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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

As derrotas da mídia na América Latina

01/01/2014 - Por Altamiro Borges em seu blog do Miro

Em 2013, a América Latina se manteve na vanguarda da luta pela regulação da mídia.

A região conhece bem os estragos causados por uma mídia concentrada e manipuladora.

Os golpes e ditaduras que infelicitaram o continente foram bancados pelos veículos da imprensa.

O neoliberalismo que dizimou a região também foi apoiado por este setor.

Já os governos progressistas nascidos da luta contra as chagas neoliberais tiveram como principal opositor o “Partido da Imprensa Golpista (PIG)”.

Nada mais natural, portanto, que a regulação se tornasse uma exigência democrática.

Ley de Medios da Argentina
A derrota mais sentida pelos barões da mídia no ano passado se deu na Argentina.

Em outubro, finalmente a Suprema Corte do país declarou a constitucionalidade de quatro artigos da “Ley de Medios” que eram contestados pelo Grupo Clarín, principal império midiático da nação vizinha.

Esta decisão histórica permitiu que o governo de Cristina Kirchner [foto] prosseguisse com a aplicação integral da nova legislação, considerada uma das mais avançadas do mundo no processo de desconcentração e democratização dos meios de comunicação.

Pelas regras agora em vigor, os grupos monopolistas tem um prazo definido para vender parte de seus ativos com o objetivo expresso de “evitar a concentração da mídia”.

O Grupo Clarín, maior holding multimídia do país, terá de ceder, transferir ou vender de 150 a 200 outorgas de rádio e televisão, além dos edifícios e equipamentos onde estão as suas emissoras.

A batalha pela constitucionalidade dos quatro artigos durou quatro anos e agitou a sociedade argentina.

O Clarín – que fez fortuna durante a ditadura militar – agora não tem mais como apelar.

Aprovada por ampla maioria no Congresso Nacional e sancionada por Cristina Kirchner em outubro de 2009, a nova lei substitui o decreto-lei da ditadura militar. Seu processo de elaboração envolveu vários setores da sociedade – academia, sindicatos, movimentos sociais e empresários.

Após a primeira versão, ela recebeu mais de duzentas emendas parlamentares.

No processo de debate que agitou a Argentina, milhares de pessoas saíram às ruas para exigir a sua aprovação.

A passeata final em Buenos Aires contou com mais de 50 mil participantes.

Mesmo assim, os barões da mídia tentaram sabotá-la, apostando suas fichas na Suprema Corte da Argentina.

Isto explica porque a sentença de outubro abalou tanto os impérios midiáticos da região, reunidos na Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).

Num discurso terrorista, eles afirmaram que a nova lei é autoritária.

Mas até o Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), Frank La Rue [foto], reconheceu que a Ley de Medios da Argentina – com seus 166 artigos – é uma das mais avançadas do planeta e visa garantir exatamente a verdadeira liberdade de expressão, que não se confunde com a liberdade dos monopólios midiáticos.

Equador e Uruguai dão exemplo
A Argentina não foi a única a avançar neste debate estratégico na região. Outros dois países deram passos significativos neste sentido em 2013.

Em junho, o parlamento do Equador aprovou o projeto do governo de Rafael Correa [foto] que cria um órgão de regulação da mídia com poderes para sancionar econômica e administrativamente os veículos da imprensa e que definirá os critérios para as futuras concessões de rádio e televisão no país.

O projeto tramitou por quatro anos na Assembleia Nacional e foi aprovado por folgada maioria – 108 a favor e 26 contra.

Além de criar a Superintendência de Informação e Comunicação, que terá o papel de “vigilância, auditoria, intervenção e controle”, a lei reserva 33% das futuras frequências de rádio e TV para a mídia estatal, 33% para emissoras privadas e 34% para os grupos indígenas e comunitários.

Ela também garante amplo direito de resposta, contrapondo-se ao chamado “linchamento midiático”.

Caso julgue que pessoa física ou jurídica foi “caluniada e desacreditada” pela mídia, a Superintendência pode obrigar o veículo responsável a divulgar um ou mais pedidos de desculpas.

Para o deputado Mauro Andino, relator do projeto, a nova lei com seus 119 artigos representa significativo avanço na democracia no Equador e na garantia da verdadeira liberdade de expressão.

Como cidadãos, queremos a liberdade de expressão com os limites dados pela Constituição e pelos instrumentos internacionais, além de uma liberdade de informação com responsabilidade...

Propusemos uma lei que se constrói a partir de um enfoque de direitos para todos, não para um grupo de privilegiados”.

Vale lembrar que a mídia equatoriana é controlada por banqueiros!

Para irritar ainda mais os barões da mídia do continente, em dezembro último a Câmara dos Deputados do Uruguai aprovou a Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual, proposta pelo governo de José Pepe Mujica [foto].

Com 183 artigos, a nova “Ley de Meios” encara os meios de comunicação como um direito humano e define que “é dever do Estado assegurar o acesso universal aos mesmos, contribuindo desta forma com liberdade de informação, inclusão social, não-discriminação, promoção da diversidade cultural, educação e entretenimento”.

