sábado, 4 de janeiro de 2014

O paradoxo do progresso

12/12/13 - João Carlos Caribé
- em seu blog Entropia

Desde que me entendo por gente vejo a tecnologia mudar o mundo à minha volta, os homens foram a lua, satélites e mais satélites, robôs nas fábricas, computadores, inteligência artificial, e muita ficção científica.

Desde então a sociedade assistiu seu espaço ser invadido pela tecnologia. Tudo em nome do progresso que não poderia parar.

Tivemos de assistir nossos postos de trabalho serem aniquilados, profissões dizimadas, e a tecnologia pouco a pouco ganhar o centro das atenções.

Sindicatos, associações e outros representantes de coletivos foram a luta, mas sem sucesso, afinal o progresso não pode parar.

O progresso é aliado do capital, o trabalho é despesa, o objetivo é o lucro.

     Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: a fita cassete vai acabar com a indústria fonográfica!

Pela ótica do capital esta tudo correto, quem lembra da reengenharia, um conceito até interessante, mas que fora usado como artifício para provocar a maior onda de demissões de todos os tempos.

O capitalismo sempre foi focado no lucro, tanto que mão de obra até hoje é entendida como insumo, assim como os materiais, um orçamento sempre foi composto de insumos e lucro.

Lucro este desejado, a palavra de ordem é competitividade, temos de ser competitivos, afinal o capitalismo é selvagem, e somente os mais competitivos sobrevivem.

Entenda que não é nada pessoal, dizia o patrão ao demitir funcionários de longa data, é a busca pela competitividade e sobrevivência da empresa que esta em jogo, empresas não podem ter coração…

     Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: O video cassete vai acabar com a indústria cinematográfica!

A Arte da Guerra do Pai rico, que virou a própria mesa antes do Safari de Estratégias do Príncipe, na busca de um monge que virou executivo.

Até hoje não sabemos quem roubou meu queijo, e nem quem foi o Fora de Série que chegou no Ponto da Virada em Caminhos e Escolhas na busca de um Freakonomics.

Mesmo que o Marketing seja Lateral ou vá além do Buzz, ou gerenciamos a experiência do consumidor ou tentamos entender a cabeça do Brasileiro.

O líder do Futuro faz uma Liderança Radical, diz que Sobreviver não é o bastante e não gosta de Sundae de Almôndegas.

Tanta coisa fora sistematizada para alavancar o progresso, para girar a roda da fortuna em prol da competitividade e do lucro.

     Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: O CD vai acabar com o LP!

Meados dos anos noventa, o fim do mundo estava próximo, o bug do milênio que assombrava todo mundo, na verdade era apenas mais um mercado construído em cima de dúvidas e incertezas.

Estávamos sendo usados mais uma vez.

As profecias diziam: o fim do mundo esta próximo! A Internet chegou, uma nova parafernália eletrônica que chega para divertir os nerds e conectar os acadêmicos, um espaço de poucos.

A Internet chegou!

Como falavam em globalização!

O mundo como uma maravilhosa aldeia global, onde todos consumiriam alegremente, anunciavam o inevitável fim da cultura local, e enalteciam as maravilhas do mundo globalizado.

Na prática estavam alinhavando novos mercados, o progresso não pode parar!

Aquele tênis bacana é produzido no terceiro mundo por mão de obra escrava com uma marca registrada nos “Staites” que valia mais do que custava o sapato, que não valia nada.

Era o tal do insumo que ficou pequeno perto do lucro, a ciência do preço agora contava com um fator de subjetividade ainda não entendido, mas pouco importa, felizes consumidores pagavam lucros exorbitantes para ostentar seu mimo.

As corporações cresciam, cresciam como nunca…

     Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: Pirataria é crime!

B2B, B2C, G2B, G2C, A2Z; A2Z,G2B,B2C,G2C,B2B, e-learing, e-enterprise, e-commerce, e-gov, e-tudo, e-Siglas e letras 3 letras povoaram o vocabulário corporativo.

A Economia Digital ensinava a Vender seu Peixe na Internet e tudo Fazia Sentido.

Webonomics levou ao Net Gain, mas We the Media ainda não haviam estabelecido as Novas Regras da Comunidade.

O capitalismo virou bits, o free shop ficou à dois cliques de distância, que beleza!

Globalização!

O mundo agora ficou pequeno, e todo mundo achando tudo muito lindo, não percebiam a intenção latente, a nova ordem era transformar empresas em mega corporações, maiores e mais poderosas que as nações…

     Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: Agora quem manda são as corporações, afinal oferecemos aquilo que o fizemos desejar.

