quinta-feira, 5 de abril de 2012

“Devemos mudar a economia”

05/4/2012 - por Rousbeh Legatis, da Inter Press Service (IPS)
reproduzido do site Envolverde

  
América Latina experimentou “luzes e sombras”, disse à IPS a secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena. Foto: Rousbeh Legatis/IPS

 
Nações Unidas, 05/04/2012

Depois da “década perdida” para a América Latina e o Caribe, nos anos 1980, a região experimentou um período de “luzes e sombra”, segundo a secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena. O progresso real no campo social ocorreu na primeira década deste século, porque passamos de 44% da população da região vivendo na pobreza, em 2002, para 31% no ano passado”, destacou. Esta porcentagem representa 177 milhões dos 600 milhões de latino-americanos e caribenhos.

Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá no Rio de Janeiro em junho, 19 agências da Organização das Nações Unidas (ONU) colaboraram em um informe sobre os progressos e os desafios da região nas duas últimas décadas. Bárcena falou à IPS sobre as vias para avançar no desenvolvimento sustentável, sobre a histórica oportunidade que representa a cúpula no Rio de Janeiro para revisar as estruturas de governo globais e sobre o papel do Sul na luta contra os problemas de um futuro comum.

IPS: Quais as principais ameaças que a América Latina e o Caribe enfrentam?
Alicia Bárcena: Um dos sinais de alerta para nossa população é que as taxas de fertilidade estão caindo, em geral. Contudo, a maioria dos novos nascimentos se dá por gravidez de jovens. As mulheres jovens pobres são as que mais têm filhos. Isto é crucial, porque se nossa região não investir nas primeiras idades, de zero a cinco anos, o futuro desta região estará nas mãos da pobreza. Também analisamos ondeestão as áreas da América Latina mais vulneráveis à mudança climática, de acordo com seu impacto esperado para 2050. Por exemplo, consideramos eventos extremos e manifestações como a elevação do nível do mar ou desastres naturais, como os furacões.

As áreas mais afetadas serão América Central, do lado do Atlântico, México, na bacia do Caribe, algumas áreas de Equador, Peru e Colômbia, do lado do Pacífico, e a região do porto de Montevidéu, no Uruguai. É verdade que no plano social melhoramos as taxas de pobreza, mas o desemprego continua sendo um tema muito importante na América Latina e no Caribe. A taxa de 6,6% é baixa comparada com Europa ou Estados Unidos. O problema é a qualidade do emprego: em geral, é informal e sem seguridade social. Tão importante quanto reduzir a pobreza é reduzir a desigualdade.

IPS: Se considerarmos os fundamentos das economias da região, a exploração e exportação de matérias-primas e recursos naturais, como, neste cenário, a economia verde poderá obter algum impacto?
AB: A abundância de recursos naturais deve ser vista como uma benção. A maldição é não ter políticas para manejá-la. O que se necessita é investir a renda gerada pela extração desses recursos naturais em outras áreas, para construir outras formas de capital e de produtividade para as futuras gerações. E isto deve ser feito com o menor impacto possível no meio ambiente. E a renda deve ser distribuída de forma adequada. Precisamos de mecanismos que garantam isso. Portanto, estamos discutindo a governança dos recursos naturais. É o que fizeram países como Noruega, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia, que têm abundância de recursos naturais e levaram adiante uma transição para uma sociedade mais voltada para a tecnologia, e o conseguiram graças à renda gerada pelos recursos naturais.

IPS: As experiências de economia verde são até agora apenas estudos de casos e bons exemplos. No cenário econômico dominante, como podem os governos tomar medidas como reformas fiscais e de subsídios?
AB: Antes de tudo, a expressão “economia verde” é muito polêmica em nossa região, por ser vista como uma tendência imposta pelos países do Norte industrializado sem considerar os mecanismos e os custos da transição para essa economia, e sem responder quem pagará. Isto também gera temor pelos riscos de protecionismo. O que os governos podem fazer? Creio que muito em matéria de reformas fiscais, o que seria um sinal muito poderoso. Os governos que realizam reformas fiscais dão indicações aos agentes produtivos, mas também redistribuem os recursos. Para ter êxito, uma forma do sistema tributário deve se basear em um consenso. É isto que precisamos. Não se pode impor. Tem que haver discussões internas para determinar o quanto a sociedade está disposta a pagar por esta transição. Isto é essencial.

