segunda-feira, 23 de julho de 2012

Invasão da Síria: Começou a Batalha de Damasmo


Os poderes ocidentais e do Golfo lançaram a mais importante operação de guerra secreta desde os “Contras”, na Nicarágua. A batalha de Damasco não visa derrubar o presidente Bashar Al-Assad, mas fraturar o Exército Sírio para assegurar o domínio de Israel e Estados Unidos sobre o Oriente Próximo. Enquanto a cidade se prepara para um novo assalto dos mercenários estrangeiros Thierry Meissan realiza um balanço da situação.
Há cinco dias, Washington e Paris lançaram a operação “Erupção em Damasco, terremoto na Síria”. Não é nova campanha de bombardeio aéreo, mas operação militar secreta, similar à usada no tempo de Reagan na América Central.

De 40 a 60 mil “Contras”, na sua maioria líbios, entraram em poucos dias no país, quase sempre pela fronteira jordaniana. A maioria destes está ligada ao “Exército Síria Livre”(Free Syrian Army), estrutura de fachada para as operações secretas da OTAN, atualmente sob comando turco. Alguns são filiados a grupos de fanáticos, inclusive a Al-Qaeda, estão sob o comando do Qatar ou de uma facção da família real saudita, os Sudeiris.

De passagem, tomaram alguns postos de fronteira, e então se mudaram para a capital, onde semeiam a confusão, atacando alvos aleatórios que eles encontram: grupos de policiais ou militares isolados.
Quarta de manhã, uma explosão destruiu a sede da Segurança Nacional, onde se reuniam alguns membros do Conselho de Segurança Nacional. O ataque tirou a vida do general Daoud Rajha (Ministro da Defesa), do general Assef Shawkat (Vice-Ministro) e do general Hassan Turkmani (assistente do vice-presidente da República). Os termos da operação permanecem incertos: pode ter sido tanto um ataque suicida quanto o disparo de um drone(avião não-tripulado) furtivo.

Washington esperava que a decapitação parcial do aparelho militar levaria alguns oficiais superiores a desertar com suas unidades, ou até mesmo a se voltar contra o governo civil. Isso não aconteceu. O presidente Bashar al-Assad imediatamente assinou os decretos designando seus sucessores e a continuidade do Estado foi assegurada
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Em Paris, Berlim e Washington, os patrocinadores da operação se sentem livres para jogar o jogo indigno que consiste em condenar a ação terrorista, reafirmando o seu apoio político, logístico e militar aos terroristas. Sem pudor algum, eles concluíram que a responsabilidade por esses assassinatos não cabe aos culpados, mas às vítimas, na medida em que haviam se recusado a renunciar sob pressão e entregar sua terra natal aos apetites ocidentais.

Caracas e Teerã enviaram suas condolências a Síria, sublinhando que o ataque foi encomendado e financiado pelas potências ocidentais e do Golfo. Moscou, igualmente, expressou suas condolências e disse que as sanções levadas ao Conselho de Segurança contra a Síria equivalem a um apoio político aos terroristas que realizaram o ataque
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Os canais de TV estatais sírios passaram a transmitir clipes militares e canções patrióticas. Interrompendo a programação, o ministro da Informação, al-Omran Zou'bi apelou à mobilização de todos: o tempo já não é mais de disputas políticas entre governo e oposição, é a nação que está sendo atacada. Lembrando o artigo do Komsomolskaya Pravda em que descrevi a operação midiática de desmoralização preparada pelos canais ocidentais e do Golfo, ele advertia seus compatriotas sobre o desastre iminente. Aproveitou para negar os boatos tóxicos dos canais de TV do Golfo segundo os quais um motim eclodira na quarta divisão e explosões haviam devastado seu quartel principal.
Os canais estatais levaram ao ar várias vezes anúncios que mostravam como capturar seu sinal pelo satélite Atlantic Bird, em caso de interrupção dos satélites Arabsat e Nilesat.

No Líbano, Sayyed Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, lembrou a fraternidade de armas que une o Hezbollah à Síria contra o expansionismo sionista, e garantiu ao Exército Sírio seu apoio.
O ataque foi um sinal para o início da segunda parte da operação. Os comandos infiltrados na capital passaram então a atacar vários alvos, mais ou menos premeditados. Assim, um grupo de cem “Contras” atacou a casa adjacente ao meu apartamento aos gritos de “Allah Akbar!”(Deus é maior). Um militar de alta patente reside lá. Foram dez horas de combate ininterrupto.

No início da noite, o Exército respondeu com medidas. Mais tarde a ordem foi para usar a força sem restrições. Já não era o caso de lutar contra os terroristas que tentavam desestabilizar a Síria, mas enfrentar uma invasão estrangeira que não diz seu nome, e salvar o país em perigo.

A aviação síria entrou em ação para destruir as colunas de mercenários que se dirigiam à capital.
No final da manhã, a calma retornou gradualmente a cidade. Os “Contras” e seus colaboradores em todos os lugares foram forçados a se retirar. O tráfego foi restaurado nas principais estradas e postos de controle foram instalados no centro da cidade. A vida recomeçou. No entanto, ainda ouvimos tiros dispersos aqui e ali. A maioria das empresas estão fechadas, e há longas filas em frente às padarias.
Todos esperam que o assalto final seja lançado na noite de quinta para sexta, e por toda sexta-feira. Há pouca dúvida de que o exército sírio vai sair vitorioso novamente, a correlação de forças é favorável, o exército é apoiado pela população, inclusive pela oposição política interna.

Como era esperado, os satélites Arabsat e Nilesat desligaram o sinal de televisão Ad-Dounia no meio da tarde. A conta de Twitter do Ad-Dounia foi pirateada pela CIA para a divulgação de falsas mensagens que anunciam uma retirada do Exército sírio.

Os canais de TV do Golfo anunciaram o colapso da moeda do país como um prelúdio para a queda do Estado. O governador do Banco Central, Adib Mayaleh, falou em rede nacional de televisão para negar a desinformação e confirmar a taxa de câmbio de 68,30 libras sírias por dólar dos EUA.

Reforços foram mobilizados em torno da praça dos Omíadas para proteger os estúdios da televisão estatal que são considerados um alvo prioritário para todos os inimigos da liberdade. Estúdios de substituição foram instalados no hotel Rose de Damas, onde estão hospedados os observadores das Nações Unidas. A presença destes, que deixaram que se perpetra-se o ataque na capital sem que se interrompe-se a sua ociosidade, é a proteção de facto para os jornalistas sírios que tentam informar os seus compatriotas sobre o perigo que ameaça suas vidas.

