terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Uma visita à Christiania, uma comunidade sem leis

Antonio Fernando Araujo

Prinsessegade, Copenhague, é a rua de paralelepípedos que vai nos deixar diante da entrada de Christiania. Para um turista desavisado quase não é percebida. Vamos começar a descobrir esse “mundo novo”, que em termos de Ocidente, cristão e civilizado, é de um significado incomparável, dessas coisas singulares manifestadas a cada século e de uma maneira tão especial que a gente custa a crer que sobreviverão por muito tempo.

Meses mais tarde eu haveria de imaginar que Christiania bem que poderia deixar de ser apenas uma "pedra no sapato" da Dinamarca, mas assumisse a dimensão e o alcance de toda uma Europa, imersa em um delírio anarquista que contrariasse a idéia dominante de que a humanidade se auto-destruirá se não existir um controle sobre a liberdade individual. Embora seu enredo possa ser visto como fruto de um devaneio quando apregoa um estilo de vida que propõe uma nova ética de convivência baseada na irrestrita solidariedade e na honestidade a toda prova, Christiania ainda assim, se apresentaria - de um lado - como uma lenda da liberdade na contra-mão da história e - de outro - permanentemente na vanguarda iluminando a Europa e o mundo desse cantinho discreto de Christianshavn, um bairro boêmio-turístico de uma Copenhague fria, de uma Dinamarca há séculos encravada na nobreza feudal, no mercantilismo e no capitalismo europeu.

Seguimos na direção daquela entrada e sob o primitivo e tosco pórtico de madeira escura, entalhada como totens e encimado com o nome CHRISTIANIA em letras douradas, pegamos um folheto e adentramos nesse mundo à parte onde algumas pessoas nos parecem cordiais e outras nem tanto, exibindo uma fisionomia de barbas e cabelos desalinhados capazes de suscitar temores variados, por conta da chegada a um território evidentemente hostil. Decidimos não tirar fotos quando vimos uma placa onde, por sobre o desenho de uma câmera, uma tarja vermelha indicava a proibição. Mas tanto essa impressão quanto a proibição não tardaram a se desfazer e na medida em que percorríamos as ruas coloridérrimas por conta dos imensos painéis pintados nas laterais ou mesmo em algumas fachadas dos prédios e dos adereços de toda sorte pendurados em árvores e alpendres, pelos moradores comuns caminhando pelas ruelas, por alguns dos trajes de jovens e de mulheres, pelos edifícios de tijolinhos aparentes com janelas no nível da rua, pelos jardins bem cuidados diante de casas simples com suas portas escancaradas, pelos sons ardentes de uma música que não entendíamos, pelos ateliês abertos para os olhares de quem passa, pelos triciclos e bicicletas espalhados por toda a parte e que aparentemente substituem aqui os automóveis, pelos bares povoados por figuras andróginas algumas delas desconcertantes, enfim, por tudo o que cada personagem desse universo mágico representa, fomos aos poucos percebendo que, apesar da estupenda diferença cultural, certamente esses homens e mulheres buscam, assim como nós, um círculo de paz e de harmonia, tanto com as outras pessoas quanto com a natureza, longe dos ódios, das guerras, da destruição do verde, do extermínio dos animais e da cada vez mais crescente insegurança das metrópoles.

Mesmo sendo uma sociedade absolutamente livre e aberta, tendo sido criada ao sabor da lucidez e das controvérsias dos movimentos hippies e anarquistas das décadas 60/70 do século passado – e talvez até por isso – hoje o colorido prospecto que distribuem assinala claramente:

“Existem quatro e inquebrantáveis regras em Christiania:

NÃO, às drogas pesadas (haxixe, heroína, cocaína, crack, etc.) e qualquer pessoa pega com elas é sumariamente expulsa da área” - porém a maconha e a erva "skunk", podem,
NÃO, a qualquer comércio que envolva moradias ou áreas residenciais,
NÃO, às armas de qualquer espécie e
NÃO, à violência seja ela de que tipo for.”

E conclui: “Não cremos que os nossos visitantes possam ter qualquer espécie de problema aqui, se obedecerem a essas regras.”

Mas eles não ficam só nisso. Outras normas, com o passar do tempo, foram sendo incorporadas, até para estabelecer certa disciplina na conduta de cerca de um milhão de visitantes que a cada ano passam por aqui. Êi-las:

- Christiania é uma vila aberta ao tráfego de automóveis, embora não sejam benvindos e onde você estaciona nas ruas; mas, o melhor mesmo é pegar o metrô e descer em Christianshavns Torv ou o ônibus da linha 66 (na direção da Refshaledøen) descendo na Prinsessegade.
- Aqui é proibido trafegar de motos e assemelhados.
- Bicicletas são permitidas e estimuladas até, mas lembrando sempre: em qualquer circunstância a prioridade é do pedestre.
- O lixo é todo separado e classificado: orgânico, vidros, papéis, inflamáveis, plásticos, baterias, etc.
- Toaletes: use as públicas, não a natureza; procure-as no mapa ou então, pergunte.
- Respeite a privacidade: não entre nas casas e nem nos jardins sem ser convidado. Existem muitas áreas arborizadas aonde você pode sentar-se e saborear seu almoço em paz e gozando da quietude desses lugares.
- Fotografar: tente perturbar o mínimo possível e peça permissão às pessoas antes de fotografá-las.
- Animais: não traga seus animais domésticos mesmo sendo eles dóceis e mansos.
- Não discrimine ninguém.

Dessa maneira todos são bem-vindos a Christiania, garantem. E mais: pode-se caminhar livremente por suas calçadas e alamedas e quando alguma delas passar próximo das janelas, não se acanhe, pode-se bisbilhotar para dentro e observar o que fazem seus moradores. Isso não é considerado “invasão de privacidade” e ponto final.

