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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

40 anos do golpe no Chile

10/09/2013 - Samuel Pinheiro Guimarães - Agência Carta Maior

Fora do contexto mais amplo da política dos Estados Unidos para a América Latina, é difícil compreender o golpe no Chile, 40 anos atrás.

Desde a Independência das colônias espanholas e portuguesa, no início do século XIX, e da proclamação da Doutrina Monroe, em 1823, os Estados Unidos consideram, e as potências europeias reconhecem (e muitos latino americanos aceitam), que a América Latina deve estar necessariamente na sua área de influência, isto é, sob a sua hegemonia.

Sobre a América Central e o Caribe os Estados Unidos estabeleceram o seu domínio com a conquista pela força armada de mais da metade do território do México, em 1848; com as seguidas intervenções e longas ocupações militares na Nicarágua, no Haiti, na República Dominicana e outros países; com a conquista de Cuba e de Porto Rico à Espanha; com a promoção da secessão do Panamá, em 1903, e a construção do Canal, com sua Zona de ocupação militar permanente, que perdurou até o ano 2000.

Estava criado o Mar Americano, do novo Povo Eleito.

Sobre a América do Sul, os Estados Unidos demorariam a estabelecer sua hegemonia, em parte devido à maior dimensão dos Estados e em parte devido à presença financeira, comercial e política inglesa até o fim da Primeira Guerra Mundial.

Encontraram os americanos sempre, em suas investidas de articulação política dos países da América do Sul, a oposição argentina, o VI Domínio da Grã-Bretanha, e a cooperação brasileira, desde o Barão do Rio Branco, na chamada Aliança não-escrita.

Após a penosa vitória sobre o Império Alemão, em 1918, conseguida, aliás, somente graças à ajuda econômica e militar americana, começa a se esvair a presença britânica na América do Sul e a se afirmar a influência política e econômica dos Estados Unidos.

O Corolário à doutrina Monroe, de autoria de Teodoro Roosevelt, belicoso tio de Franklin Delano, anunciado em 1904, em que os Estados Unidos se arrogavam o direito de intervir em qualquer país do Continente que se revelasse incapaz de manter a ordem (isto é, os interesses americanos) e o 
êxito em incluir a Doutrina Monroe entre os princípios do tratado de criou a Liga das Nações, em 1919, revelam claramente a visão americana da América Latina. 

Devido à necessidade de aliciar o apoio dos Estados do Continente diante da ameaça nazista no horizonte, os Estados Unidos abandonaram a política do big stick e a diplomacia do dólar e lançaram a Política de Boa Vizinhança, com Zé Carioca e tudo o mais, renunciando retoricamente à sua hegemonia, e passaram a cultivar ativamente as elites e, muito em especial, os proprietários dos meios de comunicação na América do Sul.

Após a Segunda Guerra, o extraordinário prestígio americano e sua determinação de alinhar os regimes sul-americanos na luta contra o comunismo levou, de um lado, à criação, em 1948, da Organização dos Estados Americanos, a OEA, organismo regional previsto na Carta das Nações Unidas, e, de outro lado, à defesa da livre iniciativa como dínamo do desenvolvimento latino-americano, com atração do capital estrangeiro, o que 
significava capital americano, visto o estado precaríssimo das economias europeias no pós-guerra.

Com a Revolução Cubana, em 1959, tudo muda. A invasão fracassada da Baía dos Porcos (semelhante à operação que depôs Jocobo Arbenz, na Guatemala, 
em 1954); a oposição americana, cada vez mais feroz, a Cuba; a arregimentação dos regimes latino-americanos contra Cuba; a resistência de certos governos, entre eles o do Chile, à determinação americana de intervir em Cuba; e a suposta fragilidade dos governos civis latino-americanos diante da imaginada influência cubana e comunista, transformariam a política de Boa Vizinhança na política de instalação de governos militares, na aplicação da teoria da modernização autoritária, da qual fazia parte a Aliança para o Progresso.

