Mostrando postagens com marcador saúde. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador saúde. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Paciente colabora mais no tratamento quando entende a doença

COBERTURA ESPECIAL – CONFERÊNCIA HTAi 2011
 

Por isso, especialistas asseguram que investir na educação dos pacientes é uma boa estratégia.
Agência Notisa – A Conferência Internacional HTAi, que discutiu durante essa semana no Rio de Janeiro a importância da avaliação de tecnologias em saúde, reservou para seu último dia (29) o debate sobre o papel dos pacientes no próprio tratamento. Segundo pesquisadores de diferentes países, a educação é uma importante ferramenta, pois possibilita que os médicos conversem com os pacientes utilizando uma linguagem que eles entendam. Dessa forma, os doentes aprendem qual é a melhor opção para seu caso, tendo por base suas preferências.
A antropóloga Britta Mortensen, pesquisadora do Centro Dinamarquês para a Avaliação de Tecnologias em Saúde, usou o seu país como exemplo para justificar o quanto é importante investir na educação dos pacientes.
“As doenças crônicas são cada vez mais frequentes no mundo. Só na Dinamarca, 1/3 da população tem uma ou mais doenças crônicas. Cerca de 70 a 80% dos gastos do sistema de saúde são destinados ao tratamento dessas pessoas. Além dos benefícios para os pacientes, esse viés econômico mostra que a educação do paciente é uma boa estratégia. Assim, eles podem cada vez mais gerir suas doenças, reduzindo os custos do governo”, disse.
Na Espanha, o epidemiologista Javier San Roman, membro da Unidade de Avaliação de Tecnologia de Saúde da Agência governamental Lain Entralgo, desenvolveu uma ferramenta para ajudar o paciente na tomada de decisão sobre como cuidar da sua doença. Segundo ele, o método se mostrou muito eficaz na redução da passividade no processo de tomada de decisões.
 
“Com esse método, o paciente pode refletir sobre os prós e contras de cada opção terapêutica. Pode tomar uma decisão mais embasada sobre que caminho seguir”, disse. O método desenvolvido por ele, que parte de entrevistas com os pacientes, foi testado em mulheres com câncer de mama.
 
Tanto Javier quanto Britta e outros pesquisadores presentes no evento concordam que, infelizmente, um programa de educação de pacientes criado em um país dificilmente terá a mesma eficácia em outro. “A aplicabilidade fica comprometida devido aos diferentes contextos locais, às praticas médicas, entre outros.”, explicou Javier.
 
A pesquisadora Sophie Werkö, do Conselho Sueco de Avaliação de Tecnologias em Saúde, avaliou ferramentas de educação de pacientes na Suécia. Segundo ela, os métodos de entrevista motivacionais e terapia cognitiva comportamental, ambos realizados em grupo e individualmente, se mostraram eficazes na redução do HbA1C em pacientes diabéticos e, inclusive, foram incorporados às diretrizes nacionais do tratamento da doença.
 
“O programa de educação em grupo se mostrou um dos mais eficazes. No entanto, o mais importante é ressaltar que o programa tem mais sucesso quando é realizado por profissionais que conhecem bem a doença e a metodologia”, destacou.
 
Os profissionais responsáveis pela aplicação do programa no estudo conduzido por Sophie foram enfermeiros. Porém, ela e os outros especialistas enfatizaram que uma característica essencial de toda equipe de saúde envolvida no tratamento é saber ouvir o doente. Só assim, os profissionais saberão o que é melhor para cada paciente. A partir dos desejos e preferências deles.
 
Javier, Britta, Sophie e os demais profissionais presentes no evento acreditam que o processo de tomada de decisão compartilhada é o melhor caminho no tratamento de muitas doenças. Embora eles considerem que são necessários mais estudos para avaliar a eficácia dos programas e ferramentas, assim como seus custos, acreditam que o investimento na educação dos pacientes não deve parar.
 
“Muitos pacientes fazem o recomendado pelos médicos, porém não entendem o que estão fazendo. O aprendizado dessas competências os faz ser mais independentes. Abre novas perspectivas na sua vida e os tornam mais seguros”, resumiu Britta.
 
Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Testes rápidos para hepatite B e C são útéis para comunidades de difícil acesso

COBERTURA ESPECIAL – CONFERÊNCIA HTAi 2011


Palestrantes discutiram também o uso de PCR para diagnóstico de tuberculose pleural e de marcador inflamatório para pré-eclampsia.
 
AGÊNCIA NOTISA – Os testes diagnósticos são ferramentas fundamentais para os sistemas de saúde pública, pois além de permitirem o estabelecimento de condutas terapêuticas para diferentes quadros clínicos, podem ser utilizados como mecanismos de prevenção na triagem de doenças. Nessa quarta-feira (29), sob coordenação de Bruce Ducan, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e de Sun Robin, da Haute Autorité de Santé, na França, pesquisadores brasileiros apresentaram diferentes estudos sobre o uso desses testes na saúde pública. A sessão fez parte do último dia da 8ª Reunião Anual da Health Technology Assessment International (HTAi), realizada pela Health Techonology Assessment International (HTAi) e pelo Ministério da Saúde, no Rio de Janeiro.
 
Michael Shlussel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresentou uma revisão literária que ele e colegas realizaram com o objetivo de avaliar se a concentração sérica da proteína C-reativa no primeiro e segundo trimestres da gestação está associada com pré-eclampsia e se esse marcador inflamatório poderia ser incorporado na rotina médica dos serviços de pré-natal.
 
O pesquisador lembrou que a pré-eclampsia é a complicação mais comum depois da 20ª semana gestacional e está associada com altas taxas de mortalidade materna e morbidade neonatal. Por essa razão, estudos que busquem identificar precocemente esse evento se tornam importantes.
 
