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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O mundo aprende a andar sem os EUA

28/08/2013 - Spengler [*] em 19/08/2013, no Asia Times Online
- Excerto traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O barulhão assustador que se está ouvindo, como eu já disse dia 15/8 na CNBC, é a implosão da influência norte-americana no Oriente Médio.

oferecimento que Vladimir Putin [foto] fez, dia 17/8, de ajuda militar ao exército egípcio, depois que o presidente Obama cancelara exercícios militares conjuntos com egípcios, mostra o ponto mais baixo da curva da importância dos EUA em todo o pós-Guerra Fria.

Rússia, Arábia Saudita e China trabalham juntas para tentar minimizar o dano provocado pelos erros dos norte-americanos. É precisamente o que fazem, em silêncio, há mais de um ano.

O alarme soou para a democracia egípcia, quando a Fraternidade Muçulmana ergueu-se de seu passado tenebroso, mas nem assim a Washington oficial acordou.

O Egito estava à beira de morrer de fome, quando os militares depuseram Mohamed Mursi.

A maior parte dos pobres no Egito já estava há meses vivendo do pão subsidiado pelo estado, e até o fornecimento desse pão estava ameaçado. Os militares trouxeram US$12 bilhões de ajuda recebida dos estados do Golfo, o suficiente para evitar uma catástrofe humanitária.

A realidade é essa. É a única coisa sobre a qual Rússia, Arábia Saudita e Israel concordam.

A atitude errática, vacilante, dos EUA sobre o Egito, não é só erro estúpido, tolo, mas uma completa catástrofe institucional.

O presidente Obama cercou-se de uma camarilha, com Susan Rice como Conselheira de Segurança Nacional, ladeada por Valerie Jarrett, milionária da indústria da construção de moradias públicas nascida no Irã.

Comparada à equipe de Obama, o pessoal de Zbigniew Brzezinski [foto] eram colossos intelectuais no Conselho de Segurança Nacional de Jimmy Carter.

Essa gente agora são amadores e ninguém jamais consegue prever o que inventarão, de hoje para amanhã. (...) 

E tampouco interessa o que digam os especialistas do Partido Republicano. Poucos Republicanos eleitos discutirão com McCain [foto abaixo], porque os eleitores já não suportam ouvir falar de Egito e já não confiam nos Republicanos, depois dos fracassos no Iraque e no Afeganistão.

Nenhum dos dois partidos tem capacidade institucional para deliberar inteligentemente sobre os interesses dos EUA.

Dentre os veteranos dos 
governos Reagan e Bush há vários que compreendem com clareza o que se disputa no mundo, mas o Partido Republicano é incapaz de atuar sob orientação deles. Por isso o fracasso institucional nos EUA é tão profundo.

Os deputados e senadores Republicanos vivem em pânico ante a possibilidade de serem derrotados por isolacionistas como o senador Rand Paul (R-KY) – e seguirão o quixotesco senador McCain.

E outras potências regionais e mundiais farão tudo que possam para conter o desmando e a confusão que reina nos EUA. (...) 

A rede Russia Today noticiou, dia 7/8, que: 

(...) a Arábia Saudita ofereceu-se para comprar $15 bilhões em armas da Rússia, e ofereceu uma lista de vantagens e facilitações econômicas e políticas ao Kremlim – no esforço para reduzir o apoio que Moscou continua a dar ao presidente sírio Bashar Assad. 

A posição dos russos não mudará. Quanto a isso, já não há dúvidas. (...) 

O que se vê bem claramente, é que Riad está confiando, não mais em Washington, mas em Pequim, para garantir sua capacidade de transportar e disparar armas atômicas.

A China tem interesse profundo na segurança saudita: é o maior importador de petróleo saudita. É altamente provável que os EUA já se tornem independentes de petróleo importado em algum momento da próxima década, mas a China precisará do petróleo do Golfo Persa por tempo futuro não determinado. (...)

Os russos temem que o radicalismo islâmico escape totalmente de qualquer controle no Cáucaso e talvez em outros pontos, com a Rússia evoluindo 
para ser país de maioria muçulmana. 

Os chineses temem os uigures, povo muçulmano de origem turca, que já é metade da população da província Xinjiang, no oeste da China.

Mas o governo Obama (e Republicanos do establishment como John McCain) insistem que os EUA devem apoiar governos islamitas democraticamente eleitos. É erro gravíssimo. A Fraternidade Muçulmana é tão democrática quanto o Partido Nazista (...).

Países tribais, com altos índices de analfabetismo não têm parâmetro para a tomada democrática de decisões.

Enquanto os EUA continuarem a declarar apoio a “oposições democráticas” muçulmanas no Egito e na Síria, o resto do mundo continuará a tratar os 
norte-americanos como doidos varridos, lunáticos sem conserto, e todos tratarão de garantir seus próprios interesses sem os EUA.

Os turcos, é certo, reclamarão contra o destino de seus amigos na Fraternidade Muçulmana, mas pouco podem fazer. Os sauditas financiam grande parte do enorme déficit nas contas turcas; e quase toda a energia que chega à Turquia vem-lhe dos russos.

Além de errarem na avaliação dos eventos egípcios, os analistas norte-americanos erraram praticamente toda a leitura que tentam fazer do quadro 
mundial.

Na direita norte-americana, o consenso dominante há anos é que a Rússia acabaria por implodir economicamente e demograficamente.

Mas a taxa de fertilidade total na Rússia, ao contrário, subiu, de um ponto calamitosamente baixo de menos de 1,2 nascidos vivos por mulher em 1990, para cerca de 1,7 em 2012, no ponto intermediário, superior ao 1,5 da Europa e pouco abaixo do 1,9 dos EUA.

Faltam dados para avaliar a tendência, mas já está bem claramente indicado que é erro descartar a Rússia, seja por qual critério for, pelo menos por hora. (...)

Taxa de fertilidade no mundo em 2011 (nascidos por mulher)
(clique na imagem para aumentar) 

Gostem ou não gostem, a Rússia não sumirá do mapa.

Analistas norte-americanos veem os problemas russos com os muçulmanos no Cáucaso, com o superficialismo de quem se diverte com a desgraça alheia. 

Durante os anos 1980s o governo Reagan apoiou jihadistas no Afeganistão, contra os russos, porque a União Soviética era, então, a encarnação perfeita do mal.

Hoje, a Rússia não chega a ser exatamente amiga-irmã dos EUA, é claro, mas o terrorismo islamista é que é o pior dos males, e os EUA bem fariam se seguissem o exemplo dos sauditas e se unissem aos russos, contra o terrorismo islamista.