Falando em moradia: sempre que uma é desocupada, põe-se um anúncio e a Cooperativa que administra os imóveis reúne os interessados e os vizinhos mais próximos e escolhem os novos moradores. Não corre dinheiro nem por cima e nem por baixo da mesa. É feito às claras levando-se sempre em conta o bem estar dos moradores e a filosofia de vida dessa "Cidade Livre", como eles se autodenominam, e que já acumula mais de 40 anos de história.
Christiania, essa original mistura de um estilo de vida tipicamente dinamarquês com um modo livre e progressista de organizar uma comunidade com cerca de mil habitantes, já se tornou conhecida em vários cantos do mundo. Não é à toa que várias organizações internacionais e estudiosos do comportamento social a visitam para conhecer essa experiência inédita e vitoriosa, que abriga não só pessoas, social e economicamente bem sucedidas, como, jovens desempregados, mães solteiras e sem teto, vagabundos e desafortunados de vários quilates. Novamente: todos são benvindos a essa mistura mágica de aldeia secular com metrópole de vanguarda e que tanto põe a nu seus valores artísticos e culturais e a exuberante criatividade do conjunto de seus moradores.

Basta ver o projeto arquitetônico de algumas de suas moradias, admirado e estudado até pela vizinha Escola de Arquitetura de Copenhague, as apresentações de música ao vivo, teatro e exposições de pintura e de esculturas, para se ficar de acordo com o rótulo, inúmeras vezes atribuído a Christiania, de que ela é uma “ilha de cor cercada de arte” e de se ter a convicção de que consagra um capítulo inteiro do seu senso comum à contínua valorização dessas atividades, não apenas agora, mas ao longo de toda sua incerta existência. Essa existência de cores, longa e recheada de batalhas, vitórias e derrotas é a história incomum dessa comunidade que um dia sonhou com uma vida plena de liberdade e com a idéia de um lugar regulado e administrado por seus próprios habitantes.

Christiania nasceu em 1970 a partir de uma invasão hippie junto com jovens desempregados a uma antiga base da OTAN, na ocasião desativada, visando a construção de uma sociedade alternativa, cujo lema principal seria a mais ampla liberdade. Até hoje, quando já possuem representantes no Parlamento, ainda vivem às turras com o Ministério da Defesa, o legítimo proprietário da área. Muitos daqueles que viram Christiania nascer, não estão mais aqui, mas parece que os ideais desses pioneiros não se perderam, ao contrário, se atualizaram e se mostram mais vivos do que nunca: continua sendo uma comunidade sem leis (apesar daquelas regrinhas) mas com um senso comum altamente desenvolvido. Se hoje seu futuro promete passar distante dos utópicos mandamentos propostos por seus idealizadores, pois muitas de suas características se perderam no tempo, pelo menos permanece intacto seu status de santuário contemporâneo da paz, do amor e da liberdade. Os problemas são debatidos e resolvidos em cada Conselho de Cidadãos – por consenso e não por maioria -, o que faz com que as decisões sejam demoradas, mas permitem um grau maior de satisfação.

Como ninguém é proprietário de sua moradia, cabe também ao chamado Conselho Comum tomar as providências junto ao Conselho de Christianhavn, um bairro vizinho e do qual Christiania participa, à Prefeitura de Copenhague e ao Governo da Dinamarca, que dizem respeito ao fornecimento de água, eletricidade, gás, pavimentação, esgotos, telecomunicação, paisagismo, etc. Já aos moradores restam aquelas atividades econômicas que os aproximam: mercados, padarias, jardins da infância, escolas, creches, casa comunitária de banhos, prestadores de serviços diversos, de marceneiros aos técnicos de informática, bares e cafés, artesãos da madeira, metais e tecidos nos mais variados produtos, plantadores de ervas, produtores de chá, cosméticos, pastas de dente, produtos homeopáticos e por aí vai. A educação infantil compõe um capítulo todo especial, cuja ênfase aponta para um mundo político e ecologicamente mais correto e mais de acordo com o futuro livre e saudável da comunidade, muitas vezes até contrária às posições oficiais assumidas pelo governo.

Algumas empresas se instalaram aqui e utilizam com sabedoria a mão de obra local. Tais empresas são aquelas que, pela natureza de seus produtos, exigem um alto grau de inventividade, como as dos segmentos de telefonia móvel, as de eletroeletrônica, as de som e imagens, etc. Foi essa inventividade que produziu a moeda local, a Løn – equivalente a 50 krones (cerca de 20 reais), aceita apenas aqui dentro e fez nascer, lá pelos idos de 1984, uma indústria tipicamente local, levada adiante por habilidosos serralheiros, cujos produtos, seguros e de alta qualidade, projetados para durar e atender necessidades específicas tornou Christiania ainda mais conhecida: o das bicicletas e triciclos com bagageiros. Projetadas em estreita cooperação com os usuários, hoje são vistas em toda a Dinamarca – como as bicicletas-táxi de Copenhague – e até exportadas. Christiania ainda se orgulha de ter sido um dos primeiros lugares do país a utilizar a “banda larga” a baixo custo permitindo assim o emprego da internet pela grande maioria de seus moradores. E mais: da reciclagem da sua água, do uso da energia solar em larga escala e de vários outros projetos de natureza ecológica e que se voltam para um estilo de vida cada vez mais saudável.

Esta é a síntese da Christiania dos dias atuais: uma experiência que o governo, pressionado pela União Européia, quer acabar porque incomoda a grande indústria. Experiência que insiste em ficar distante daquele modelo de um mercado consumidor, que ela, a grande corporação, prefere ver estruturado para se manter sempre igual e disciplinado e não para ficar dando "maus exemplos", criando e oferecendo alternativas comunitárias, fora de uma cartilha padrão preconizada por um mundo que se pretende global, único, uniforme. Algo que parece ter saído de um conto de fadas ainda que saibamos que fadas não costumam fumar maconha.