De acordo com Michael, a pesquisa por estudos, publicados entre abril de 2010 e abril de 2011, que abordavam esse tema em plataformas de busca científicas resultou na seleção de 16 trabalhos científicos, sendo sete dos EUA, seis da Europa, um da Austrália e dois da América Latina, especificamente da Colômbia e do Chile.
 
Esses estudos, entretanto, eram muito heterogêneos, o que não permitiu uma conclusão sobre a eficácia do teste. Assim, Michael destacou que, no momento, ele e equipe consideram que não há “suporte científico para justificar seu uso como tecnologia na rotina de serviços de saúde de atenção pré-natal para identificar mulheres em risco para desenvolvimento de pré-eclampsia”.
 
Outra tecnologia discutida durante o evento foi a reação em cadeia de polimerase (PCR, em inglês) para diagnóstico da tuberculose pleural. Para avaliar se essa metodologia poderia ser utilizada para identificar o micro-organismo Mycobacterium tuberculosis, Guilherme Geit, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA), apresentou a experiência dessa instituição. Ele contou que 85 pacientes atendidos, entre 2004 e 2009, no HCPA com suspeita de tuberculose pleural foram incluídos na pesquisa. O teste de PCR apresentou, segundo Guilherme, 41% de sensibilidade e 97% de especificidade. Dessa forma, a equipe considerou a metodologia útil e com a vantagem de antecipar o início do tratamento nos casos positivos, pois o resultado é obtido em três dias. Vale lembrar que outras alternativas diagnósticas, por exemplo, a cultura de células revela o diagnóstico em 50 dias.
 
Ao final do evento, Lívia Melo Villar, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), apresentou um trabalho realizado por ela e colegas sobre o uso de testes rápidos no diagnóstico de hepatite B e C. Segundo ela, essas ferramentas podem ser vantajosas em localidades de difícil acesso, por exemplo, comunidades indígenas da região Norte do Brasil. Embora existam testes rápidos, esses ainda não são validados, por essa razão, os pesquisadores buscaram estabelecer padrões para avaliá-los. Lívia explicou que foram selecionados quatro testes: dois para detectar o antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg, em inglês) – Imuno-Rápido HBV da  Wama Diagnóstica e Vikia HBsAg da Biomérieux – e dois para detecção de anticorpos contra o vírus da hepatite C (anti-HCV) – Imuno-Rápido HCV da Wama Diagnóstica e o teste rápido anti-HCV da Bioeasy.
 
A pesquisadora afirmou que os testes rápidos apresentaram bom desempenho quando comparados aos testes convencionais e, por isso, recomendou o uso em pequenos laboratórios, nos quais os exames convencionais não estejam disponíveis.
 
Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico

terça-feira, 28 de junho de 2011

Na America Latina, dificuldades de atualização científica pode ser compensada pela interação entre vizinhos

COBERTURA ESPECIAL – CONFERÊNCIA HTAi 2011


China e Argentina mantêm programas de cooperação para criação de diretrizes de saúde.
 
Agência Notisa – Ontem (27), no primeiro dia da Conferência HTAi, que acontece no Rio de Janeiro até quarta-feira (29), o painel Challenges of HTA Translation Into National Clinical Practice Guidelines in Developing Countries: Experience of Argentina and Chile mostrou como países latino-americanos contornam dificuldades para a produção de diretrizes que possibilitem a criação de sistemas de saúde melhores. Participaram da mesa-redonda, Victoria Wurcel (Ministério da Saúde da Argetina), Graciela Demirdjian (National Pediatric Hospital J.P. Garrahan, Argentina), Luis Vera Benavides e Patrícia Kraemer (ambos do Ministério da Saúde chileno).
 
Segundo Victoria Wurcel, a situação argentina – que pode ser estendida a muitos países da América Latina – torna complicado o estabelecimento de diretrizes e protocolos de qualidade inquestionável para orientação das práticas médicas. Entre as razões para tal dificuldade, estão: a lenta penetração e consolidação de movimentos de pesquisas baseadas em evidência; as barreiras linguísticas que tornam difícil o acesso à literatura biomédica atualizada e a falta de recursos humanos e econômicos. Além disso, disse Wurcel, o fato da Argentina ser dividida em 24 jurisdições autônomas dificulta políticas nacionais, uma vez que estratégias para saúde não podem ser impostas a todas as jurisdições, dificultando uma integração de qualidade.
 
Graciela Demirdjian apresentou a situação do Hospital J.P. Garrahan, uma referência em tratamento pediátrico na Argentina. A especialista lembrou que muitas vezes a elaboração de guias e protocolos é desestimulada dentro dos próprios centros de saúde, sob o argumento de que não há evidências para montá-los ou de que será um esforço em vão. Para anular tais argumentos, é importante que, uma vez estabelecidos guias, haja um monitoramento de sua aplicabilidade e eficiência. Na avaliação de Demirdjian, protocolos bem definidos e criados com base em evidências científicas seguras promovem e aumentam a qualidade do atendimento, ao mesmo tempo em que podem reduzir custos. Além disso, são instrumentos importantes para preencher o espaço entre a pesquisa e a prática, se configurando como ferramentas para o trabalho médico diário.
 