IPS: O que se pode fazer em matéria de soluções?
AB: O que tentamos dizer aos governos é: “não precisam intervir em tudo, mas em certas coisas que são essenciais para a população”. Eletricidade, água potável, acesso à internet banda larga, transporte público e construção inteligente. Por que não construir casas com energia solar aplicando engenharia ou projetos que já estão disponíveis? Na América Latina e no Caribe pode-se melhorar o planejamento urbano. Os programas de transferência de dinheiro também tiveram muito êxito, como o Bolsa-Família do Brasil. Este programa tirou 20 milhões de brasileiros da pobreza nos últimos dez anos. Ao se expandir esses programas e as transferências condicionadas de dinheiro, pode-se buscar que não sejam apenas por educação e saúde – ou seja, levar os filhos à escola e ao médico –, dizendo à comunidade: “vamos lhes dar dinheiro, mas devem proteger o solo”, ou “usem a água desta maneira”, etc., e então também se está incluindo medidas de sustentabilidade.

IPS: No informe a senhora afirma que “os países industrializados não honram seus compromissos para fornecer financiamento e liderança”. Como é isto?
AB: Os países industrializados se comprometeram, em 1970, a destinar 0,75% de seu produto interno bruto à ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA). Agora estamos em 0,33%, que é a metade. Muito bem, no momento da crise financeira é muito difícil alcançar esta meta. Mas, historicamente, os países industrializados se desenvolveram com um alto consumo de energia e recursos do planeta. Agora, é muito injusto impor restrições nesses aspectos aos países em desenvolvimento, quando são mais caras. A outra forma de conseguir esta transferência do Norte para o Sul é compartilhar conhecimento e tecnologia. Por isso, creio que as patentes, a capacitação e o livre intercâmbio de conhecimento poderiam ser mecanismos úteis. O investimento em ciência, tecnologia e inovação é essencial. Isto será a chave da transição para um desenvolvimento sustentável.

IPS: Qual seria um bom resultado para a Rio+20?
AB: Que fossem acordadas metas de desenvolvimento sustentável, porque isso poria muita pressão em todas e cada uma das instituições para alcançá-las. Também sugerimos uma espécie de “taxa Tobin” sobre as transações financeiras para apoiar o desenvolvimento sustentável. Com um imposto de 0,0005%, teríamos dinheiro suficiente para que o mundo atravessasse esta primeira transição (para uma economia verde). Em segundo lugar, ferramentas claras de financiamento. Em terceiro, que haja mecanismos de transferência de tecnologia e, em quarto, instituições que funcionem. Do nosso ponto de vista, em nível multilateral, o Conselho Econômico e Social (Ecosoc) das Nações Unidas deveria ser fortalecido. É preciso levar os atores econômicos ao Ecosoc para que discutam, porque o que está ruim é a economia, o meio ambiente apenas a suporta. Precisamos mudar a economia.

Envolverde/IPS


Juro no BB pode cair para até 2% ao mês e taxas na CEF a 4%

16/03/2012 - Sérgio Cruz - Jornal Hora do Povo

Presidenta quer “equilibrar taxa interna [dos juros] com a internacional” para barrar “tsunami monetário

A presidenta Dilma Rousseff afirmou, neste domingo (11/03), em entrevista ao jornalista Luis Nassif, que a “redução dos juros, pelo Banco Central, não é só para esquentar a economia brasileira”. “A intenção maior é equilibrar a taxa interna com a internacional. Hoje em dia esse diferencial é responsável pela maior arbitragem que existe no mundo”, prosseguiu Dilma, numa referência ao fato de que o juro real no país (4,2%) - ainda é o mais alto do mundo - atrai essa enxurrada de dólares dos países ricos, o que Dilma chama de “tsunami monetário”.
A média dos juros reais nas 40 economias mais relevantes está negativa (0,7%).

Com isso, o resultado é o câmbio deformado, com subsídio às importações e o encarecimento dos produtos exportados, travando o desempenho da indústria e da economia do país.

Preocupada em alavancar o desenvolvimento do país e com a ação dos juros sobre o consumo e o crédito, a presidente Dilma determinou recentemente que os bancos públicos dêm o exemplo e reduzam os juros cobrados dos seus clientes. De acordo com fontes do governo, a presidente mandou que o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF) baixem os juros cobrados em vários produtos, inclusive os mais caros, como cheque especial e crédito rotativo no cartão. Os estudos visam reduzir os juros para 2% ao mês, em alguns casos, no Banco do Brasil. Hoje o banco chega a cobrar 8,47% ao mês de clientes que entram no cheque especial. Seria um corte de 76% nos juros. Há projeto semelhante na Caixa, buscando diminuir algumas taxas para 4% ao mês.