Em seu enunciado, a nova lei enfatiza que os monopólios dos meios de comunicação “conspiram contra a democracia ao restringir a pluralidade e a diversidade que asseguram o pleno exercício do direito à informação”.

Visando corrigir esta distorção, o texto propõe “plena transparência no processo de concessão de autorizações e licenças para exercer a titularidade” nas emissoras de rádio e televisão.

Ela também prevê a criação de um Conselho de Comunicação Audiovisual, com o intento de “implementar, monitorar e fiscalizar o cumprimento das políticas”.

A nova lei uruguaia ainda estabelece cotas mínimas de produção audiovisual nacional, institui o horário eleitoral gratuito nos canais e determina que as empresas telefônicas não poderão explorar concessões de rádio ou tevê.

Ela também contempla a proteção à criança e ao adolescente, já que regula a veiculação de imagens com “violência excessiva”.

Das 6h às 22h, esse tipo de conteúdo é proibido, com a exceção para “programas informativos, quando se tratar de situação de notório interesse público” e somente com aviso prévio explícito sobre a exposição dos menores.

A reação da máfia midiática da SIP
As recentes mudanças legais na Argentina, Equador e Uruguai se somam as que já estavam em vigor na Venezuela – o primeiro país da região a encarar este tema estratégico –, Bolívia e Nicarágua.

Não é para menos que o rebelde continente latino-americano é hoje o maior entrave ao poder dos monopólios da mídia.

Em outubro passado, durante a 69ª Assembleia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), os poderosos empresários do setor confessaram que estão perdendo a batalha de ideias na América Latina e decidiram reforçar sua postura oposicionista.

Na maior caradura, o [ex] presidente da SIP, Jaime Mantilla [foto], disse que "os governos latino-americanos têm se dedicado a semear o ódio e o medo" contra os meios de comunicação.

O objetivo da entidade, sediada em Miami, com famosos vínculos com a CIA e que sempre apoiou os golpes e as ditaduras, é evitar que as novas legislações sejam aplicadas em sua plenitude e que contagiem outros países da região.

O Brasil inclusive foi citado como preocupação maior dos mafiosos da mídia do continente.

Se depender da presidente Dilma Rousseff, porém, eles podem dormir tranquilamente.

(*) No próximo e último artigo da série, uma análise sobre o debate acerca da mídia no Brasil.

Leia também:
- Derrota dos barões da mídia em 2013 - Altamiro Borges
- China vs. Brasil: alguma diferença? - Venício Lima

Fonte:
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2014/01/as-derrotas-da-midia-na-america-latina.html#more

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Discurso de Assange na embaixada do Equador em Londres (em Português)

19/08/2012 - publicado pela Redação da RedeDemocratica

Falo daqui, porque não posso estar mais perto de vocês. Obrigado por estarem aí.


Assista aqui em inglês/espanhol
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=QEgoWFrBLU4

Obrigado pela coragem de vocês e pela generosidade de espírito.

Na noite de 4ª-feira, depois de essa embaixada ter recebido uma ameaça, e de a polícia ter cercado o prédio, vocês vieram para cá, no meio da noite, e trouxeram, com vocês, os olhos do mundo.

Dentro da embaixada, durante a noite, eu ouvia os policiais andando pelas entradas de incêndio do prédio. Mas sabia que, pelo menos, havia testemunhas. Isso, graças a vocês.

Se o Reino Unido não pisoteou as convenções de Viena e outras, foi porque o mundo estava atento e vigilante. E o mundo estava vigilante, porque vocês estavam aqui.

Por isso, da próxima vez que alguém lhes disser que não vale a pena defender esses direitos tão importantes para nós, lembrem a eles dessa noite de vigília, tarde da noite, na escuridão, à frente da Embaixada do Equador. Façam-nos lembrar como, pela manhã, o sol raiou sobre um mundo diferente, quando uma valente nação latino-americana levantou-se em defesa da justiça.

Agradeço ao bravo povo do Equador e ao presidente Correa, pela coragem que manifestaram, ao considerar o meu pedido e ao conceder-me asilo político.

Agradeço também ao governo e ao ministro do Exterior do Equador Ricardo Patiño, que fizeram valer a Constituição do Equador e sua noção de cidadania universal, na consideração que deram ao meu caso.

E ao povo do Equador, por apoiar e defender sua Constituição. Tenho uma dívida de gratidão também com o pessoal dessa embaixada, cujas famílias vivem em Londres e que me manifestaram gentileza e hospitalidade, apesar das ameaças que todos eles receberam.

Na próxima 6ª-feira, haverá reunião de emergência dos ministros de Relações Exteriores da América Latina em Washington, DC, para discutir essa nossa situação. Sou extremamente grato ao povo e aos governos de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Peru, Venezuela e a todos os demais países da América Latina que defenderam o direito de asilo.

Ao povo dos EUA, Reino Unido, Suécia e Austrália, que me deram apoio e força, mesmo quando seus governos me negavam qualquer direito. E às cabeças mais arejadas de todos os governos, que ainda lutam por justiça: o dia de vocês raiará.