No Conselho de Segurança, Rússia e China vetaram pela terceira vez um projeto de resolução dos países do Ocidente e do Golfo para tornar possível uma intervenção militar internacional. Seus representantes têm denunciado incansavelmente a propaganda destinada a transformar o ataque estrangeiro contra a Síria como uma revolta reprimida com derramamento de sangue.
A Batalha de Damasco deve retomar hoje à noite.

De Damasco
Por  Thierry Meissan
19 de julho de 2012

Extraído da Rededemocrática

domingo, 22 de julho de 2012

“O CAVALEIRO DAS TREVAS”

Por Laerte Braga*



James Holmes, um jovem, invadiu quatro salas de projeções num cinema numa cidade do estado do Colorado e munido de uma espingarda, um fuzil e uma pistola “Glock”, disparou a esmo matando pelo menos 12 pessoas e ferindo perto de 60, algumas das quais em estado grave. 

O presidente Barack Obama, pela enésima vez diante de tragédias assim reuniu a mídia e disse que lamentava pelos mortos e feridos, apresentou seus pêsames à família, pediu a proteção divina e disse que “nós nunca vamos entender isso”.

Milt Romney, candidato republicano às eleições de novembro, tanto quanto Obama, disse mais ou menos a mesma coisa e ambos fizeram caras de compungidos diante da dor de familiares das vítimas. Os candidatos suspenderam os anúncios de suas campanhas no estado.

As quatro salas exibiam o filme BATMAN, O CAVALEIRO DAS TREVAS.

O fato aconteceu em Aurora e o chefe de Polícia da cidade disse que na casa do atirador foram encontradas armadilhas, dispositivos químicos e inflamáveis. O acusado vestia uma armadura de aço, dos pés à cabeça e proteção contra bombas de gás lacrimogêneo.    

No início desta semana um pai foi visitar o filho, irritou-se com o fato dele estar cantando músicas countries num karaokê, foi até o seu carro, muniu-se de uma pistola e atirou no filho. William Henry Oller Sr, de 70 anos é o nome do pai, o fato aconteceu em Shasta na Califórnia.

É claro que Obama entende os motivos que geram tragédias como essa aos borbotões nos EUA. Milt Romney, por outro lado, nem está aí para esse tipo de acontecimento. Quer saber se tem alguém ao alcance para demitir e que possa gerar mais recursos em suas contas bancárias nas Ilhas Cayman.

Jung em seu “CHEGANDO AO INCONSCIENTE” (O HOMEM E SEUS SÍMBOLOS, Ed. Nova Fronteira, 2002) ao falar dos sonhos diz o seguinte – “quanto mais a consciência for influenciada por preconceitos, erros, fantasias e anseios infantis, mais se dilata a fenda já existente, até chegar-se a uma dissociação neurótica e a uma vida mais ou menos artificial, em tudo distanciada dos instintos normais, da natureza e da verdade”.

O conceito de nação pressupõe povo, língua comum, tradições e território, embora hoje sejam reconhecidas como nações povos que tem língua, costumes e tradições comuns, caso dos ciganos, dos próprios judeus antes de Israel e agora dos palestinos, depois de Israel. O território não se torna fator imprescindível.

Em boa parte dos casos se torna anseio.

Num dos mais importantes livros sobre a sociedade contemporânea o francês Guy Débord, afirma o seguinte – “a classe ideológica totalitária no poder, é o poder de um mundo invertido: quanto mais forte ela é, mais afirma que não existe, e sua força serve-lhe em primeiro lugar para afirmar sua existência. É modesta apenas nesse ponto, pois sua inexistência oficial também deve coincidir com o nex plus ultra do desenvolvimento histórico, que ao mesmo tempo seria devido a seu infalível comando. Espalhada por toda parte, a burocracia deve ser a parte invisível à consciência de modo que toda a vida social se torna demente. A organização social da mentira absoluta decorre dessa contradição fundamental” (DÉDORD, Guy, a SOCIEDADE DO ESPETÁCULO, Ed. Contraponto, 1997, 2ª impressão).

É possível comprar uma Glock em qualquer casa de armas em qualquer cidade dos Estados Unidos. Basta uma entidade e uma certidão negativa de crimes e pronto. Sem falar no comércio clandestino. Cada militar que participa de missões de guerra tem o direito de levar sua arma pessoal quando passa à reserva, ou dá baixa.

É fabricada por uma empresa austríaca, tem três travas de segurança, é leve em relação a outras e privativa de forças militares e policiais. A maior parte das polícias do mundo usa a Glock.

Quando num dos filmes do Superman o ator abre mão de seus poderes e liga-se a Lois Lane, a ameaça de uma catástrofe o traz de volta à sua mansão num dos pólos da Terra onde ludibria seus algozes. Salva a humanidade, é obrigado a fazer com Lois Lane esqueça o que aconteceu e se veja novamente de posse de sua eterna virgindade.

Os roteiristas do filme sabiam que o público reagiria a um Superman vivendo nos subúrbios de New York ou qualquer cidade dos EUA, aparando grama, ajudando Lois em suas matérias jornalísticas, enquanto o mundo capitalista estivesse enfrentando riscos permanentes.

O criador do super herói, na última edição da revista, renegou toda a ação do Superman e se declarou indignado com seu país.

No Brasil o máximo que conseguimos foi Jerônimo o Herói do Sertão e hoje o Saci foi substituído pela cabeça de abóbora do Haloween. Numa concessão de Walt Disney, tudo para levar o País a entrar na 2ª Grande Guerra, foi criado o personagem Zé Carioca, um papagaio esperto e safo, que se bem todas, mas não vai a lugar nenhum.

Essa cultura da barbárie é exportada por essa corporação invisível, mas material e presente em cada canto do mundo. Quem disse que os EUA são ainda uma nação?

Desde os tempos de Ronald Reagan todo um delicado processo de transformação vem sendo construído e George Bush - o filho – exatamente por ser um “moita”, deu foros definitivos à corporação. Os controladores são grupos sionistas e essa sociedade “demente” é produto disso”.

ISRAEL/EUA TERRORISMO HUMANITÁRIO S/A.

As mesmas empresas que receberam contratos de terceirização do governo dos EUA para recrutar, treinar e armar mercenários na guerra contra a Líbia, apoiados por bombardeios criminosos da OTAN – ORGANIZAÇÃO DO TRATADO ATLÂNTICO NORTE – atuam na Síria, recebem contratos de reconstrução dos países destruídos e começam a ocupar o Paraguai. São donas da Colômbia.

