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quinta-feira, 17 de maio de 2012

Água não se nega a ninguém - Parte 3/5

Águas Para Quem? Do interesse privado e do público
Carlos Walter Gonçalves*

Parte 1/5: A Necessidade de Ouvir Outras Vozes
Parte 2/5: Algumas Razões da Desordem Ecológica Vista a Partir das Águas 


Embora tenhamos destacado inicialmente que documentos importantes recentes, como "O Nosso Futuro Comum" ou mesmo a Agenda XXI e a Carta da Terra, não contemplavam com a devida ênfase a problemática da água, é importante sublinhar que o tema havia merecido, ainda em 1977, uma Conferência patrocinada pela ONU – Conferência de Mar del Plata – que levou a que, em 1980, fosse instituído o Decênio Internacional de Água Potável e Saneamento Básico.

Uma leitura atenta das preocupações ali arroladas nos mostra que havia uma ênfase na ação dos governos na gestão da água e, sobretudo, na garantia do abastecimento por meio da construção de infra-estruturas – diques e barragens - para fins de ampliação das áreas a serem irrigadas e de energia para o desenvolvimento.

O documento da ONU analisado a seguir acusa a guinada ocorrida no debate recente acerca da água e, sobretudo, não deixa dúvidas sobre os interesses específicos que estariam, hoje, cultivando o discurso de escassez e da repentina descoberta da gravidade do problema da água na segunda metade dos anos 90.

Vejamos o diagnóstico que os técnicos da ONU fazem do sistema de gestão que ontem estimularam e que, hoje, criticam e se propõem superar. “A Comissão sobre o Desenvolvimento Sustentável (CDS) informou que muitos países carecem de legislação e de políticas apropriadas para a gestão e aproveitamento eficiente e eqüitativo dos recursos hídricos. Apesar disso, se está avançando no exame de legislações nacionais e promulgação de novas leis e regulamentos” (GEO-3: 156). Logo a seguir demonstram “preocupação acerca da crescente incapacidade dos serviços e organismos hidrológicos nacionais, especialmente nos países em desenvolvimento, para avaliar seus próprios recursos hídricos. Numerosos organismos têm sofrido redução em redes de observação e pessoal apesar do aumento da demanda de água. Tem sido posta em marcha uma série de medidas de intervenção, como o Sistema Mundial de Observação do Ciclo Hidrológico (WHYCOS, por sua sigla em inglês) que se implementou em várias regiões” (GEO-3: 156).

Como se pode observar também no caso da água, mais uma vez, é brandido, sem a menor cerimônia, o argumento da incapacidade dos governos dos países em desenvolvimento para avaliar seus próprios recursos hídricos, numa nova versão da velha colonialidade característica dos velhos modernizadores. Em nenhum momento, observe-se, há qualquer comentário sobre as políticas de ajuste estrutural recomendadas pelos próprios organismos multilaterais e que bem seriam as responsáveis pela “redução em redes de observação e pessoal apesar do aumento da demanda de água”, para ficarmos com as próprias palavras do documento.

Pouco a pouco o deslocamento político que se dá na segunda metade dos anos 90 vai tornando mais claros os interesses em jogo. “Muitos e diferentes tipos de organizações cumprem uma função no que concerne às decisões sobre políticas relativas a água, desde os governos nacionais até os grupos comunitários locais. De todo modo, no transcurso dos últimos decênios, se tem posto cada vez mais ênfase tanto em aumentar a participação e responsabilidade de pequenos grupos locais como em reconhecer que às comunidades corresponde jogar um papel preponderante nas políticas relativas a água (...)."

Assim, o Estado Nacional que, a princípio, já fora considerado como um entre os “muitos e diferentes tipos de organizações” é, logo a seguir, completamente descartado em benefício dos "pequenos grupos locais” e das “comunidades”. Assim, em nome dos pequenos, dos pobres e das comunidades, novos interesses procuram se legitimar ética, moral e, sobretudo, politicamente [8]. Para isso contam com entidades muito mais flexíveis que o Estado, como as Organizações (adequadamente chamadas no ideário neoliberal) não-governamentais.