Descobriram o usuário, a Internet ficou popular, ficou fácil para qualquer um produzir, criar e compartilhar, deixem eles brincar diziam as novas nações-corporações, afinal o Culto dos Amadores não pode nos ameaçar.

Mas as Novas Regras da Comunidade mostravam o Valor das Redes que através de seus Trust Agents corriam em busca de Socialnomics, mas na verdade estavam muito mais interessados no Group Genius.

Esta sociedade conectada, alinhadas por ideologias eram vistas como excelentes oportunidades de negócios, afinal nichos e mega nichos sempre seduziram qualquer corporação em busca de novos mercados.

Eles “brincavam”, faziam mashups, blogs, e se conectavam através de redes sociais.

Excelente dizia o establishment, nosso plano de dominação vai de vento em popa…

     Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: O mundo de pontas esta se alinhando com o Manifesto Cluetrain.

Inteligência coletiva, cognição interativa, pensamento globalizado, juntos os usuários ficavam mais inteligentes, mais inteligentes que a soma das suas inteligências.

Inteligência coletiva, crowdsourcing, dinheiro P2P, mobilização coletiva e o povo foi para as ruas sem um líder específico, sem uma pauta específica, a indignação mostrou sua cara.

Era a crise da representatividade que estava em jogo, era o modelo atual do mundo que estava em jogo, como diz Rushkoff, eles querem trocar o sistema operacional do establishment e dar um reboot geral.

     Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: O povo unido jamais será vencido!

Precisamos parar este trem diz o establishment preocupado, vamos estudar esta tal de Internet que agora quer nos pegar, vamos mudar a regra do jogo, vamos controlar as informações, basta dizer que pobres velhinhos são roubados na Internet, ou falar de pedofilia, ou ainda de gente pelada na rede, o velho discurso da pirataria não colava mais, mas TPP vem ai para nos vingar.

Enquanto isto vamos dominar a infra-estrutura dizendo que Internet é telecomunicações, dizendo que Internet é um espaço de negócios e que deve seguir as regras do mercado, assim calamos nossos inimigos, e voltamos a lucrar como nunca.

     Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: Quem manda no seu país somos nós seus otários!!!

Fonte:
http://entropia.blog.br/2013/12/12/o-paradoxo-do-progresso/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A agroecologia brasileira e suas robustas sementes

13/12/2013 - Sementes robustas da agroecologia brasileira
- Elenita Malta Pereira - blog Outras Palavras

Num país pressionado pelo agronegócio, produtores que respeitam a natureza mostram força, conquistam políticas públicas e se dizem preparados para transformar a produção de alimentos. 

“Nunca vamos mudar as coisas
por pura luta contra a realidade.
Para mudar algo, temos que construir
um novo modelo sobre algo existente”
(Stephen Gliessman citando o escritor Richard Buckminster Fuller)

Crianças de mãos dadas com seus pais, idosos, indígenas, grupos de pessoas calçando chinelos e vestidas de forma simples.

Não, não estamos observando a circulação de pessoas em algum parque, praça ou feira, mas sim no centro de eventos da PUC do Rio Grande do Sul.

Esse não costuma ser o público usual de ambientes universitários, mas estamos falando de um evento científico e também político: o VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizado de 25 a 28 de novembro de 2013, em Porto Alegre, promovido pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), com organização e patrocínio de várias entidades e órgãos estatais.

Após dez anos, o principal evento de agroecologia do país voltou à cidade onde nasceu, em 2003.

Cerca de 4.300 pessoas participaram, entre apresentadores de comunicações e pôsteres, palestrantes nacionais e internacionais, agricultores, estudantes e público em geral.

Além das atividades acadêmicas houve oficinas, ações culturais, feira de produtos orgânicos e de artesanato, troca de sementes crioulas e debates paralelos.

O VIII Congresso de Agroecologia debateu, entre outros assunto (que podem ser conferidos aqui), a construção de políticas públicas para a agricultura orgânica no Brasil.

O principal instrumento dessa política, o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), foi apresentado pelo representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) Valter Bianchini.

Lembrando os esforços dos pioneiros da agroecologia no Brasil – Ana Primavesi [foto], José Lutzenberger e Sebastião Pinheiro –, Bianchini avaliou o plano como o ápice de uma evolução de mais de quarenta anos de lutas pela agroecologia no Brasil.