Dilma quer com isso que os bancos privados sejam levados a reduzir o spread (diferença entre o custo de captação do banco e o que ele cobra nos empréstimos), bastante alto no país. Sem dúvida isso mostraria que se os bancos podem diminuir os juros, o BC também não teria porque não fazer um corte mais drástico e necessário na taxa Selic.

Segundo um técnico do governo ouvido pela reportagem de “O Globo”, a ideia é “fazer um plano audacioso, que mexa com todo o mercado”. Pelo plano, o BB pretende cortar juros para funcionários públicos, para empresas que tenham conta no banco e para a população de baixa renda. Com isso, o BB e Caixa aumentariam seus clientes compensando a redução dos ganhos com os juros. Em contrapartida seriam exigidas algumas garantias dos clientes para terem acesso a taxas mais baixas.

PROTECIONISMO
Na entrevista concedida a Luis Nassif, a presidente Dilma também falou que a “desvalorização cambial artificial [dos países ricos] é uma forma de protecionismo feroz”. Ela disse que “há um discurso dos países centrais de que são defensores do livre comércio. Mas praticam o protecionismo mais feroz que se conhece”. “Se perguntar hoje qual é o maior cuidado do governo, respondo: é acompanhar como o Brasil se defende dessas políticas que são abertamente protecionistas praticadas pelos governos desenvolvidos”, salientou a presidenta.

Ao comentar a situação da crise nos EUA, Dilma lembrou que eles “empurraram a crise com a barriga, aumentaram a quantidade de dinheiro nos bancos, mas não rolaram as dívidas das famílias, o que poderia ter destravado o mercado interno”. “Só agora nas eleições, depois de quatro anos de crise, começam a rolar as dívidas das famílias”, lembrou.

O ‘quantitative easing’ (programa de inundação do mundo com dólares) do governo americano “é um mix de política macro, com taxas de juros lá embaixo, expansão monetária acelerada e objetivo de segurar o lado fiscal. É evidente que por trás dela há a intenção de desvalorizar o dólar e melhorar o emprego interno”. “E essa desvalorização artificial da moeda não está regulada pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Então não venham reclamar de algumas medidas absolutamente defensivas que o Brasil toma”, salientou.

TSUNAMI
Ela lembrou o filme ‘Muito Grande para Falir’ para mostrar que “na cena final o Secretário do Tesouro Paulson pergunta a Ben Bernanke se estava satisfeito com o fato dos grandes bancos terem absorvido os empréstimos para rolar dívidas. Bernanke, quieto, responde: não tenho certeza se eles vão emprestar”. “De fato”, lembrou Dilma, “não emprestaram: uma parte ficou depositada no próprio FED, outra parte foi devolvida”.

No caso da Europa, são um trilhão de euros emprestados a 1% ao ano, que em breve entrarão na ciranda financeira. Irão investir em títulos da Itália e Espanha, aumentando sua exposição? Não: virão fazer arbitragem aqui e em outros países. Tem uma enorme bolha a caminho”, frisou Dilma. “Hoje em dia, via tsunami monetária, está em curso no mundo a prática das desvalorizações competitivas, o que se chama de ‘empobreça seu vizinho’. É uma situação esquizofrênica na Europa, que não consegue uma solução de crescimento”, afirmou.

Dilma alertou para a gravidade da crise social nos países europeus. “Muitos países estão com graus de desemprego do ponto de vista político incompatível com sistemas democráticos abertos. A dívida grega não é financiável, assim como a de Portugal. Como conviver com nível de desemprego que chega a atingir 45% dos jovens? Destrói o tecido social, tira das pessoas a esperança”, alertou.

Sobre o Brasil, Dilma ressaltou que “as condições do mercado internacional mudaram”. “Estamos vivendo situação diferenciada. Não se pode perder a consciência do tsunami monetário. Tem que fazer avaliação sobre as estratégias a serem tomadas, e não se faz de forma abrupta e apaixonada. Com muita cautela, frieza,tranquilidade, iremos acompanhar o desenrolar da situação e tomar as medidas cabíveis”. 
Não tenho como adiantar as medidas cabíveis, mas para o governo brasileiro esta é a questão principal”, destacou. “Se perguntar hoje qual é o maior cuidado do governo, respondo: é acompanhar como o Brasil se defende dessas políticas que são abertamente protecionistas praticadas pelos governos desenvolvidos”, garantiu a presidenta.
 