No caso da China, o consenso era que a economia chinesa desabaria rapidamente esse ano, o que geraria problemas políticos.

Os dados do comércio chinês de junho mostram exatamente o contrário disso: um aumento nas importações (incluindo crescimento de 26% ano a ano nas importações de minério de ferro e de 20% no petróleo) indica que a China continua a crescer confortavelmente mais de 7% por ano.

A transição da China, de modelo exportador movido a trabalho barato, para modelo de manufatura com alto valor agregado e economia de serviços ainda é desafio gigantesco, talvez o maior de toda a história da economia; mas absolutamente não há qualquer sinal de que a China esteja fracassando ante o desafio que se propôs.

Gostem ou não, a China continuará a marcar o ritmo do crescimento da economia mundial.

Crescimento do PIB da China e dos EUA até 2028
(Clique na imagem para visualizar melhor) 

Os EUA, se escolhessem exercitar o próprio poder e cultivar seus talentos culturais, ainda seriam capazes de derrotar os “opositores”. Mas escolheram nada fazer, e a rédea afinal escapou das mãos de Washington.

Os norte-americanos só ouvirão falar de desenvolvimento importante, se e 
quando outros países decidirem divulgar seus próprios sucessos. É justo prevenir os leitores de que aqueles, dentre nós, norte-americanos, que 
ainda mantemos condições e meios razoavelmente satisfatórios de vida e progresso, não conseguiremos mantê-los igualmente satisfatórios no futuro. 

Meu registro de sucessos nas previsões que faço não é de todo mau. Em 2003, avisei que a tentativa do governo de George W Bush de construir 
nações no Iraque e no Afeganistão terminaria em tragédia.

E no início de 2006, escrevi: “Gostem ou não, os EUA só produzirão caos, e nada podem fazer para escapar dele.” (...)

Ninguém mais precisa de analistas de política externa.

Em 2013, os cães da guerra estão soltos e escolherão, eles, os próprios caminhos.

Nos EUA, basta abrir a janela de casa, que já se ouvem os latidos.
__________________________

[*] Spengler, apelido de David P. Goldman, escreve a coluna Spengler para o Asia Times Online e contribui frequentemente para as publicações The Tablet, First Things (2009-2011) e outras. Foi Chefe Global de Pesquisa de Dívida do Bank of America (2002-2005), Diretor Global de Estratégia de Crédito do Credit Suisse (1998-2002). Ocupou cargos importantes nas organizações financeiras Bear Stearns e Cantor Fitzgerald. Foi colunista da revista Forbes (1994-2001). Seu livro How Civilizations Die (and why Islam is Dying, Too) foi lançado em setembro de 2011.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.co.at/2013/08/o-mundo-aprende-andar-sem-os-eua.html

terça-feira, 9 de julho de 2013

Egito: reviravolta bem próxima de golpe militar

08/07/2013 - Dmitry Minin, Strategic Culture
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Que má sorte está perseguindo os inimigos do presidente Bashar Assad [foto] da Síria! Perderam Al-Qusayr.

O Qatar e a Turquia às voltas com ondas de instabilidade interna.

Homs, cidade estrategicamente importante, está para cair a qualquer momento, atacada por tropas do governo.

No Egito, o presidente Mursi foi deposto.

Pergunto-me o que acontecerá depois de Aleppo ser libertada.

O rei da Arábia Saudita abdicará?

Ou algum dos países ocidentais que apoiam inimigos de Assad serão desmoralizados, de uma vez por todas?

A desgraça parece rondar os arrogantes e criminosos que tanto insistem em fazer sofrer a ancestral terra síria, cujas raízes chegam aos tempos bíblicos...

Nenhum desses eventos foi causado por questões internas. Mas haverá algum elo entre a crescente onda de contrarreforma no Oriente Médio e os eventos na Síria? Sem dúvida, há.

É o enorme vácuo que se percebe, entre as proclamadas ideias da Primavera Árabe e a política que cada um dos países acima mencionados pratica em relação à Síria.

Sob os slogans de liberdade, esses países têm apoiado a barbárie e a selvageria, aliados aos EUA e a Israel, países que absolutamente não se contam entre os admiradores do Islã.

É difícil enganar o povo. O povo entende muito bem o que se passa e não sente nenhum desejo de apoiar estados bandidos.

É uma ocasião rara, na história do mundo, quando há diferença tão grande entre a opinião pública, contrária à intervenção na Síria, e a política intervencionista das potências dominantes. A diferença é irreconciliável e clara; e vale tanto para o oriente quanto para o ocidente.

O ministro da Defesa e comandante-em-chefe das forças armadas do Egito, general Abdel-Fattah El-Sisi [foto] agiu de forma muito semelhante ao que fez o general Pinochet no Chile, quando o presidente Allende foi derrubado (o mesmo plano e as mesmas táticas, tudo concebido pela CIA)

El-Sisi foi indicado por Mursi, que confiava nele, como Allende confiara em Pinochet. Sisi fez tudo que podia para construir uma reputação de que seria íntimo da Fraternidade Muçulmana.

Muitos, no campo de Mursi descuidaram-se da vigilância, porque o presidente teria controle sobre os militares, depois de ter deposto todos os principais comandantes adversários.

Mas os interesses corporativos dos militares prevaleceram sobre a lealdade declarada.

Especialistas do GIGA Institute of Middle East Studies, com sede em Hamburg, entendem que a razão de as lideranças militares estarem descontentes com Mursi é o fato de que ele imiscuiu-se nos interesses comerciais dos próprios militares, que alcançam ¼ da economia do Egito.

Os militares egípcios têm interesses comerciais no campo do turismo, da construção civil, da construção de estradas e outros projetos de infraestrutura. E os militares recebem ajuda dos EUA, que alcança 1,3 bilhão de dólares.

Manifestações anti-EUA durante os protestos no Cairo
Os eventos no Egito trazem à lembrança o que aconteceu na Argélia, em 1991.

Houve eleições parlamentares dia 26/12/1991, as primeiras eleições com vários partidos, desde a independência. O resultado das urnas foi cancelado por golpe militar logo depois do primeiro turno, o que levou à guerra civil, depois de os militares terem concluído que havia risco de a Frente de Salvação Islâmica, que quase com certeza conquistaria mais de 2/3 dos assentos à Assembleia necessários para modificar a Constituição, vir a constituir, por via democrática, um estado islâmico.

O presidente Chadli Bendjedid foi forçado a sair. A Frente foi banida. 100 mil morreram na guerra civil que se seguiu ao golpe militar de 1991 na Argélia. Até hoje ainda há repercussões.