É preciso levar-se em conta o contexto específico da América Latina para que entendamos a força que esse discurso adquire entre nós, sobretudo quando se sabe que, além da pobreza generalizada, a região exibe os maiores índices de desigualdades sociais do mundo.

Agregue-se a isso o fato de, nos anos 70 e 80, a região ter ficado submetida, salvo raras exceções, a regimes ditatoriais quase sempre sob tutela militar.

Anibal Quijano

Os apelos por justiça social e democracia vindos dos movimentos populares foram deslocados para políticas de corte neoliberal, onde a crítica ganhou destaque mais em direção à negação do Estado do que a um aprofundamento da democracia. Ao contrário, a liberalização aprofundou a crise histórica da democracia na América Latina, o que levou um dos mais importantes cientistas sociais da região, o peruano Anibal Quijano, a cunhar expressões como des-democratização e des-nacionalização para assinalar que o povo já não mais detém a prerrogativa da soberania.

O mais interessante de todo esse processo, e fundamental para compreendermos a crise atual, inclusive, com relação às novas e desastrosas políticas de gestão das águas, é que os mesmos organismos internacionais que apoiaram as políticas de Estado legitimando governos ditatoriais, todos desenvolvimentistas, de gravíssimas conseqüências socioambientais, são os mesmos organismos que no momento de democratização apoiam políticas que diminuem a importância do Estado e incentivam a iniciativa empresarial e das organizações (adequadamente chamadas no ideário neoliberal) não-governamentais.

Assim, esses novos gestores assestam uma dura crítica ao papel do Estado também na questão específica da gestão das águas dizendo que “os responsáveis pela planificação sempre supuseram que se satisfaria uma demanda em crescimento dominando ainda mais o ciclo da água mediante a construção de mais infra-estrutura” e que “a ênfase posta no abastecimento de água, combinado com uma débil aplicação dos regulamentos, limitou a eficácia da ordenação dos recursos hídricos especialmente nas regiões em desenvolvimento. Os responsáveis pela adoção de políticas agora mudaram as soluções (...) e entre essas medidas se contam melhorar a eficácia no aproveitamento da água, políticas de preços e o processo de privatização” (GEO-3: 151).

É interessante observar a desfaçatez desse discurso que parte de técnicos dos próprios organismos que antes desencadearam essas políticas. Sem nenhuma avaliação criteriosa dos próprios organismos de que fazem parte acabam, entretanto, por explicitar os princípios e os interesses em jogo, a saber:
1- dos gestores técnicos para “melhorar a eficácia no aproveitamento da água”;
2- do princípio da água como bem econômico com as “políticas de preços” e;
3- dos empresários interessados no “processo de privatização”. Não podiam ser mais claros.

À página 156-7 desse mesmo documento da ONU pode-se ler, como se fora a conclusão desejada, que “o setor privado começou recentemente a expandir suas funções na ordenação dos recursos hídricos. O decênio dos 90 foi testemunha de um rápido aumento no índice e grau de privatização dos sistemas de condução de água anteriormente administrados pelo Estado. As empresas privadas administradoras de água se ocupam cada vez mais de prestar serviços às cidades em expansão ao fazer-se encarregadas de organismos públicos para construir, possuir e operar parte ou inclusive todo o sistema municipal. Do mesmo modo, tem aumentado a preocupação com a garantia do acesso eqüitativo à água ao setor pobre da população, financiar projetos e compartilhar riscos da melhor maneira possível” (GEO-3: 156-7).

O mundo da água privatizada está sendo dominado amplamente por grandes corporações (ver mais abaixo) que vêm atuando no sentido de que um novo modelo de regulação seja conformado à escala global.

Salientemos que, até aqui, não há um modelo pronto de regulação até porque são muitas os problemas que vêm se apresentando.