Já o sistema de saúde chileno funciona num regime misto (privado e público), sendo o Ministério da Saúde o grande pólo que designa políticas e programas nacionais, além de coordenar órgãos subordinados e monitorar e avaliar a aplicação de suas estratégias para saúde, explicou Luis Vera Benavides. Patrícia Kraemer detalhou os passos para criação de guias do Ministério da Saúde chileno: coordenadores temáticos e tecnológicos se unem para convocação de um painel de especialistas, vindos de hospitais, universidades e outros centros de produção de conhecimento. Em seguida, é feita pesquisa e análise de evidências para elaboração de diretrizes para questões específicas, com eliminação de dados que não são relevantes. A versão bruta do guia é levada para revisão e recebe sugestões de diversos especialistas. Depois de corrigida, é impressa a versão final do protocolo, também disponibilizado on-line.
 
Uma iniciativa do Chile apresentada pelos palestrantes foi o plano AUGE, instaurado em 2005, que é parte de um movimento amplo de reforma do sistema de saúde chileno. O projeto busca garantir a todos os chilenos o acesso a um pacote de medidas de saúde para alguns problemas específicos, baseado nos princípios de “acesso, prazo, proteção financeira e urgência vital”. A medida, porém, ainda é falha para criação de diretrizes, porque, segundo Benavides, há problemas para padronização de guias a nível nacional, havendo também falhas na monitoração e implementação das garantias estabelecidas pelo AUGE.
 
Para contornar as dificuldades de criação de guias para a prática médica, Victoria Wurcel destacou que, além de medidas a nível nacional como a Unidad Coordinadora de Evaluación y Ejecución de Tecnologías en Salud (UCEETS – iniciativa argentina que busca a troca de informações, participação conjunta, padronização e criação de um banco de dados comum, entre outros objetivos para estabelecimento de guias para saúde), é importante a cooperação entre países da América Latina. Segundo ela, Chile e Argentina têm se esforçado para criação de estratégias capacitadoras, através da troca de recursos, transferência de conhecimentos e facilitação de acesso a novas tendências internacionais, eliminando tradicionais dificuldades de atualização em pesquisas internacionais. Ainda que, como Graciela Demirdjian ressaltou, a disseminação de diretrizes deva levar em conta o contexto de cada situação, uma vez que “pessoas são diferentes e países são diferentes”, as bases para montagem de protocolos são transferíveis, de maneira que, acredita Victoria, a cooperação deve ser sempre estimulada.
Nota: O Brasil é o primeiro país da América Latina a sediar a Conferência Internacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde(HTAi). Essa de 2011 é oitava. O Blog  Educom Aprenda Ler a Mídia
está publicando a Cobertura Especial  da  HTAi  feita pela Agencia Notisa, que começou ontem e termina amanhã (Zilda Ferreira).
Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Na área de saúde, Brasil ainda não consegue transformar conhecimento em riqueza social

COBERTURA ESPECIAL – CONFERÊNCIA HTAi 2011


País tem dificuldade em desenvolver pesquisa científica que leve a mudanças sociais efetivas.
 
Agência Notisa – Não se pode negar que o Brasil tem crescido muito em termos de produção de conhecimento. Cada vez mais pesquisas nacionais aparecem em publicações internacionais, e a área de saúde se destaca como um campo frutífero à produção científica. Mas esse crescimento em produção teórica e em pesquisas de qualidade ainda não conseguiu ser transformado em mudanças que estimulem o desenvolvimento econômico e social do país. É esta a avaliação de Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, apresentada durante o plenário intitulado The Challenge: Healthcare Systems Sustainability in the 21th Century, ocorrido hoje no Rio de Janeiro.(27/06/2011)
 
O evento faz parte da Conferência HTAi 2011, iniciativa da Health Techonology Assessment International (HTAi) juntamente com o Ministério da Saúde e outros centros, cujo objetivo este ano é discutir como a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) – qualificada pelo Ministério da Saúde como um “processo de investigação das consequências clínicas, econômicas e sociais da utilização das tecnologias em saúde” – pode contribuir para criação de sistemas de saúde que respeitem princípios da sustentabilidade. Da mesa redonda deste primeiro dia da conferência, participaram também Andy Haines (London School of Hygiene & Tropical Medicine), Alice Granados (Genzyme – Espanha), José Carvalho de Noronha (Fundação Oswaldo Cruz) e Adriana Velazquez (OMS), com coordenação de Reinaldo Guimarães (ex-secretário do Ministério da Saúde).
 
Os palestrantes se dedicaram a destrinchar o atual cenário dos sistemas de saúde, seja no âmbito nacional ou internacional. Em relação ao Brasil, Carlos Gadelha afirmou que o país vive hoje um “contexto social muito dinâmico”, com queda nos índices de pobreza e grande crescimento da classe média, sendo que 53% da população têm acesso ao sistema primário de saúde através do SUS. Diante disso, os desafios para montagem de um sistema de saúde que atenda a esta porcentagem crescente aumentam. O grande problema é que haveria um “descompasso” entre tal demanda em atendimento em saúde e a nossa capacidade de produção e inovação, necessária para garantir um serviço abrangente e de qualidade.
 
Na visão de Gadelha, o Brasil tem dado passos importantes em relação ao aumento de sua capacidade de produção e inovação em tecnologias e pesquisas em saúde, porém este conhecimento não termina por gerar riqueza social, ou seja, não há uma tradução deste conhecimento em estratégias e diretrizes para serem aplicadas na prática médica. Esta realidade, segundo o secretário, fica clara analisando alguns dados: “não só a participação do país na criação de patentes em saúde a nível mundial é quase irrisória, como grande parte das tecnologias e inovações usadas em nosso sistema de saúde são importadas, criando grande dependência externa”.
 
Para resolver este problema, seria necessário encontrar maneiras de articular a dinâmica do desenvolvimento econômico e de inovação com o desenvolvimento social. Uma alternativa, sugeriu Gadelha, é a interação entre sistemas públicos e privados, organizada de forma mais abrangente do que um mero “meio para alavancar renda para pesquisa em saúde”. Mais do que uma fonte de obtenção de recursos, tal parceria deve pautar a agenda de inovações, permitindo que o setor privado invista onde o Estado não pode alcançar.
 