Mursi
O Egito repetirá o quadro argelino? Essa possibilidade ainda não está totalmente descartada.

Mas há a possibilidade, embora pequena, de que os militares egípcios decidam assumir plenamente o controle dos destinos do país.

Mas, diferente de seus companheiros de farda na Argélia, no Egito os militares não têm, nem petróleo, nem gás. O ocidente pode não se interessar por apoiar diretamente uma ditadura militar absoluta.

Embora aliado dos Irmãos Muçulmanos, o Qatar, principal apoiador árabe do país, pode não querer ajudar o novo regime. Surpreendentemente, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos aliaram-se à conspiração – motivo pelo qual os militares egípcios obtiveram o apoio dos salafistas.

Mas não se comparam a Doha, em termos da quantidade de ajuda que podem oferecer.

Ações terroristas e baionetas absolutamente não combinam com turismo, a principal fonte de recursos da economia do Egito.

A única fonte de renda relativamente estável, embora não suficiente, do Egito, é o Canal de Suez.

É difícil impedir que o país caia na anarquia. É possível que os militares não consigam controlar tudo, ainda que o desejassem. Por isso, Adly Mansour [foto abaixo], juiz civil, foi posto na presidência do país, com o compromisso de organizar eleições e adotar nova Constituição (ainda sem data marcada).

Mas a oposição “sob ditadura” nunca é oposição a priori fraca.

A ditadura é desafiada pelos que ousam enfrentar abertamente o poder e podem “agitar” o regime, mantê-lo instável.

Tudo leva a crer que o Egito enfrentará longo período de instabilidade e de desafios ao poder.

Os ventos inaugurados pelo discurso do presidente Obama no Cairo não morrerão, nem facilmente, nem rapidamente.

Stratfor, dos EUA, crê que a coalizão “Tamarod” de grupos políticos foi constituída com o objetivo de derrubar Mursi.

Mas, colcha de retalhos – que aproxima liberais e fundamentalistas – o grupo inevitavelmente rachará. Os problemas do Egito praticamente não se alteram, não importa quem esteja no poder.

Nessas circunstâncias, não é fácil escolher novo líder.

O presidente da corte constitucional e presidente interino, Adly Mansour, nada sabe do ofício de governar. Não por acaso, o ex-presidente da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) El-Baradei [foto abaixo] apoiou plenamente a mudança, mas recusou-se a presidir o governo de transição, sabendo que não conseguiria mudar rapidamente a situação no país.

O outro nome cogitado e candidato, Farouk El Okdah, ex-presidente do Banco Central do Egito, não passa de coadjuvante político e não tem a suficiente autoridade.

Entre os Irmãos, a principal preocupação é que todos os seus líderes estão presos. Os membros da organização não estão ameaçando qualquer tipo de resistência armada e prometem moderação.

Como se não quisessem provocar os militares nem levá-los a excluí-los da lista de candidatáveis, para que nem possam concorrer a eleições que muito provavelmente vencerão outra vez (embora ninguém saiba o que fazer para retomar a vida econômica e todos saibam que, sem medidas nesse campo, as ruas logo voltarão a encher-se).

Por hora, limitam sua atividade aos protestos de massa e ataques aos novos poderes, com o quê mantêm-se psicologicamente ativos e presentes na opinião pública. Por exemplo, a Fraternidade Muçulmana já espalha informação segundo a qual o presidente interino Adly Mansour seria membro de uma seita judaica chamada Adventistas do Sétimo Dia. O boato foi insistentemente repetido por blogueiros árabes, até suas páginas serem deletadas pela empresa Facebook.

Criaram a União Nacional de Partidos pelo Poder Legítimo [orig. National Union of Parties for Legitimate Power] – novo movimento que une todas as organizações islamistas do Egito.

A nova União já está convocando manifestações de rua em todo o país, embora recomende que não se façam manifestações violentas e evitem-se confrontos com o exército.

Para o jornal britânico The Guardian, a junta egípcia é apoiada por fundamentalistas como a frente Jamaat al-Islamiyya e o Partido al-Nour, dos salafistas. Mursi errou gravemente ao excluí-los do poder.

Resultado disso, tornaram-se agora os mais vociferantes dos manifestantes nas ruas do país.

Além disso, os jihadistas acusaram os adversários políticos de terem traído a fé e de se renderem ao ocidente. Equivale a dizer que a aliança da Fraternidade Muçulmana com os EUA não trouxe qualquer benefício aos Irmãos. E Washington também nada tem a comemorar.

De fato, os EUA abandonaram os Irmãos à própria sorte, como, antes, também abandonaram Mubarak. E a bandeira islamista acabou nas mãos dos salafistas – os islamistas mais radicais e mais figadais inimigos do ocidente.


Manifestação do Movimento "Tamarod" em 29/6/2013

O principal traço do “Verão Egípcio” e sua mudança de regime é o fato de que os militares apenas depuseram o governo eleito, sem assumirem eles mesmos o poder.

Em certo sentido, tem ares de “golpe incompleto”. EUA e União Europeia já declararam que não veem os eventos como golpe militar – posição que os livra de ter de impor sanções ao Egito.

Anders Fog Rasmussen, secretário-geral da OTAN, disse que não faz diferença se foi golpe ou não.

Para ele, só interessa fortalecer a democracia no país. Em termos simples, é lógica de Jesuíta.

Por seu lado, Barack Obama [foto] limitou-se a declaração confusa, em que disse que os EUA abstêm-se de apoiar políticos ou partidos e creem na supremacia do processo democrático e da lei. Conclamou os militares egípcios a devolver o país a governo civil o mais depressa possível.

Disse, de fato, que os rituais democráticos não interessam e que Washington aprova a mudança de regime no Egito, mesmo que ignore todas as normas democráticas.

Mas os aliados dos EUA não estão gostando.

A agência estatal turca, Anadolu, disse que nada justifica o que houve no Egito. O primeiro-ministro Erdogan convocou uma reunião de emergência do gabinete. O ministro das Relações Exteriores, Ahmet Davutoglu, disse que a destituição do poder só pode acontecer mediante processo eleitoral, respeitada a vontade popular. É inaceitável derrubar por meios ilegais um governo democraticamente eleito, sobretudo se derrubado por golpe militar.

É claro que a Turquia tem muito com o que se preocupar. A mudança de poder no Egito é exemplo eloquente da facilidade com que os EUA desertam e traem os aliados de ontem.