Dilma falou também das medidas que pretende tomar para defender a indústria nacional. “O Brasil vai institucionalmente tomar medidas para garantir que nosso mercado interno não seja canibalizado. Tem queda na indústria, mas dá para reverter. Não daria se deixássemos continuar por dois, três anos. Agora dá e vamos fazer o possível e o impossível para defender a indústria nacional”.

Descrevendo as atividades da Feira de Tecnologia de Hannover, na Alemanha, ela disse que aproveitou bastante, que conferiu os stands alemães e destacou que quase todos eram apenas filiais de empresas coreanas. Ela disse também, ao final da entrevista, que entusiasmou-se com o sistema de controle de voo da Embraer, com a apresentação de Marcos Stefanini, de uma empresa brasileira de TI, que “mostrou o grande diferencial brasileiro: jeitinho, criatividade”.


quarta-feira, 4 de abril de 2012

O caso Demóstenes Torres e as raposas no galinheiro [e os pitacos da leitora]

"Quisera eu ter a facilidade para escrever, como a jornalista Maria Inês Nassif o faz com maestria no texto a seguir. Ainda assim pus meus pitacos que estão entre colchetes", anotou a leitora Sonia Montenegro. A Equipe do blog Educom decidiu publicar seus pitacos entremeados com os parágrafos da Maria Inês Nassif, pois tendo muito a ver, ganha o leitor. Confiamos que Maria Inês não irá torcer o nariz por essa intromissão.

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03/04/2012 -  - Maria Inês Nassif*- Carta Maior


O rumoroso caso Demóstenes Torres é uma chance única de reavaliar o que foi a política brasileira na última década, e de como ela – venal, hipócrita e manipuladora – foi viabilizada por um estilo de cobertura política irresponsável, manipuladora e, em alguns casos, venal. E hipócrita também. (Maria Inês Nassif)


[ou seja, como sempre a imprensa atuou, desde a eleição do Lula, um político que nunca foi bem-visto pela "grande" imprensa brasileira. (SM)]

Teoricamente, todos os jornais e jornalistas sabiam quem foram os arautos da moralidade por eles eleitos nos últimos anos: ...

[Demóstenes era um deles, mas também Arthur Virgílio, Tasso Jereissati, Heráclito Fortes, Mão Santa, entre outros, que perderam as eleições em seus estados em 2010, sem falar no neto de ACM, cujo DNA dispensa apresentações e o "darling" da vez, Agripino Maia, que a imprensa está poupando, mas que está sendo investigado num escândalo milionário pela operação "Sinal Fechado" da PF (SM)]


... representantes da política tradicional, que fizeram suas carreiras políticas à base de dominação da política local, que ocuparam cargos de governos passados sem nenhuma honra, que construíram seus impérios políticos e suas riquezas pessoais com favores de Estado, que estabeleceram relações profícuas e férteis com setores do empresariado com interesses diretos em assuntos de governo.
  



Foram políticos com
 esse perfil os escolhidos pelos meios de comunicação para vigiar a lisura de governos. Botaram raposas no galinheiro.


Nesse período, algumas denúncias eram verdadeiras, outras, não. Mas os mecanismos de produção de sensos comuns foram acionados independentemente da realidade dos fatos. Demóstenes Torres, o amigo íntimo do bicheiro, tornou-se autoridade máxima em assuntos éticos. Produziu os escândalos que quis, divulgou-os com estardalhaço. Sem ir muito longe, basta lembrar a “denúncia” de grampo supostamente feita pelo Poder Executivo no gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, então presidente da mais alta Corte do país. Era inverossímil: jamais alguém ouviu a escuta supostamente feita de uma conversa telefônica entre Demóstenes, o amigo do bicheiro, e Mendes, o amigo de Demóstenes.