É a primeira vez que o Estado brasileiro constrói um plano para desenvolvimento da área e direciona uma soma tão significativa de recursos: 8,8 bilhões de reais.

Segundo o professor e pesquisador Miguel Altieri, é o primeiro plano governamental de agroecologia do mundo.

Paulo Petersen [foto], presidente da ABA, mencionou que a presidenta Dilma convidou entidades e movimentos interessados a participar, por meio de vários seminários, da construção do plano.

Essa participação na construção de uma política pública para a agroecologia é fato inédito no país.

Nem todas as sugestões e propostas foram incorporadas, porém houve participação e luta até o último minuto, garantiu Petersen.

No entanto, os palestrantes mostraram grande preocupação com o paralelo avanço do agronegócio e as marcantes contradições dentro do governo.

A professora Claudia Schmitt (UFRRJ) destacou o movimento em curso no Congresso Nacional com o objetivo de flexibilizar marcos regulatórios importantes (Código de Mineração, leis de demarcação de terras indígenas, Código Florestal, entre outros) para facilitar a ampliação de negócios no espaço rural.

Petersen afirmou que é preciso entender a economia do agronegócio para melhor combatê-la.

Ela é altamente dependente de crédito bancário, infraestrutura (estradas, hidrelétricas etc), de insumos mecanizados e agrotóxicos, da mídia (que, em geral, defende uma falsa eficiência produtiva do agronegócio), e da bancada ruralista para aprovar legislação a seu favor.

Nesse contexto, a margem de novas alternativas a esse modelo é reduzida, em nome da governabilidade. O governo, muitas vezes, fica refém dos interesses do agronegócio.

Além disso, há contradições presentes dentro dos órgãos do governo, como foi observado pelo governador Tarso Genro, em seu discurso na abertura do Congresso.

Segundo ele, a ambiguidade presente no fato de que o Ministério da Agricultura seja o ministério do agronegócio e o Ministério do Desenvolvimento Agrário defenda a agricultura familiar e sustentável reflete na estrutura estatal a disputa pela hegemonia, a ser cristalizada com políticas e programas públicos.

O governador afirmou que o ideal seria, a longo prazo, que tivéssemos apenas um ministério, o da Agricultura e da Sustentabilidade, para que esse jogo de ambiguidades fosse superado e se fundisse numa visão que não é só de agricultura, é uma visão de mundo e de humanidade.

Outro aspecto preocupante da questão é a cooptação do meio acadêmico, considerado por Petersen um “autismo científico”.

Muitos pesquisadores agem como se o agrobusiness fosse um caminho único e inexorável. Nesse sentido, é preciso rever o papel do mundo acadêmico, da ciência perante a sociedade.

O Congresso Brasileiro de Agroecologia coloca-se como alternativa acadêmica a essa visão hegemônica dentro das universidades. O número de trabalhos apresentados mostra a pujança científica crescente da área: 1.055 apresentações, entre palestras, comunicações, relatos de experiência e pôsteres.

Diante desse quadro, a agroecologia se firma ainda mais como movimento de reação, avançando “pouco a pouco”, segundo Petersen: “o governo tem mostrado predisposição ao diálogo democrático e isso deve ser valorizado”.

Ele observou que as entidades e movimentos devem seguir seu trabalho, aproveitando o momento favorável em políticas públicas, e apresentar bons projetos para receber os recursos disponíveis; e reforçou o papel da Embrapa, Universidades e Emater para que o plano de fato aconteça: “Os desafios permanecem e é preciso seguir lutando”.

Havia um clima de consenso de que a agricultura ocupa o centro da crise planetária – e seu papel pode ser de algoz ou de cuidadora do mundo.

A revolução verde e o agronegócio vêm causando poluição dos solos, água e ar, além de doenças e morte de humanos e animais.

Por outro lado, a vertente da agroecologia, ao cuidar e respeitar os ritmos da natureza, oferece uma alternativa de saúde e real desenvolvimento à humanidade.

As soluções oferecidas até o momento têm sido “mais do mesmo”: resolver os problemas causados pela tecnologia com mais tecnologia – o exemplo mor representado pelos transgênicos.

Para resolver a resistência ao herbicida Glifosato, está prevista a aprovação de “novas” sementes de milho e soja resistentes a um herbicida ainda mais danoso, o 2,4-D, componente do Agente Laranja.

O momento, portanto, é ao mesmo tempo de comemorar e continuar lutando para superar grandes desafios.

Os avanços obtidos devem ser celebrados: segundo Petersen, existem atualmente no Brasil 250 grupos de pesquisa e mais de 100 cursos de agroecologia nas universidades.