À equipe, apoiadores e fontes de Wikileaks, cuja coragem, compromisso e lealdade foram sem iguais.

Minha família e meus filhos, que vivem sem pai, perdoem-me. Logo estaremos novamente reunidos.
Enquanto Wikileaks estiver sob ameaça, ameaçadas estarão também a liberdade de expressão e a saúde de nossas sociedade. Temos de usar esse momento para articular a decisão diante da qual está hoje o governo dos EUA.

Voltará o governo dos EUA a reafirmar os valores sobre os quais aquela nação foi fundada? Ou o governo dos EUA despencará do precipício, arrastando com ele todos nós, para um mundo perigoso e repressivo, no qual os jornalistas serão para sempre silenciados, pelo medo das perseguições, e os cidadãos serão condenados a sussurrar na escuridão?

Digo que isso não pode continuar.

Peço ao presidente Obama que faça a coisa certa.

Os EUA têm de desistir dessa caça às bruxas contra Wikileaks.

Os EUA têm de cancelar a investigação pelo FBI, contra Wilileaks.

Os EUA têm de se comprometer a não perseguir nem processar nosso pessoal, nossa equipe e nossos apoiadores.

Os EUA têm de prometer, ante o mundo, que nunca mais perseguirão jornalistas exclusivamente porque jornalistas lancem luz sobre crimes cometidos pelos poderosos.

Têm de ter fim todos os discursos insanos sobre processar empresas de jornalismo, seja Wikileaks ou o New York Times.

A guerra do governo dos EUA contra os que apitam e lançam sinais de alarme justificado e legítimo tem de acabar.

Thomas Drake e William Binney e John Kiriakou e tantos outros heroicos guardas avançados, que alertaram para os piores perigos que eles, antes de outros, viram chegar, têm de ser – eles têm de ser! – perdoados e indenizados pelos riscos a que se expuseram e pelos sofrimentos que padeceram, para bem cumprir seu dever, como bons servidores do interesse público.

E o soldado que permanece em prisão militar em Fort Levenworth, Kansas, que a ONU constatou que viveu sob as mais monstruosas condições de prisão em Quantico, Virginia, e que ainda não foi julgado, mesmo depois de dois anos de prisão, tem de ser posto em liberdade.

Bradley Manning tem de ser libertado.

Se Bradley Manning realmente fez o que é acusado de ter feito, então é herói e exemplo para todos nós, e um dos mais importantes prisioneiros políticos do mundo, hoje.

Bradley Manning tem de ser libertado.

Na 4ª-feira, Bradley Manning completou 815 dias de prisão sem julgamento. A lei estipula o prazo máximo de 120 dias.

Na 3ª-feira, meu amigo Nabeel Rajab, presidente do Centro de Direitos Humanos do Bharain foi condenado a três anos de prisão, por um tweet.

Na 6ª-feira, uma banda russa foi condenada a dois anos de cadeia, por uma performance de conteúdo político.

Há unidade na opressão. Tem de haver absoluta unidade e absoluta determinação na resposta. Obrigado.

Cf:
http://actualidad.rt.com/actualidad/view/51827-vivo-discurso-julian-assange-e...
http://www.youtube.com/watch?v=QEgoWFrBLU4&feature=player_embedded#!

Fonte:
http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=2562:discurso-completo-de-assange-en-la-embajada-de-ecuador-en-londres

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O mais novo capítulo da obscena perseguição a Julian Assange

16/08/2012 - Paulo Nogueira (*) - do blog Diário do Centro do Mundo

Querem calar esse homem

Tenho escrito, aqui e ali, sobre as crenças fundamentais do Diário. Vou compilá-las, em breve.

Tenho personificado nossas crenças. Pessoas são a melhor maneira de explicá-las. Quando fiz o elogio das bicicletas e dos ciclismos, a imagem usada foi a da medalhista de ouro britânica Vicky Pendleton. Com sua beleza vitoriosa, Vicky tem sido uma inspiração para os ingleses. Ela fez e faz muitos deles trocarem o carro pela bicicleta ao se locomover, para o bem da saúde deles e do planeta. (Um vídeo que vi hoje sobre o caos no trânsito do Cairo reforça minha convicção de que as metrópoles são tanto mais avançadas quanto mais bicicletas circulam nelas).

Pois hoje declaro outro crença fundamental do diário: a transparência, aliada à liberdade expressão.

Não há ninguém que simboliza melhor isso que o australiano Julian Assange, 41 anos, fundador do Wikileaks.

Assange combate o bom combate com seu jornalismo inovador e transformador. As revelações do Wikileaks mostraram ao mundo, espetacularmente, a natureza cuidadosamente escondida das guerras que os Estados Unidos vêm travando no Oriente Médio.

A imagem da garotinha vietnamita correndo nua depois de ter sido alcançada e queimada pelo napalm americano foi o retrato definitivo da Guerra do Vietnã, nos anos 60. O vídeo em que civis são mortos em Bagdá por soldados americanos em helicópteros Apache – publicado pelo Wikileaks – passará para a história como o retrato definitivo da Guerra do Iraque, no início dos anos 2 000.