As apresentações dos representantes internacionais deixaram claro que o Brasil não é o único país que precisa ultrapassar muitos desafios para conseguir estabelecer um sistema de saúde mais seguro e acessível a toda a população. Andy Haynes e Adriana Velazquez mostraram em gráficos e números que a situação da saúde principalmente em países menos desenvolvidos ainda é precária, com grandes questões envolvendo doenças virais como malária e a AIDS, além de altos níveis de mortalidade materna e infantil. Em 2005, exemplificou Velazquez, enquanto foram registrados 650 mortes maternas em países de baixa renda, apenas nove casos semelhantes ocorreram em países com melhores condições. Ambos os especialistas concordam que a solução para este descompasso estaria na melhoria do sistema primário de saúde. Segundo eles, se houver investimento em tecnologias e inovações que permitam diagnósticos precoces e atendimentos mais velozes, certamente muitas vidas serão salvas. Alicia Granados lembrou, por sua vez, da importância fundamental de se ter uma visão holística dos sistemas de saúde, entendendo-os em suas dimensões científica, política e social, de maneira que sejam estimuladas a parceria e a solidariedade entre todos estes componentes.
 
Já José Carvalho de Noronha lembrou da questão do envelhecimento da população, uma tendência mundial. O aumento da longevidade não necessariamente se reflete na queda da morbidade, sendo as doenças crônicas hoje uma questão preocupante, que pressiona a administração de mais recursos num planeta de fontes esgotáveis. Para o profissional, seria preciso, então, traçar um caminho em que sejam atendidas as necessidades do presente, sem comprometimento com a habilidade de atendê-las no futuro.

Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico)

sábado, 5 de março de 2011

Saúde é responsabilidade do Estado e não de organizações humanitárias

Para especialista, mesmo que algumas ONGs tenham contribuição importante na implantação de políticas públicas, é impossível que assumam essa função.
 
AGÊNCIA NOTISA – A Cruz Vermelha foi a primeira organização fundada no Brasil considerada propriamente humanitária. Isso ocorreu em 1908 em São Paulo. De lá para cá, diferentes contextos políticos e sociais mudaram o cenário nacional e contribuíram para que novas organizações da sociedade civil surgissem. Segundo Jaqueline Ferreira, médica, mestre e doutora em antropologia e professora adjunta do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Iesc/UFRJ), a campanha “Contra a Fome” – criada por Betinho com diferentes colaboradores – foi “a primeira grande mobilização em relação a um problema social e o principal movimento do país que separa o voluntariado do assistencialismo”, como escreve Jaqueline em texto autoral.  Isto porque, para investigar como atualmente uma organização humanitária intervém em uma localidade brasileira, incluindo a especificidade da política local e os aspectos culturais, a médica fez um estudo antropológico na favela Marcílio Dias, pertencente ao “Complexo da Maré”, no Rio de Janeiro. O trabalho deu origem ao capítulo “O Humanitário no Brasil: entre o ideal universal e a cultura local”, que foi publicado no livro “Direitos e ajuda humanitária: perspectivas sobre família, gênero e saúde”. A obra, organizada por Jaqueline e por Patrice Schuch, foi lançada em 2010 pela Editora FIOCRUZ e conta com textos de diferentes pesquisadores.
 
No capítulo em questão, Jaqueline descreve os resultados da investigação sobre a atuação da Organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) na região. Essa entidade em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) participou da implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) no Rio de Janeiro em 1998. A região de Marcílio Dias, por se considerada como “uma das mais vulneráveis em termos de saneamento, habitação, acesso à saúde e intervenção institucional”, recebeu um posto de saúde do MSF que segue os princípios do PSF.
 
Segundo a autora, atualmente Marcílio Dias “possui 12 mil habitantes e 2.300 domicílios e é servida de pequenas lojas e comércios. Também fazem parte da paisagem vários pequenos bares, pequenas oficinas mecânicas, igrejas pentecostais e uma igreja católica”. A maioria dos moradores, diz Jaqueline na publicação, é de origem rural, proveniente da Região Nordeste, trabalha na construção civil, na pesca e no mercado informal e possui uma renda de um salário mínimo.
 
Os baixos indicadores socioeconômicos aliados aos obstáculos geográficos e culturais fazem da localidade: “uma região de risco em termos de saúde”, afirma a professora no capítulo. Ela lembra ainda que, assim como em outras favelas brasileiras, a violência gerada pelo tráfico de drogas e pelo confronto entre polícia e os traficantes agrava a situação, causando medo nos demais moradores e nos profissionais de saúde.
 
Especialmente sobre a atuação do PSF, Jaqueline lembra que os agentes comunitários de saúde (ACS) desempenham papel importante, uma vez que funcionam como “mediadores culturais” entre equipe de saúde e a população. Porém, durante a pesquisa em Marcílio Dias , a médica identificou que “a inserção na organização é considerada pela população como a possibilidade de se ter um trabalho. Não é observado na equipe um ‘espírito humanitário’ e voluntário que busca o estabelecimento de relações sociais, a ocupação do tempo livre ou o desejo de valorização social, como acontece frequentemente nas organizações humanitárias em outros países”.

Ela observou ainda que esses agentes vêem o trabalho no PSF como temporário. Muitos, por exemplo, buscam uma formação de técnico de enfermagem, profissão que possui maior legitimidade entre a população e a equipe de saúde. Jaqueline considera que “a falta de reconhecimento dos habitantes, os conflitos com a equipe de saúde e suas exigências constantes” contribuem para essa situação.
Além disso, ao acompanhar o trabalho desses profissionais, a pesquisadora identificou que os agentes não atuam na “promoção à saúde”, preconizada pelo Ministério da Saúde, mas, ao contrário, desempenham uma atividade repetitiva e sem muita efetividade. Segundo ela, “verificou-se aqui que seu papel limitava-se à entrega de medicamentos e à marcação de consultas médicas”.
 