Apesar de o paradigma convencional pautado pela tecnociência ainda ser dominante, é possível observar um crescente interesse dos pesquisadores pelo paradigma que tenta produzir cuidando da natureza, não lutando contra sua biodiversidade.

Também o número de propriedades vem aumentando.

Segundo dados do IBGE, havia em todo o Brasil, em 2006, 90 mil propriedades orgânicas; destas, 11 mil com certificação.

A meta do MDA é chegar a 50 mil certificadas até 2015. É visível o aumento do número de agricultores interessados em trocar de modelo, muitas vezes devido a intoxicações ou mortes na família provocadas pelos agrotóxicos.

A agroecologia como teoria crítica tem condições de diagnosticar as raízes da crise e apontar soluções.

Para o palestrante final do evento, referência internacional no tema, professor Stephen Gliessman [foto], da Universidade da Califórnia-Santa Cruz, a agroecologia “é a alternativa ao mercado mundial” e, ao mesmo tempo, caminho para “a transformação ética, moral, social e de valores”.

Ele destacou o papel das redes e movimentos sociais alternativos para mudar a estrutura do mercado.

É preciso conectar produtores e consumidores, através de mercados locais, e convencer mais e mais agricultores a passarem pelos três estágios de mudança da agricultura convencional para a que preza a ecologia: conversão, transição e transformação.

Gliessman enfatizou também a importância da investigação científica em parceria com os agricultores, o que ele chamou de “ação participativa”, uma real “educação para a sustentabilidade”, que pode ser aplicada nas escolas de agronomia de todo o mundo.

E, o mais interessante, esse eminente pesquisador reconhece que agroecologia não é só conhecimento acadêmico.

Em sua opinião, “agroecologia é ciência, prática e movimento social”.

Os ventos nunca sopraram tão a favor da agroecologia, mesmo que passem também por um mar de transgênicos e de agrotóxicos…

É preciso fazer o Planapo acontecer no dia a dia das propriedades e continuar pressionando os governos por maiores recursos financeiros e corpo técnico capacitado para orientar os agricultores, tanto na transição como na continuidade de suas lavouras ecológicas.

A técnica nem sempre é má, como defendeu José Lutzenberger [foto], um dos maiores batalhadores pela agricultura de base ecológica no Brasil e no exterior.

Existem técnicas “do bem”, e a agroecologia é uma delas; ela pode ser “o caminho suave”, como dizia Lutz, que pode cuidar da saúde do planeta e, por consequência, de todos nós.

Leia também:
Força na terra e refinamento na teoria - Elenita Malta Pereira
- Créditos de carbono x o direito à terra - Verena Glass

Fonte:
http://outraspalavras.net/destaques/as-sementes-robustas-da-agroecologia-brasileira/

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Créditos de carbono x o direito à terra

19/12/2013 - Projetos de carbono no Acre ameaçam direito à terra
- Por Verena Glass (*) - no site da ONG Repórter Brasil

Famílias de seringais nos rios Purus e Valparaíso sofrem restrições no manejo tradicional de agricultura para que latifundiários vendam créditos de carbono

Bacia dos rios Purus e Juruá
Uma das principais bandeiras da luta de Chico Mendes, a consolidação do direito dos seringueiros do Acre a seus territórios, continua sendo uma questão espinhosa 25 anos após a sua morte, completados neste domingo (22/12).

A falta de regularização fundiária de muitos seringais, ainda hoje áreas com alto nível de preservação ambiental, continua motivando sérios conflitos entre fazendeiros e seringueiros, mas também abre caminho para projetos de manejo da floresta que nem sempre beneficiam a população tradicional.

Problemas neste sentido têm sido relatados nos três primeiros projetos privados de crédito de carbono no Acre, propostos no contexto do Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais (Sisa, aprovado por lei em outubro do ano 2010) e que pretendem promover a preservação florestal e a venda de créditos de carbono através de iniciativas de REDD+ (Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal).

Margens preservadas do rio Purus despertaram interesse pela venda de carbono.
Fotos: Verena Glass

São eles os projetos Purus, Valparaiso e Russas, que preveem restrições e até paralisação das atividades tradicionais de cultivo agrícola de famílias de seringueiros e posseiros, para que emissões assim evitadas possam ser vendidas no mercado internacional de créditos de carbono.

O Projeto Purus, idealizado pelo ex-prefeito de Sena Madureira, Normando Sales, e pelo advogado Wanderley Rosa, foi apresentado ao Instituto de Mudanças Climáticas (IMC) do Estado em junho de 2012.