O primeiro regime militar a ser instalado na execução da nova política foi o do Brasil, em 1964, em que houve ampla participação americana na preparação do golpe, inclusive na escolha do novo presidente, o general Castelo Branco, amigo do adido militar americano, Vernon Walters, segundo os documentos revelados pelos Estados Unidos e mostrados no educativo filme, O Dia que Durou 21 Anos.

Era a política de mudança de governo (regime change) executada pela CIA, de forma encoberta (covert action) com ações diretas e de espionagem, hoje fartamente documentada, e que nos dias atuais se faz de maneira absolutamente aberta, e até com certa desfaçatez, com a participação de 
serviços de inteligência e de ação americanos (special operation forces), de fundações públicas e privadas, de ONGs.

Tudo com a ajuda da tecnologia mais sofisticada de espionagem, da qual não escapam os aliados (acólitos) mais confiáveis, como a Alemanha de Frau Angela Merkel e a França de Monsieur François Hollande e aqueles Estados amigos, como o México, do Señor Peña Nieto, tão longe de Deus, e o Brasil, da Senhora Dilma Rousseff, surpresa e indignada.

O Chile era, em 1973, um caso de grande importância estratégica para a política americana na América do Sul. 

A ascensão democrática de Salvador Allende, sua disposição de implantar um regime socialista democrático e nacional no Chile, sua política externa independente, o receio de que viesse a estimular países latino-americanos a procurarem novas estratégias de desenvolvimento e a se rebelarem contra as ditaduras militares já implantadas no Brasil (1964) na Argentina (1966 ) no Uruguai (1971), na Bolívia (1971) levaram à determinação americana de organizar um golpe militar no Chile com a articulação financeira, política e midiática da direita civil e militar do pais. 

Os Estados Unidos articularam a ascensão ao poder de uma das ditaduras mais cruéis, violentas e implacáveis da América Latina, comandada pelo 
General Augusto Pinochet, pelo jornal El Mercúrio e pelo empresariado chileno. 

A ditadura do General Augusto Pinochet (foto) reverteu a reforma agrária do Governo Allende e implantou um programa neoliberal de reformas econômicas, 
sob o comando dos Chicago Boys , um primeiro resultado do programa de formação de pessoal nos Estados Unidos, financiado pela Aliança para o Progresso, fenômeno que se repetiria mais tarde em outros países da América do Sul.

A Operação Condor (abaixo), a articulação dos governos militares para perseguir, capturar e executar as lideranças políticas de esquerda , teve como seu inspirador o Chile, com a famosa DINA, Direção de Inteligência Nacional, cujo chefe era pago pela CIA. 

O apoio brasileiro ao golpe militar chileno foi imediato e prolongado no tempo assim como o apoio norte americano e dos países europeus.


Com a crescente oposição americana aos regimes militares devido à sua deriva para uma posição de certa independência em relação aos Estados 
Unidos, com projetos em especial na área militar (tais como o projeto Condor de mísseis na Argentina e os programas brasileiros nas áreas espacial, nuclear e de informática), e com a nova política americana de direitos humanos, o regime de Pinochet perderia o apoio americano, dos europeus e dos países da região mas somente viria a ser substituído em 1990.

Interessante, antes e após a queda do regime de Pinochet, ditadura cruel e implacável, foi a defesa, por certos órgãos da mídia internacional e brasileira, do regime chileno como modelo para o Brasil, e para outros países latino-americanos, justificando o regime militar como forma necessária de implantar as reformas econômicas.

Agora, redemocratizada a América do Sul, neoliberalizada pelos programas de renegociação da dívida e pela aplicação das políticas, definidas pela academia, Tesouro americano, FMI e Banco Mundial, resumidas no Consenso de Washington, políticas implantadas por economistas treinados nas melhores universidades americanas, futuros banqueiros e empresários, tudo parecia tranquilo para o Império.