[Para quem não lembra, esse episódio aconteceu logo depois do escândalo dos dois habeas-corpus concedidos pelo Gilmar Mendes, então presidente do STF, ao empresário condenado Daniel Dantas, em tempo recorde, com direito a horas-extras nas madrugadas. O factóide serviu para tirar a atenção das pessoas desse absurdo, e as colocar contra o governo do Presidente Lula e o chefe da ABIN, Paulo Lacerda, um delegado íntegro, que o Lula, para poupá-lo, mandou para Portugal. É importante verificar que, não importa denegrir a imagem de um homem de bem, desde que sirva para os interesses escusos de quem os promove (SM)]

Os meios de comunicação receberam a suposta transcrição de um grampo, onde Demóstenes elogia o amigo Mendes, e Mendes elogia o amigo Demóstenes, e ambos se auto-elegem os guardiões da moralidade contra um governo ditatorial e corrupto.

Contando a história depois de tanto tempo, e depois de tantos escândalos Demóstenes correndo por baixo da ponte, comunicação engoliram a estória sem precisar de água. O show midiático produzido em torno do episódio transformou uma ridícula encenação em verdade.
parece piada. Mas os meios de

A estratégia do show midiático é conhecida desde os primórdios da imprensa. Joga-se uma notícia de forma sensacionalista (já dizia isso Antonio Gramsci, no início do século passado, atribuindo essa prática a uma “imprensa marrom”), que é alimentada durante o período seguinte com novos pequenos fatos que não dizem nada, mas tornam-se um show à parte; são escolhidos personagens e lhes é conferida a credibilidade de oráculos, e cada frase de um deles é apresentada como prova da venalidade alheia. No final de uma explosão de pânico como essa, o consumo de uma tapioca torna-se crime contra o Estado, e é colocado no mesmo nível do que uma licitação fraudulenta. A mentira torna-se verdade pela repetição. E a verdade é o segredo que Demóstenes – aquele que decide, com seus amigos, quem vai ser o alvo da vez – não revela.

Convenha-se que, nos últimos anos, no mínimo ficou confusa a medida de gravidade dos fatos; no outro limite, tornou-se duvidosa a veracidade das denúncias. A participação da mídia na construção e destruição de reputações foi imensa. Demóstenes não seria Demóstenes se não tivesse tanto espaço para divulgação de suas armações. Os jornais, tevês e revistas não teriam construído um Demóstenes se não tivessem caído em todas as armadilhas construídas por ele para destruir inimigos, favorecer amigos ou chantagear governos. Os interesses econômicos e ideológicos da mídia construíram relações de cumplicidade onde a última coisa que contou foi a verdade.

Ao final dos fatos, constata-se, ao longo de um mandato de oito anos, mais um ano do segundo mandato, uma sólida relação entre Demóstenes e a mídia que, com ou sem consciência dos profissionais de imprensa, conseguiu curvar um país inteiro aos interesses de uma quadrilha sediada em Goiás.

[Quem acreditou no que viu, leu e ouviu, passou involuntariamente a corroborar com um jogo sujo que não visava o bem do país, mas de uma quadrilha de criminosos (SM)].

Interesses da máfia dos jogos transitaram por esse esquema de poder. E os interesses abarcavam os mais variados negócios que se possa fazer com governos, parlamentos e Justiça: aprovação de leis, regras de licitação, empregos públicos, acompanhamento de ações no Judiciário. Por conta de um interesse político da grande mídia, o Brasil tornou-se refém de Demóstenes, do bicheiro e dos amigos de ambos no poder.

[Somente hoje, a Globonews começou a divulgar, embora discretamente, o envolvimento do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB) com o esquema, mas eu já estou sabendo desde o dia 19 de março, através de divulgações na internet. Para dar uma ideia, dentre as revistas desta semana, cujas capas envio em anexo, a única que traz a informação a respeito do envolvimento do governador Perillo é a Carta Capital, que, coincidentemente, foi recolhida e não circulou no estado de Goiás. Mas o envolvimento é tão relevante que, assessores próximos a Perillo e Secretários de Estado foram indicados por Cachoeira. Diga-se de passagem, a Carta Capital da semana anterior mostrava que o Demóstenes era sócio do Cachoeira, com uma participação de 30% dos negócios, com ganhos de R$ 170 milhões em 6 anos (SM)]

Não foi a mídia que desmascarou Demóstenes: a investigação sobre ele acontece há um bom tempo no âmbito da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Nesse meio tempo, os meios de comunicação foram reféns de um desconhecido personagem de Goiás, que se tornou em pouco tempo o porta-voz da moralidade. A criatura depõe contra seus criadores.


* Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.