Além disso, segundo a pesquisadora, os ACS profissionais praticavam também uma espécie de ‘seleção’, visitando famílias de seu círculo de relações ou aquelas que apresentassem problemas sociais ou de saúde considerados pelos agentes como importantes. Portanto, outras famílias não eram visitadas.
 
Analisando as informações obtidas, a professora considera que, no Brasil, a história de escravidão e de Ditadura Militar – representativa de longos períodos de eliminação dos direitos civis e políticos no país – contribuem para que até hoje haja “uma tradição cultural de relações sociais ancoradas em uma política de assistência e clientelismo pelo viés de ações tutelares do Estado ou da filantropia”.
 
Além disso, a política neoliberal assumida pelo país nos anos 80 legitimou as desigualdades sociais. “Assim, o discurso sobre ‘direitos’, ‘direitos humanos’ e ‘cidadania’, defendido no Brasil pelas ONGs como os MSF, não tem um espaço significativo na sociedade brasileira”, ressalta a autora no texto.
 
Segundo Jaqueline, é unânime entre as organizações humanitárias que a resolução dos problemas de saúde é dever do Estado. Entretanto, ao mesmo tempo essas organizações “implantam cada vez mais serviços de saúde com o objetivo de resolver os problemas de saúde da população”, lembra. De qualquer forma, segundo ela, projetos específicos e com o aporte de competência técnica fazem com que essas instituições contribuam com o Estado na implantação de políticas públicas. Porém, para Jaqueline, mesmo que ações como a do MSF tenham representado efetivamente um “importante recurso de saúde para essa população” é impossível que essas entidades assumam a responsabilidade do Estado quanto à saúde da população.  

Agência =Notisa (science journalism – jornalismo científico)


quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O Governo Lula

Frei Betto*
Anunciada a vitória de Lula nas eleições de 2002, publiquei em O GLOBO (28/10/2002) o artigo ‘O amigo Lula’. Encerrei-o com a frase: "Sobrevivente da grande tripulação do povo brasileiro, Lula é, agora, um vitorioso".

Apoiado por ampla maioria da opinião pública brasileira (hoje, 87%), Lula governa o país há oito anos. Surpreendeu a aliados e opositores. Lula é, também agora, um vitorioso – posso parafrasear-me.

Vivi sempre de meu trabalho, como recomenda o apóstolo Paulo. Por breves períodos mantive vínculo empregatício com a iniciativa privada. Recusei nomeações do poder público. Por considerar compatível com minha atividade pastoral, aceitei convite do presidente Lula para integrar, em 2003, sua assessoria especial no gabinete de Mobilização Social do Programa Fome Zero, ao lado de Oded Grajew.

Ali permaneci dois anos. Tive oportunidade de implantar dois programas de ampla capilaridade nacional e ainda vigentes: a Rede de Educação Popular, que atua segundo o método Paulo Freire na formação cidadã de beneficiários do Bolsa Família; e o Escolas Irmãs, que estabelece conexões solidárias entre professores e alunos de instituições de ensino.

Minha tarefa principal consistia em mobilizar a sociedade civil em prol do Fome Zero, sobretudo os Comitês Gestores que, eleitos democraticamente nos municípios, cuidavam do cadastro dos beneficiários e supervisionavam o cumprimento das condicionalidades do programa de erradicação da miséria.

Muitos prefeitos reagiram. Queriam a si o controle do Fome Zero. Temiam o despontar de novas lideranças locais via Comitês Gestores. Exigiam decidir, por razões eleitoreiras óbvias, quem entra e sai do cadastro. Por sua vez, o lobby do latifúndio – cerca de 200 parlamentares do Congresso – pressionava para o Fome Zero não efetivar a reforma agrária, que lhe asseguraria caráter emancipatório e constituía cláusula pétrea do programa do PT.

A Casa Civil deu ouvidos aos insatisfeitos. Tratou de substituir o Fome Zero por um programa de caráter compensatório e, até hoje, sem porta de saída, cujo cadastro é controlado pelos prefeitos: o Bolsa Família. Oded Grajew regressou a São Paulo, o ministro Graziano foi substituído e eu, em dezembro de 2004, pedi demissão. Voltei a ser um feliz ING – Indivíduo Não Governamental.

Às vésperas de encerrar o governo Lula, avalio-o como o mais positivo de nossa história republicana. O Brasil mudou para melhor.

Entre 2001 e 2008, a renda dos 10% mais pobres cresceu seis vezes mais que a dos 10% mais ricos. A dos ricos cresceu 11,2%; a dos pobres, 72%. No entanto, há 25 anos, de acordo com o IPEA, metade da renda total do Brasil permanece em mãos dos 10% mais ricos. E os 50% mais pobres dividem entre si apenas 10% da riqueza nacional.

Sob o governo Lula, os mais pobres mereceram recursos anuais de R$ 30 bilhões; os mais ricos, através do mercado financeiro, foram agraciados, no mesmo período, com mais de R$ 300 bilhões, o que impediu a redução da desigualdade social.

Faltou ao governo diminuir o contraste social por meio da reforma agrária, da multiplicação dos mecanismos de transferência de renda e da redução da carga tributária nas esferas do trabalho e do consumo. E onerar as do capital e da especulação.