Abrange cerca de 34,7 mil hectares dos seringais Porto Central e Itatinga, localizados às margens do rio Purus entre os municípios de Sena Madureira e Manoel Urbano, e onde vivem 18 comunidades de seringueiros, posseiros e pescadores.

Apresentando-se como donos dos seringais, em 2009 Sales e Rosa começaram a procurar os moradores locais – muitos dos quais vivem na área há mais de 40 anos – para discutir o projeto, e no início de 2011 propuseram a 17 famílias que firmassem um acordo [foto] pelo qual deixarão de fazer o manejo tradicional de lavouras (brocagem, a roçagem e queima de mato), caça, retirada de madeira, abertura de picadas e estradas, e qualquer outra ação de interferência na vegetação.

Para monitorar o cumprimento do acordo, seria criado um sistema de fiscalização de infrações e providências quanto à punição dos infratores.

Para viabilizar a parte econômica e técnica do projeto (que encontra-se ainda em fase de registro no IMC), foi acordado um investimento inicial com a empresa CarbonCO, LLC, subsidiária da Carbonfund.org Foundation, localizada em Bethesda, Maryland, EUA.

O inventário do carbono que deixaria de ser liberado sem os manejo tradicional dos seringueiros foi supervisionado pela empresa de consultoria TerraCarbon, LLC, de Illinois/EUA.

E a venda dos créditos de carbono resultantes será feita pela The Carbon Neutral Company, de Londres.

De acordo com os moradores dos seringais, desde o início o projeto causou desconfiança entre a comunidade.

Vários movimentos sociais do Estado, críticos às soluções de Economia Verde propostas para mitigar problemas ambientais a partir da financeirização dos bens naturais, e preocupados com possíveis violações de direitos, também questionaram a iniciativa, o que motivou uma visita da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma DHESCA (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais) ao Acre entre final de novembro e início de dezembro deste ano, para verificação de eventuais problemas.

Em depoimento aos pesquisadores da relatoria, João (**), produtor de banana e morador do local há mais de 35 anos, relata: “um dia chegou aqui o Normando [Sales, dono do seringal Porto Central], e já começou ameaçando. 

Disse que aqui tudo era terra dele, mas ele nunca apresentou título do Incra. Eles chegaram com um documento para a gente assinar, desse negócio de carbono, e disse que quem assinava podia ficar na terra, quem não assinava tinha que sair”.

Em troca da assinatura, conta o seringueiro, Normando Sales prometeu que traria para a comunidade uma série de benfeitorias, como escola, posto de saúde, casas novas, barco e energia solar.

O documento mencionado (assinado por João, mas não entregue ao fazendeiro) reafirma por diversas vezes que o assinante reconhece a propriedade das terras em nome da empresa Moura e Rosa Investimentos Ltda, criada em 2009 por Normando Rodrigues Sales e Wanderley Cesário Rosa, seus diretores.

Legalmente, a empresa e a área do Projeto Purus pertenceriam a Felipe Moura Sales (filho de Normando) e Paulo Silva Cesário Rosa (filho de Wanderley).

Essa é uma das questões que mais preocupa a comunidade”, explica João, que afirma já ter dado entrada no programa Terra Legal para tentar a regularização de seu lote.

Independente disso, explica a advogada Laura Schwarz, do Centro de Memória das Lutas e Movimentos Sociais da Amazônia, que acompanha o caso, legalmente as famílias teriam direito ao usucapião da área em função do longo período de posse, mas ainda não existe nenhum o processo de regularização em andamento.

Futuro em cheque
No início de 2013, possivelmente por pressões das famílias, um relatório de execução do projeto, elaborado pelo técnico da Carbon.Co, LLC, Brian McFarland, aponta novas regras para o uso da terra.

Além de reconhecer que “existem comunidades assentadas sobre o que eram originalmente terras de propriedade privada”, o documento afirma que, “para resolver este conflito ou disputa Moura e Rosa irá reconhecer voluntariamente qualquer área desmatada e sob uso produtivo de cada família que vive no Seringal Itatinga, parcelas Seringal Porto e Central.

A área mínima a ser intitulado de cada família será de cem hectares, que é o tamanho mínimo que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) diz que uma família no Estado do Acre necessita para uma vida sustentável.