Assange precipitou a Primavera Árabe quando o Wikileaks expôs detalhes da corrupção abjeta de ditadores encastelados fazia décadas no poder em países como a Tunísia e o Egito.

O Wikileaks fez mais pelo jornalismo investigativo, em seus poucos anos de existência, que todas as marcas tradicionais – do NY Times ao Washington Post – em décadas.

A recompensa para Assange tem sido, paradoxalmente, o tormento, na forma de uma perseguição sem tréguas.

O pretexto – não existe palavra melhor – foram denúncias sexuais de duas mulheres suecas que dormiram, por vontade própria, com ele. Uma soube da outra, e o que seria um caso banal de ciúme acabou se transformando num pesadelo jurídico para Assange, por força da absurda legislação sueca. Um homem pode ser acusado de estupro na Suécia se, por insistência, convencer uma mulher a dormir com ele. Ou se a camisinha se romper. Ou se, no meio da madrugada, apalpar a mulher com quem ele fez sexo algumas horas antes.

Parece mentira, mas é verdade.

Assange já estava fora da Suécia – em Londres — quando as duas mulheres foram à justiça. Mulherengo ele pode ser, mas bobo não: Assange logo percebeu o risco enorme de ser extraditado da Suécia para os Estados Unidos. Lá, o aguardaria uma lei reservada a espiões, a mesma utilizada para matar o casal Rosenberg na Guerra Fria, sob a alegação de que passavam informações para os russos.

Os suecos pediram sua extradição, e enquanto a justiça britânica decidia ele ficou em prisão domiciliar, na casa de campo de um simpatizante.

Quando ele achou que o risco de ir para a Suécia, e de lá para os Estados Unidos, era grande, se refugiou na embaixada do Equador em Londres. O presidente do Equador, Rafael Correa, é um admirador de Assange – e tem muitas restrições à conhecida política americana na América Latina, tratada por décadas como um quintal.

Isso faz quarenta dias.

Agora as coisas se precipitaram. No momento em que o governo do Equador se preparava para anunciar o pedido de asilo, o governo britânico reagiu.

Ao velho modo: longe dos holofotes. Avisou que, mediante uma legislação que virtualmente ninguém conhecia, poderia prender Assange em plena embaixada equatoriana.

A resposta do Equador foi desconcertante: publicou uma carta que o governo britânico definitivamente não gostaria de ver sob os olhos do mundo. Fez um trabalho de vazamento ao estilo do Wikileaks. “Não somos uma colônia britânica”, afirmou o governo no Equador, num gesto de bravura épica.

O Diário acredita na transparência e na livre expressão. E saúda Assange por sua cruzada inspiradora pelo bem da humanidade – ao mesmo tempo que torce intensamente para que ele possa, em Quito ou onde for, retomar o trabalho que só faz mal a quem faz muito mal.

(*) Jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Equador concede asilo político ao porta-voz do WikiLeaks

Celso Lungaretti*

Todas as instituições, entidades e cidadãos que defendem a liberdade e o respeito à soberania das nações devem posicionar-se da forma mais contundente possível contra a arrogante e inaceitável chantagem do governo britânico, que ameaçou invadir a embaixada equatoriana em Londres para sequestrar Julian Assange, utilizando como pretexto uma estapafúrdia e retalatória denúncia forjada na Suécia, caso o governo de Rafael Correa tivesse a coragem de conceder-lhe asilo político.
A concessão do asilo foi anunciada às 9 horas desta 5ª feira, 16. Agora saberemos se a ameaça era pra valer ou apenas um vergonhoso blefe para influenciar a decisão de Correa.
É extremamente insultuoso ao Equador que um país do 1º mundo tenha reagido com tamanha virulência ao que, até então, não passava de um boato jornalístico, não confirmado pelas autoridades.
E os equatorianos têm carradas de razão para salvarem o porta-voz do WikiLeaks da tramóia arquitetada por EUA, Reino Unido e Suéca, pois ele nada fez além de expor os podres de altas autoridades, revelando aos cidadãos comuns as monstruosidades cometidas na surdina pelos poderosos.
O ridículo leão desdentado pensa que ainda está rugindo, mas a mensagem entregue à chancelaria do Equador (vide íntegra aqui) não passou de um miado servil, de gatinho que tudo faz para merecer as carícias do amo estadunidense.
Na carta que o chanceler equatoriano não deveria sequer ter-se dignado a receber, devolvendo-a de pronto como desrespeitosa e descabida, os britânicos se disseram dispostos a "cumprir com as nossas obrigações legais, descritas na Decisão Marco relativa à Ordem de Detenções Europeia e à Lei de Extradição de 2003 (Extradition Act 2003), de levar o Sr. Assange à prisão e extraditá-lo à Suécia".
Mas, deixando transparecer que não concretizariam tal bazófia, advertiram também que negariam salvo-conduto para Assange deixar o país. O mais provável é que apenas deixem-no mofando indefinidamente na embaixada.
De qualquer forma, declararam-se prontos para cometer uma flagrante e grotesca violação das leis internacionais, a elas sobrepondo um mostrengo jurídico pactuado unilateralmente pelo Reino Unido com os EUA de George Bush, na onda de histeria e de abusos contra os direitos dos cidadãos subsequente ao atentado contra o WTC.
O mundo precisa dar um basta a esta escalada de arbitrariedades que vem desde o 11 de setembro de 2001. E a hora é agora!
*Celso Lungaretti é jornalista, escritor e mantém o blog Náufrago da Utopia