Mas, como o Continente viu a emergência de movimentos sociais e de Partidos políticos de diferentes matizes de esquerda, eleitos democraticamente, presenciamos hoje operações políticas de regime (ou policy) change nos diversos países da América do Sul que não aderiram ao modelo americano de política econômica, implantado pelos acordos de livre comercio que o Chile, já em 1994, a Colômbia e o Peru celebraram com os Estados Unidos e que tem como princípios a privatização, a desregulamentação, a abertura comercial e financeira, o privilégio ao capital multinacional.

Hoje, os Governos da América do Sul podem realizar programas sociais (no que terão o apoio da Igreja, antiga defensora dos regimes militares, hoje convertida), reduzindo a pobreza e estabilizando sociedades em extremo desiguais, podem construir sua infraestrutura a duras penas e podem ter veleidades de política externa, até aceitas pois agradam os movimentos de esquerda, mas não podem, sob pena de se tornarem alvo de políticas 
ativas de regime change, tomarem iniciativas concretas para promover políticas que abalariam os pilares da dominação imperialista:

democratizar a mídia 
fazer a auditoria da dívida pública 
substituir o regime de metas inflacionárias por um regime de metas de desenvolvimento e emprego 
disciplinar o capital multinacional 
desenvolver sua indústria de defesa 

Os Estados que respeitarem estes limites, que não tentarem implementar políticas com tais objetivos, continuarão a crescer a taxas muito baixas, 
cada vez mais desiguais ainda que com menos pobres, sem autonomia tecnológica, vulneráveis política e militarmente, seu Estado endividado, mas, 
para a tranquilidade e satisfação de suas classes conservadoras (ainda que sempre apreensivas) continuarão a ser parceiros confiáveis (reliable 
partners) dos Estados Unidos e de sua hegemonia imperial. 

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22668

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Por dentro do WikiLeaks: a democracia passa pela transparência radical

Por Natália Viana, do Opera Mundi
Fui convidada por Julian Assange e sua equipe para trazer ao público brasileiro os documentos que interessam ao nosso país. Para esse fim, o Wikileaks decidiu elaborar conteúdo próprio também em português. Todos os dias haverá no site matérias fresquinhas sobre os documentos da embaixada e consulados norte-americanos no Brasil.

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Por trás dessa nova experiência está a vontade de democratizar ainda mais o acesso à informação. O Wikileaks quer ter um canal direto de comunicação com os internautas brasileiros, um dos maiores grupos do mundo, e com os ativistas no Brasil que lutam pela liberdade de imprensa e de informação. Nada mais apropriado para um ano em que a liberdade de informação dominou boa parte da pauta da campanha eleitoral.

Buscando jornalistas independentes, Assange busca furar o cerco de imprensa internacional e da maneira como ela acabada dominando a interpretação que o público vai dar aos documentos. Por isso, além dos cinco grandes jornais estrangeiros, somou-se ao projeto um grupo de jornalistas independentes. Numa próxima etapa, o Wikileaks vai começar a distribuir os documentos para veículos de imprensa e mídia nas mais diversas partes do mundo.

Assange e seu grupo perceberam que a maneira concentrada como as notícias são geradas – no nosso caso, a maior parte das vezes, apenas traduzindo o que as grandes agências escrevem – leva um determinado ângulo a ser reproduzido ao infinito. Não é assim que esses documentos merecem ser tratados: “São a coisa mais importante que eu já vi”, disse ele.

Não foi fácil. O Wikileaks já é conhecido por misturar técnicas de hackers para manter o anonimato das fontes, preservar a segurança das informações e se defender dos inevitáveis ataques virtuais de agências de segurança do mundo todo.

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Assange e sua equipe precisam usar mensagens criptografadas e fazer ligações redirecionados para diferentes países que evitam o rastreamento. Os documentos são tão preciosos que qualquer um que tem acesso a eles tem de passar por um rígido controle de segurança. Além disso, Assange está sendo investigado por dois governos e tem um mandado de segurança internacional contra si por crimes sexuais na Suécia. Isso significou que Assange e sua equipe precisam ficar isolados enquanto lidam com o material. Uma verdadeira operação secreta.