Ainda terei que viver muitos anos com a esperança de que apenas a intuição me ensine a navegar com destemor nos pantanais e nos alpendres floridos dessa comunidade imprevisível, de saias rodadas e franzidas, de tranças longas até a cintura, sem uma bússola e contra a corrente do mundo ajuizado que não se arrisca fora do leito banal da existência. Confesso ainda sentir dificuldade em discorrer sobre Christiania e sobre o impacto ou o desconforto intelectual que me causou. Esse mundo, situado no outro extremo da nossa galáxia, não pode ser inteiramente percebido em uma visita turística de 40 minutos. Contudo aquelas coisas que penetram logo pela retina, que tocam de imediato nossa pele e entram pelos nossos ouvidos ao primeiro contato, me levam a imaginar a exuberante aldeia, aquela que um dia foi preconizada pelos anarquistas do século 19. No crisol onde costumam arder todas as utopias, quiçá ela possa nos servir como um magnífico norte, um exemplo a ajudar-nos a dar uma guinada - não mais apostando inteiramente “de que a Ciência [e os banqueiros] haverá de nos dar a Terra Prometida” -, aquela mudança de rumo e de estilo que, logo de cara, nos convença de que estaremos caminhando firmemente na direção de um novo código de conduta para o homem, de uma nova moralidade, modernos, mais justos e mais fraternos, para a Humanidade se reorganizar e continuar povoando essa terra-mãe.

Hoje, quando europeus encontram-se socialmente fragmentados, financeiramente moídos, triturados em suas camadas mais pobres pelas ambições de um sistema que a cada crise se revela algoz de parcelas cada vez mais consideráveis da humanidade "vale, então, apostar numa atitude de confiança e de entrega radical (é o sentido bíblico de fé) de que o mundo é salvável e o ser humano resgatável a ponto de descobrir a irmandade universal até com as formigas do caminho,” assinalou Leonardo Boff.

Christiania, com tudo o que essa pequena vila significou para mim – tenha eu apreendido ou não os sinuosos e insondáveis meandros do seu enredo essencialmente humano - vai ficar, em caráter permanente e antes que a União Européia e a Dinamarca a varram sem remorsos do mapa, catalogada num lugar dos mais serenos e reservado a futurologias da série Lugares Inesquecíveis, pois dela ainda haverão de soprar ventos ainda mais promissores de uma rebeldia que proponha contornos novos para uma sociedade menos injusta.

"O movimento hippie chegou ao fim junto com os anos 70. Na ocasião, escrevi no jornal Aktuelt, do Partido Socialista Dinamarquês, que deveríamos utilizar o melhor do seu legado: a busca da sabedoria, a luta pela liberdade, a procura da integridade com a natureza, a simplicidade no trajar, as comunidades familiares, a guerra a preconceitos odiosos e assim por diante. Ocorreu exatamente o contrário. (...) Nos últimos 35 anos, vem se tentando destruir o pensamento em favor do lucro. Quem pensa não compra o que lhe é imposto, e quem não compra o que é imposto é inútil para o sistema. (...) É verdade que, para os que tinham algum dinheiro, a vida melhorou bastante, pois o cérebro pouco exigente nada mais pede que casa, carro e novela de TV." Se vivo fosse, Fausto Wolff testemunharia o quanto de seu presságio se constata na Europa dos nossos dias, meia destroçada pela ganância de alguns e ainda assim e por suas elites, apostando o que lhe resta em um modelo econômico onde a solidariedade, a paz e a harmonia não são levados em conta.
 Quando deixamos a Pusher Street (a "Rua do Traficante") e voltamos a cruzar o mesmo umbral de madeira, onde, agora no seu reverso, se lê, "estamos de volta à Comunidade Européia" e a percorrer a Prinsessegade, regressando ao nosso planeta em Christianshavn, o relógio já assinalava 5 da tarde. Seguíamos na direção da parada do ônibus dessa vez margeando a Overgaden Oven Vandet, uma rua povoada de bares com mesas nas varandas e calçadas, apinhados de gente e o Christianshavn Kanal, o anfitrião que hospeda centenas de barcos ancorados nas margens permitindo que alguns, transportando turistas, naveguem placidamente por suas águas. Alheios a esse burburinho todo Christiania, ali ao lado, preparava-se para mais uma noite sem iluminação nas ruas, exceto as luzes provenientes dos bares, ateliês, oficinas e mercadinhos, de reuniões de moradores em seus respectivos Conselhos, sem a necessidade das leis que controlem a organização social, de construção, enfim, de uma vida comunitária sem a presença de um governo "caretamente" institucionalizado. Com uma temperatura em torno de 15ºC, podíamos nos dar por satisfeitos, pois apesar do céu meio encoberto não chovia e não sentíamos o vento gélido que, não raro, sopra do Mar do Norte. 

Nos despedimos de Christianshavn com essas imagens todas, de um sonho que por enquanto ainda não acabou, de uma utopia que ainda está dando certo. Sua vizinhança com Christiania bem que a faz merecedora de boa parte da brisa saudável que já sopra daquelas bandas e chega até aqui. O chope que tomamos em pé no balcão de um dos bares funcionou como um inesquecível brinde a esse passeio - repleto de surpresas - por este lado luminoso de uma surpreendente Copenhague.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Atropelar de jet ski e fugir de helicóptero. É o Brasil cinematográfico

20/02/2012 - Leonardo Sakamoto em seu blog

Uma das primeiras reportagens que produzi como jornalista foi sobre atropelamentos por jet ski em praias do litoral de São Paulo no final de 1995. Conversei com famílias que haviam perdido seus entes queridos depois que condutores irresponsáveis não respeitaram a distância mínima de 200 metros da areia e ficaram se exibindo onde os banhistas se divertiam. Ou estavam mamados de cerveja e caipirinha e foram dar uma voltinha de jet mesmo assim. Afinal, água não machuca, né?

Havia ainda outros que não faziam ideia de como pilotar a embarcação (é necessário habilitação de arrais amador concedida pela Marinha e ter, no mínimo, 18 anos), mas seus pais provavelmente achavam bonito o filhão montado em tantos cavalos de potência e incentivaram a maluquice. Os mesmos pais não dariam o carro para que seu filho ou filha dirigisse, mas entregam um jet. Ou até dariam, vai saber o que esse pessoal com cérebro de camarão ao alho e óleo não faz…

Como o jet ski não tem leme, é necessário acelerar para virar. Ou seja, se você vê um obstáculo à sua frente, por instinto, para de acelerar. Se fizer isso com um jet, ele ignora o comando e segue a trajetória. Dessa forma, muita gente já perdeu a vida.