As comunidades que desmataram e colocaram em uso produtivo mais de cem hectares receberão toda a área que foi desmatada. Todas as comunidades – que se unirem voluntariamente o Projeto Purus ou não – serão chamadas à terra que eles têm colocado em uso produtivo. Este processo será facilitado por um grupo independente, incluindo o Ministério Público do Acre”.

De acordo com a advogada Laura Schwarz, no entanto, a questão não se resolve.

Para justificar o Projeto Purus, baseado na hipótese do “desmatamento evitado” para a geração de créditos de carbono, a empresa Moura e Rosa alegou que, como proprietária, poderia converter parte da floresta dos seringais em pastagem (prevendo o corte raso de 20% de sua extensão total para acomodar de 10 a 12 mil cabeças de gado), além de desenvolver atividades madeireiras.

Numa lógica inversa e perversa, explica a advogada, criminaliza-se então o manejo tradicional dos pequenos agricultores, impondo-lhes restrições que justifiquem a venda de carbono (apesar de o próprio governo do Acre ter reconhecido que o uso do fogo é essencial na agricultura familiar de pequeno porte, e sua proibição poderia causar insegurança alimentar), e limita-se definitivamente o desenvolvimento futuro da comunidade através da restrição da área disponível.

Além da agricultura, as famílias também usam as áreas florestadas para caçar, para o extrativismo, retirada de madeira para casas ou construção de canoas.

Isso passaria a ser proibido, bem como o estabelecimento de atividades produtivas das próximas gerações. Como ficariam os filhos dos posseiros se não puderem estabelecer futuramente seus próprios lotes produtivos, com casas e roças?”, questiona.

Roça de banana de familia do Projeto Purus. Impacto do plantio sobre o ambiente tradicionalmente é mínimo

Desmatamento incentivado
Muito similar ao Projeto Purus, os projetos de REDD+ nos seringais Valparaíso e Russas ainda não foram oficializados junto ao governo do Estado, mas já estabeleceram uma série de restrições às suas comunidades.

Localizados em áreas de mata fechada no rio Valparaíso  afluente do Juruá no município de Cruzeiro do Sul, os dois projetos são gerenciados pelo ex-deputado federal e presidente do Partido da República (PR) no Acre, Ilderlei Souza Rodrigues Cordeiro [foto abaixo] (dono da I.S.R.C. Investimentos e Assessoria Ltda) , em parceria com as empresas americanas CarbonCo e Carbon Securities.

De acordo com os moradores das comunidades Valparaíso  Terra Firme de Cima (localizadas na área do Projeto Valparaíso  e Três Bocas (na área do Projeto Russas), apesar de lidarem diretamente com Ilderlei, o dono dos seringais seria o fazendeiro Manoel Batista Lopes, envolvido em sérios conflitos com os seringueiros na década de 1990.

A situação dos trabalhadores, segundo relatório feito  na época pelos procuradores do Trabalho Victor Hugo Laitano e João Batista Soares Filho era análoga à de escravos, conforme detalhado na pesquisa Trabalho compulsório, poder e transgressão no rio Valparaíso – Alto Juruá – Amazônia brasileira - 1980-90″.

Pelo que sabemos, o Ilderlei arrendou essas terras do Manoel pra fazer esse projeto de carbono. Ou comprou, não sabemos direito”, explica José (**), da comunidade Valparaíso.

Desde os anos 1980, estamos lutando pela titulação das terras, queremos a criação de uma Reserva Extrativista (Resex), mas eles vieram e falaram que resex não é um bom negócio pra nós. Já teve muito conflito aqui por causa disso”.

Produtores de farinha de mandioca, principal fonte de renda das comunidades, os seringueiros explicam que o processo de implantação do projeto de carbono nunca foi explicado direito.

Chamavam uma família aqui, umas cinco ali, nunca todo mundo junto, e falaram que ia ter projeto quer a gente queira, quer não.

Falaram que a gente vai ser proibido de brocar e botar fogo, e que em troca iam dar de colher a geladeira. E cursos. Falaram que iam dar máquinas, mas aqui, pra chegar, só se for de helicóptero.

Mas até agora não veio nada, só as placas (dos projetos) [foto acima: Projeto Valparaíso na comunidade Terra Firme de Cima]. Eles inclusive tomaram a madeira que a gente tinha cortado pra nossa igrejinha, pra fazer as placas.

Hoje temos placa do projeto, mas a igreja continua sem paredes”, [foto abaixo] afirma João.

Foto: Reunião na igreja da comunidade Valparaíso  cuja madeira foi confiscada para fazer placas do projeto

Moradora da comunidade Terra Firme de Cima, dona Rosa (**), 68 anos, confirma que o desconhecimento dos detalhes do projeto é geral.