No filme, normal, típico filme de ação, CONSPIRAÇÃO, o ator Val Kilmer interpreta um ex-fuzileiro que vai a busca de um amigo mexicano numa cidade distante e lá percebe que o companheiro de tropa fora assassinado pelo grande empresário que fornece armas e equipamentos para a destruição de outros países e depois assume os contratos de reconstrução.

O “chefão”, cercado do aparato policial, fala com freqüência em patriotismo, em sociedade americana recuperando seus valores, sem “mestiços”. Mas explora a mão obra barata dos mexicanos, humilha-os e quando necessário mata. Para dar mais explosão ao filme, o personagem de Val Kilmer não tem uma parte da perna, perdeu-a em combate. No filme, o “mocinho” derrota a todos e ainda termina com a mocinha.

Já noutro filme, esse magistral, de Orson Welles, O PROCESSO, a obra de Franz Kafka, o personagem em busca de justiça abre uma porta e entra numa sala da justiça onde perto de duas mil máquinas de escrever batucam sem parar processos que nunca vão chegar a um fim.

James Holmes é produto desse meio demente que se espalha por todo o mundo. Como os traficantes que assumiram o poder no Paraguai com a contribuição da brasileira – conselheira de imigrantes - Marilene Sguarizi e o apoio disfarçado, invisível do governo brasileiro na omissão e cumplicidade, no cinismo de falar o contrário. Prática dos dois últimos governos, ligar a seta para um lado e virar para outro.

Trecho da carta de Marilene escrita aos brasileiros que moram no Paraguai:

A presidente Dilma se dirige a comunidade Brasileira no Paraguay através de minha pessoa a fim de transmitir "os bons ofícios do governo brasileiro para dar tranqüilidade no sentido de que não haverá travas comercias e econômicas entre o Brasil e Paraguay. O governo brasileiro fará todos os esforços para que os ´´Brasiguaios`` tenham a tranqüilidade te continuar trabalhando e de que não terão prejuízos de nenhuma índole na situação política atual do Paraguai. A mensagem dirigida aos senhores/as segue dizendo que a confiança entre os dois povos não foi alterada, da mesma forma que o novo governo do Paraguai é reconhecido pela sua legitimidade"

É a tal força invisível. É o que Débord chama de SOCIEDADE DO ESPETÁCULO, é a barbárie numa Glock, na mídia de mercado a serviço das elites, e na compensação idílica do personagem do filme a A CONSPIRAÇÃO, sobre patriotismo.

Segundo o inglês Samuel Johnson, “o último refúgio dos canalhas”. Ou seja, Obama sabe e não quer saber e Milt Romney não quer ter a menor idéia, enquanto os negros em Israel são deportados como eram os judeus nos campos de concentração de Hitler.

O filme é o mesmo, mudaram os figurantes, o tempo e se acrescentou à violência algo em torno de cinco mil ogivas nucleares capazes de destruir o planeta cem vezes se necessário for.

Sai a suástica, entra a águia e a estrela de David. Já o HSBC lava o dinheiro dessa gente. E o dístico in God we trust

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Quem são os donos dessas águas?

20/07/2012 - Encontro com Mario Farias
Antonio Fernando Araujo

Ficou fácil lembrar de Mario Farias, agora que estamos às véseperas do Dia Internacional da Luta pela Água como Direito Humano.

Em 21 de junho passado, no Pavilhão Azul da Cúpula dos Povos, um dos cenários alternativos da Rio+20, teria sido oportuno encaixar o que ele me dissera 10 dias antes, enquanto preparava numa calçada ao lado do Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, a construção de uma cisterna:

"Viemos aqui para divulgar uma teoria social voltada para a captação da água da chuva, especialmente na região do semiárido do nordeste brasileiro e norte de Minas".

Dizia isso com um entusiasmo contagiante, ao mesmo tempo em que estendia um dos braços na direção de Niteroi, como se Afogados de Ingazeira fosse lá e a vastidão do semiárido começasse do outro lado da baía de Guanabara.

Estávamos no Aterro do Flamengo, mais precisamente numa lateral daquele museu. Esse cearense que dedica seu tempo a uma organização chamada Articulação do Semi-Árido brasileiro (ASA), presente em toda a região, logo começou a me contar sobre o programa "Um Milhão de Cisternas" (P1MC), até 2014, uma das ações do governo federal, como parte do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semi-Árido.

"No fundo, no fundo", disse-me, "tudo não passa de uma proposta de educação". E prosseguiu: "Ela vem desencadeando um vasto movimento de articulação e de convivência sustentável, das famílias com o ecossistema do semiárido. O envolvimento delas é o ponto chave porque quanto maior o número, quanto mais mobilizadas estiverem, mais fortalecida fica a sociedade civil..., se capacita, pra encarar o cotidiano, às vezes duro, da nossa região."

Mario Farias não disse, mas implícito nessa fala, talvez seja legítimo imaginarmos que entre essas famílias, um processo de tomada de decisão mais democrático esteja sendo estabelecido e inserido nas comunidades beneficiadas. E se a relação é de quatro pessoas para cada cisterna esse universo deve contemplar cerca de 4 milhões de habitantes. "Já chegamos a 400 mil, ou seja, 1,6 milhão já estão beneficiados por esse Programa", concluiu animado.

Vamos nós agora, divagar. Se supormos que esse processo faça parte e represente muito mais do que a luta pela sobrevivência, o início do entendimento de que mudanças mais profundas precisam acontecer no nosso sistema sócio-político-econômico, nada impede que possamos inclui-lo em um rol de utopias que apontam de fato para o futuro que queremos. "O FUTURO QUE QUEREMOS".

Era isso que dizia um dos mais difundidos cartazes oficiais da Rio+20. Mas qual o mundo futuro com que sonhamos para o semiárido? Quem são os donos dessas águas que captamos e que nos garantem sobreviver? Qual a terra futura que aguarda as gerações dos que viverão aqui? Esse sistema que aí está e rege nossas vidas, por vezes miserável, é o melhor da democracia que imaginamos? Ou nos preparamos, desde já, para alterações reais que imprimam um novo significado para o ato de viver numa região tão carente como essa?

A tragédia que acontece na maioria dos governos modernos, disse a professora emérita da Universidade de Toronto, Ursula Franklin, é que eles abraçaram a globalização econômica, que nega o ponto de vista da comunidade ou do meio ambiente a favor do ponto de vista exclusivo para o lucro. Para os governos e corporações, o lucro será grande e está em primeiro plano, e o cuidado com as pessoas, a natureza e os princípios democráticos desaparecem. Se a água do mundo será salva para as gerações futuras, milhões de cidadãos do planeta terão de assumir uma posição baseada num conjunto de princípios e considerações éticas diretamente opostos ao ponto de vista predominante da economia global [1].