Em diversas histórias que colhi, houve o padrão básico dos covardes: atropelamento e fuga, tanto para tentar se livrar de um flagrante quanto para dar tempo aos advogados da família de constituírem uma defesa ou encontrar alguém com carteira de arrais para assumir a culpa.

Para não dizer que nada mudou nos últimos 17 anos (ai, tô me sentindo velho com essa…), o número de jets aumentou nas praias e a quantidade de pessoas com recurso para alugá-los também. Apesar de ações do poder público, as regras continuam a ser sistematicamente desrespeitadas e pessoas vem morrendo por causa disso.
Retomei o tema porque fiquei surpreso com uma morte ocorrida neste domingo (19) de carnaval, no mesmo litoral de São Paulo. Uma menina de três anos foi atingida na cabeça, em Bertioga, por um jet ski pilotado, segundo testemunhas, por um adolescente de 14 anos. Chegou a ser socorrida, mas não resistiu.

O que me surpreendeu foi a notícia, veiculada pela Folha de S. Paulo (para assinantes), de que a família do jovem infrator, que fugiu do local sem ajudar no atendimento, teria saído de helicóptero do condomínio onde estava. Quando procurada pela polícia, ela não foi encontrada. Outra versão diz que carros de luxo deixaram o condomínio logo após o ocorrido. Por terra ou por ar, o que importa é que a escapada parece ter sido com estilo, confirmadas qualquer uma das versões.

A menina teria esperado 40 minutos pelo helicóptero da Polícia Militar que fez o resgate. Segundo parentes, era a primeira vez que via o mar.

(Abro um parênteses: li as matérias a respeito e encontrei poucas que o tratassem pela alcunha de “menor”, o que – a meu ver – não é o melhor tratamento para se referir a um jovem que infringiu a lei. Se fosse pobre e tivesse atropelado alguém com um Fusca 73, a história poderia ser diferente. Por aqui, rico é jovem, pobre é menor. Um é criança que fez coisa errada, o outro um monstro que deve ser encarcerado. Nós, jornalistas, precisamos ficar de olho para não propagarmos determinados preconceitos com as palavras que escolhemos.)

É duro constatar que certas coisas não mudam. Apenas ganham contornos cinematográficos.

Comentário feito às 16h20 do dia 20/02: Vendo os comentários a respeito do ocorrido, alguns dos quais pedindo o nome do adolescente e vingança, gostaria de ressaltar que, mesmo tendo cometido um crime, a lei brasileira – acertadamente – proíbe a divulgação dos nomes das crianças e adolescentes com menos de 18 anos envolvidos, sejam eles ricos ou pobres. Não raro, casos como este levam à comoção pública que, por sua vez, aplica linchamentos físicos e psicológicos a vidas e reputações. Isso não é Justiça e sim barbárie. Esperar o inquérito policial e julgar os responsáveis é o melhor, e mais civilizado, dos caminhos.

Carnaval subordinado ao mercado

19/02/2012 - Mário Augusto Jakobskind - Direto da Redação

É carnaval. Muita gente vai perguntar: e daí? Daí que a maioria cai na folia e muitas vezes não se dá conta que a festa está deixando de ser popular para se institucionalizar na base do deus mercado. As escolas de samba entraram nessa lógica e hoje os desfiles viraram espetáculo industrializado com regras castradoras. E para assistir no sambódromo o custo é alto.

O tema é polêmico por natureza. Outro exemplo é dos blocos de rua. Agora, o senso comum anda entoando a cantiga segundo a qual o carnaval de rua ressurgiu com o monobloco etc e tal. Não é verdade, antes da apropriação industrial dos blocos como começa a acontecer, o carnaval de rua sempre se fez presente. Neste 2012 tem até bloco que nem apresenta samba ou marcha, optando pelos Beatles e se dizendo responsável pelo “ressurgimento” do carnaval de rua.

As exigências que a prefeitura cria para permitir o desfile dos blocos são tantas que muitos desistiram de seguir as normas. A burocratização do carnaval faz parte do esquema industrial que visa a tornar a festa apenas uma fonte de lucros para poucos, como determina a lógica do capital.

Mas, enfim, como o tema é muito sério e complexo, tem muito folião que considera tal discussão chata. Prefere então embarcar na festa, sem perceber que com o andar da carruagem em pouco tempo o carnaval vai se afunilar e será para poucos pagando muito, como exige o mercado.

Tem mais. Nestes dias de Carnaval, muita coisa que acontece por aqui e pelo mundo afora fica em segundo plano. A mídia de mercado aproveita o embalo e não divulga questões relevantes. É o caso da repercussão que poderia ter um fato ocorrido na França e que envolve uma empresa conhecida nesta plagas abençoadas por Deus e bonita por natureza.

A empresa estadunidense Monsanto foi julgada por um Tribunal da cidade de Lyon, na França, e considerada legalmente “responsável” pela intoxicação de um agricultor. Foi uma decisão judicial em primeira instância e a empresa deverá apelar, o que retardará a decisão final. Mesmo assim, a primeira decisão pode ser considerada uma vitória, pois remete a questão para o debate e questionamento da Monsanto.

É importante os brasileiros serem informados a respeito do acontecido na França, porque de um modo geral a Monsanto por aqui tudo pode e conta com total apoio dos meios de comunicação de mercado, que ignoram os protestos e denúncias contra a empresa acusada de provocar sérios danos ao meio ambiente e à saúde das pessoas ou manipulam o noticiário criminalizando os movimentos de protesto.

Outro tema que continua a ocupar grandes espaços de discussão e matérias mesmo na mídia de mercado é o que se passa em Cuba. Recentemente, por exemplo, a TV Bandeirantes apresentou uma série de matérias completamente manipuladas e equivocadas.