[continuam os pitacos de Sonia Montenegro]
 
[A criatura depõe contra seus criadores. Gostaria ainda de fazer algumas indagações que julgo pertinentes:
- Quem censura de fato a imprensa, e a livre liberdade de expressão, diante desta atitude do tucano Perillo, que é apenas um dos milhares de exemplos de interferência de políticos da atual oposição (DEM, PSDB, PPS, principalmente)?
- Se o escândalo fosse com um governador do PT, qual seria o comportamento da imprensa?
- Qual seria a capa da Veja? (SM)]

(e prosseguem)

[Existe uma explicação para isso, dentre as denúncias divulgadas pela internet, o atual diretor da sucursal da Veja em Brasília, Policarpo Jr., também foi pego nas gravações, com mais de 200 telefonemas entre ele e o Carlinhos Cachoeira. Se a intenção da nossa 'grande e imparcial' imprensa é combater a corrupção, por que protege políticos corruptos? Por que o 1º 'escândalo' do governo Lula foi uma gravação do Waldomiro Diniz pedindo propina exatamente ao Carlinhos Cachoeira, feita no mandato do Garotinho, em cargo de confiança do Estado aqui do RJ, e 2 anos antes da posse do Lula? Ainda que o citado Waldomiro fosse na ocasião acessor do José Dirceu, o crime não se deu no governo Lula, como a imprensa quis fazer crer.]

[- Quem foi o autor do "furo" do 2º escândalo do governo Lula, aquele que a imprensa diz que foi o pior da história da República? A revista Veja.
- Quem foi o autor da matéria? Policarpo Jr. Claro que depois a Globo repercutiu de forma espetaculosa, bem diferente do escândalo atual.
- Quem gravou a conversa onde o Maurício Marinho pedia propina "em nome do Roberto Jefferson"? O araponga Jairo Martins, a serviço do Carlinhos Cachoeira, preso também pela Operação Monte Carlo.
- Quem foi o autor das denúncias contra o governo Lula? O Roberto Jefferson, que criou o termo "mensalão", e foi cassado porque não conseguiu provar suas acusações.
- Por que o STF aceitou a denúncia contra o José Dirceu e demais envolvidos no caso? Um dos membros do STF disse que foi um julgamento com a "faca no pescoço", porque acompanhado de perto pela imprensa, o membro do juri que não acatasse a denúncia estaria com seu nome na lama.
- Como se defender quando toda a imprensa está, a toda hora, lhe difamando?
- Quem já foi vítima dessa mesma imprensa sabe o quão impossível é!]

[Finalmente, o que me faz acreditar nessas informações que não são divulgadas pela "grande" imprensa? Porque até hoje, tudo que não divulgaram acabou se comprovando, como se pode ver no caso presente. (SM)]


terça-feira, 3 de abril de 2012

A Centralidade da Água

29/03/2012 - Mônica Bruckman** - site América Latina em Movimento

A centralidade da água na disputa global por recursos estratégicos*


As grandes reservas hídricas como a bacia do Congo, Amazonas, o aquífero Guarani ou os grandes lagos de África central coincidem com a existência de grandes populações em expansão e fortes conflitos étnicos e religiosos. Além disso, grande parte dos países desta região se encontram fortemente pressionados pelo sistema financeiro internacional que tenta implantar uma gestão neoliberal dos recursos hídricos. (Monica Bruckman)



 ALAI AMLATINA - Duas visões contrapostas estão em choque na disputa global pela água. A primeira, baseada na lógica da mercantilização deste recurso, que pretende convertê-lo em uma commodity, sujeita a uma política de preços cada vez mais dominada pelo processo de financeirização e o chamado “mercado de futuro”. Esta visão encontra no Conselho Mundial da Água, composto por representantes das principais empresas privadas de água que dominam 75% do mercado mundial, seu espaço de articulação mais dinâmico.

O Segundo Fórum Mundial da Água, realizado em 2000 declarou, no documento final da reunião, que a água não é mais um “direito inalienável”, mas uma “necessidade humana”. Esta declaração pretende justificar, do ponto de vista ético, o processo em curso de desregulamentação e privatização deste recurso natural. A última reunião realizada com o nome de IV Fórum Mundial da Água, em março de 2009, em Istambul, ratifica esta caracterização da água. Um aliado importante do Conselho Mundial da Água foi o Banco Mundial, principal impulsor das empresas mistas, público-privadas, para a gestão local da água.