Israel ainda não se manifestou. Evidentemente apoia o golpe, percebendo-o como uma espécie de retorno dos apoiadores de Mubarak com os quais Telavive sempre se entendeu muito bem. A principal preocupação é com a possibilidade de os EUA suspenderem a ajuda militar, caso em que os acordos de Camp David podem ser ameaçados.

De todos os chefes de Estado, Bashar Assad foi quem ofereceu o comentário mais detalhado, ao jornal sírio Al-thawra.

Segundo ele, o que está acontecendo no Egito é prova de que são fúteis todas as tentativas para politizar o Islã.

Pensava, aí, no sistema que a Fraternidade Muçulmana tentou impor.

O presidente disse que é erro usar o Islã para obter vantagens políticas, porque religião e políticas devem ser capôs separados: “Quem quer que use a religião para alcançar objetivos político partidários perderá sempre, onde quer que o faça – no Egito ou em qualquer outro país do mundo”.

O colapso do Islã usado como sistema político de governo explica-se pelo fato de que o “Islã político” é uma ideologia: o projeto político da Fraternidade Muçulmana levou a uma cisão no mundo árabe. Os Irmãos provaram isso aos egípcios. O povo entendeu que fora enganado desde os primeiros dias da revolução egípcia.

Quando perguntado por correspondentes se confirmava a informação que a Agência Reuters recebera de fontes militares egípcias, de que uma das motivações para o golpe seria a decisão de Mursi de romper relações com a Síria, o presidente Assad respondeu que não podia falar em nome do povo egípcio, mas confirmou que houve contatos entre o governo sírio e fontes no Egito, que diziam que a decisão fora um erro.

A grande lição a extrair, que beneficiará políticos em todo o mundo, é simples: deixem em paz a Síria!

A Síria tem potência, até, para encerrar carreiras de presidentes eleitos!

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.co.at/2013/07/egito-reviravolta-bem-proxima-de-golpe.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed:+redecastorphoto+(redecastorphoto)

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Se os EUA não fizerem o que Israel diz que Deus disse... estamos fritos

22/04/2013 - Institute for Political Economy
- em 21/4/2013, por Paul Craig Roberts
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Os governos dos EUA estão em guerra há 11 anos.

Os militares norte-americanos destruíram o Iraque, deixando em ruínas o país e milhões de vidas, e abriram as porteiras do sectarismo sanguinário que o governo secular de Saddam Hussein mantivera bem contido.

Qualquer dia que se observe o Iraque hoje “libertado”, o número de mortos é maior do que durante o auge da tentativa norte-americana para ocupar o país.

No Afeganistão, depois de 11 anos de tentativas norte-americanas para ocupar o (outro) país, o sucesso é ainda menor que depois de uma década de tentativas soviéticas.

Os afegãos não se entregam, apesar de duas décadas de guerra contra duas superpotências.

Como os soviéticos, os norte-americanos também deram jeito de matar muitas mulheres, crianças e velhos, mas número bem menor de valentes combatentes, que continuam vivos.

Em lugar do governo fantoche dos soviéticos, há lá um governo fantoche dos EUA.

Só isso mudou, e o fantoche dos norte-americanos é ainda mais frágil que o fantoche dos soviéticos.


Na Líbia, Washington usou seus fantoches corruptos da OTAN e bandidos recrutados pela CIA para derrubar outro governo estável, de Muammar Gaddafi, e deixou a Líbia entregue à violência sectária.

Um país estável e próspero foi simplesmente destruído por governos ocidentais que muito falam sobre respeito aos direitos humanos e tanto condenam China e Rússia por não fazer o que eles fazem.


No Paquistão e no Iêmen, Washington mata civis, usando drones em ataques aéreos.

Paquistão e Iêmen são dois países com os quais Washington não está em guerra, mas cujos governos foram subornados para que dessem aos EUA direito de assassinar os paquistaneses e iemenitas e norte-americanos em seu território, para assim desestabilizar também os dois países.

E agora, na Síria, Washington está ocupadíssima destruindo mais um governo secular e estável, chefiado por um médico oftalmologista [ao lado] formado na Inglaterra.

Os 11 anos de agressão ilegal a países muçulmanos cometida por Washington – que configura crime de guerra, nos termos definidos pelo Tribunal de Nuremberg que condenou nazistas – resultaram em número muito maior de civis mortos que de militares mortos.

Resultaram também numa política doméstica, cá nos EUA, que já destruiu o Estado de Direito e todas as proteções constitucionais de que gozavam os cidadãos norte-americanos.

Washington e sua imprensa-empresa prostituída (presstitutes) vivem a repetir que esse seria o preço a pagar para salvar os norte-americanos dos ataques dos terroristas da al-Qaeda [emblema ao lado] – nenhum dos quais foi jamais encontrado ou preso em território dos EUA.

Submetido à agressão ininterrupta da propaganda com a qual Washington e seu Ministério da Propaganda “midiático” bombardeiam meus ouvidos e olhos há 11 anos, imaginem qual não foi minha surpresa, atônito e boquiaberto, ao ver duas manchetes justapostas:

Frente Al-Nusra jura fidelidade à al-Qaeda” (BBC) e

Movimento para ampliar ajuda aos rebeldes sírios ganha velocidade no Ocidente” (NY Times).

Frente al-Nusra, [acima] terroristas da al-Qaeda financiados pelos EUA na Síria

A Frente Al-Nusra é o principal grupo militarizado dos “rebeldes sírios” e jurou fidelidade ao mais mortal inimigo dos EUA – a al-Qaeda de Osama bin Laden.

Parem as máquinas!
O governo dos EUA jurou a nós, cidadãos, durante 11 anos, que estava torrando trilhões de dólares em guerras e mais guerras para proteger os norte-americanos contra os ataques da al-Qaeda.

Em nome disso, destroçaram a assistência social, Social Security, Medicare, toda a rede de seguridade social, o valor de câmbio do dólar, a avaliação do valor de câmbio dos papéis do Tesouro Norte-americano e todas as nossas liberdades civis.

TUDO, para salvar os EUA, dos ataques dos terroristas da al-Qaeda.

Assim sendo... por que, agora, Washington está apoiando a mesma al-Qaeda que trabalha para derrubar um governo secular não islamista na Síria, o qual nunca, em tempo algum, ameaçou, nem de longe, os norte-americanos!?

Duas presstitutes do The New York Times, Michael R. Gordon e Mark Landler, encarregaram-se de elevar a organização terrorista al-Qaeda ao status de “oposição síria”.