O repórter ouviu apenas um dos lados, ou seja, exatamente o que faz oposição ao regime e sempre com o estímulo dos setores extremistas radicados em Miami que nunca se conformaram com a perda de privilégios.

Foram mostradas imagens com o objetivo de o telespectador concluir ser Cuba um inferno na Terra e que seu povo vive no pior dos mundos. O repórter apurou mal certos fatos, um deles ao afirmar que o CUC, a moeda do turismo, pode ser convertido em dólar pelos cubanos e assim sucessivamente. Esqueceu de dizer o principal, ou seja, que o turista troca a sua moeda, dólar ou euro, pelo CUC para então usar para os gastos em território cubano. Se reconverter, cubano ou turista, para dólar ou euro vai perder, claro. Mas o repórter ignorou essa obviedade.

Os CUCs deixados pelos turistas, que em 2011 vieram num total de dois milhões e 700 mil, permitem ao Estado cubano aplicações nas áreas de saúde, educação, moradia etc. Ou seja, as divisas do turismo são destinadas exatamente para a utilização em favor do povo. Aí o senso comum prefere dizer apenas que apesar de permitido são pouco os cubanos que têm acesso aos locais frequentados pelos turistas.

Saúde e educação de boa qualidade e de graça é salário indireto. Se contabilizado, utilizando como termo de comparação muitos países latino-americanos, europeus e mesmo os Estados Unidos, chega-se a cifras altas e até astronômicas. E tem mais um detalhe: saúde cara não raramente pouco acessível a muitos assalariados sem condições de pagar planos de saúde de empresas particulares. E em não poucos países com a saúde pública em péssimas condições.

Mas como as reportagens objetivam apenas reforçar o sentimento contra Cuba, mostrar a realidade sem manipulações não interessa a mídia de mercado, muito menos ao esquema Barack Obama, que corre atrás dos votos de Miami, onde os cubano-americanos têm peso eleitoral.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Paralelismos: Sankara, o herói que desafiou os credores

sábado, 18 de fevereiro de 2012 - rede castorphoto
em 16/2/2012 - Leonidas Oikonomakis* - Λεωνίδας Οικονομάκης - ROARMAG.org - “Parallelisms: Sankara, the hero who defied his creditors”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu para Eduardo Galeano

Nos retumbantes protestos anti-austeridade da Grécia, podemos ouvir o eco de Sankara – o Che Guevara da África - o herói que desafiou os seus credores.


 Aconteceu em 1987

A Conferência da Organização da Unidade Africana reuniu-se em Addis Abbeba, Etiópia, nos últimos dias daquele julho de muito calor. E lá estava ele. No uniforme caqui, com seu invencível bom humor, Thomas Sankara, presidente revolucionário de Burkina Faso, o Che Guevara da África. Foi seu último discurso, e ali conquistou os corações dos pobres e explorados. Hasta siempre.

Não podemos pagar essa dívida, primeiro porque, se não pagarmos, os credores não morrem. Isso é garantido. Mas se pagarmos, morremos nós. Isso também é garantido” – disse ele. E continuou: “Os que nos empurraram para que nos endividássemos, jogaram como se estivessem num cassino. Enquanto ganharam, ninguém discutiu coisa alguma. Mas agora, que estão perdendo muito, exigem pagamento. E nós só falamos de crise. Não, Sr. Presidente. Eles jogaram e perderam. É a regra do jogo. Não pagaremos. E a vida continua”.

Mas Sankara também sabia muito bem que não poderia estar sozinho na resistência. E portanto conclamou os demais chefes de Estado africanos a seguir seu exemplo:

“Se Burkina Faso for o único Estado que se recusa a pagar a dívida, eu não estarei aqui, na nossa próxima Conferência”, disse ele, profético. E todos riram.

Hoje, está acontecendo outra vez.

O Parlamento Grego reuniu-se no domingo à noite (na madrugada da 2ª-feria, para ser bem preciso) para votar um novo memorando que imporá ainda mais restrições à classe média e aos mais pobres naquele país, que já enfrentam terríveis dificuldades. E, isso, para obter mais um empréstimo, 70% do qual será gasto para pagar o serviço da dívida anterior. A sessão foi orquestrada por um governo preposto (não eleito) – comandado por um primeiro-ministro banqueiro (também preposto, não eleito) – formado, dentre outros, de gente da extrema direita.

As novas medidas incluem corte de 22% no salário mínimo (32% para os de menos de 25 anos), 15.000 demissões no setor público em 2012 e 150 mil até 2015 (num país cuja taxa de desemprego já é superior a 20%!), cortes em serviços públicos (saúde, educação e assistência social), privatização de patrimônio público (rentável!), mais a promessa assinada de que as medidas serão implementadas, seja qual for o resultado das eleições previstas para abril – como decretou recentemente “Sua Alteza” Wolfgang Schäuble.
Adote-me

Adote-me
Na rua, à frente do Parlamento, centenas de milhares de pessoas (entre as quais Manolis Glezos e Mikis Theodorakis, heróis da resistência grega) reuniram-se para manifestar sua oposição ao memorando, à “Troika”, ao modelo econômico dominante e àqueles políticos gregos que votavam, no Parlamento. No que gritavam, ouvia-se um eco que chegava de Addis Abbeba e do fundo dos tempos:

“Não podemos pagar essa dívida, primeiro porque, se não pagarmos, os credores não morrem. Isso é garantido. Mas se pagarmos, morremos nós. Isso também é garantido”.

À primeira vista, parece que não fez diferença alguma. O memorando foi aprovado pelo Parlamento. Mas, agora, a “Troika” está em pânico, com medo de ser derrubada pelo poder do povo, nas eleições de abril. Então, os credores tentam pateticamente adiar o pagamento do “resgate” para depois das eleições, quando o novo governo grego, depois de eleito, tiver sido obrigado a jurar que também cumprirá os termos do memorando.

Temam o povo! Vivemos grandes tempos para a democracia!

Thomas Sankara, o homem que acreditava que revolucionários podem ser assassinados, mas não suas ideias, não chegou à Conferência da Organização da Unidade Africana do ano seguinte. Foi assassinado três meses depois daquele famoso discurso em Addis Abbeba, por seu ex-amigo e companheiro em armas, Blaise Compaoré, que continua lá, presidente de Bukina Faso, até hoje.