Várias têm sido as propostas de privatização das águas, todas baseadas numa ampla desregulamentação pela abertura dos mercados e a supressão dos monopólios públicos, sob a pressão dos técnicos do Banco Mundial e do FMI, políticas essas que vão desde:
(1) privatização em sentido estrito, com a transferência pura e simples para o setor privado com a venda total ou parcial dos ativos;
(2) transformação de um organismo público em empresa pública autônoma, como bem é o caso da ANA – Agência Nacional da Água – no Brasil; ao
(3) PPP – Parceria Público Privado - modelo preferido pelo Banco Mundial.

As dificuldades para se estabelecer um sistema de regulação pode, ainda, ser visto na sucessão de entidades que, em pouco tempo, vêm se alternando no sentido de se chegar a um formato que possa garantir “a superação dos obstáculos aos investimentos em água[9]. Em 1994, por iniciativa de alguns governos (França, Holanda e Canadá entre outros) e de grandes empresas, com destaque à época para a Suez-Lyonnaise des Eaux uma das maiores do mundo do setor, foi criado o Conselho Mundial da Água.

Segundo nos informa Ricardo Petrella, em 1996 esse Conselho se atribuiu o objetivo de definir uma “visão global sobre a água" de longo prazo, que serviria de base a análises e propostas visando uma "política mundial de água".
Ricardo Petrella
Nos últimos anos tem sido o Banco Mundial o principal promotor do Conselho Mundial da Água que ensejou a criação da Parceria Mundial pela Água (GWP - Global Water Partnership) que tem como tarefa aproximar as autoridades públicas dos investidores privados. O GWP é presidido pelo Vice-presidente do Banco Mundial e como os trabalhos desse organismo não têm se mostrado plenamente satisfatórios criou-se, em agosto de 1998, outro órgão, a Comissão Mundial para a Água no Século XXI.

Embora não haja ainda uma modelo claro de regulação, um princípio vem sendo sistematicamente perseguido: o da liberalização, que acredita que a alocação ideal de recursos (bens e serviços materiais e imateriais) requer a total liberdade de acesso aos mercados local, nacional e, sobretudo, mundial [10].


Segundo Ricardo Petrella, “por ocasião da IV Conferência Geral da OMC em Doha, em novembro de 2001, sob a eficaz pressão do European Service Forum (Fórum Europeu de Serviços) – que reuniu as principais empresas européias, tais como Suez, Vivendi, bancos, seguradoras e telecomunicações –, os representantes da União Européia conseguiram fazer aprovar, algumas horas antes do fechamento oficial das negociações, um dispositivo autorizando a inclusão de “indústrias do meio ambiente” (que englobam os serviços de água) entre os setores que podem ser objeto de liberalização dentro do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços - AGCS”.

No capítulo sob título “Comércio e Meio Ambiente” aprovado nessa mesma reunião, pode-se ver no artigo 31, inciso 3, que se exige “a redução ou, conforme o caso, a eliminação dos obstáculos tarifários e não tarifários aos bens e serviços ambientais”, entre os quais, a água. Segundo essa lógica, qualquer tentativa de controle de exportação da água para fins comerciais passa a ser ilegal. O artigo 32 tem por objetivo impedir os países de apelarem para obstáculos não tarifários, como as leis de proteção ambiental [11]. Na Alca esse mesmo princípio vem sendo proposto pelos EUA. É com base nele que várias empresas vêm processando governos sempre que esses, alegando o interesse público, ferem os interesses comerciais das grandes corporações.

A Sun Belt, empresa estadunidense da Califórnia, processou o governo da Colúmbia Britânica, província do Canadá, que suspendera a exportação de água para os EUA pelas conseqüências que estava trazendo para abastecimento de sua própria população. A alegação da empresa é que o governo da Colúmbia Britânica violara os direitos dos investidores do Nafta e, por isso, reivindicava a indenização de US 220 milhões como reparo de seus prejuízos, no que foi bem sucedida judicialmente.