Fonte: extraído do portal 247

domingo, 1 de julho de 2012

“Estamos diante de uma guerra não convencional”

22/06/2012 - Carta Maior

Em uma entrevista especial concedida à Carta Maior e aos jornais Página/12, da Argentina, e La Jornada, do México, o presidente do Equador, Rafael Correa analisa o que considera ser um dos principais problemas do mundo hoje: o poder das grandes corporações de mídia que agem como um verdadeiro partido político contra governos que não rezam pela sua cartilha.

“Essa é a luta, não há luta maior. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste”.

(Carta Maior, La Jornada e Página/12)

Rio de Janeiro - Representante de uma nova geração de líderes políticos da esquerda latinoamericana, o presidente do Equador, Rafael Correa, foi lançado para a linha de frente do cenário político mundial com o pedido de asilo político feito, em Londres, pelo fundador do Wikileaks, Julian Assange. Há poucas semanas, Assange entrevistou Correa e os dois conversaram, entre coisas, sobre um tema de interesse de ambos: as operações de manipulação conduzidas pelas grandes corporações midiáticas. Agora, durante sua passagem pela Rio+20, Rafael Correa voltou com força ao tema.

Em uma entrevista especial concedida à Carta Maior e aos jornais Página/12, da Argentina, e La Jornada, do México, Correa analisa este que considera ser um dos principais problemas do mundo hoje: o poder das grandes corporações de mídia que, na América Latina, agem como um verdadeiro partido político contra governos que não rezam pela cartilha dos interesses desses grupos. “Essa é a luta, não há luta maior. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste”.

Na entrevista, Correa fala sobre o pedido de asilo de Assange, relata o debate sobre uma nova lei de comunicações no Equador e faz um balanço pessimista sobre os resultados da Rio+20.

Há um argumento segundo o qual a liberdade de imprensa é propriedade dos meios de comunicação empresariais. Imagino que essa não seja a sua opinião.
Correa: Não nos enganemos. Desde que se inventou a impressora a liberdade de imprensa, entre aspas, responde à vontade, ao capricho e à má fé do dono da impressora. Devemos lutar para inaugurar a verdadeira liberdade de imprensa que é parte de um conceito maior e um direito de todos os cidadãos, que é a liberdade de expressão, que defendemos radicalmente. No entanto, o poder midiático que faz negócios com o objetivo de ter lucro, até isso quer privatizar. Então, se eles têm tanta vocação para comunicar, como dizem, que o façam sem finalidades lucrativas, porque para mim isso é uma contradição.

Este é um grande problema na América Latina e também em nível planetário. Tenho tomado conhecimento que existem posições semelhantes às nossas, mas houve um tempo em que nos sentíamos muito sozinhos, quando fomos vítimas de um ataque tremendo por não abaixar a cabeça diante de um negócio muitas vezes corrupto e encoberto sob a capa da liberdade de expressão. Essa é a luta, não há luta maior.

Presidente, nestes dias foram divulgados telegramas pelo Wikileaks onde apareceram jornalistas equatorianos que eram considerados informantes pela embaixada dos Estados Unidos. Isso confirma as hipóteses levantadas quando o senhor foi vítima de um golpe de Estado.
Correa: As mentiras deles sempre acabam sendo derrubadas. Entidades que financiam esses empórios midiáticos, certas organizações que, em nome da sociedade civil, nos denunciam ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a SIP, em todos os lados. Agora vemos que esses senhores são identificados via Wikileaks como informantes da embaixada (estadunidense). Wikileaks que nunca é publicado pela maioria da imprensa comercial. Não é só isso. Essa gente é financiada pela USAID, que vocês conhecem. A USAID financiou com 4,5 milhões de dólares a estes supostos defensores da liberdade de expressão, supostamente para fortalecer a democracia e a ação cívica. Na verdade, para fortalecer a oposição aos governos progressistas da América Latina. Os povos da região tem que reagir contra esse tipo de prática.

Independentemente da solicitação do senhor Assange – ele solicitou asilo político -, ele disse que quer vir para o Equador para seguir cumprindo sua missão em defesa da liberdade de expressão sem limites, porque o Equador é um território de paz comprometido com a justiça e a verdade. Isso que o senhor Assange disse é mais próximo da realidade do Equador do que as porcarias que o poder midiático publica todos os dias.

Sabemos que o senhor ainda não tomou uma decisão sobre a situação que está atravessando alguém que revelou informações secretas sobre conspirações dos Estados Unidos e está pagando com a prisão por ter trabalhado pela liberdade de imprensa.
Correa: Se, no Equador, alguém tivesse passado a centésima parte do que passou Assange, nós seríamos chamados de ditadores e repressores, mas como o que Assange divulgou afeta as grandes potências e isso evidencia uma moral dupla e como os Estados nos tratam por meio de suas embaixadas, então é preciso aplicar todo o peso da lei contra Assange. E o chamam de violador.