O Ilderlei passou de casa em casa com um documento e fez a gente assinar, muitos nem sabem ler, ninguém sabe o que assinou.

Disse que a gente nunca mais ia poder botar fogo nas roças, mas que ele ia dar mucuna (semente de adubação verde) pra gente, que a gente ia produzir o dobro. Mas ninguém nem sabe o que é mucuna. E das outras coisas que ele disse que ia dar, não deu nada”.

De acordo com outro morador, Ilderlei teria dito que a proibição da brocagem e do fogo começaria em 2014.

Aí ele falou pra gente desmatar bastante esse ano, quem brocava dois hectares devia brocar quatro, mas que não era pra contar pra ninguém. E que ano que vem estaria tudo proibido”.

Em Três Bocas [foto], os moradores, preocupados com a sobrevivência das próximas gerações, confirmam o incentivo “secreto” ao desmatamento, mas acrescentam que houve também uma promessa de que as áreas de uso poderiam eventualmente ser tituladas para as famílias.

Mas a gente acha que quem titula terra é o governo. Se temos o direito à terra, não precisa ter promessa de fazendeiro dizendo que vai fazer, porque até agora tudo que prometeu não cumpriu. Faz quase um ano que o Ilderlei não aparece aqui”, afirma um morador.

Questionados se a comunidade foi suficientemente informada sobre o projeto, outro morador conta que certa vez estava andando com um “gringo” no mato e, quando quebrou um galho, “o gringo ficou todo ouriçado, disse que isso era crime. E carbono é que nem caviar, a gente ouviu dizer que existe, mas nunca viu. Alguém lá fora vai ganhar dinheiro porque nós vamos deixar de fazer roças para alimentar nossas famílias? Isto não me parece justo”.

Apesar de várias tentativas, a reportagem não conseguiu falar com representantes do IMC e do Incra sobre os projetos.

Já a relatora da Plataforma Dhesca, Cristiane Faustino [foto], que se reuniu com diversos órgãos do governo estadual e federal após as visitas de campo em dezembro, explicou que o Incra apontou que, de início, não acompanha os projetos de REDD e tem pouca intervenção na regularização fundiária das áreas envolvidas.

Quanto ao IMC, a informação coletada pela Relatoria é que os Projeto Purus e Valparaíso/Russas não foram ainda aprovados pelo órgão, que requereu informações adicionais sobre os mesmos.

“Do ponto de vista dos direitos humanos, é preciso fazer uma avaliação aprofundada sobre os riscos que os projetos de REDD impõem as comunidades, especialmente devido às desigualdades econômicas e políticas que permeiam suas ações.

A segurança  dos territórios para os posseiros e as comunidades tradicionais é a primeira condição para que seus direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais sejam garantidos.

Isso deve ser política básica para enfrentar as injustiças e riscos sociais e ambientais, e não devem estar submetidas à lógica do mercado, que tem outros interesses e linguagens", explica Cristiane.

(*) A jornalista Verena Glass esteve na região acompanhando missão da Plataforma Dhesca 
(**) Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos comunitários

Leia também:
- 25 anos sem Chico Mendes e a realidade dos trabalhadores de Xapuri - Dercy Teles de Carvalho Cunha
- 25 anos depois, Chico Mendes vive mais indignado com o capitalismo verde - Elder Andrade de Paula
- Agronegócio e ecomercado ameaçam a vida - Zilda Ferreira
- O negócio europeu das emissões perversas (I) - Daan Bawens
- O negócio europeu das emissões perversas (II) - Daan Bawens

Fonte:
http://reporterbrasil.org.br/2013/12/projetos-de-carbono-no-acre-ameacam-direito-a-terra/

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

As previsões fracassadas de 2013

20/12/2013 - O jornalismo ornitorrinco e a herança maléfica de 2013
- Wanderley Guilherme dos Santos - Carta Maior

O recorde mais espetacular do ano de 2013 foi o número de previsões fracassadas.

Dia sim, outro também, os jornalões estamparam notícias recebidas com surpresa pelo famoso mercado, que as esperava o oposto.

De boca aberta também andaram seus renomados especialistas, a inventar explicações fora da curva para os furos especialmente enormes.

Erros que, imediatamente, soterraram com pompa, circunstância e virgens anúncios de futuras tempestades.

É intrigante a permanente charlatanice com que os periódicos, diários e semanais, afagam o ego dos conservadores sem que estes se sublevem contra a falcatrua.