*Leonidas Oikonomakis é um ativista, membro do grupo de hip hop Social Waste. Bacharel em Estudos Internacionais e Europeus da Universidade de Piraeus (2005) e mestrado em Desenvolvimento Internacional: Pobreza, Conflitos e Reconstrução pela Universidade de Manchester (2006). Foi professor associado para Pesquisas na Universidade de Creta, bem como no Centro de Estudos Europeus da Middle East Technical University, em Ankara, na Turquia. Atualmente é pesquisador do Instituto Universitário Europeu, Florença. Seus principais interesses de investigação incluem teorias e práticas de desenvolvimento internacional, mudança social, pobreza, sustentabilidade e os movimentos sociais. Seus artigos têm sido traduzidas para o francês, o urdu, hindi, árabe, bahasa da Indonésia e italiano.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

O MUNDO DOS “ZUMBIS”

 Laerte Braga




O incêndio numa prisão em Honduras matou perto de 400 presos. O “presidente” Pepe Lobo foi à tevê e em rede nacional disse que ia determinar a apuração dos fatos, punir os responsáveis e assistir às famílias dos mortos. A mídia domesticada – corrupta – não fala em presos políticos, mas em criminosos comuns.

No extinto estado do Espírito Santo, hoje dirigido por um fantoche do líder da principal máfia política local, um estudante foi preso por protestar contra o aumento das tarifas dos transportes coletivos urbanos e levado para um presídio de segurança máxima onde ficou por sete dias.

Foi preso pelos “bravos” soldados da PM – uma aberração em se tratando de polícia – e acusado da posse de explosivos. Não existiam esses. A transferência para um presídio de segurança máxima é a típica atitude de “autoridade H2o”. Ou o “teje preso”.

Honduras, com a deposição do presidente Manoel Zelaya vive um regime de terror imposto pelas elites que governam o país desde sua fundação e hoje se subordinam aos EUA. Nos arredores de Tegucigalpa, capital, está a maior base norte-americana na América Latina, conhecida como “escola de golpes”.

Lá foram planejados e montados golpes militares em vários países latino-americanos, um governo fora dos parâmetros traçados por Washington – caso de Zelaya – seria um complicador sem tamanho para os Estados Unidos.

Pepe Lobo é o típico representante de uma elite tacanha, bisonha e que ainda não descobriu nem a roda e nem o garfo e a faca. O fogo sim. Usa-o para eliminar inimigos do regime, misturados a uns poucos presos comuns (que são seres humanos e têm direitos básicos) e aí, em rede de tevê, contando com a cumplicidade da mídia domesticada – caso GLOBO no Brasil, RECORD, BAND, Folha de São Paulo, Veja, etc –, vende a idéia cristã e democrática que de fato preside Honduras e manda alguma coisa. Pode até mandar, mas depois de consultar o comandante da base norte-americana no país.

É mais ou menos como aqueles sargentos vendidos em massa pelos filmes patrióticos de Hollywood. Ironizados num anúncio de determinada marca de canos. Quem entra por esse tipo de cano são presos políticos. A avenida da “democracia” é pavimentada sobre corpos de adversários políticos e abençoada pelo crucifixo que criminosamente Pepe Lobo coloca ao alto do fundo que se presta ao seu discurso de “líder” cristão e democrático.

O governo de ultra-direita do Chile foi chamado a fornecer peritos para identificar os corpos carbonizados. O relatório final já está pronto, os “especialistas” vão apenas sacramentar a explicação do governo para a chacina.

Líderes católicos, entidades de direitos humanos denunciam a farsa e o crime hediondo. A mídia tradicional silencia.

O julgamento de Lindemberg Alves, um criminoso comum, vira manchete prioritária em todo o Brasil, na ânsia de alimentar a alienação dos “zumbis” conduzidos ao estilo Big Brother.

A prisão de um estudante em flagrante violação à lei num presídio de segurança máxima foi tão somente a costumeira tentativa de intimidar, coagir e assim buscar que os protestos contra o fantoche que imagina governar alguma coisa (Paulo Hartung governa o extinto Espírito Santo hoje um condomínio de máfias chamadas empresas), não aconteçam, os desmandos sejam acatados.

Notícias desse tipo de fato só fora da mídia de mercado. O silêncio é absoluto sobre assuntos assim. Tanto na mídia nacional, quando na estadual. São braços das quadrilhas.

Isso equivale a tratar o cidadão como objeto de segunda categoria na mentira de cada dia em redes de tevê, jornais e revistas.

Se listados os abusos – e são muitos os relatórios que condenam o Brasil por procedimentos abusivos de autoridades e polícia militar principalmente – contra direitos humanos, a quantidade de papel a ser gasta será absurda.

Pior que isso é o incitamento direto e indireto, via mídia, que direitos humanos são eufemismo para proteger criminosos. Abre espaços para barbáries em Honduras, no extinto Espírito Santo, em Guantánamo – campo de concentração montado pelos EUA em território ocupado de Cuba – e assim por diante. Mas vira “bandeira” quando um robô/jornalista defende assassinatos seletivos.

A afirmação feita pela presidente do Brasil, Dilma Roussef que “direitos humanos não podem ser uma arma ideológica”, a despeito dos rumos do governo, é precisa, correta.
Chegou-se a um ponto que o robô/jornalista – Caio Blinder – defende publicamente numa rede de tevê via satélite a validade e a necessidade dos assassinatos seletivos praticados por serviços secretos norte-americanos e israelenses, como forma de defender a “democracia”, a “paz”. E é secundado por um foragido da justi
ça brasileira o jornalista Diogo Mainardi. Não há espanto e nem indignação por um disparate desses.

A dose de anestesia aplicada pela mídia paralisa o que William Bonner chamou de “Homer Simpson, o público/vítima desse tipo de informação.