Eu não quero antecipar minha decisão. Recebemos o pedido de asilo, analisaremos as causas desse pedido e tomaremos uma decisão quando for pertinente. Ele está em nossa em nossa embaixada em Londres sob a proteção do Estado equatoriano.

É claro que há aqui uma dupla moral, uma para os poderosos e outra para os débeis, uma para os que querem manter o status quo e para sua imprensa, e outra para os governos que querem mudar esse status quo e para a imprensa alternativa. Todos os dias há julgamentos em países desenvolvidos contra jornais. Neste caso não há problema, porque isso é civilização, mas, processar em nosso país um jornal ou um jornalista é qualificado como barbárie. E não é verdade que nós criminalizamos a opinião, pois em nosso país todos os dias publicam tudo, todos os dias publicam que há falta de liberdade de expressão. Qualquer um pode dizer que o governo é bom ou mau, que é competente ou incompetente. Mas o que não pode se dizer em um meio de comunicação é que o presidente, ou qualquer cidadão, é um criminoso de lesa humanidade e que ele disparou sem aviso prévio contra um hospital, porque isso é calúnia, isso é delito em qualquer país.

O caso Assange pode dar origem a uma tensão diplomática entre Equador e Grã-Bretanha?
Correa: Isso é a última coisa que queremos, mas nós não vamos pedir permissão a nenhum país para tomar decisões soberanas. O Equador não tem mais alma de colônia nem alma de vassalo. Se dar asilo, refúgio ou residência a fugitivos da justiça provocasse deterioração, a relação da América Latina com os Estados Unidos estaria deterioradíssima. Porque, provavelmente, Argentina, Brasil, México e outros países não devem estar de acordo que qualquer fugitivo viole a justiça. Esse não é o caso do senhor Assange, mas sim de corruptos como os banqueiros que quebraram o Equador em 99 e fugiram para os Estados Unidos, onde gozam hoje de uma vida bastante cômoda.

Vocês têm um Murdoch no Equador?
Correa: No Equador, temos seis famílias que representam heranças familiares, não é propriedade democrática, um capitalismo popular onde há 10 mil acionistas em um empório. Os meios de comunicação no Equador são manejados por meia dúzia de famílias, que decidem o que os equatorianos devem saber e conhecer. Vocês se dão conta da vulnerabilidade que temos como sociedade? A informação depende dos interesses e dos caprichos de meia dúzia de famílias. Mas se um governo soberano e digno não as chama para consultar sobre o nome dos ministros ou sobre a indicação de embaixadores, como ocorria antes, vão com tudo para cima desse governo porque ele não se submete aos seus caprichos. É um problema mundial, mas em outros países é atenuado com participação, profissionalismo muito profundo, uma ética muito forte, tudo o que brilha por sua ausência aqui no Equador.

Presidente, um funcionário da Usaid acaba de dizer que eles estão ajudando as oposições a estes governos.
Correa: Franqueza anglo-saxã.

Impunidade?
Correa: Impunidade e arrogância.

Essa ideia nos fala de um tempo da informação como arma de guerra e a América Latina sofre uma verdadeira invasão dessas fundações como a USAID, a NED, o IRI. Isso não torna muito perigosa a nossa situação? A presença das ONGs destas fundações não é perigosa para o Equador?
Correa: Oxalá consigamos despertar os povos latino-americanos para essa situação. As direitas, os grupos de poder, sabem que nas urnas não conseguirão nos derrotar. Daí as campanhas contínuas de desgastes, de propaganda, de difamação, de enfraquecimento e desestabilização. Nós vivemos isso desde os primeiros dias de governo. Desde o primeiro dia de governo. O mesmo ocorre na Venezuela, na Bolívia, na Argentina e em todos os governos progressistas da região. Sofremos as campanhas desses meios que são a vanguarda do capitalismo, do status quo dos partidos tradicionais de direita que se afundaram por seus próprios erros, para difamar, para distorcer a verdade com a cumplicidade de veículos da mídia internacional.

Essa é a contradição de que fala Ignacio Ramonet. Na Europa hoje há desemprego, estagnação, resgate de milionários, resgate de bancos e não de cidadãos, e os jornais dizem que isso é necessário, que é sério, técnico e correto. Que as pessoas morram de fome, precisamos salvar o capital! Enquanto isso, em países como o Equador, que é um dos que mais crescem na América Latina, que reduziu a pobreza, gerou mais emprego, tem a taxa de desemprego mais baixa da região e da história, todos os dias nos dizem que isso é populismo e demagogia, que é preciso mudar de governo.

Estamos ante uma campanha propagandística para defender os poderes fáticos que sempre dominaram nossos países. A direita perdeu as eleições nos Estados Unidos e agora chegam essas organizações para financiar esses grupos na América Latina. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste.