A empresa estadunidense Bechtel, expulsa da Bolívia no ano 2000 pelos péssimos serviços que prestara por sua subsidiária Águas del Tanuri, em Cochabamba, tentou processar o governo boliviano através de uma empresa especificamente criada para isso na Holanda. Na verdade, a Bechtel buscava se aproveitar de um Tratado bilateral entre os governos da Bolívia e da Holanda que estabelece fórum internacional para resolução de conflitos entre esses países. A tentativa não obteve êxito, pois o governo da Holanda cassou o registro de conveniência da empresa estadunidense. O exemplo, por si mesmo, revela os interesses contraditórios entre Estados Nacionais e o que as empresas visam, no caso, sobretudo, a rentabilidade dos seus negócios.

Observe-se que é um novo território, global, que está sendo instituído ensejando as condições para que se afirmem protagonistas que operam à escala global – os gestores globais, as grandes corporações transnacionais e grandes organizações (adequadamente chamadas no ideário neoliberal) não-governamentais. Cada vez mais, muitos dos técnicos dos próprios organismos nacionais são contratados em parceria com o Banco Mundial e outros organismos internacionais e, assim, órgãos que seriam de planejamento se tornam simplesmente de gestão, já que perdem o caráter estratégico inerente ao planejamento, haja vista ser esse definido à escala global, enfim, aquela escala em que operam as grandes corporações e, ainda, as grandes organizações (neoliberalmente bem denominadas) não-governamentais.

O fato de cada vez mais se falar de gestão não nos deve fazer esquecer a necessária relação entre planejamento e gestão, haja vista o primeiro, o planejamento, ser mais estratégico e político, e o segundo, a gestão, ser mais técnico-operacional. Cada vez mais o planejamento tem se deslocado para os organismos multilaterais.

Deve-se ter em conta que, além das resistências de todo tipo a essa política de novas formas de controle e gestão por meio da privatização e liberalização, há também interesses empresariais em disputa que ainda não conseguiram conformar claramente seus interesses divergentes.

Há, também, questões relativas à própria doutrina jurídica, até porque não há grande tradição de apropriação privada de recursos que são fluidos, líquidos, cujos limites não são tão claros e distintos, como é a terra, cuja tradição jurídica está ancorada no Direito Romano. As cercas não são aplicáveis ao ar e à água nem às fronteiras entre os Estados. Afinal, a água exige uma perspectiva que vá além da propriedade privada individual e nos chama a atenção, talvez melhor do que qualquer outro tema, para o caráter público, exigindo um sentido comum que vá além do individualismo possessivo tão cultivado e estimulado pela lógica de mercado.


Eis parte do grande desafio colocado pela problemática ambiental, haja vista apontar para questões que transcendem a propriedade privada, sobretudo quando nos coloca diante da queda de outros muros que se acreditavam ter sobrevivido sem maiores conseqüências à queda do muro de Berlim, em 1989. Afinal, questões como as da poluição do ar e da água que, como vemos, não se restringem à escala local ou regional, exigem referências de direito distintas do Direito Romano, direito sobretudo (dos proprietários e) da propriedade privada, e que foi pensado para a terra e não para a água e o ar (para não dizer da vida, conforme se pode ver no debate sobre a propriedade intelectual sobre material genético).

(*) Geógrafo, doutor em Ciências pela UFRJ e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFF. Ex-Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000) é autor de diversos artigos e livros publicados no Brasil e no exterior.


[8] Não olvidemos que também eram os pobres que eram invocados pelos políticos então chamados de populistas e oligárquicos, com a ‘indústria da seca’ e da ‘bica d’água’.

[9] Aproprio-me, aqui, literalmente, do título de um painel do Congresso Anual de Desenvolvimento Econômico patrocinado pelo FMI e pelo Banco Mundial, onde estiveram reunidos representantes de governos de 84 países com corporações e instituições financeiras internacionais (Ver Maude Barlow em “O Ouro Azul” em http://www.canadians.org)./

[10] É o que vêm propondo não só os novos teóricos da justiça social e da democracia, como vários seguidores de John Rawls, mas também alguns intelectuais e cientistas progressistas, como o Prêmio Nobel de economia Amartya Sem, conforme nos diz Ricardo Petrella.