Numa reunião-almoço, reunida com esse fantoche de Washington, o secretário de Relações Exteriores britânico, William Hague [abaixo], e o secretário de Estado dos EUA, John Kerry [ao lado], a “oposição síria” – quer dizer: a al-Qaeda – “solicitou” jatos bombardeiros e armamento antitanques.

Um alto funcionário norte-americano esclareceu que “nossa ajuda está em trajetória ascendente. O presidente Obama ordenou que sua equipe de segurança nacional identifique outros meios pelos quais possamos ampliar nossa ajuda” (à al-Qaeda!).

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, anunciou um “pacote de ajuda para defesa”, no valor de $123 milhões, para a “oposição síria” (hoje comandada pela al-Qaeda!).

Washington já enviou $117 milhões em “alimentos e suprimentos médicos e hospitalares” para a “oposição síria”; e ordenou que seus fantoches no Oriente Médio mandem armas.

Observem o duplifalar orwelliano: os EUA estão fornecendo armas a uma força terrorista estrangeira, para que destrua um governo secular e uma população inteira com os quais os EUA não estão em guerra; e a isso se dá o nome de “pacote de ajuda para defesa”.

Dia 11/4, o jornal Le Monde, do establishment francês, noticiou que a Frente al-Nusra afiliada à al-Qaeda é a força militar que domina a “oposição síria”, não algum grupo de democratas revolucionários.

Apesar disso, os fantoches de Washington, França e Grã-Bretanha, estão empurrando a União Europeia para que também forneça armas à tal “oposição síria”, quero dizer, à al-Qaeda.

E o senador John McCain [ao lado] quer que os EUA ataquem diretamente o governo Sírio (bombardeio aéreo, é o que ele quer), apesar de os EUA não estarem em guerra contra a Síria, porque o senador McCain acha imprescindível que os EUA ajudem a al-Qaeda a assumir o governo por lá.

Simultaneamente, os xiitas islamistas, aos quais os EUA entregaram o controle do Iraque, anunciaram que se aliaram às forças de al-Qaeda-EUA (?!), interessados em também radicalizar e fundamentalizar a Síria.

Os números mais recentes da ONU indicam que os ataques contra a Síria organizados por procuração pelos fantoches de Washington já mataram 70 mil pessoas.

Mas os norte-americanos só pensam nas bombas da Maratona de Boston, que mataram três pessoas.

Mais uma vez “a única nação indispensável” está levando morte e destruição a um país inteiro... talvez para oferecer “liberdade e democracia” a pilhas de cadáveres.

Nenhum sírio jamais pediu para ser assim “libertado” da própria vida.

Americanos, orgulhem-se!

Estamos cumprindo nosso dever com nossa arrogante hegemonia sobre o mundo e também nosso dever com Israel, que já alugou o governo dos EUA.

Temos todo o direito de nos impor como potência hegemônica no planeta Terra, passando pelo Mar Mediterrâneo. Portanto... Washington tem todo o direito de destruir a Síria... para acabar com a base naval russa!

Os romanos jamais toleraram que potência estrangeira tivesse base naval ali.

Não podemos deixar por menos! Afinal, não somos estado-pateta, com medo da própria sombra.

O Mediterrâneo foi mare nostrum – nosso mar – dos romanos. Agora é nosso. Portanto... temos todo o direito de destruir a Síria.

Israel, claro, recebeu o título de “Grande Israel” das mãos de Deus em pessoa – e quem sou eu para discordar dos pregadores cristãos sionistas que engordam com o dinheiro israelense – para os quais parte da “Grande Israel” seria o rio no sul do Líbano que fornece preciosa água.

Militantes do Hezbollah
O Hezbollah, ajudado por Síria e Irã impediu que Israel confiscasse o sul do Líbano para pôr as mãos na água que Deus dera pessoalmente aos israelenses.

Portanto, os EUA, para fazermos nosso dever de fantoches de Israel, temos agora de destruir tudo – a Síria e o Irã, para isolar o Hezbollah [ao lado], tirá-lo do caminho que nos leva à água, indispensável à “Grande Israel”.

As igrejas cristãs sionistas nos EUA repetem essa mensagem todos os domingos.

Se você não acredita neles, é porque é algum tipo de antiamericano antissemita e tem de se exterminado.

Ou talvez seja um desprezível terrorista muçulmano a ser submetido a simulação de afogamento, até confessar.

A Segurança Doméstica fará picadinho de você, como fizeram dos russos/chechenos muçulmanos terroristas em Boston, que tentaram explodir a Maratona.

Quero dizer é que... como nós, povo indispensável, levaremos liberdade e democracia ao mundo, se os russos mantêm uma base naval em nosso mar?

Como projetaremos força, se projetamos tal fraqueza a ponto de admitir base de potência estrangeira na nossa exclusiva esfera de influência, a milhares de milhas de distância de nossas fronteiras?

Não esqueçam: as fronteiras dos EUA são as fronteiras do mundo. Como diz nosso hino: “Do mar ao mar brilhante”. Não esqueçam.

Claro, não queremos confrontos com outra potência militar nuclear, mas o jeito de contornar isso é demonizar o governo sírio e a Rússia por apoiar o governo de um oftalmologista e “brutal ditador” que resiste contra a tentativa da al-Qaeda para tomar a Síria e financiada com dinheiro de Washington.

Nossos mestres em Washington podem usar a ONU e todos os nossos bem pagos estados-satélites para pressionar os russos a calarem o bico e saírem do nosso caminho.

Quero dizer: por que Putin não aceita todas aquelas ONGs pagas com nosso dinheiro pelas ruas de Moscou empenhadas em derrubar seu governo?

Quero dizer, quem Putin [acima] pensa que é, para atravessar-se à frente de nossa hegemonia sobre o universo e, além do mais, também à frente da hegemonia sobre o Oriente Médio que Deus deu a Israel?

Quero dizer, Putin está em campo, e em campo estão aqueles malditos chineses.

Quero dizer, sério, quem essa gente pensa que é? Norte-americanos?! Aqueles chinas nunca ouviram falar do nosso controle sobre todo o Pacífico?

Quero dizer, qual é? Os chinas são surdos? Saíram para o almoço?

Quero dizer, sério, como poderemos os norte-americanos chegar ao Paraíso, se não obedecemos ao que Deus mandou fazer e entregamos todo o Oriente Médio a Israel, como Israel reza e rezam as sagradas escrituras?

Quero dizer, sério, vocês querem desobedecer à vontade de Deus e assar no Inferno?

Ali, em vez das virgens que os muçulmanos prometem, é só fogo, você será queimado vivo. Melhor você escolher o lado certo, antes de morrer.

Quero dizer, sério, quem quer acabar assim?