Daí porquê, quando o “Fórum Social Temático", preparatório para a Cúpula dos Povos da Rio+20, ocorrido em Porto Alegre em janeiro deste ano aglutinou mais de duas dezenas de Grupos Temáticos em torno do assunto “Crise Capitalista e Justiça Social e Ambiental” e pode "acolher a multiplicidade de experiências e contribuições dos diversos sujeitos que lutam por outro modelo de sociedade, alicerçado na justiça social e ambiental", e, na sequência de eventos, não só dialogaram com milhares de ativistas, mas - ao final da Rio+20 -, produziu um texto intitulado OUTRO FUTURO É POSSÍVEL, revelou-nos então "uma fotografia do momento presente, ainda inicial, de um processo largo de reflexão, formulação e organização de tod@s que lutam pela construção de um novo paradigma de organização social, econômica e política, a partir das experiências reais e de nossos sonhos de outro mundo possível", ele se apresentou tão convincente e absolutamente tão contraposto ao documento sugerido pelos negociadores oficiais da ONU na Rio+20, “O Futuro que Queremos”, que não nos restaram alternativas a não ser apoiá-lo, levando-nos assim a discordar integralmente do oficial, desde os seus fundamentos até as suas conclusões e recomendações.

Estão aí os Programas da Articulação do Semi-Árido brasileiro, essas e outras anotações do Fórum Social Temático e as formulações de outras tantas propostas surgidas ao sabor das discussões que frutificaram no Aterro do Flamengo apontando para uma cartilha de sobrevivência e de desenvolvimento que passa ao largo dos interesses de organismos como a ONU e a OMC (Organização Mundial do Comércio), e da "economia verde" das megacorporações que, com a globalização, almejam substituir os Estados na condução da humanidade.

Talvez, quem sabe, por não estar explícito naquele documento oficial, como deveria, que este início de século já parece definitivamente marcado como o alvorecer de uma consciência mais aguda sobre a trajetória danosa que o homem vem percorrendo, desde o instante em que imaginou que a natureza está aí, não para se harmonizar com ele, mas apenas como uma mercadoria a mais, posta a seu dispor para ser explorada da forma como ele bem entender, e para ser comercializada da maneira a mais lucrativa que suas ambições possam alcançar.

Ainda mais e provavelmente, por não constar dele proposta alguma no âmbito da cosmologia das águas que contemple experiências sustentáveis como as que inúmeras outras comunidades mundo afora, na Índia, Bolívia, Canadá, França, etc. desenvolveram e vêm levando adiante tendo sempre em mente e exaltando a "cultura da água-vida que enfatize seus valores éticos, seus aspectos culturais, sagrados, simbólicos e a cosmovisão dos povos tradicionais e originários", como preconizam os que defendem a água como um direito essencial, como me assegurou Mario Farias, e não uma mercadoria.

Naquele 21 de junho, véspera do Final da Cúpula, numa reunião da Rede RAMPEDRE (Relatório Mundial Online para o Direito a Água), na Tenda da Água, coordenada pelo professor Ricardo Petrella, economista e fundador do Comitê Internacional pelo Contrato Mundial da Água, foi subscrito que o dia 28 de julho, data em que se comemora a aprovação da Resolução da ONU que determina como Direito Humano a Água e o Saneamento, seria lembrado também como o "Dia Internacional da Luta pela Água como Direito Humano". Na véspera, numa conversa com jornalistas, Ricardo Petrella explicou o porque dessa luta. "Os países industrializadas, principalmente os da União Européia e os EUA, querem derrubar essa resolução, que contraria os interesses das grandes corporações" [2].

Podemos até nos regozijar pelo fato de o "direito à água" ter constado da Declaração Final da Rio+20, reflexo de uma crescente oposição, não apenas às instituições de globalização corporativa (como a OMC, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, a "Trindade Profana", no dizer de ativistas sócio-ambientais indianos), mas também aos governos que tentam conciliar o inconciliável através de Agências internacionais - das Águas ou do Meio-Ambiente que almejam criar -, os interesses de grandes grupos econômicos (onde prevalece o lucro antes da vida) com uma necessidade básica de servir ao bem comum como é expressa e transparece dos planos da Articulação do Semi-Árido, nas palavras de Mario Farias.

E aqui queremos reiterar nossa preocupação com as conhecidas gigantes da água, como as francesas Suez e Vivendi, a norte-americana Bechtel, a alemã RWE, etc. Entretanto, não podemos deixar de alertar que outras celebridades transnacionais, cujos produtos tradicionais pouco ou nada têm a ver com a gestão de recursos hídricos, como Nestlé, Coca-Cola, Nike, Shell, PepsiCo, etc. há alguns anos começaram a dirigir olhares de cobiça, cada vez mais intensos, às fontes de água doce do mundo.

Não é nada desprezível a influência financeira dessas corporações no sentido de forçar os governos a privatizar os serviços de água. Não foi à toa que quase todas enviaram seus representantes à Conferência, participando ativamente de plenárias e encontros, nem que fosse para apenas avaliar em que grau se encontra a resistência dos povos à privatização desse bem e a vontade deles em manter sob seus controles tais suprimentos.

Quando em outubro de 2011 entrevistei o professor Milton Matta, em Belém do Pará, ele me falou de um longo caminho que as cidades ainda terão que percorrer até chegarem a conclusão que o atual modelo de identificação de fontes de água na superfície, cuidados para evitar contaminações dos mananciais, os processos técnicos e operacionais necessários para a captação, tratamento e finalmente, a distribuição através de uma enorme rede de dutos, associados aos indispensáveis serviços de manutenção, de redução do desperdício, de administração e de cobrança é um padrão completamente superado [3].

Matta é um dos estudiosos do sistema de águas de toda a bacia amazônica. Foi ele e sua equipe de pesquisadores das Universidades do Pará e do Ceará que, em maio de 2010, anunciou sua descoberta à comunidade científica, do que seria o maior aquífero do Brasil - quiçá do mundo, em volume de água, o dobro do Guarani -, o Alter-do-Chão com seus estimados 90 mil quilômetros cúbicos de água submersas que se estendem desde a faixa oriental do estado do Amazonas, nas cercanias de Manaus, prolongando-se sob quase todo o estado do Pará e alcançando parte do Amapá.