[11] Definiu-se, ainda, que cada Estado membro da OMC deve submeter as solicitações de liberalização que espera dos outros membros. As formuladas pela União Européia, até aqui, principalmente para o Canadá, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Egito e a África do Sul, insistem sobre a liberalização dos serviços de água (Ler ATTAC nº 338, do dia 7 de junho 2002 jornal@attac.org


[Nota da Equipe Educom: Parece que o Brasil está fazendo um movimento inverso à luta dos povos latino-americanos... De modo geral, os tecnocratas da ANA (Agência Nacional de Águas) e do CPRM (Companhia de Pesquisas e Recursos Minerais) têm ajudado o mercado da água a acelerar o processo de privatização, à medida que pesquisadores do país descobrem que nosso potencial de água é maior do que imaginávamos. Entregam pesquisas já feitas por brasileiros a estrangeiros, patrocinadas a peso de ouro com recursos do povo brasieliro, negados aos pesquisadores das instuições e das universidades brasileiras.]

sexta-feira, 22 de março de 2013

Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água

22/03/2013 - por Zilda Ferreira (*)

O Brasil é o país mais rico em água do planeta. Mas, não tem políticas públicas adequadas que possam gerir esses recursos, em benefício do Estado e da população.

As dificuldades do povo, principalmente o mais carente, para ter acesso à água potável, em alguns municípios, mesmo em cima de aquíferos, denunciam essa má gestão dos recursos hídricos que  tem priorizado o mercado em detrimento do bem estar social.

A Resolução da ONU 64/292 determina como direito humano a água e o saneamento, mas ela não é cumprida. Por isso, não temos nada para comemorar, hoje, Dia Internacional da Água.

Para se ter ideia como a gestão das águas tem priorizado o mercado, basta viajar por este país.

Não se precisa de teoria e nem de uma literatura sobre o assunto, os dados e os fatos saltam aos olhos, principalmente onde o abastecimento é feito por concessões às empresas privadas.

A água é cara, quem não pode pagar não tem acesso, além da contaminação presente nela por falta de investimentos.

Na região Norte, durante um seminário de geologia, na UFPA (Universidade Federal do Pará), denunciou-se que em Manaus a água é a mais cara do país  A concessionária é uma empresa  francesa do grupo Suez e muitas pessoas pobres tiveram a água cortada por falta de pagamento.

Manaus fica na extremidade oeste do aquífero Alter do Chão, provavelmente, o maior do mundo em volume de água. 

Em Belém, segundo alguns estudantes presentes, estão tentando privatizar a água da cidade e por isso o abastecimento tem sido precário para que a ideia de privatização da empresa Cosanpa seja vendida como a tábua de salvação.

Em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, situada sobre o aquífero Guarani, a concessionária pertence a grupos políticos, não identificados.

Lá, conhecemos uma senhora que, ganhando salário minimo pagava uma conta de água de R$ 100,00 (cem reais). Embora ela passasse o dia fora e suas duas crianças ficassem na creche.

O Nordeste brasileiro é detentor do maior volume de água represado, em regiões semi-áridas do mundo. São 37 bilhões de metros cúbicos estocados em cerca  de 70 mil represas de portes variados.

A água existe, mas falta aos nordestinos uma política coerente de distribuição desses volumes para o atendimento de necessidades básicas.

Estes dados constam de um depoimento recente de João Suassuna, um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina.

Em Santarém, Pará (foto), em plena região dos maiores rios do Brasil, às vezes, não é possível tomar banho, necessidade primordial em virtude do calor e da poeira, porque não há água nas torneiras.

Essa maravilhosa cidade, às margens do Tapajós, fica no coração do aquífero Alter do Chão (foto).

Durante a Rio+20, a água foi o assunto principal, até nas filas para pegar o ônibus para o Riocentro, onde acontecia a Conferência...