Melhor os EUA darmos cabo da Síria, o mais depressa possível, como Israel ordenou.

Se os EUA não obedecerem ao que Israel diz-que Deus disse... estamos fritos! 

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/04/se-os-eua-nao-fizermos-o-que-israel-diz.html

Nota:
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terça-feira, 9 de abril de 2013

Pepe Escobar: “Raia o sul!”

06/04/2013 - em 4/4/2013, Pepe Escobar, para o Asia Times Online
– The Roving Eye - “The South also rises
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu para a redecastorphoto

Não seria delírio imaginar que o Anjo da História de Walter Benjamin rende-se e sucumbe à tentação de declarar que raiou afinal o dia do Sul Global.

Ah, sim, sim. Será estrada longa e sinuosa. [1] Mas se a geração Google/Facebook precisar só de um manual que explique a coisa dos sonhos, tentativas, atribulações do mundo em desenvolvimento no início do século 21, o manual será o recém-publicado The Poorer Nations [As nações mais pobres], [2] de Vijay Prashad. Podem considerá-lo sequência digital, pós-moderna, do clássico Os Condenados da Terra, [3] de Frantz Fanon.

É livro absolutamente essencial, a ser lido simultaneamente, com outra maravilha escrita por um asiático global, Pankaj Mishra, From the Ruins of Empire: The Revolt Against the West and the Remaking of Ásia [Das ruínas do Império: A revolta contra o Ocidente e a reconstrução da Ásia], [4] que se serve de figuras chaves, como Jamal al-Din al-Afghani, Liang Qichao e Rabindranath Tagore para contar uma história extraordinária.

Os fundadores do MNA converteram-se em ícones do mundo pós-colonial: Jawaharlal Nehru, na Índia; Gamal Abdel Nasser, no Egito; Sukarno, na Indonésia; Josip Broz Tito, na Iugoslávia. Mas todos sabiam que seria combate morro acima. Como Prashad observa, ... a ONU fora sequestrada pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial haviam sido capturados pelas potências atlânticas; e o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade [Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio]), precursor da Organização Mundial do Comércio (OMC), foi constituído para minar qualquer esforço que as novas nações tentassem na direção de revisar a ordem econômica internacional.

Quanto ao Projeto Atlântico, basta citar uma frase de Henry Kissinger, de 1969. Kissinger – codestruidor do Camboja; agente que capacitou o líder chileno Augusto Pinochet; aliado, embora contra-vontade, dos sauditas (“os mais incompetentes, preguiçosos e covardes dos árabes”) e elogiador-em-chefe do Xá iraniano (“sujeito durão, que sabe o que quer”):

Nada de importante pode vir do sul. O eixo da história começa em Moscou, vai a Bonn, salta por cima de Washington e vai a Tóquio. O que acontece no sul não tem importância.

Os atlanticistas empenharam-se ferozmente contra o (“sem importância”) Projeto Terceiro Mundo, mas também contra a democracia social e o comunismo. O Santo Graal deles era mergulhar fundo em quaisquer lucros de brotassem de uma nova geografia de produção, “mudanças tecnológicas que capacitaram as empresas a extrair vantagem máxima de diferentes padrões salariais” – sobretudo dos salários muito baixos pagos em todo o leste da Ásia.

Estava pronto, pois, o cenário para a emergência do neoliberalismo. Aqui, Prashad acompanha o indispensável David Harvey, detalhando o modo como o Sul Global chegou ao ponto de ser plenamente (re)explorado: bye bye libertação nacional e ideias de bem coletivo.

Manter os bárbaros à distância
Com o FMI sendo parte, hoje, da troika que dita austeridade à maior parte da Europa Ocidental (junto com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu), é fácil esquecer que, em 1944, as coisas já estavam bem amarradas.

O mundo em desenvolvimento não falou em Bretton Woods, muito menos deu palpite nos vários tipos de controle impostos ao Conselho de Segurança.

Foi o silêncio dos cordeiros. Os lobos disseram o que quiseram, e a desigualdade virou cláusula pétrea.

Prashad oferece os detalhes indispensáveis de como o dólar norte-americano tornou-se moeda mundial efetiva, com os EUA fazendo dançar o preço do dólar, por todo o planeta, sem medir consequências: formou-se o Grupo dos Sete, como mecanismo mundial essencialmente antidesenvolvimentista (e não anti-Soviético); e, claro a muito temida Comissão Trilateral, criada por David Rockfeller do Chase Manhattan para impor a vontade do norte, contra o sul.

E adivinhem quem foi o arquiteto intelectual da Comissão Trilateral? O inefável Zbigniew Brzezinski, adiante consigliere do presidente Jimmy Carter. O Dr. Zbig queria “conter” a “ameaça contagiosa da anarquia global”. Dividir para governar, mais uma vez. A periferia tinha de ser posta no seu lugar.

Deve-se lembrar, quanto a isso, que em seu épico de 1997, The Grand Chessboard [O Grande Tabuleiro de Xadrez], o Dr. Zbig, que seria feito conselheiro para política externa de Barack Obama em 2008, escreveu:

Os três grandes imperativos da geoestratégia imperial são impedir a colusão e manter a dependência em segurança entre os vassalos; manter os tributários dóceis e protegidos; e impedir que os bárbaros se unam.

Por muito tempo os “vassalos” foram facilmente contidos; mas o Dr. Zbig, um passo à frente de Kissinger, já planejava um modo para conter os dois “bárbaros” chaves, as duas potências euroasiáticas ascendentes: Rússia e China.

O Grupo dos Sete, seja como for, foi estrondoso sucesso, levando sua “teoria da governança” para todo canto, implementada pela máfia de Bretton Woods – e quem mais seria? Prashad define claramente:

O que recebeu o nome de “neoliberalismo” foi menos uma doutrina econômica coerente, que uma campanha muito direta, posta em andamento pelas classes proprietárias, para manter ou restaurar sua posição de dominação” – mediante a “acumulação por despossessão” (termo cunhado por David Harvey), também bem conhecida de milhões de europeus sob o codinome de “austeridade.

Os números contam a história. Em 1981, o fluxo líquido de capitais para o Terceiro Mundo foi de $35,2 bilhões. Em 1987, $30,7 bilhões deixaram o Terceiro Mundo, para bancos ocidentais. Por graça de Deus e sua lei escrita em pedra, também chamada “Ajuste Estrutural”, baseada em “condicionalidades” (privatização selvagem, desregulação, destruição dos serviços sociais, “liberalização” das finanças).