Foi dele, de quem ouvi pela primeira vez, a ideia de substituir parte da complexa rede de distribuição de água dos grandes centros urbanos por unidades menores que captassem águas subterrâneas e de chuva, uma captação bem mais simples e onde a pureza é comprovadamente mais alta, pois estão mais bem protegidas de agentes contaminantes, apresentam melhor qualidade físico-química e bacteriológica, sofrem menos evaporação, o tratamento é menos oneroso e a rede de distribuição infinitamente menos complexa, mais fáceis de construir e de manter, portanto mais econômica, pois cada poço ou cisternas serviriam para abastecer apenas algumas poucas unidades consumidoras.

E ainda mais: não é sem profunda inquietude que sabemos da presença constante de grandes embarcações petroleiras, que ao esvaziarem seus tanques lastreados com águas trazidas de outras regiões - contaminadas inclusive com um tipo de caramujo que na foz do Amazonas não encontra predador natural -, os reabastecem com a água amazônica doce e quase potável, oriunda dos Andes e das dezenas dos afluentes, desde o Marañon e o Solimões até o Amazonas.

"Não basta a pirataria dos espécimes dos rios, da nossa biodiversidade e dos lugarejos ribeirinhos, estamos diante também do surrupio descarado das nossas águas que são estudadas na Europa, para em seguida serem vendidas, a peso de ouro, no Oriente Médio e no norte da África, onde um barril de água potável já vale mais do que um de petróleo", denunciou o mesmo professor Matta [4].

A luta enfim, tanto no nordeste quanto no norte, pode apresentar-se de formas diferentes e nada impede que na solidão daquelas paragens semiáridas ou úmidas do Brasil as pessoas assumam o controle desses processos todos. Mais adiante, o que se poderia pensar de um conjunto de "unidades de água", de captação de água da chuva ou até mesmo de parcelas da população organizadas dentro de uma área mais extensa de captação, que se torne capaz de prover, através de um sistema próprio de distribuição, o acesso à água por parte da população?

Não chega a ser novidade. Já foi colocado em prática por outras comunidades em distritos remotos da África do Sul, castigados por secas periódicas, mais ou menos nos moldes do que ocorre em nosso semiárido. Aliás, a África do Sul é um dos raros países do mundo onde o direito humano à água é considerado básico e como tal gravado em sua Constituição.

Transplantada para o semiárido, aquela ideia do professor Matta, seria parte de um mundo que se quer sustentável.

Um sistema desses, que compreenderia aquelas pequenas "unidades de água" voltadas para a captação e armazenamento da água que provem da chuva, servida tanto para beber e cozinhar quanto para a higiene e lazer e a ele se agregariam as águas subterrâneas.

No campo e na periferia dos centros urbanos, além disso, e através da irrigação, útil ainda para a produção de hortaliças, temperos e frutas, atividades típicas de uma agricultura familiar integrada a um sistema de distribuição peculiar onde o fato das casas e lavouras - ao contrário das cidades - serem muito distantes uma das outras e em topografias diversas, exigiria quase que um "desenho" específico para cada comunidade.

Isso é tudo que as grandes corporações não desejam.

Essa autonomia que caracterizaria essas "comunidades de água", exercendo a gerência de seus recursos hídricos, contraria todos os planos corporativos que visam transformar a água tornada escassa e cara e sua distribuição, numa mercadoria a mais, no universo de "commodities" e num serviço destinado apenas aos que puderem pagar, ambos calcados nesse conceito mercantilista que agora nos chega nessa Rio+20, com soluções de mercado apelidadas de "economia verde".

Bate de frente com os esforços dessas megaempresas de se apossar daquilo que muitos estudiosos já consideram como a próxima e mais promissora riqueza de qualquer região, seus recursos hídricos, sejam eles de que origem for, de superfície, subterrânea, das montanhas geladas ou das calotas polares.

Em momento algum levam em conta a adoção de políticas públicas locais e regionais, como as da ASA do semiárido brasileiro, lastreadas por outras tantas, ainda que concebidas e acordadas no âmbito das nações, mas que tenham em comum a garantia do "direito universal à água e ao saneamento através da preservação do recurso na origem, da racionalidade no seu uso e da equidade social em sua distribuição."

O impulso mundial da luta pelo fim da aquisição corporativa dos suprimentos de água do mundo que almejamos, aos poucos se torna ainda mais robusto e universal na medida em que juntam-se às forças dos demais grupos ambientais, das mulheres contra as discriminações de gênero, dos movimentos que representam aqueles que por sua condição social, cor da pele ou realidade sexual são excluídos, por todos enfim, que não rezam por uma cartilha de subjugação capitalista e discriminatória.

Notas:
[1] Maude Barlow e Tony Clarke - Ouro Azul, M. Brooks do Brasil Editora Ltda - São Paulo - 2003 - pags. 245-246

[2] Em janeiro de 2009, Ricardo Petrella, já dera, ao site esquerda.net, uma entrevista em Lisboa, abordando esse mesmo tema. Ver em: http://www.youtube.com/watch?v=F-jUtqpu2AU&feature=player_embedded

[3] Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 6/6 - UM JOGO EM QUE NEM TODOS TRAPACEIAM - Antonio Fernando Araujo. Ver em: http://brasileducom.blogspot.com.br/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_03.html

[4] Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 4/6 - DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO - Antonio Fernando Araujo. Ver em: http://brasileducom.blogspot.com.br/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_03.html

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A diplomacia brasileira está em crise? (*)

16/07/2012 - Francisco Carlos Teixeira (**)
original extraído do site Carta Maior

Durante os dois governos de Lula da Silva (2003-2010) a diplomacia brasileira atingiu o ápice de dinamismo e autonomia pouca vezes praticada na políticas externa do país, servindo de comparação com a chamada Política Externa Independente dos anos de 1961-1964.

O chamado “Novo Protagonismo Mundial” do Brasil – tendo à frente o chanceler Celso Amorim e, como verdadeiro mentor, o embaixador Samuel Pinheiro Guimaraes, um intelectual de porte – foi, por isso mesmo, alvo de atenção, elogios e duríssimas críticas.

O Governo Dilma Rousseff, tendo o chanceler Antonio Patriota como condutor, mostrou, até o momento, pouco interesse e pouca ação nas relações internacionais, com duros revezes na agenda internacional.