Ou, talvez, os conservadores desconfiem de que a realidade seja bastante diferente, mas aspiram, tal como os jornalistas e especialistas, a vê-la materializar-se conforme a aspiração.

Este parece o sonho derradeiro dos colunistas e pitonisas da oposição: obter o condão de pronunciar profecias que se auto-cumprem.

Daquelas que, uma vez proclamadas, contribuem para a realização do desastre.

Uma corrida a um banco disparada por falsa previsão de que vai quebrar pode, de fato, levar à bancarrota um estabelecimento sólido.

Mas é impossível evitar uma estupenda safra agrícola escondendo-a sob pragas e tormentas apenas verborrágicas.

Criam, contudo, uma espécie ornitorrinco de jornalismo – aquele que retrata o que lhe apeteceria acontecesse efetivamente, não o que, com modesta realidade, ocorre.

Daí a freqüente discrepância entre as manchetes e o conteúdo, ainda que este venha narrado como que sob tortura, tão tortuosa é a narrativa.

Diverso é o caso do jornalismo a soldo. Não há como perdoar àqueles que sabem o que fazem.

Omitem informações relevantes, adulteram outras, inventam terceiras.

Cada um dos desvios é serviço prestado.

Digamos que eles fabricam um tipo especial de caixa dois, recursos contabilizados como salário, quando, contudo, resultam de um efetivo domínio do fato inventado ou distorcido.

Essa cumplicidade entre fiéis ingênuos e deliberados bandoleiros que assaltam a reputação alheia, maculam o estafante trabalho de legislar ou de executar tarefas de interesse geral, enriquecendo ao longo da labuta, dificulta identificar a composição da quadrilha que, diariamente, vende engodo à população.

Estamos de acordo que as matérias impressas, tanto as assinadas quanto as editorializadas, constituem atos de ofício e aceitável evidência dos crimes assinalados, certo?

Sendo assim, uma legislação democrática, que proteja os cidadãos comuns contra os achaques e calúnias dessa quadrilha de mistificadores e inventores de escândalos, deve ser uma das preocupações de qualquer governo de origem popular.

Os antigos gregos já puniam severamente os propagadores de infâmias e em alguns casos de indução de outros a atos perversos, aplicavam a pena do ostracismo, da multa e, eventualmente, impunham até a pena de morte.

O Brasil nunca ultrapassou essa fase porque nunca esteve nela.

O jornalismo ornitorrinco e o jornalismo adversativo (aquele que acrescenta um mas, porém, todavia, contudo a toda notícia positiva) ainda são os controladores do mercado de notícias.

O mercado de notícias é o único que os conservadores não desejam livre.

Qualquer iniciativa de soltá-lo das garras oligárquicas é, ornitorrincamente, apresentada como seu oposto, o de invadir a liberdade da notícia.

Ora, o que não existe no país é justamente uma imprensa livre, plural e competitiva o suficiente para que o cidadão possa optar.

O mercado de notícias está cativo de tiranetes sem escrúpulos, de colunistas a soldo, sem mencionar o inacreditável nível de desinformação e de cultura da média das redações desses jornais.

O Judiciário, por sua vez, além da adoção do discurso de ódio, inaugurou uma etapa bastante peculiar em nosso constitucionalismo.

Dizem seus arautos que o Supremo Tribunal Federal (STF) representa a vanguarda iluminada das sociedades contemporâneas.

Ainda com mais fulgor no Brasil, entendem, em vista da podridão de que estariam acometidos os demais poderes da República.

Entre suas atribuições abrigar-se-ia a de estabelecer prazos para que o Legislativo legisle sobre matérias que ele, Judiciário, considera inadiáveis.

Isso, como todos sabem, inclusive os senhores ministros do STF, não está escrito na Constituição.

Os únicos prazos legitimamente impostos ao Legislativo, salvo engano, são aqueles hospedados por seu Regimento Interno e pelos estatutos de urgência e medidas provisórias, ambas emanadas do Poder Executivo.

De uma penada os atuais e transitórios ministros do STF ofendem o Executivo e o Legislativo.

É cautelar, em conclusão, que se observe como os conflitos por vir não deverão ser debitados à conta de um confronto direto entre o capital e o trabalho, mas entre o jornalismo ornitorrinco e o Judiciário e os demais poderes.

O ano de 2014 promete.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-jornalismo-ornitorrinco-e-a-heranca-malefica-de-2013/4/29856

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

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