Parafraseando (Bob) Dylan, quando você tem nada, você ainda tem esse nada, a perder. Jamais houve qualquer estratégia política, do norte, para negociar a crise da dívida dos anos 1980s. Os cordeiros do Sul Global só foram autorizados a desfilar, em triste procissão, para receber o ajuste estrutural consagrado, um a um.

Mas nem tudo isso bastaria. Com o fim da URSS, Washington ficou livre para desenvolver a Dominação de Pleno Espectro. Os que não se submeteram completamente foram rotulados “estados delinquentes” – como Cuba, Irã, Iraque, Líbia, República Popular Democrática da Coreia e até, por certo tempo, a Malásia (porque resistia ao FMI).

Mas então lenta, mas firmemente, o Sul Global começou a erguer-se. Prashad detalha as razões – o boom de commodities puxado pela China; lucros advindos da venda de commodities que fizeram renascer as finanças latino-americanas; mais investimentos estrangeiros diretos correndo mundo. O Sul Global começou a negociar mais dentro do próprio Sul Global.

Então, em junho de 2003, à margem da reunião do Grupo dos Oito em Evian, França, emergiu algo chamado IBSA (“Diálogo Índia-Brasil-África do Sul). O IBSA estava apto a “maximizar os benefícios da globalização” e a promover crescimento econômico sustentado. O Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, definiu-o naquele momento como “uma ideologia no melhor sentido da palavra: ideologia de democracia, diversidade, tolerância e busca de cooperação”.

Paralelamente, a China estava – como teria de estar – crescendo. É essencial lembrar aqui, a viagem, crucialmente decisiva, que Deng Xiaoping fez a Cingapura, em novembro de 1978, quando foi recebido por Lee Kuan Yew. Sobre essa visita, Prashad poderia ter escrito um capítulo inteiro. Foi o “gancho” de suspense, para o capítulo seguinte. Deng entendeu que podia mobilizar as guanxi (“conexões”) da diáspora chinesa, com todo o seu potencial.

Nunca esquecerei minha primeiríssima viagem a Shenzhen, apenas um mês depois do famosíssimo tour de Deng pelo sul, em janeiro de 1992. Foi quando o boom realmente começou. Naquele momento, senti que estava mergulhado, até o pescoço, na China maoísta.

Façam avançar a fita até hoje, com a China ajudando a desenvolver a África. Vastas porções do mundo em desenvolvimento jamais sequer considerariam a possibilidade de abraçar cegamente o azhongguo moshi – o Modelo Chinês. A coisa se passa mais como Prashad faz, começando com essa maravilhosamente clara frase de Donald Kaberuka, um ex-ministro das finanças de Rwanda e atual presidente do Banco Africano de Desenvolvimento:

Podemos aprender [dos chineses] como organizar nossa política comercial, como sair do status de baixa renda, para um status de renda média, como educar nossas crianças em setores e habilidades que, em poucos anos, pagarão o próprio custo.

BRIC a BRIC [*]
O que nos traz aos BRICS, criados como grupo em 2009, da união BRIC-IBSA e que são hoje a principal locomotiva do Sul Global.

Àquela altura, “Culpem a China” já se tornara uma das Belas Artes, em Washington; era absolutamente imperativo que todos os chineses se convertessem em consumidores.

Eles são e serão – mas ao ritmo deles e seguindo o seu próprio modelo político. [6]

Até o FMI já admite que, por volta de 2016, os EUA já terão deixado de ser a maior economia do mundo.

Tinha razão portanto o grande Fernand Braudel, quando escreveu Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII [7] (Le temps du monde [1979, 3 volumes]); (ing.) The Perspective of the World: Civilization and Capitalism, Fifteenth- Eighteenth Century, em que diz que esse seria o “sinal do outono” para a hegemonia atlântica.

Claro que os BRICS enfrentam problemas imensos, como Prashad detalha. As respectivas políticas domésticas podem, sim, ser interpretadas como uma espécie de “neoliberalismo com características do Sul Global”.

Estão ainda longe de ter construído ou de ser alternativa ideológica para o neoliberalismo. Não têm nem qualquer mínima condição de defesa contra a arrasadora hegemonia militar dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN (basta ver o fiasco na Líbia). E não são o embrião de mudança revolucionária na ordem mundial.

Mas, pelo menos, trazem “uma lufada de ar fresco para oxigenar o mundo estagnado do imperialismo neoliberal”.

O ar fresco circulará sob a forma de um novo banco de desenvolvimento, um Banco BRICS do Sul, versão do Banco del Sur sulamericano fundado em 2009 (para conhecer a leitura de Prashad, veja “Os grandes BRICS: a China afinal encontra seu nicho” [8].

China e Brasil já definiram uma conta de $30 bilhões em moeda própria para pagar contas comerciais, deixando de lado o dólar norte-americano. Pequim e Moscou aprofundam a parceria estratégica (ver “BRICS conseguem furar o cerco” [9]).

Os BRICS como são hoje – três grandes consumidores de commodities e dois grandes produtores de commodities tentando abrir uma picada que os salve do desastre para o qual o ocidente dirige o mundo – são só um começo. Já começam a movimentar-se como poderoso ator geopolítico, o que destaca a multipolaridade. Logo haverá novos BRICS – os países MIST (México, Indonésia, [South] Coreia (do Sul) e Turquia). E não esqueçam o Irã. Será hora, já, para os BRICS MIIST?

Dr. Fantástico
O que se vê, como que desenhadamente claro, é que o Sul Global já sofreu demais –dos saques que sofre do turbo-capitalismo de cassino, à OTAN fazendo-se de Robocop, do norte da África ao sudeste da Ásia, para nem falar da Eurásia, que vai sendo cercada por aquela quimera de Dr. Fantástico – um escudo de mísseis.

O Sul Global ainda padece sob muitos absurdos. Basta pensar nas petro-gás-monarquias do Conselho de Cooperação do Golfo – aqueles exemplares de “democracia” – já configurados como anexo da OTAN. Poucos eventos recentes foram tão espantosamente assustadores, quanto a Liga Árabe, a lamber as botas de seus senhores na OTAN e desrespeitando todas as leis internacionais, para pôr os tresloucados “rebeldes” sírios na cadeira que, por direito, cabe à Síria, estado soberano e membro fundador da própria Liga.

Cenas estranhas na mina de ouro [10]
A queda do neoliberalismo será sangrenta – e demorada. Prashad tenta uma análise objetiva da unidade do Sul Global, seguindo a trilha do pensamento de um marxista indiano, Prabhat Patnaik.

Patnaik é pensador consistente. Ele sabe que “não se vê no horizonte qualquer resistência coordenada global”.