Hoje, os programas de transferência de renda do governo representam 20% do total da renda das famílias brasileiras. Em 2008, 18,7 milhões de pessoas viviam com menos de ¼ do salário mínimo. Não fossem as políticas de transferência, seriam hoje 40,5 milhões. Isso significa que o governo Lula tirou da miséria 21,8 milhões de pessoas.

É falácia alardear que, ao promover transferência de renda, o governo "sustenta vagabundos". Isso ocorre quando não pune corruptos, nepotistas, licitações fajutas, malversação de dinheiro público. No entanto, a Polícia Federal prendeu, por corrupção, dois governadores.  

Mais da metade da população do Brasil detém menos de 3% das propriedades rurais. E apenas 46 mil proprietários são donos de metade das terras. Nossa estrutura fundiária é idêntica à do Brasil império! E o empregador rural não é o latifúndio nem o agronegócio, é a agricultura familiar: ocupa apenas 24% das terras e emprega 75% dos trabalhadores rurais.

A inflação manteve-se abaixo de 5%, cerca de 11,7 milhões de empregos formais foram criados e o salário mínimo corresponde, hoje, a mais de US$ 200. Isso permitiu ao consumidor planejar melhor suas compras, facilitado por uma política de créditos consignados e a longo prazo, malgrado as elevadas taxas de juros.

O governo Lula não criminalizou movimentos sociais; buscou o diálogo, ainda que timidamente, com lideranças populares; melhorou as condições dos quilombos; demarcou terras indígenas como Raposa Serra do Sol.

Ao rechaçar a ALCA e zerar as dívidas com o FMI, Lula afirmou o Brasil como país soberano e independente. O que lhe permitiu manter confortável distância da Casa Branca e se aproximar da África, dos países árabes e da Ásia, a ponto de enfraquecer o G8 e fortalecer o G20, do qual participam países em desenvolvimento. Estreitou relações com a África do Sul, a Índia e a China, valorizou a UNASUL e rompeu o "eixo do mal" de Bush ao defender a autodeterminação de Cuba, Venezuela e Irã.

O governo termina sem que, nos oito anos de mandato, tenham sido abertos os arquivos das Forças Armadas sobre os anos de chumbo, nem apoiado iniciativas para entregar à Justiça os responsáveis pelos crimes da ditadura. O país continua sem qualquer reforma estrutural, como a agrária, a política, a tributária etc.

Na educação, o investimento não superou 5% do PIB, quando a Constituição exige ao menos 8%. Embora o acesso ao ensino fundamental tenha se universalizado, o Brasil se compara, no IDH da ONU, ao Zimbábue em matéria de qualidade na educação. Os professores são mal remunerados, as escolas não dispõem de recursos eletrônicos, a evasão escolar é acentuada. Os programas de alfabetização de adultos fracassaram e o MEC se mostrou desastrado na aplicação do ENEM. De positivo, a ampliação das escolas técnicas e das universidades públicas, o sistema de cotas e o ProUni.

O SUS continua deficiente, enquanto o atendimento de saúde é progressivamente privatizado. Hoje, 44 milhões de brasileiros estão inscritos em planos de saúde da iniciativa privada. Mais de 50% dos domicílios do país não possuem saneamento, os alimentos transgênicos são vendidos sem advertência ao consumidor, os direitos das pessoas portadoras de deficiências não são devidamente assegurados.

Governar é a arte do possível. Implica imprevistos e exige improvisos. Lula soube fazê-lo com maestria. Espero que o governo Dilma possa aprimorar os avanços da administração que finda e corrigir-lhe as falhas, sobretudo na disposição de efetuar reformas estruturais e ampliar o rigor na preservação ambiental. Tomara que a presidente consiga superar a deficiência congênita de sua gestão: o matrimônio, por conveniência eleitoral, entre o PT e o PMDB.

PS: O poder não muda ninguém, faz com que as pessoas se revelem.
*escritor e assessor de movimentos sociais

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Simpósio denuncia pressões da Monsanto sobre Brasil para alterar tolerância a veneno na água potável

Do website da EPSJV-Fiocruz
O modelo de agricultura baseado no agronegócio, com grande concentração de terras e uso massivo de agrotóxicos, foi um dos temas que mais norteou as discussões do I Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental (I SIBSA). O evento foi realizado de 6 a 10 de dezembro em Belém do Pará, e reuniu, além de pesquisadores, também militantes de movimentos sociais e trabalhadores da área de saúde e meio ambiente. Ao final do encontro, os participantes aprovaram uma moção que vai contra o uso de agrotóxicos na agricultura e cobra a mudança do modelo de cultivo para uma plataforma agroecológica. Outra moção , também aprovada durante o encontro, questiona o processo de revisão da portaria 518/2004 do Ministério da Saúde sobre os procedimentos relativos ao controle e vigilância da água para consumo humano. A moção critica a tentativa de modificação do limite máximo de determinado agrotóxico na água potável e a falta de diálogo com os vários setores ligados à saúde ambiental durante o processo.

"O tema de agrotóxicos foi um dos mais prestigiados do Simpósio, as pessoas procuravam as oficinas e as mesas que tratavam do tema. Isso é também um reflexo da realidade, já que somos o país que mais consome agrotóxicos no mundo", avalia o professor do departamento de saúde coletiva da Universidade de Brasília (Unb) Fernando Carneiro, que também faz parte do GT de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), um dos organizadores do evento. Além do GT saúde e ambiente, também organizaram o Simpósio o Instituto Evandro Chagas e a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, com o apoio da Fundação Oswaldo Cruz. "O Simpósio uniu pesquisadores, professores, organizações sociais e demais militantes da saúde ambiental, o que fez com que saíssem de lá contribuições muito ricas", destaca o professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Alexandre Pessoa, que participou do encontro, junto com outros quatro representantes da Escola: Maurico Monken, André Burigo, Gladys Miyashiro e Edilene Pereira.