Por isso pergunto sobre o tema da informação como arma de guerra, como a arma letal antes do primeiro disparo.
Correa: Estou convencido disso. Alguns ainda imaginam a imprensa, sobretudo na América Latina, como o quarto poder nascente, que floresceu quando chegaram as democracias, quando ocorreram avanços técnicos e se multiplicaram as publicações, quando se avançou na alfabetização e as grandes massas passaram a poder ler. Esse poder impediria que o poder político, o poder do Estado, ultrapasse certos limites. Assim chegou a desinformação. Lembremos, por exemplo, do affair Dreyfus na França, quando por racismo e xenofobia se acusou um capitão judeu, como denunciou Emile Zola em seu famoso editorial “Eu acuso”. Essa imprensa limitava os excessos do poder político, mas esse vigoroso e ingênuo cachorrinho, bem intencionado, que lutava pelos interesses dos cidadãos, converteu-se de repente em um mastim feroz, com um poder ilimitado, raivoso, que não só tenta encurralar o Estado como também os próprios cidadãos.

O poder midiático na América Latina, como ocorre no Equador, é frequentemente superior ao poder político. Precisamos tirar certos estereótipos de cena ou do ambiente de certa burocracia internacional como alma de ONG, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que fala de pobrezinhos jornalistas e de malvados políticos. Isso não é certo. Os políticos são, muitas vezes, patrióticos. A antipatia que certos jornalistas alimentam, desfiando seus ódios e amarguras, acaba fazendo com que se metam inclusive em questões pessoais, com a família, etc.

Então, vejamos a realidade. Trata-se de tabus e nos ensinaram a ter medo de criticar esses negócios, como se, criticando-os, estivéssemos criticando a liberdade de expressão. Esses são os negócios da má imprensa.

Presidente, viremos a página e passemos à crise
Correa: É que esse tema (da mídia) me apaixona. É um tema acadêmico que me apaixona, ao qual dedicarei meu tempo quando sair da presidência. Pretendo me dedicar a ele, investigar e escrever porque se trata de um problema gravíssimo, porque estamos nas mãos de um poder midiático que superou inclusive o poder financeiro e político, e domina o mundo.

Você resumiu ontem em uma palavra o documento final da Rio+20, classificando-o como “lírico”...
Correa: É assim. Não há compromisso concreto. Podem verificar. Onde há um compromisso em cifras, por exemplo, com o limite de emissões de gases, compensações, acordos, acordos vinculantes como seria uma declaração de direitos da natureza em um tribunal internacional do meio ambiente, como propôs o Equador. Não há nada disso. Fala-se de cuidar melhor do planeta, mas não há um compromisso concreto. O avanço é muito pequeno.

A que atribui a ausência dos Estados Unidos e da Alemanha? Elas podem ter contribuído para essa falta de compromissos concretos?
Correa: Vai mais além. O problema não é técnico. Todo mundo sabe qual é o problema, todo o mundo sabe quais são as respostas. O problema é político. Quem gera os bens ambientais e quem consome esses bens ambientais? Se os países ricos ou os países em desenvolvimento podem consumir gratuitamente um bem que outros geram por que é que vão se comprometer a compensar e cuidar. Não farão isso a não ser que esteja em perigo evidente sua própria existência ou seus próprios interesses.

Então, o problema é político, é a relação de poder. Imagine que a situação fosse a inversa, que a Floresta Amazônica, por exemplo, estivesse nos Estados Unidos e que eles fossem geradores de bens ambientais e que nós dos países em desenvolvimento fôssemos os consumidores. Já teriam nos invadido em nome dos direitos humanos, da justiça, da liberdade, etc., para exigir compensações. Então, esse é um problema de poder. Enquanto não mudarem as relações de poder, muito pouco se irá avançar.

Considera então que o saldo provisório da Rio+20 é um fracasso?
Correa: Sim. Não se conseguiu avançar quase nada. Não há compromisso concreto, nada concreto. Nem sequer dinheiro. Houve uma reunião do G-20 no México e a maioria, 80% dos que estavam lá, regressaram para suas casas. Não vieram para a Rio+20. Não interessa. Apenas alguns poucos vieram para a Cúpula, sobretudo latino-americanos.

Houve também a Cúpula dos Povos, um encontro muito interessante.
Correa: Quisemos participar, mas não foi possível, estava muito longe. Infelizmente foi um problema de logística. Mas vamos ter um evento de direitos da natureza, paralelo à Cúpula, nos mesmos locais da Cúpula, para o qual convidamos 400 dirigentes de organizações sociais alternativas, progressistas de esquerda que buscam a justiça de nossa América e do mundo inteiro. O presidente Evo Morales também participará dessa conferência.

