da saúde ambiental têm apresentado um compromisso com esses princípios. "Foi manifestado durante o Simpósio que o papel do cientista comprometido com a agenda da saúde ambiental é o de fazer uma ciência que contribua para dar visibilidade às populações que não têm voz e têm sofrido os grandes impactos desse modelo de desenvolvimento econômico -, principalmente comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, assentamentos da reforma agrária", comenta.

Para o professor Fernando Carneiro, um grande desafio é fazer com que os pesquisadores se aproximem mais da análise da realidade de vida das pessoas. "Ao mesmo tempo em que no campo da saúde ambiental há estudos que privilegiam uma terminologia clássica muito ligada a uma toxicologia dura, que tem seu papel e sua importância, muitas vezes esses estudos não conseguem desnudar as injustiças ambientais, as desigualdades. As abordagens são muito reducionistas e não é feita uma análise mais integrada de como se dá o trabalho das pessoas, onde elas vivem e quais são suas culturas", diz.

Um exemplo de como a ciência pode estar próxima e contribuir para solucionar os problemas das populações foi exposto durante o simpósio. A professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Raquel Rigotto, também membro do GT de Saúde e Ambiente da Abrasco, contou a experiência do núcleo de pesquisa Tramas - Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a sustentabilidade - coordenado por ela. Há cerca de quatro anos, o grupo acompanha os problemas da população da região do baixo Jaguaribe, no Ceará. A professora explica que o campo de pesquisa é uma região de expansão recente da fruticultura irrigada para exportação, baseada na monocultura e no modelo químico-dependente, com padrão muito forte de exploração da força de trabalho e de degradação ambiental. "Quando chegamos lá, a comunidade do Tomé nos falou de um problema que era a pulverização aérea de agrotóxicos, especificamente no cultivo da banana, com fungicidas que são muito tóxicos e persistentes no meio ambiente. E essa pulverização atingia também as comunidades, já que as empresas foram instaladas justamente onde já havia muitas comunidades há muitos anos. Eles fizeram relatos de que as roupas que eles lavavam ficavam com cheiro de veneno no varal, que galinhas morriam e crianças passavam mal. E como estávamos fazendo um modelo de pesquisa que tenta dialogar com as comunidades e respeitar os saberes e as necessidades de conhecimento delas, nós incorporamos a pulverização aérea em nosso estudo e fizemos um acompanhamento dela durante dois anos", relata.

O acompanhamento foi feito durante os anos de 2008 e 2009, e durante esse período o grupo conseguiu informações que confirmaram as preocupações da comunidade. Amostras de água foram colhidas e, nelas, verificadas contaminação pelo mesmo veneno pulverizado e também por outras substâncias. A professora conta que os dados foram apresentados em um seminário na Universidade Estadual do Ceará no município sede da região, Limoeiro do norte. "As comunidades se mobilizaram muito para conseguir proibir a pulverização e, em novembro de 2009, uma lei municipal da Câmara de Vereadores de Limoeiro do Norte proibiu a pulverização aérea. Essa proibição tem uma importância muito grande porque a União Europeia também tinha proibido há dez meses a pulverização aérea", detalha.

Diante da lei municipal, as empresas reagiram fortemente dizendo que isso inviabilizaria a continuidade do cultivo no local. Na ocasião, uma audiência pública foi realizada na Câmara de Vereadores, quando diversas organizações e movimentos sociais referendaram a necessidade da proibição da pulverização e novos dados da pesquisa foram apresentados. "As empresas também tiveram voz e falaram que elas teriam um prejuízo de R$ 22 milhões caso a pulverização não fosse realizada. E nós questionamos o que são R$ 22 milhões para investidores diante da saúde de uma enorme população. Foi um momento de muito embate, um auditório com mais de 300 pessoas, durante sete horas", lembra Raquel. Poucos dias depois, em uma sessão realizada, segundo Raquel, "às escondidas", a Câmara de Vereadores de Limoeiro revogou a lei anterior e a pulverização aérea voltou a ser permitida na região. Atualmente o movimento social segue mobilizado e todos os dias 21, data em que José Maria - um dos ativistas do movimento organizado contra a pulverização, que foi assassinado -, a população faz manifestações. "Nós apresentamos isso no Simpósio, como grupo de pesquisa que busca ter uma prática científica comprometida com os processos históricos em curso nos locais onde a pesquisa está inserida. Aí existe todo um cuidado que vai desde a forma como nós definimos o objeto de estudo, como compomos a equipe de pesquisa, como definimos progressivamente, dinamicamente a metodologia de estudos, podendo inserir aí essas preocupações, esses saberes trazidos pelas comunidades, pelos sujeitos atingidos pelo problema que está sendo estudado", aponta Raquel.