Documentos sobre Brasil
No caso brasileiro, os documentos são riquíssimos. São 2.855 no total, sendo 1.947 da embaixada em Brasília, 12 do Consulado em Recife, 119 no Rio de Janeiro e 777 em São Paulo.

Nas próximas semanas, eles vão mostrar ao público brasileiro histórias pouco conhecidas de negociações do governo por debaixo do pano, informantes que costumam visitar a embaixada norte-americana, propostas de acordo contra vizinhos, o trabalho de lobby na venda dos caças para a Força Aérea Brasileira e de empresas de segurança e petróleo.

O Wikileaks vai publicar muitas dessas histórias a partir do seu próprio julgamento editorial. Também vai se aliar a veículos nacionais para conseguir seu objetivo – espalhar ao máximo essa informação. Assim, o público brasileiro vai ter uma oportunidade única: vai poder ver ao mesmo tempo como a mesma história exclusiva é relatada por um grande jornal e pelo Wikileaks. Além disso, todos os dias os documentos serão liberados no site do Wikileaks. Isso significa que todos os outros veículos e os próprios internautas, bloggers, jornalistas independentes vão poder fazer suas próprias reportagens. Democracia radical – também no jornalismo.

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Impressões
A reação desesperada da Casa Branca ao vazamento mostra que os Estados Unidos erraram na sua política mundial – e sabem disso. Hillary Clinton ligou pessoalmente para diversos governos, inclusive o chinês, para pedir desculpas antecipadamente pelo que viria. Para muitos, não explicou direto do que se tratava, para outros narrou as histórias mais cabeludas que podiam constar nos 251 mil telegramas de embaixadas.

Ainda assim, não conseguiu frear o impacto do vazamento. O conteúdo dos telegramas é tão importante que nem o gerenciamento de crise de Washington nem a condenação do lançamento por regimes em todo o mundo – da Austrália ao Irã – vai conseguir reduzir o choque.

Como disse um internauta, Wikileaks é o que acontece quando a superpotência mundial é obrigada a passar por uma revista completa dessas de aeroporto. O que mais surpreende é que se trata de material de rotina, corriqueiro, do leva-e-traz da diplomacia dos EUA. Como diz Assange, eles mostram “como o mundo funciona”.

O Wikileaks tem causado tanto furor porque defende uma ideia simples: toda informação relevante deve ser distribuída. Talvez por isso os governos e poderes atuais não saibam direito como lidar com ele. Assange já foi taxado de espião, terrorista, criminoso. Outro dia, foi chamado até de pedófilo.

Wikileaks e o grupo e colaboradores que se reuniu para essa empreitada acreditam que injustiça em qualquer lugar é injustiça em todo lugar. E que, com a ajuda da internet, é possível levar a democracia a um patamar nunca imaginado, em que todo e qualquer poder tem de estar preparado para prestar contas sobre seus atos.

O que Assange traz de novo é a defesa radical da transparência. O raciocínio do grupo de jornalistas investigativos que se reúne em torno do projeto é que, se algum governo ou poder fez algo de que deveria se envergonhar, então o público deve saber. Não cabe aos governos, às assessorias de imprensa ou aos jornalistas esconder essa ou aquela informação por considerar que ela “pode gerar insegurança” ou “atrapalhar o andamento das coisas”. A imprensa simplesmente não tem esse direito.

É por isso que, enquanto o Wikileaks é chamado de “irresponsável”, “ativista”, “antiamericano” e Assange é perseguido, os cinco principais jornais do mundo que se associaram ao lançamento do Cablegate continuam sendo vistos como exemplos de bom jornalismo – objetivo, equilibrado, responsável e imparcial.

Uma ironia e tanto.