Um engenheiro sanitarista comentava com uma jornalista:
- No Rio Grande do Norte não há perigo de privatizar a água.
- Por que? indagou ela.
- O processo de fornecimento lá, fica caro, temos que buscar (bombear) água de longe. Além disso, temos vários programas sociais de abastecimentos às populações carente. Não dá lucro. Por isso, não há demanda por concessões para prestar esse  serviço, respondeu o sanitarista.

O mesmo não acontece no norte de Mato Grosso, onde cada município tem uma concessionária, a demanda é grande, mas todas pertencem ao mesmo grupo.

A água é abundante e o abastecimento é precário e oneroso à população, informou uma pesquisadora da Universidade do Amazonas, explicando que essa região fica na chamada Amazônia Legal.

A ONU lançou 2013 como o Ano Internacional da Cooperação pela Água.

O objetivo da iniciativa é incentivar o relacionamento social positivo das pessoas e comunidades, a partir da água como instrumento de relação.

A ideia é boa, mas a política brasileira de gestão das águas, que prioriza o mercado em detrimento da população não permite essa cooperação.

Dizem que a atual ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira (foto), não vai conseguir entregar toda a água do país, porque é demais.

Tampouco toda a
biodiversidade existente em nossas terras, sem dúvida a maior megabiodiversidade do  planeta..., não haveria tempo suficiente para isso.

Mas com o MMA ela vai acabar.

Aliás já começou o desmonte do ministério.

Nesta última terça feira, dia 19, ela propôs o fim do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), instituído pela Lei 6938/81, que revolucionou a política ambiental brasileira e gerou o Art. 225 da Constituição Federal.

Para quem não lembra, a ministra Izabella Teixeira foi, há mais de quinze anos, a Coordenadora do PDBG - Programa de Despoluição da Baia de Guanabara que, ao final, redundou em um notório fracasso a exalar até os dias de hoje, o cheiro fétido, que os moradores do Complexo da Maré tão bem conhecem, de tanta incompetência.

A política ambiental do país é um espelho da do Rio de Janeiro, onde desastres ambientais em cascata, fruto de duas décadas de gestão do mesmo grupo político mentor da atual ministra do Meio Ambiente, escancaram cenas como - mais uma vez - a da recente mortandade de quase 100 toneladas de peixes da lagoa Rodrigues de Freitas, na zona sul da cidade.

Algo semelhante ao terror que assombra os moradores da região serrana a cada anúncio de chuvas, com as vidas ceifadas a cada verão, como as praias e rios poluídos, cujas imagens percorrem o mundo sem revelar a extensão desse drama.

Como as agressões - do que ainda sobra -, seja à Mata Atlântica ou à Floresta da Tijuca.

Luto e luta para saudar o Dia Internacional da Água. Mas nada pra comemorar.

(*) Zilda Ferreira é jornalista e editora deste blog


Não deixe de ler:
- Privatização da Água: o 'fracasso' melhor financiado - Revista Fórum - original do Envolverde
- A luta pelo direito à água na Rio+20 - Zilda Ferreira
- A centralidade da água - Mônica Bruckman

E mais:
- Quem são os donos dessas águas? - Antonio Fernando Araujo
- Água não se nega a ninguém - Carlos Walter Gonçalves
- Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - Antonio Fernando Araujo

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Secaram São Paulo e podem secar o Brasil

Por Zilda Ferreira*

Imaginem o Brasil, o mais rico do planeta em água, com sede. O País, conforme novas descobertas, tem água para saciar a sede da população mundial. Possui as duas maiores bacias hidrográficas; Amazônica e do Prata, além de ter  os dois maiores aquíferos; Alter do Chão e Guarani. Mas não tem uma legislação que proteja os rios aéreos, e as águas subterrâneas são de domínios dos Estados, conforme a Lei das Águas de 1997. Para agravar não há políticas públicas para gerir esses recursos em benefício do Estado e da população. Parece até que o Ministério do Meio Ambiente e Agência Nacional de Águas (ANA) aderiram a política das empresas do mercado da água de privar para privatizar (Leia A obscura ameaça de privatização das águas, "Água não se nega a Ninguém parte 5/5" e "Brasil o país mais rico em água do planeta").