Eu queria perguntar-lhe sobre o que representam estas alianças como a do Pacífico (Colômbia, Chile, Peru e México) e o anúncio feito pelo presidente Felipe Calderón do Transpacífico, que é algo novo. Isso pode ser visto como uma ameaça à integração e à unidade da América Latina?
Correa: Bom, o maior problema em essência sobre o tema do cuidado com o meio ambiente e que também está na base da crise da Europa e dos Estados Unidos é que tudo foi mercantilizado. Eles não querem ver isso porque afeta os interesses dominantes. O mercado é uma realidade econômica que não podemos negar, mas o grande desafio da humanidade é que a sociedade deve conseguir dominar o mercado. O que temos hoje é o mercado dominando a sociedade e as pessoas, mercantilizando tudo. Como o mercado só se interessa pelo que é mercadoria, pelo que tem preços explícitos, não administra adequadamente bens públicos como o meio ambiente. Por isso pode consumir irresponsavelmente bens ambientais, bens públicos globais, depredar a natureza, etc., porque não têm preços explícitos, porque não são mercadoria.

Então, quanto mais se ampliar essa lógica do mercado, mais esses problemas se agravarão e os perigos serão ainda maiores para a conservação do planeta. Eu diria que nós somos muito críticos destes tratados de livre comércio, somos muito críticos da mercantilização da vida e da humanidade em geral. Esse é um dos grandes desafios que enfrentamos. Insisto, o mercado é um fenômeno econômico irrefutável, mas o grande desafio é fazer com que as sociedades dominem o mercado e não o contrário.

Senhor presidente, que medidas os países da América Latina deveriam tomar para não perder o rumo da histórica na direção de uma integração regional soberana e progressista. Como vê os avanços no Mercosul, na Unasul e na Comunidade Andina de Nações (CAN)?
Correa: Avançou-se como nunca antes. Isso não quer dizer que estejamos bem. Teremos que avançar muito mais rápido. Creio que há uma vocação concreta e uma posição integracionista sincera, não uma integração mercantilista como havia antes. O Mercosul nasceu na noite neoliberal dos anos 90. A CAN nasceu a todo vapor e depois diminuiu. A integração mercantilista não quer fazer grandes sociedades de nações, mas sim grandes mercados, não fazer cidadãos de nossa América, mas sim consumidores. A concepção da Unasul é diferente. Nós temos uma concepção integral, onde uma parte é comercial, que sempre é importante, mas não é o mais importante, e as outras partes tem a ver com conectividade, nova arquitetura financeira regional, harmonização de políticas, políticas de defesa.

Oxalá consigamos avançar também em políticas trabalhistas para que nunca mais caiamos na América Latina na armadilha de competir para atrair investimentos, deteriorando e precarizando as forças de trabalho. Ao invés de atrair capitais na base do suor e das lágrimas de nossos trabalhadores, pensamos em outro mundo. Como disse, creio que avançamos, mas precisamos ir muito mais rápido.

O senhor tocou de passagem o tema do Conselho de Defesa Sulamericano, que está objetivamente estancado, e seu país sofreu um ataque estrangeiro em 2008. Na sua avaliação, com a chegada do presidente Santos na Colômbia, a hipótese de tensões entre Colômbia e Equador está completamente dissipada?
Correa: As relações bilaterais entre Equador e Colômbia gozam de um extraordinário momento. Há uma grande coordenação com o governo do presidente Santos. A Colômbia sempre foi o vizinho com o qual tivemos a melhor relação em nossa história. Infelizmente, essa história, séculos de irmandade, foi rompida pela traição de um presidente como Uribe. Mas, graças a deus, com o governo do presidente Santos isso foi superado e creio que ele também tem uma vocação integracionista muito profunda e apoia – de fato, tem apoiado – a proposta do Conselho de Defesa.

O Conselho de Defesa teve seus primeiros estremecimentos com o anúncio da radicação de tropas dos Estados Unidos na Colômbia. Essa possível radicação de tropas norte-americanas na Colômbia está definitivamente abortada?
Correa: Não tenho maiores conhecimentos a respeito desse assunto. Até onde sei há uma estreita colaboração norteamericana com o pretexto da luta antidrogas e oxalá que a ajuda se concentre aí. Mas temos que fazer um esforço de bastante ingenuidade para nos convencermos disso porque muitas vezes se fazem outras coisas com essas supostas ajudas, sobretudo com governos que não sigam a linha de Washington.

A pergunta anterior está associada a outras situações graves como a remilitarização com novas bases no Panamá e outros três centros operacionais do comando Sul , uma base nova no Chile e nas Malvinas o grande problema é a base britânica ali instalada. Toda esta expansão dos Estados Unidos não é ameaçadora para a região?
Correa: Nós queremos nos convencer que com Barack Obama, que acreditamos ser uma boa pessoa, a política internacional dos EUA mudou, mas as evidências nos mostram que não é assim, que tudo continua lamentavelmente igual, sobretudo no que diz respeito à América Latina, cujos governos comprometidos com justiça, dignidade e soberania passaram a ser vistos como uma ameaça para seus interesses. Devemos estar muito atentos a essa presença das forças armadas norte-americanas em nossa América e a esse processo de rearmamentismo que está ocorrendo nesta época tão difícil e complexa.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20436

Os videos que compõem essa entrevista podem ser acessados em:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=4t1pNQicRbg
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=IR48HKl0FnQ
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=88U5EYGr3i0
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=yvqaQM8V_1Q
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=xLEJndzkV6I