É o grande desafio das forças populares. Acordar, despertar desse estado as pessoas que a cada dia mais marcham como “zumbis” numa ordem desordenada que mantém intactos privilégios e leva o ser humano a uma condição de objeto/abjeto.

Os ataques do governo sírio contra rebeldes e mercenários financiados pelos norte-americanos vão ser sempre violação dos direitos humanos e o são numa boa medida (pelo caráter ditatorial do governo). A destruição da Líbia em nome de interesses de empresas e bancos do cartel ISRAEL/EUA TERRORISMO S/A foram divulgados como “missão libertadora”. A desordem na Líbia após a “ajuda humanitária” da OTAN (braço do terror capitalista) é de tal dimensão que as tribos brigam entre si e forças remanescentes do governo de Kadafi começam a ganhar espaço.

Na Grécia, um levante popular, protestos e luta contra pacotes impostos por bancos e grandes corporações, que sugam mais ainda os trabalhadores são vistos como manifestações de inconformismo diante do “estupro inevitável”. A necessidade de salvar a Comunidade Européia. O que é isso a não ser um arranjo das classes dominantes?

Cada vez mais, em países considerados “democráticos”, o poder popular é menor. Limita-se ao voto na presunção que isso é o bastante e ato contínuo os governantes entram na imensa bolha do capitalismo e só retornam ao mundo dos “zumbis” quando for novamente a hora de votar.

Não há quem seja “zumbi” por vontade própria, pelo menos nessa condição. Mas há um claro processo de formação de legiões de “zumbis” dóceis, servis à ordem dominante e em caso de reação a borduna. Seja em Honduras, no extinto Espírito Santo, no Egito, em qualquer canto do mundo onde prevaleça a informação que defende “assassinatos seletivos” pela “paz” e pela “democracia”.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Existe um novo ‘Pinheirinho’ no horizonte

Uma nova Pinheirinho sendo preparada - Enviado por luisnassif, qua, 01/02/2012 - 11:19 - Do Diário de S. Paulo - Luis nassif online


Em 35 dias, favela do Savoy, em Carapicuíba, será desocupada por polícia militar cumprindo ordem judicial - JUCA GUIMARÃES


Favela Jaguaré
A definição de pobreza ganha cores fortes numa das favelas mais carentes de um dos municípios mais pobres da Grande São Paulo. No próximo dia 6 de março, os cerca de cinco mil moradores que constituem as cinco mil famílias da favela do Savoy, em Carapicuíba, irão perder o lugar onde moram. A Polícia Militar fará uma ação de reintegração de posse no terreno de 300 mil m² onde fica a favela do Savoy desde 2003, mesmo ano em que começou a invasão da favela do Pinheirinho, em São José dos Campos, que também foi desocupada no último dia 22 pela PM e pela guarda municipal numa operação que mais pareceu uma praça de guerra e recebeu críticas até da presidente Dilma Rousseff.

Caminhar pelas vielas da Savoy requer equilíbrio e atenção redobrada. O terreno de terra batida é irregular e íngreme. Ratos, entulho e esgosto a céu aberto estreitam ainda mais o caminho. Porém, foi a única opção que as famílias encontraram para escapar do aluguel.

Parapicuíba

A história do início da favela ainda está fresca na memória dos moradores. “Aqui era uma mata fechada. Aconteciam estupros e era muito perigoso. Os moradores das favelas vizinhas que moravam de aluguel se uniram e invadiram. Foram semanas limpando o terreno removendo a terra. Até as crianças ajudaram”, contou a recepcionista Nilda dos Santos, 38 anos.

A Savoy Imobiliária Construtora administra o terreno e entrou na Justiça pela reintegração de posse. Desde 2005, em nome dos herdeiros do terreno, a Savoy tenta a desocupação da favela que ganhou o mesmo nome da empresa. “Não se pode ignorar a lei para reconhecer um direito. Entendo que as pessoas têm o direito à moradia, porém elas devem pleitear isto junto ao poder público e não invadir uma área privada”, disse Otávio Caetano, advogado da Savoy.

Fim do sonho

Favela Savoy
No último dia 25, os moradores da favela receberam a notificação da PM sobre a reintegração, marcada para começar às 6h de uma terça-feira. “A minha mulher não consegue mais dormir. Ela passa o tempo todo apreensiva contando os dias e as horas para a destruição de todos os nossos sonhos”, disse o auxiliar de limpeza Renildo da Silva, 54 anos. Há cinco na favela.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Outra novela do mensalão vem aí

16/02/2012 - Gilson Caroni Filho - Mensalão: o anúncio do grotesco midiático
blog Viomundo

A manchete do jornal O Globo, em sua edição de 15 de fevereiro de 2012 (“Marcos Valério é o primeiro condenado do Mensalão”), não deixa dúvidas quanto ao espetáculo que dominará páginas e telas depois do carnaval: à medida em que se aproxima o julgamento do processo que a imprensa chama de “escândalo da mensalão”, velhos expedientes são reeditados sem qualquer cerimônia que busque manter a aparência de jornalismo sério.

A condenação do publicitário por crimes de sonegação fiscal e falsificação de documentos públicos seria, mesmo que não surjam provas de conduta delituosa por parte dos réus, a senha para o STF homologar a narrativa midiática e não ficar maculado pela imagem de “pizza” que uma absolvição inevitavelmente traria à mais alta corte do país. Essa é a intimidação diária contida em artiguetes e editoriais.

Como destaca Pedro Estevam Serrano, em sua coluna para a revista CartaCapital, "o que verificamos é a ocorrência constante de matérias jornalísticas em alguns veículos que procuram nitidamente criar um ambiente de opinião pública contrária aos réus, apelando a matérias mais dotadas da verossimilhança dos romances que à verdade que deveria ser o mote dos relatos jornalísticos".

Os riscos aos pilares básicos do Estado Democrático de Direito são nítidos na empreitada. Serrano alerta para o objetivo último das corporações:
“E tal comportamento tem intenção política evidente, qual seja procurar criminalizar o PT e o governo Lula, pois ao distanciar o julgamento de sua concretude por relatos abstratos e simbólicos o que se procura pôr no banco dos réus não são apenas as condutas pessoais em pauta mas sim todo um segmento político e ideológico.”