Agrotóxico e saúde
"Os pesquisadores, profissionais e demais militantes da saúde ambiental, presentes neste simpósio, reafirmam o compromisso e a responsabilidade em desenvolver pesquisas, tecnologias, formar quadros, prestar apoio aos órgãos e instituições compromissadas com a promoção da saúde da sociedade brasileira, e com os movimentos sociais no sentido de proteger a saúde e o meio ambiente na promoção de territórios livres dos agrotóxicos, e fomentar a transição agroecológica para a produção e consumo saudável e sustentável", afirma a moção ‘Contra o uso dos agrotóxicos e pela vida', aprovada durante o Simpósio.

Para Alexandre Pessoa, o simpósio mostrou que a academia e os movimentos sociais estão acompanhando sistematicamente os agravos à saúde coletiva decorrentes do uso de venenos. Ele lembra que cerca de 50 trabalhos apresentados traziam como tema os riscos dessa prática à saúde humana e aos ecossistemas. "Ficou claro lá que são o latifúndio e o agronegócio que têm a ganhar com o agrotóxico e que, portanto, temos que isolá-los. O pequeno agricultor só tem a perder e é papel da política pública promover uma saúde ambiental livre dos venenos", afirma o professor.

Tanto em 2008 quanto em 2009, o Brasil foi o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Em um hectare de soja, por exemplo, chega-se a usar 10 litros de agrotóxico. No total, no ano passado, o país consumiu 920 milhões de litros. Os dados são apresentados pelo professor do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) Wanderlei Pignati, um dos palestrantes do Simpósio. "Isso vai levar uma série de prejuízos para a população, como intoxicações agudas, e o grande problema que fica menos visível, que são as intoxicações crônicas - que podem, por exemplo, provocar câncer. Vários agrotóxicos usados aqui no Brasil são cancerígenos e proibidos na União Europeia. Há outros também que causam má formação do feto, permitidos aqui e também proibidos na União Europeia, e ainda outros que causam desregulação endócrina, distúrbios psiquiátricos e neurológicos", alerta.

A moção contra o uso de agrotóxicos pede também que a Abrasco apóie a ‘Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida', que já conta com apoio de outras sociedades científicas, como Associação Latinoamericana de Sociologia Rural.

Glifosato na água
A portaria 518/2004 do Ministério da Saúde regulamenta quais e que quantidades de substâncias podem estar na água para consumo humano. Entre esses elementos, está o agrotóxico glifosato, mais conhecido como Roundup, nome comercial usado pela empresa Monsanto para comercializar o produto. De acordo com o professor Pignati, o glifosato é o agrotóxico mais consumido no Brasil, responsável por 40% da comercialização. Atualmente, na portaria 518 está especificado que a água para consumo humano pode conter até 500 microgramas (ug/L) desse elemento por litro. Entretanto, durante o processo de revisão da portaria, que está em curso, foi feita uma proposta de se elevar esse valor para 900 microgramas por litro (ug/L). A moção aprovada durante o Simpósio questiona a iniciativa. "Iniciado em 2009, o processo de revisão da referida portaria desembocou numa aprovação da minuta, pelo grupo de trabalho ministerial, que, durante as atividades do I SIBSA, concluiu pela possibilidade de permissão de substâncias anteriormente proibidas, como algicidas, bem como pela ampliação dos limites já estabelecidos, a exemplo do glifosato que, de 500 ug/L, passaria a 900 ug/L, na contramão dos princípios da precaução que norteiam a práxis da Saúde Ambiental", afirma o texto.

A moção pede ainda que seja ampliado o prazo da consulta pública para revisão da portaria e também que "seja criada uma comissão de diálogos envolvendo movimentos sociais, academia e órgãos do SUS que atuam na temática, para que seja avaliada e complementada a minuta produzida pelo GT". Para Pignati, o histórico das portarias de potabilidade da água no Brasil revela o quanto a legislação foi "legalizando a poluição". "Quando se analisam as três portarias sobre potabilidade da água feitas no país, a primeira - portaria nº 56/1977 -, a segunda - nº36/1990 - e a terceira - nº 51/2004, é possível ver a legalização da poluição e aonde chegamos com isso. A primeira portaria diz que pode ter na água para consumo humano dez metais pesados, nada de solventes, 12 agrotóxicos e nenhum produto de desinfecção doméstica, com exceção do cloro. Já na segunda portaria, editada 13 anos depois, os metais pesados passaram para 11, os solventes para sete, os agrotóxicos para 13 e os produtos de desinfecção passaram para dois. E na última portaria, os metais pesados já passaram para 13, os solventes para 13, os agrotóxicos para 22, e os produtos de desinfecção para seis. Então, vão poluindo, aumentando o uso de agrotóxico, de metais, de solventes, de desinfetantes e isso começa a ser permitido na água. Hoje, em um litro de água que nós estamos bebendo, pode-se ter esse volume todo de coisas. Então, é preciso fazer uma discussão no Brasil e no mundo sobre que tipo de água nós queremos. Será que isso é mesmo água?", questiona.

Práxis
O I Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental contou com a participação de cerca de mil participantes, que afirmaram na carta final do evento - a carta de Belém - o compromisso com uma ciência cidadã, na qual se valorizem os processos coletivos de produção de conhecimento. Para André Burigo, também presente no evento, ainda que essa consciência precise avançar, muitos pesquisadores do campo da saúde ambiental têm apresentado um compromisso com esses princípios. "Foi manifestado durante o Simpósio que o papel do cientista comprometido com a agenda da saúde ambiental é o de fazer uma ciência que contribua para dar visibilidade às populações que não têm voz e têm sofrido os grandes impactos desse modelo de desenvolvimento econômico -, principalmente comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, assentamentos da reforma agrária", comenta.