A professora explica que outra preocupação é criar um processo de comunicação que também busque, mesmo antes da finalização da investigação, beneficiar o sujeito da pesquisa com alguns resultados, ainda que parciais, como recomenda o código de ética de pesquisa em saúde, em resolução do Conselho Nacional de Saúde. "Percebemos o quanto essa pesquisa foi enriquecida por estabelecer uma relação profunda de confiança, de respeito e de troca com os movimentos sociais e com as comunidades locais. Isso mostra uma possibilidade de acesso ao real vivido muito maior do que quando a pesquisa se coloca de forma distanciada", observa. A apresentação da experiência do núcleo Tramas durante o Simpósio foi aplaudida de pé. "Isso significou muito para nós. Estamos buscando, de uma forma muito humilde, tímida, dar passos no sentido de uma práxis e no sentido do que temos conversado nos ambientes acadêmicos sobre a ecologia dos saberes, a interdisciplinaridade. E se estamos ousando fazer isso, muitas vezes com muita insegurança, nós recebemos neste simpósio um referendo da comunidade acadêmica e científica de que este caminho é válido, é relevante e que é importante continuar tentando", destaca.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Todos os dias o povo come veneno. Quem são os responsáveis?

Por João Pedro Stédile*
O Brasil se transformou desde 2007, no maior consumidor mundial de
venenos agrícolas. E na última safra as empresas produtoras
venderam nada menos do que um bilhão de litros de venenos agrícolas.
Isso representa uma media anual de 6 litros por pessoa ou 150 litros
por hectare cultivado. Uma vergonha. Um indicador incomparável com
a situação de nenhum outro país ou agricultura.

Há um oligopólio de produção por parte de algumas empresas
transnacionais que controlam toda a produção e estimulam seu uso, como
a Bayer, a Basf, Syngenta, Monsanto, Du Pont, Shell química etc.

O Brasil possui a terceira maior frota mundial de aviões de
pulverização agrícola. Somente esse ano foram treinados 716 novos
pilotos. E a pulverização aérea é a mais contaminadora e
comprometedora para toda a população.

Há diversos produtos sendo usados no Brasil que já estão proibidos nos
paises de suas matrizes. A ANVISA conseguiu proibir o uso de um
determinado veneno agrícola. Mas as empresas ganharam uma liminar no
“neutral poder judiciário” brasileiro, que autorizou a retirada
durante o prazo de três anos... e quem será o responsável pelas
conseqüências do uso durante esses três anos? Na minha opinião é esse
Juiz irresponsável que autorizou na verdade as empresas desovarem seus
estoques.

Os fazendeiros do agronegócio usam e abusam dos venenos, como única
forma que tem de manter sua matriz na base do monocultivo e sem usar
mão-de-obra. Um dos venenos mais usados é o secante, que é aplicado
no final da safra para matar as próprias plantas e assim eles podem
colher com as maquinas num mesmo período. Pois bem esse veneno
secante vai para atmosfera e depois retorna com a chuva,
democraticamente atingindo toda população inclusive das cidades
vizinhas.

O DR.Vanderley Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso tem
várias pesquisas comprovando o aumento de aborto, e outras
conseqüências na população que vive no ambiente dominado pelos venenos
da soja.

Diversos pesquisadores do Instituto Nacional do Câncer e da
Universidade federal do Ceara já comprovaram o aumento do câncer, na
população brasileira, conseqüência do aumento do uso de agrotóxicos.

A ANVISA – responsável pela vigilância sanitária de nosso país,
detectou e destruiu mais de 500 mil litros de venenos
adulterados,somente esse ano, produzido por grandes empresas
transnacionais. Ou seja, além de aumentar o uso do veneno, eles
falsificavam a formula autorizada, para deixar o veneno mais potente,
e assim o agricultor se iludir ainda mais.

O Dr. Nascimento Sakano, consultor de saúde, da insuspeita revista
CARAS escreveu em sua coluna, de que ocorrem anualmente ao redor de
20 mil casos de câncer de estomago no Brasil, a maioria conseqüente
dos alimentos contaminados, e destes 12 mil vão a óbito.

Tudo isso vem acontecendo todos os dias. E ninguém diz nada. Talvez
pelo conluio que existe das grandes empresas com o monopólio dos meios
de comunicação. Ao contrário, a propaganda sistemática das empresas
fabricantes que tem lucros astronômicos é de que, é impossível
produzir sem venenos. Uma grande mentira. A humanidade se reproduziu
ao longo de 10 milhões de anos, sem usar venenos. Estamos usando
veneno, apenas depois da segunda guerra mundial, para cá, como uma
adequação das fabricas de bombas químicas agora, para matar os
vegetais e animais. Assim, o poder da Monsanto começou fabricando o
Napalm e o agente laranja, usado largamente no Vietname. E agora suas
fabricas produzem o glifosato. Que mata ervas, pequenos animais,
contamina as águas e vai parar no seu estomago.

Esperamos que na próxima legislatura, com parlamentares mais
progressistas e com novo governo, nos estados e a nível federal,
consigamos pressão social suficiente, para proibir certos venenos,
proibir o uso de aviação agrícola, proibir qualquer propaganda de
veneno e responsabilizar as empresas por todas as conseqüências no
meio ambiente e na saúde da população.
*membro da Via Campesina Brasil. Artigo publicado na edição de novembro da revista "Caros Amigos"