A outra visão se reafirma na consideração da água como direito humano inalienável. Esta perspectiva é defendida por um amplo conjunto de movimentos sociais, ativistas e intelectuais articulados em um movimento global pela defesa da água, que propõe a criação de espaços democráticos e transparentes para a discussão desta problemática a nível planetário. Este movimento, que não reconhece a legitimidade do Fórum Mundial da Água, elaborou uma declaração alternativa à reunião de Istambul, reivindicando a criação de um espaço de debate global da água nos marcos da ONU, reafirmando a necessidade da gestão pública deste recurso e sua condição de direito humano inalienável [1].

A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em julho de 2010, a proposta apresentada pela Bolívia, e apoiada por outros 33 Estados, de declarar o acesso à água potável como um direito humano. Como previsto, os governos dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e o Reino Unido se opuseram a esta resolução, fazendo que perdesse peso político e viabilidade prática, na opinião de Maude Barlow, ex-assessora sobre água do presidente da Assembleia Geral da ONU [2]. Estes quatro países, e suas forças políticas mais conservadoras, aparecem como o grande obstáculo. O perigo para os operadores da água é grande, certamente, um reconhecimento da água e do saneamento como direito humano limitaria os direitos das grandes corporações sobre os recursos hídricos, direitos consagrados pelos acordos multilaterais de comércio e investimento.

Os governos da América Latina estão avançando no reconhecimento da água como direito inalienável e na afirmação da soberania e gestão pública destes recursos. A Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia reconhece, em seu artigo 371, que o “a água constitui um direito fundamentalíssimo para a vida, no marco da soberania do povo”, estabelece também que “o Estado promoverá o uso e aceso à água sobre a base de princípios de solidariedade, complementaridade, reciprocidade, equidade, diversidade e sustentabilidade”.

Certamente, a disputa pela apropriação e o controle da água no planeta adquire dimensões que extrapolam unicamente os interesses mercantilistas das empresas transnacionais, colocando-se como um elemento fundamental na geopolítica mundial. Está claro que o planeta necessita urgentemente de uma política global para reverter a tendência do complexo processo de desordem ecológico que, ao mesmo tempo em que acelera a dinâmica de desertificação em algumas regiões, incrementa os fenômenos de inundação produto de chuvas torrenciais em outras. As consequências devastadoras que a degradação do meio ambiente está provocando e a gravidade da situação global que tende a se aprofundar colocam em discussão a própria noção de desenvolvimento e de civilização.

Os aquíferos e a preservação de ecossistemas
Há muito tempo as investigações hidrológicas dos ciclos globais da água vem demonstrando que 99% da água doce acessível do planeta se encontram nos aquíferos de água doce, visíveis nos rios, lagos e capas congeladas de gelo. Estas águas constituem sistemas hídricos dinâmicos e desenvolvem seus próprios mecanismos de reposição que dependem, fundamentalmente, das chuvas. Parte deste caudal se infiltra nas rochas subjacentes e se deposita debaixo da superfície, no que se conhece como aquíferos. Os aquíferos recebem reposição das chuvas, portanto são, em sua maioria, renováveis. 

Dependendo do tamanho e as condições climáticas da localização dos aquíferos, o período de renovação oscila entre dias e semanas (nas rochas cársticas), ou entre anos e milhares de anos tratando-se de grandes bacias sedimentares. Em regiões onde a reposição é muito limitada (como nas regiões áridas e hiperáridas) o recurso da água subterrânea pode ser considerado como "não renovável" [3].

Os aquíferos e as águas subterrâneas que os conformam, fazem parte de um ciclo hidrológico cujo funcionamento determina uma complexa inter-relação com o meio ambiente. As águas subterrâneas são um elemento chave para muitos processos geológicos e hidroquímicos, e tem também uma função relevante na reserva ecológica, já que mantém o caudal dos rios e são a base dos lagos e dos pântanos, impactando definitivamente nos habitat aquáticos que se encontram neles. Portanto, os sistemas aquíferos além de serem reservas importantes de água doce, são fundamentais para a preservação dos ecossistemas.

A identificação dos sistemas aquíferos é um requisito básico para qualquer política de sustentabilidade e gestão de recursos hídricos que permitam que o sistema continue funcionando e, do ponto de vista de nossas investigações, é imprescindível para uma análise geopolítica que procure pôr em evidência elementos estratégicos na disputa pelo controle e apropriação da água.