A Guerra e a Paz do Governo Dilma
A presidente – nego a flexão de gênero da palavra por feia e desnecessária! – assumiu o governo do Brasil com três grandes desafios para enfrentar. O primeiro, e de longe o mais importante, reside na eliminação da pobreza e da miséria no país. Trata-se de cerca de 16 milhões de pessoas que recebem menos de R$70 por mês e não possuem, em sua maioria, acesso à água encanada, esgotamento sanitário e luz. Esta é a linha da extrema pobreza, como definida pelo IBGE, no Brasil. E é ela que embasa o Programa Brasil sem Miséria, criado por Dilma e administrado pela ministra do desenvolvimento social e combate à fome, Tereza Campelo.

O programa, em cerca de 18 meses de governo, já representou a incorporação ao Bolsa Família de cerca de 2.7 milhões de crianças [1]. Este é uma avanço concreto na luta pelo fim da miséria no país. Dilma impôs a si mesma a meta de eliminar, nesta geração, a vergonha da miséria absoluta num país tão rico como nosso.

Uma segunda, e duríssima frente de luta, é a manutenção do crescimento econômico no, com a geração de emprego e renda no país. Sem o crescimento econômico todas as demais metas – incluindo aí a eliminação da pobreza – estarão comprometidas. Entretanto, a crise mundial – com o afundamento das economias europeias, paralisia do Japão, a “gangorra” americana e a desaceleração da China Popular – bate com força ás portas do Brasil. O modelo usado com sucesso por Lula em 2008/09 para enfrentar a crise – aumento do consumo interno, redução dos juros e redução fiscal – embora benfazejo no momento não parece mais surtir os efeitos anteriores (crescimento de 7.5% do PIB em 2010).

Na verdade, o momento é de aumento dos investimentos, ampliação da infraestrutura e criação condições permanentes e sustentáveis de crescimento. Isso tem sido lento, pela dificuldade de fazer os investimentos – o PAC, por exemplo – e pela qualidade da gestão no nível local, além da praga da corrupção que paralisa obras públicas. De qualquer forma, mesmo crescendo a pouco mais de 2.5% o Brasil é uma exceção entre as grandes economias.

Por fim, Dilma teve que lidar com uma ampla sucessão de “malfeitos”, obrigando-a a tratar com uma base aliada sempre fisiológica, sem ideologia e ávida de cargos e sinecuras.

Assim, nestas condições, não é de se estranhar a pouca atenção aos assuntos externos, deixados aos cuidados dos “especialistas” do Itamaraty. Aí talvez residam as origens da atual situação.

A crise da Rio+20
Para falar toda a verdade, a Presidente Dilma foi quem mais se esforçou para o sucesso da Rio+20, utilizando suas, poucas, viagens ao exterior para pedir a presença de chefes de Estado e de Governo na conferência. Contudo, a agenda internacional era negativa. Com a agudização da crise econômica – que coincidiu com o auge da crise da Espanha e do euro – e a gastança mundial para socorrer bancos e banqueiros, a ideia original de um fundo mundial de obras e ações de sustentabilidade, foi perdida.

Da mesma forma, a proposta de criação de Agência Mundial de Meio-Ambiente – da qual não sabemos até o momento se o Brasil é favorável em razão do silêncio do Itamaraty – e posta na mesa pelo Presidente François Hollande, não prosperou. O resultado foi o rompimento das organizações não-governamentais com a direção da conferência e a “pequena crise” entre o Brasil, o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon e a primeira-ministra da Dinamarca, na ocasião representante da União Europeia.

Foi necessário e útil para a Rio+20 e o Brasil tal crise? Creio que não. Em Copenhague, em 2009, na própria presença de Dilma, quando foi armado o impasse pelos Estados Unidos e a China Popular – que não queriam nem metas nem compromissos sobre sustentabilidade – Lula deslocou-se até a capital do Príncipe Hamlet, e, ao lado de Nicolás Sarkozy, fez um imenso esforço de desbloquear a conferência e avançar metas e propostas, mesmo que auto-impostas.

Para ser mais explícito vamos citar a mídia da época: “... no último dia da conferência das Nações Unidas [ em Copenhague, 2009], o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confessou sua frustração em relação ao desenvolvimento das negociações e garantiu que o Brasil está disposto a fazer sacrifícios para financiar os países pobres a se adaptarem aos efeitos da mudança climática” [2]. Na ocassião Lula buscou apoio da Índia, da África do Sul e outros emergentes contra um “diktat” das duas grandes economias mundiais. Foi, então, o Brasil que criticou a fragilidade do docuemnto. Ao chegar a nossa vez de avançar, aceitamos um consenso murcho e frouxo...

No Rio, os diplomatas brasileiros buscaram, às pressas, um consenso mínimo e se declararam “ofendidos” pelas críticas aos parcos resultados, admoestando o secretário-geral da ONU e brandindo ofensas contra Helle Torning-Schmidt, a “premier” da Dinamarca, que havia, em verdade, criticado os Estados Unidos e pedido maior empenho em um resultado mais impositivo para a Rio+20 [3].

Ao contrário de Lula em Copenhague, a diplomacia brasileira optava pelo consenso mínimo, eximia-se de criticar os grandes poluidores – Estados Unidos à frente – e criava embaraços para a ONU e a União Européia. Ora, em Copenhague o Brasil aliara-se a U.E. e a ONU, exatamente na crítica aos EUA e a China Popular. Na ocasião, Lula não aceitara que os “dois grandes” criassem um novo “condomínio bipolar” no mundo, ressaltando o protagonismos dos emergentes.

Perdemos, na Rioi+20, a oportunidade de melhorar o perfil dos produtos brasileiros frente aos países poluidores, aceitando recomendações aquém da legislação brasileira.

Enquanto isso avolumava-se a crise no Paraguai.

A crise no Paraguai
A crise paraguaia deu-se simultaneamente a Rio+20, num momento que todas as atenções estavam voltadas para a aprovação do fraco documento proposto pela diplomacia brasileira.

O caráter “relâmpago” dos procedimentos já foi, aqui mesmo na Carta Maior, destrinchados e amplamente desmascarados seus procedimentos golpistas. Tratou-se, ainda uma vez, de um “golpe constitucional, expresso”, quando uma maioria atropela a Lei e seu espírito e letra – isso mesmo a letra da lei! – para depor um presidente constitucional, mas minoritário. Honduras, em 2009, foi o protótipo experimentado visando dar ares legais ao ilegal. A insistência da mídia brasileira em destacar os trâmites legais do golpe esbarra no Artigo 17, dos Procedimentos Processuais, Item 7, da prórpia Constituição Nacional do Paraguai que estabelece que todo acusado, em juizo, deve usufruir “...dos meios e prazos indispensáveis para a preparação de sua defesa de forma livre".