A unificação editorial em favor da manutenção dos direitos do CNJ em votação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) não revela apenas preocupação com o indispensável controle externo do poder judiciário, mas o constrangimento necessário de juízes às vésperas de um julgamento que envolve, a construção política mais cara à mídia corporativa. No lugar do contraditório, a imposição de uma agenda. Ocupando o espaço da correta publicidade dos fatos, a recorrente tentativa de manipulação da opinião pública. A trama, no entanto, deve ser olhada pelo que traz de pedagógico, explicitando papéis e funções no campo jornalístico.

O pensamento único, para o ser, não basta ser hegemônico; tem que ser excludente. Não apenas de outros pensamentos, mas do próprio pensar. Parafraseando Aldous Huxley, “se o indivíduo pensa, a estrutura de poder fica tensa”. Na verdade, na sociedade administrada não pode haver indivíduo. Apenas a massa disforme, cujo universo cognitivo e intelectivo é, de alto a baixo, subministrado pelos detentores do poder social. É nessa crença que se movem articulistas, editores e seus patrões.

Em um sistema de dominação é essa, e nenhuma outra,, a função da “mídia”: induzir o espírito de manada, o não-pensar, o abrir mão da razão e aderir entusiasticamente à insensatez programada pelos que puxam os cordões. Os fracassos recentes não nos permitem desdenhar do capital simbólico que as corporações ainda detêm para defender os seus interesses e o das frações de classe a ela associadas.

Nesse processo, o principal indutor é o “Sistema Globo”, que o falecido Paulo Francis, antes de capitular, apropriadamente crismou como “Metástase”, pois de fato suas toxinas se espalham por todo o tecido social. Seus carros-chefe, que frequentemente se realimentam reciprocamente, são o jornal da classe média conservadora e, principalmente, o Jornal Nacional, meticulosamente pautado “de [William] Bonner para Homer [Simpson]“ que, de segunda a sábado, despeja ideologia mal travestida de notícia sobre dezenas de milhões de incautos.

E o que “deu” no Jornal Nacional “pauta” desde as editorias dos jornais impresso — O Globo por cima e o Extra por baixo — e das revistas, “da casa” ou de uma “concorrência” cujo único objetivo é ser ainda mais sensacionalista e leviana. Algumas vezes, o movimento segue o sentido inverso: uma publicação semanal produz a ficção que só repercute graças à reprodução da corporação.

Os outros instrumentos de espetaculosidade complementam o processo, impondo suas versões de pseudo-realidade: o Fantástico, ersatz dominical do JN; as novelas “campeãs de audiência”, com seus “conflitos” descarnados e suas “causas sociais” oportunisticamente selecionadas como desconversa; e, culminando, o Big Brother Brasil, a celebração máxima da total vacuidade.

Processo análogo vem sendo usado, há mais de duas décadas, para esvaziar e despolitizar a política, reduzindo-a às futricas de bastidores, ao “em off” e aos “papos de cafezinho”; e, em época eleitoral, à corrida de cavalões das pesquisas de intenção de voto que ocupam as manchetes, o noticiário, as colunas – ah, as colunas! – e até mesmo a discussão supostamente acadêmica. A não menos velha desconversa nacional: olha todo mundo pra cá, e pela minha lente, para que ninguém olhe pra lá.

Falar-se em “opinião pública”, nesse cenário, é um escárnio. “Opinião” pressupõe um espaço interno, em cada indivíduo, para reflexão, ponderação, crítica e elaboração, não controlado pelo poder social. “Pública” requer que exista uma esfera pública, de discurso racional entre iguais, aberto ao contraditório e não subordinado aos ditames do “mercado” ou subministrado de fio a pavio pelo braço “midiático” do mesmo poder. Nem uma nem outra condição pode existir em ambiente que tenta subjugar “corações e mentes”, induzindo-o sistemática e deliberadamente à loucura social.

Avançamos bastante, mas não nos iludamos: o que vem por aí é uma luta renhida. De um lado, o espetáculo autoritário. E, de outro, a cidadania e o Estado de Direito como permanente construção.

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PS do Viomundo:
Vimos de dentro o processo de dar pernas às capas da Veja. Elas pulavam direto para o Jornal Nacional de sábado e ganhavam a imprensa escrita na semana seguinte. A primeira novela do mensalão ocupou toda a campanha de reeleição de Lula, em 2006.

Em nome da equidade, a Globo dava 50 segundos para cada candidato. Tinha dia em que três candidatos atacavam o governo (150 segundos), contra 50 segundos de Lula.

Foi nesse período que o então editor de economia do Jornal Nacional em São Paulo, Marco Aurélio Mello, recebeu a ordem para “tirar o pé” da cobertura econômica (o crescimento da venda de cimento, no cálculo da Globo, era notícia positiva para Lula). Além disso, poderia atrapalhar a paginação do JN, que vinha carregada de matérias investigativas contra o governo.

Quando a pressão interna conseguiu emplacar uma única pauta sobre o escândalo das ambulâncias, que poderia atingir indiretamente o candidato do PSDB ao governo paulista, José Serra, ela foi feita, editada, mas nunca entrou no ar! O problema é que o escândalo das ambulâncias superfaturadas estava na conta do PT, apesar de Lula ter “herdado” o esquema do “governo anterior” (eufemismo da Globo quando era inconveniente falar em governo FHC ou governo do PSDB). A matéria arquivada tinha um único dado comprometedor: 70% das ambulâncias superfaturadas tinham sido entregues na gestão de José Serra como ministro da Saúde — e do sucessor que ele deixou na vaga quando concorreu ao Planalto, em 2002. Isso, sim, era de estragar a paginação do JN. Descrevi isso melhor no post "O que eu pretendia dizer na TV sobre as ambulâncias de Serra"  (http://www.viomundo.com.br/denuncias/o-que-eu-pretendia-dizer-na-tv-sobre-as-ambulancias-de-jose-serra.html).