As grandes reservas hídricas como a bacia do Congo, Amazonas, o aquífero Guarani ou os grandes lagos de África central coincidem com a existência de grandes populações em expansão e fortes conflitos étnicos e religiosos. Além disso, grande parte dos países desta região se encontram fortemente pressionados pelo sistema financeiro internacional que tenta implantar uma gestão neoliberal dos recursos hídricos através de seu pessoal técnico para os quais as estações de tratamento de água, reciclagem e construção de mecanismos que evitem a contaminação dos aquíferos são gastos supérfluos [4].

Trata-se de um processo violento de expropriação e privatização do recurso natural mais importante para a vida. Apesar da centralidade da água potável para consumo humano, é necessário assinalar também a importância vital deste recurso para a agricultura, que afeta diretamente a soberania alimentar e para o processo industrial em seu conjunto.

Os maiores aquíferos da Europa se encontram na região euro-asiática, destacando-se, por sua dimensão, a bacia Russa, mais próxima à região polar. A Europa ocidental se vê reduzida a um único aquífero de médio porte, na bacia de Paris. Em quase todos os casos, as reservas de água da Europa padecem de problemas que afetam sua qualidade, o que ampliou drasticamente o consumo de água engarrafada, que se converteu em um item obrigatório na cesta de consumo familiar [5]. A Europa registra, proporcionalmente, a maior taxa mundial de extração de água para consumo humano: do total de água que se extrai, mais de 50% é utilizada pelos municípios, aproximadamente 40% se destina à agricultura e o resto é consumido pelo setor industrial.

A Ásia depende dos grandes aquíferos do norte de China e a Sibéria, mais próxima da região polar. Um dos casos mais graves é o da Índia, que junto com os Estados Unidos, tem uma das taxas mais altas de extração de água subterrânea do mundo.

A América do Sul possui três grandes aquíferos: a Bacia do Amazonas, a Bacia do Maranhão e o sistema aquífero Guarani, que mais parece um “mar subterrâneo” de água doce que se estende por quatro países do cone sul: Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Pelo volume das reservas destes aquíferos e pela capacidade de reposição de água destes sistemas, a América do Sul representa a principal reserva de água doce do planeta.

As regiões mais críticas, por ter uma reposição limitada de água (menos de 5 milímetros de chuva por ano), são: o norte de África, na região desértica do Saara; a Índia; a Ásia central; grande parte da Austrália; a estreita faixa desértica que vai da costa peruana até o deserto de Atacama no Chile e a região norte do México e grande parte da região centro-oeste dos Estados Unidos. Nestas regiões, pode-se considerar a água como recurso não renovável. A África sub-saariana, o sudeste asiático, a Europa, os Bálcãs, a região norte da Ásia e a região nor-ocidental da América do Norte registram níveis moderados de reposição de água, entre 50 e 100 mm por ano.

A região de maior reposição de água do mundo é a América do Sul onde, em quase todo o território subcontinental, registram-se níveis de reposição de água maiores de 500 mm/ano, o que constitui o principal fator de abastecimento dos sistemas aquíferos da região. Esta altíssima capacidade de reposição de águas superficiais e subterrâneas é fundamental, não só para o abastecimento de água doce, mas também para a manutenção e reprodução dos sistemas ecológicos e da biodiversidade na região.

Notas:
[1] Ver: Mabel Faria de Melo. “Água não é mercadoria”. Em: ALAI, 3 de abril de 2009.
[2] Ver: Roberto Bissio. El derecho humano al agua. Disponível em http://alainet.org/active/39769
[3] Atlas of Transboundary Aquifers. Global maps, regional cooperation and local inventories. Paris: UNESCO, p. 16.
[4] TEIXEIRA, Francisco Carlos. Por uma geopolítica da água. 23 de janeiro de 2011. Disponível em http://www.tempopresente.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=77 ,
[5] Ibid.

** Monica Bruckmann é socióloga, doutora em ciência política, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil) e investigadora da Cátedra e Rede UNESCO/Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável - REGGEN.

* Ver texto original em: http://alainet.org/publica/473.phtml da revista “América Latina en Movimiento”, No 473, correspondente a março de 2012 e que tem como tema "Extractivismo: contradicciones y conflictividad”.

Matéria copilada do endereço: http://alainet.org/active/53475

[Nota da Equipe do blog Educom: ver na série de textos as matérias relacionadas com as pesquisas do professor Milton Matta, da UFPa, o maior estudioso do aquífero Alter-do-Chão, o maior do Brasil em volume dágua, cujo centro geográfico encontra-se nesse balneário às margens do rio Tapajós, 30 km ao sul de Santarém.