Foi tudo o que não houve no Paraguai.

Em suma, a diplomacia brasileira agiu certo ao impor, até próximas eleições, uma suspensão do país guarani no âmbito do Mercosul. No entanto, aí explicitam-se as dúvidas e dubiedades dos diplomatas brasileiros. O que houve com o acompanhamento da crise paraguaia pela diplomacia brasileira em Assunção antes do golpe? Somente no momento da crise acordamos para o, já então, inevitável?

Sem dúvida, houve erros de acompanhamento, já que a diplomacia venezuelana já havia detectado possibilidades de golpe e denunciando a situação de cerco de Lugo.

Além disso, após a “suspensão” do Paraguai, na Cúpula de Mendoza (Mercosul+UNASUL, 29/06/2012), se permitiu uma evolução ridícula da diplomacia de Assunção: primeiro cheia de elogios a Dilma Rousseff, depois tornou-se agressiva e, no limitem, injuriosa. Chegou-se ao ponto de acusar a política externa brasileira de reeditar a Tríplice Aliança – Uruguai, Argentina e Brasil na Guerra do Paraguai – reavivando o velho modelo da oligarquia do Paraguai de vitimizar-se para manter seu poder de mando. Já o embaixador paraguaio em Washington – satisfeito com a posição do governo Obama- definiu o Brasil como uma elefante numa loja de louças, sempre quebrando a “harmonia e paz” [4].

Por fim, aceitou-se a formação de uma “missão” da OEA – o mesmo organismo que se calou perante a crise de Honduras de 2009, como o Itamaraty já sabia e já experimentara com amargura – para fazer uma avaliação da “crise”, como se não fosse claro o golpe perpetrado. A missão, liderada por José Miguel Insulza, do Chile, era composta pelos EUA, Canadá, México – três países do NAFTA, extremamente críticos do Mercosul, antes defensores da ALCA, e estranhos e contrários a Unasul, além de Honduras – onde o governo é um produto do primeiro golpe constitucional das Américas e do pobre e desmantelado Haiti, de nenhuma experiência democrática.

A aceitação de tal missão, sabendo-se o que a OEA fez no caso de Honduras, e de tal composição da missão, foi um erro desde de sua criação. O resultado foi uma extrapolação dos objetivos e um claro endosso ao golpe. A bem da verdade, o Brasil só tem colecionado derrotas na OEA, incluindo aí casos como Honduras e questões de legislação. Hegemonizada pelos os Estados Unidos e seus dois aliados do Nafta – Canadá e México – seria o momento da Diplomacia brasileira romper tais laços e declarar a Doutrina Monroe – base de criação da OEA -, alma da hegemonia americana nas Américas, bem como o TIAR, como letra morta.

Por sinal, não é compreensível a razão pela qual o Itamaraty insiste em aconselhar a não abertura das investigações dos crimes contra os direitos humanos, como o caso Vladimir Herzog, opondo-se com leguleio e casuísmos perante a OEA. Em vez de sermos condenados em cortes internacionais deveríamos, ter as iniciativas da questão, como é, de fato, a política de Dilma Rousseff.

Algumas poucas verdades sobre o Paraguai
Além do Paraguai, desde décadas, nada fazer para controlar o fluxo de drogas, carros roubados e de lavagem de dinheiro, a postura internacional do país, cria sérios problemas para a diplomacia brasileira. Mesmo no âmbito Mercosul o Paraguai é um entrave. O Governo de Assunção – com outros países do Caribe e América Central e ilhas do Pacifico, sob injunções norte-americanas – reconhece o governo de Taiwan, criando sérios obstáculos para acordos entre o Mercosul e a China Popular.

Taiwan, para manter sua embaixada aberta em Assunção, oferece – como “ajuda” – cerca de 300 milhões de dólares anuais às autoridades paraguaias – no Malauí eram 400 milhões! – que são distribuídos segundo critérios políticos [5]. Uma das ameaças de Lugo, temida pelos “ajudados”, era exatamente o reconhecimento de Beijing, trocando os titulares das embaixadas. Quando a mídia brasileira “alertou” para a possibilidade de uma aproximação entre Assunção e Beijing como retaliação a sua suspensão do Mercosul, na verdade, estava trocando as bolas. As ameaças de Assunção são, sempre, de romper com o Mercosul para se aproximar dos... Estados Unidos.

Governo do Paraguai acusa Chávez
Mais uma vez a mídia brasileira apressou-se em desviar a atenção do “golpe expresso” em Assunção para acusar Chávez de intervenção nos assuntos internos do Paraguai. Mais uma vez, ainda, a Diplomacia brasileira, mesmo atingida e chamada de marionete de Chávez, manteve silêncio. Acusação, feita pela ministra da defesa Maria Liz Garcia ( portanto um ato de Estado) de que o chanceler Nicolas Maduro ( da Venezuela) tentou mobilizar o exército paraguaio para um golpe foi amplamente noticiada, mas o filme feito “provando” tal intervenção jamais foi exibido na TV brasileira. Por uma razão simples: a edição e a montagem eram primárias.

Na verdade, a Comissão de Inquérito criada para verificar a “intervenção da Venezuela” – o que ocasionou, antes de qualquer comprovação a declaração do embaixador venezuelano e do chancelar Maduro “persona non grata” em Assunção – e presidida pela Procuradora Geral da República Paraguaia Estella Marys Cano comprovou não ter havido qualquer ato ou proposta de intervenção ou conluio entre militares paraguaios e diplomatas venezuelanos.

Tal notícia, contrariando o “furo” da mídia brasileira, não foi notícia de relevo no Brasil [6].

Mais uma vez o Brasil, agora sob forte ataque da diplomacia paraguaia, decidiu por não comentar o resultado do inquérito paraguaio. Da mesma forma, as ofensas dirigidas pelo Congresso Paraguaio contra a Presidente Dilma ficaram sem resposta, inclusive da Comissão de relações Exteriores do Congresso Brasileiro, presidida pelo senador (PTB-AL) Fernando Collor.

As primeiras nomeações do novo presidente do Paraguai – uma irmã para presidir a empresa Itaipu Binacional e um cunhado como ministro – também não mereceram atenção.