Para o professor Fernando Carneiro, um grande desafio é fazer com que os pesquisadores se aproximem mais da análise da realidade de vida das pessoas. "Ao mesmo tempo em que no campo da saúde ambiental há estudos que privilegiam uma terminologia clássica muito ligada a uma toxicologia dura, que tem seu papel e sua importância, muitas vezes esses estudos não conseguem desnudar as injustiças ambientais, as desigualdades. As abordagens são muito reducionistas e não é feita uma análise mais integrada de como se dá o trabalho das pessoas, onde elas vivem e quais são suas culturas", diz.

Um exemplo de como a ciência pode estar próxima e contribuir para solucionar os problemas das populações foi exposto durante o simpósio. A professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Raquel Rigotto, também membro do GT de Saúde e Ambiente da Abrasco, contou a experiência do núcleo de pesquisa Tramas - Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a sustentabilidade - coordenado por ela. Há cerca de quatro anos, o grupo acompanha os problemas da população da região do baixo Jaguaribe, no Ceará. A professora explica que o campo de pesquisa é uma região de expansão recente da fruticultura irrigada para exportação, baseada na monocultura e no modelo químico-dependente, com padrão muito forte de exploração da força de trabalho e de degradação ambiental. "Quando chegamos lá, a comunidade do Tomé nos falou de um problema que era a pulverização aérea de agrotóxicos, especificamente no cultivo da banana, com fungicidas que são muito tóxicos e persistentes no meio ambiente. E essa pulverização atingia também as comunidades, já que as empresas foram instaladas justamente onde já havia muitas comunidades há muitos anos. Eles fizeram relatos de que as roupas que eles lavavam ficavam com cheiro de veneno no varal, que galinhas morriam e crianças passavam mal. E como estávamos fazendo um modelo de pesquisa que tenta dialogar com as comunidades e respeitar os saberes e as necessidades de conhecimento delas, nós incorporamos a pulverização aérea em nosso estudo e fizemos um acompanhamento dela durante dois anos", relata.

O acompanhamento foi feito durante os anos de 2008 e 2009, e durante esse período o grupo conseguiu informações que confirmaram as preocupações da comunidade. Amostras de água foram colhidas e, nelas, verificadas contaminação pelo mesmo veneno pulverizado e também por outras substâncias. A professora conta que os dados foram apresentados em um seminário na Universidade Estadual do Ceará no município sede da região, Limoeiro do norte. "As comunidades se mobilizaram muito para conseguir proibir a pulverização e, em novembro de 2009, uma lei municipal da Câmara de Vereadores de Limoeiro do Norte proibiu a pulverização aérea. Essa proibição tem uma importância muito grande porque a União Europeia também tinha proibido há dez meses a pulverização aérea", detalha.

Diante da lei municipal, as empresas reagiram fortemente dizendo que isso inviabilizaria a continuidade do cultivo no local. Na ocasião, uma audiência pública foi realizada na Câmara de Vereadores, quando diversas organizações e movimentos sociais referendaram a necessidade da proibição da pulverização e novos dados da pesquisa foram apresentados. "As empresas também tiveram voz e falaram que elas teriam um prejuízo de R$ 22 milhões caso a pulverização não fosse realizada. E nós questionamos o que são R$ 22 milhões para investidores diante da saúde de uma enorme população. Foi um momento de muito embate, um auditório com mais de 300 pessoas, durante sete horas", lembra Raquel. Poucos dias depois, em uma sessão realizada, segundo Raquel, "às escondidas", a Câmara de Vereadores de Limoeiro revogou a lei anterior e a pulverização aérea voltou a ser permitida na região. Atualmente o movimento social segue mobilizado e todos os dias 21, data em que José Maria - um dos ativistas do movimento organizado contra a pulverização, que foi assassinado -, a população faz manifestações. "Nós apresentamos isso no Simpósio, como grupo de pesquisa que busca ter uma prática científica comprometida com os processos históricos em curso nos locais onde a pesquisa está inserida. Aí existe todo um cuidado que vai desde a forma como nós definimos o objeto de estudo, como compomos a equipe de pesquisa, como definimos progressivamente, dinamicamente a metodologia de estudos, podendo inserir aí essas preocupações, esses saberes trazidos pelas comunidades, pelos sujeitos atingidos pelo problema que está sendo estudado", aponta Raquel.

A professora explica que outra preocupação é criar um processo de comunicação que também busque, mesmo antes da finalização da investigação, beneficiar o sujeito da pesquisa com alguns resultados, ainda que parciais, como recomenda o código de ética de pesquisa em saúde, em resolução do Conselho Nacional de Saúde. "Percebemos o quanto essa pesquisa foi enriquecida por estabelecer uma relação profunda de confiança, de respeito e de troca com os movimentos sociais e com as comunidades locais. Isso mostra uma possibilidade de acesso ao real vivido muito maior do que quando a pesquisa se coloca de forma distanciada", observa. A apresentação da experiência do núcleo Tramas durante o Simpósio foi aplaudida de pé. "Isso significou muito para nós. Estamos buscando, de uma forma muito humilde, tímida, dar passos no sentido de uma práxis e no sentido do que temos conversado nos ambientes acadêmicos sobre a ecologia dos saberes, a interdisciplinaridade. E se estamos ousando fazer isso, muitas vezes com muita insegurança, nós recebemos neste simpósio um referendo da comunidade acadêmica e científica de que este caminho é válido, é relevante e que é importante continuar tentando", destaca.