Mas considera “a centralidade de construir a resistência dentro do estado-nação, e sua análise pode ser facilmente estendida a regiões (escreve prioritariamente sobre a Índia, mas produz análise aplicável aos experimentos bolivarianos na América Latina)”.

Assim sendo, o mapa do caminho sugere que se enfrente a “questão camponesa” – que envolve, essencialmente, terra e direitos; e que nos concentremos em lutas imediatas para melhorar as condições de vida e de trabalho das pessoas. Inevitavelmente, Prashad teria de fazer, e faz, referência ao vice-presidente da Bolívia, Alvaro Garcia Linera, um dos mais importantes intelectuais latino-americanos contemporâneos.

Sob vários aspectos, é em partes da América Latina que o processo de emancipação está mais avançado. Fiquei imensamente impressionado quando visitei a Bolívia, no início de 2008. Prashad praticamente resume as análises de Linera, de como se desenvolve o processo.

Tudo começa com uma crise do estado, que permite que “um bloco social dissidente” mobilize o povo para um projeto político. Desenvolve-se um “embate catastrófico” entre o bloco do poder e o bloco do povo, o qual, no caso da América Latina, pôde resolver-se, pelo menos por hora, a favor do povo.

O novo governo tem, então, de “converter o que foram demandas da oposição, em atos de Estado” e construir hegemonia mais profunda e mais ampla, “combinando as ideias da sociedade mobilizada e recursos materiais oferecidos ou pelo Estado, ou através do Estado”.

O ponto de virada (“ponto de bifurcação”), para Garcia Linera, vem mediante “séries de confrontações” entre os blocos, que se resolvem de modos inesperados, ou com a consolidação da nova situação, ou com a reconstituição da situação velha.

Estamos no ponto de bifurcação, ou bem próximos. O que virá não é previsível.
O que as melhores cabeças na Ásia, África e América Latina já sabem, até agora, é que nunca houve qualquer fim da história, como papagueavam patéticos órfãos de Hegel; e tampouco houve algum fim da geografia, como papagueavam os panacas dançantes da globalização, para os quais “a Terra é plana”.

Está finalmente em curso a libertação do pensamento do Sul Global, que se vai livrando do pensamento do Norte. Esse é processo sem volta, irreversível. Não há retorno possível à velha ordem.

Se fosse um filme, seria 1968, repetido sempre, sempre, sempre, em tempo integral, sem parar. Sejamos realistas: exijamos e implementemos o impossível.

Notas de tradução
[*] Há aqui um trocadilho intraduzível. A palavra brick (ing.) significa “tijolo”. Com mínima diferença de grafia e nenhuma de pronúncia, quem diga “BRIC by BRIC” (ing.) diz também “brick by brick” (ing.), “tijolo a tijolo”. Tentamos “BRIC a BRIC”, como tradução possível, para salvar pelo menos uma parte da metáfora. Há outras possibilidades [NTs].

[1] Orig. ...a long, arduous and winding road [http://letras.mus.br/the-beatles/190/traducao.html]. De verso dos Beatles em “The Long And Winding Road”. Assiste-se/ouve-se a seguir:



[2] PRASHAD, Vijay. The Poorer Nations: A Possible History of the Global South [http://www.amazon.com/The-Poorer-Nations-Possible-ebook/dp/B007NQVV1G], 2013, New York: Verso, 300 p.
[3] FANON, Franz. Os Condenados da Terra [http://www.livrariacultura.com.br/Produto/LIVRO/CONDENADOS-DA-TERRA-OS/5060504] [1961, pref. Jean-Paul Sartre], Juiz de Fora: Ed. Universidade Federal de Juiz de Fora, 2006
[4] MISHRA, Pankaj. From the Ruins of Empire: The Revolt Against the West and the Remaking of Asia [http://www.amazon.com/From-Ruins-Empire-Against-Remaking/dp/1250037719], Amazon.
[5] PRASHAD, Vijay. The darker nations: a people's history of the Third [http://books.google.com.br/books/about/The_Darker_Nations.html?id=iPxsQGDri8MC&redir_esc=y] - World Perseus Distribution Services, Abril,1, 2008 - 364 pg.
[6] Primavera, 2013, Europe’s world, Zhang WeiWei em: Why China prefers its own political model [http://www.europesworld.org/NewEnglish/Home_old/Article/tabid/191/ArticleType/ArticleView/ArticleID/22086/language/en-US/WhyChinaprefersitsownpoliticalmodel.aspx] [Por que a China prefere seu próprio modelo político].
[7] BRAUDEL, Fernand e COSTA, Telma. Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII [http://books.google.com.br/books/about/Civiliza%C3%A7%C3%A3o_material_economia_e_capita.html?hl=pt-BR&id=OEuMAAAACAAJ] – Livraria do GOOGLE.
[8] 27/3/2013, redecastorphoto, Visay Prashad em: “Os grandes BRICS: a China afinal encontra seu nicho” [http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/03/os-grandes-brics-china-afinal-encontra.html], [em port.]
[9] 26/3/2013, redecastorphoto, Pepe Escobar: “BRICS conseguem furar o cerco” [http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/03/brics-conseguem-furar-o-cerco.html], [em port.]
[10] É subtítulo de um livro: BOXALL, Fiona Vivien, The New Age of Corporate Management: Weird Scenes Inside the Goldmine [http://books.google.com.br/books/about/The_New_Age_of_Corporate_Management.html?id=UG3hNQAACAAJ&redir_esc=y] [A nova era da gestão corporativa: cenas estranhas na mina de ouro], Ed. Macquarie University (Division of Society, Culture, Media & Philosophy, Department of Anthropology), 2003, 742 p..

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/04/pepe-escobar-raia-o-sul.html

Não deixe de ler:
- Brasil e China comercializarão em suas moedas - The Brics Post, publicado por BRICS Media Network Ltd.
[http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/03/brasil-e-china-comercializarao-em-suas.html]
- Os BRICS no FMI e no G-20 - Paulo Nogueira Batista[http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/12/os-brics-no-fmi-e-no-g-20-1.html]
- Brics pensa em novo banco próprio - Kester Kenn Klomegah[http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/03/brics-pensa-em-novo-banco-proprio.html]
- A Cúpula dos BRICS e o boicote da mídia ocidental - Mauro Santayana[http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/04/cupula-dos-brics-e-o-boicote-da-midia.html]
- BRICS: combate à pobreza será prioridade na Rio+20 - Agência Brasil[
[http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/05/brics-combate-pobreza-sera-prioridade.html]

Nota:
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