Por fim, a Diplomacia brasileira sabia, e calou-se sobre isso, que o veto do parlamento paraguaio a admissão da Venezuela ao Mercosul era uma chantagem, visando arrancar dinheiro de Caracas da mesma forma que arrancam de Taiwan. No entanto, deixamos ser armada , pela política uruguaia anti-Mujica e pelos senadores paraguaios sobre os quais paira a acusação de benevolência perante o narcotráfico, uma pretensa ofensa brasileira aos brios da “democracia guarani”. O presidente Mujica, enfim, veio à público e confirmou as ligações do Partido Colorado – motor da demissão de Lugo – com os traficantes que, em última instância, infestam as grandes cidades brasileiras.

A crise com a Argentina
O país vizinho, nosso grande parceiro e aliado em fóruns internacionais – futebol à parte – passa por séria crise econômica, derivada de fatores múltiplos, incluindo uma tremenda seca e perda de lavouras (o que afeta também o Brasil). Neste contexto, Buenos Aires optou por controlar os fluxos de comércio com o Brasil, tomando uma série de medidas restritivas. A maioria delas contradiz fortemente o espírito das medidas que amparam o Mercosul.

Apesar de todas as restrições, o comércio bilateral, no entanto, alcançou a casa dos 40 bilhões de dólares, com crescimento de cerca de 35% das exportações brasileiras para a Argentina, gerando um déficit para os argentinos de mais de 6 bilhões de dólares. Tais dificuldades sempre foram comuns, e algumas vezes ásperas. Na administração Lula tais questões eram resolvidas através da chamada “diplomacia presidencial”, com entendimentos diretos entre o Planalto e a Casa Rosada. Essa era a política implantada por Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães – e que a mídia espezinhava como “diplomacia companheira” e que, em verdade, gerava emprego e renda no Brasil.

Hoje, a diplomacia brasileira – aliada com a burocracia dos ministérios brasileiros, fortemente anti-argentina – apela para uma denúncia na OMC, para além do entendimento direto com Buenos Aires. Não há, no entanto, qualquer iniciativa de discussão aberta e franca entre Cristina K. e Dilma, como antes se dava com Lula e Nestor K.

É interessante ressaltar que o comércio Brasil-Estados Unidos, a quem a Diplomacia brasileira atribui hoje grande relevância e se diz “apaziguadora” (numa crítica velada ao anterior secretário executivo do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães), é fortemente deficitário para o Brasil, e Washington prejudica claramente as exportações brasileiras de aço, sapatos, tecidos, suco de laranja, açúcar, algodão, etc...

Da visita de Obama conseguimos, em verdade, o reconhecimento da cachaça como produto nacional e a abertura de mais consulados, facilitando a ida de turistas para Miami. O Brasil exporta empregos para os estados Unidos – cerca de 900 mil postos de trabalho – com as compras brasileiras. Nem isso alenta a Diplomacia brasileira a exigir maior consideração pelos interesses brasileiros, seja no caso do Paraguai, seja na intervenção a licitação pública que anulou a compra de aviões Embraer pela Força Aérea Norte-Americana!

Projetos e Perspectivas
Sem dúvida o conjunto de iniciativas, e de ausências de iniciativas, da Diplomacia brasileira nos últimos meses explica a demissão do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães da presidência do Mercosul no último dia 29 de junho, em Mendoza. A Diplomacia brasileira volta a ser corriqueira, banal e fascinada pelos Estados Unidos – que trata o Brasil como piada, como aquela feita por Hillary Clinton na véspera de sua viagem para a Rio+20.

Em grande parte isso se deve a ausência de interesse, talvez conhecimentos, do cenário mundial por parte da presidente Dilma Rousseff. Mas, deve-se mais ainda, pela condução atual do Itamaraty.

Assim, as propostas em pauta da agenda brasileira são, exatamente, contrárias à dinâmica política externa anterior do país. Por exemplo, a proposta der aproximação com o México e sua adesão como “membro associado” ao Mercosul. Trata-se de um tremendo equívoco. O México, membro do Nafta e aliado dos Estados Unidos, será um cavalo de Tróia para produtos e serviços americanos ( além de vetar a reforma do Conselho de Segurança da ONU, visando impedir a entrada do Brasil). Além disso, criou, em 2011, com a Colômbia, Peru e Chile – países com Tratados de Livre Comércio com os EUA – a Associação de Países do Pacífico, visando contrapor-se às políticas brasileiras de integração sul-americana.

Por outro lado, abandonamos nossa posição construída lentamente no Oriente Médio. As relações com a pujante Turquia foram adormecidas, e a chancelaria brasileira recusou um encontro com os iranianos na Rio+20.

Ok, podemos entender que Dilma não goste de governos que permitem o apedrejamento legal de mulheres – ninguém gosta!

Mas, cabe dizer isso aos interessados e ter um papel construtivo numa crise – o uso de tecnologias nucleares – que envolvem, querendo ou não, o Brasil e nossos interesses. Perdeu-se uma ocasião de ouvir-se a voz do Brasil.

Enfim, seria bom, muito bom mesmo, que Dilma Rousseff encontre mais tempo para ocupar-se da Diplomacia brasileira e busca de identificá-la com as metas justas e claras de seu governo, em vez de deixar as relações exteriores no domínio da banalidade dos “especialistas”.

NOTAS
(*) Peço perdão aos leitores pela extensão do artigo, ocorre que o tema – bastante controverso – não permite uma abordagem menos clara.

[1] Ver http://blog.planalto.gov.br/brasil-sem-miseria-foco-sera-16267-milhoes-de-brasileiros-que-vivem-na-extrema-pobreza/.
[2] “Lula deixa a conferência de Copenhague”
[3] “Dinamarca critica texto da Rio+20 e pede mais empenho aos EUA” In:
[4] Embaixador paraguaio na OEA: Brasil é 'como um elefante em loja de cristal' In: BBC 'http://www.bbc.co.uk/portuguese.
[5] Paraguai vai retirar apoio a Taiwan e se aproximar da China In: http://www.felsberg.com.br/m3.asp?cod_pagina=393&conteudo=sim&i=33456&desc=if&frmArea=416&palavrachave=
[6] Manipulação das notícias no Paraguai In: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-manipulacao-das-noticias-no-paraguai

(**) Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5686

Nota da editora do Blog
Discordo da opinião do autor. Mas acho fundamental que o público a conheça. A posição do Itamaraty quanto Rio+20 foi correta, corajosa e diplomática. Acompanhei a imprensa francesa durante 20 anos, como assistente. Há 30 anos faço coberturas na área de meio ambiente. Participei da Eco-92. É fácil criticar, mas o jogo foi muito duro. Porque tudo que os europeus queriam era essa tal Agencia Ambiental. Não é preciso explicar porque. Nossos leitores são inteligentes. Regular a Amazônia, é claro!!
Zilda Ferreira