A destruição do Bioma Cerrados que congrega o Planalto Central, onde nascem quase todos os grandes rios brasileiros, atualmente contaminados e destruídos pelo agronegócio, principalmente suas nascentes e matas ciliares, sem dúvida é também responsável  por essa iminente catástrofe. São Paulo foi a primeira vítima, mesmo ficando  em cima do aquífero Guarani e na Bacia do Prata. O agronegócio e a produção de biocombustíveis nesse Estado consomem aproximadamente 80% de água e suas industrias mais de 20%. Além disso, São Paulo foi primeiro Estado da Federação a incentivar  a privatização da água em seus municípios, através de concessões, e não investiu na rede de abastecimento - apesar do consumo doméstico ser prioritário por lei - o acesso foi negado com a falta de água, contrariando a Resolução da ONU 64/292 que determina Água como Direito Humano ("Veneza Paulista privatiza rio e oferece alívio à crise hídrica. Para poucos"). Não deixe de ler: Novo secretário de Recursos Hídricos reacende ameaça de privatização da Sabesp

MINERADORAS PODEM SECAR O BRASIL

Agora, os Brasileiros devem temer que esse problema se espalhe pelo país porque as mineradoras, principalmente as multinacionais, podem secar a Amazônia, o cofre hídrico do continente. Há denúncias de que  uma mineradora Anglo-Americana está poluindo as nascentes do Rio Amazonas, no Peru. Em Alter do Chão, distrito de Santarém, PA, à beira do Rio Tapajós, dois engenheiros argumentavam com uma jornalista que  o maior problema da poluição e do desequilíbrio ambiental da Amazônia são as mineradoras e não desmatamento (Leia "Aquífero Alter do Chão pode ser entregue a pesquisadores estrangeiros" e "Um inferno siderúrgico na Amazônia").

Durante um simpósio em Tucuruí/PA, um engenheiro Florestal assegurava que a ALCOA -empresa líder mundial na produção de alumínio - consumia mais energia que toda a população de São Luis, além da grande quantidade de água e de envenenar os rios. Em seguida, um outro palestrante usou uma metáfora para explicar a importância  de não poluir as águas: "Os rios são como veias de um corpo e as barragens como um grande coágulo, se as mineradoras não envenenassem esse sangue da terra e não sugassem tanta água, a natureza regeneraria. Mas, elas não permitem" (Leia: "Um povo cercado por um anel de ferro"  e "Água: as mineradoras têm (muita) sede").


OS CONVERTIDOS DA MÍDIA

Alheios às causas que geram a crise hídrica os convertidos da mídia infernizam vizinhos, convocam reuniões de condôminos para discutir a crise da água. O clima desses encontros é tenso. Normalmente, pedem novas regras de consumo de água, denunciam vizinhos, e querem instalações urgentes de medidores individuais em prédios antigos. Numa dessas reuniões, na Tijuca, um bairro de classe média do Rio de Janeiro, uma moradora resolveu indagar se alguém sabia  que o agronegócio consumia mais de 70%, as indústrias mais de 20% e que consumo doméstico não chegava 8%, lembrando que a água tratava é cara. Todos desconheciam essa informação, mesmo uma bióloga ambientalista e uma jornalista que trabalhava para uma ONGs de Educação Ambiental. (Leia "Água: mídia alternativa e EBC se redem ao ecomercado").

Enquanto esse discurso da mídia  tem azedado relações entre vizinhos e gerado até brigas sérias, parece que o mercado está satisfeito. Recentemente um empreendimento imobiliário - detalhes no link -  fazia grande  propaganda de um oásis, preparado através da mudança   do curso de um rio, especialmente aos paulistas que quisessem fugir do drama da falta de água para viver num clima de abundância hídrica, com águas cristalinas. Um verdadeiro sonho para quem pudesse pagar (Leia "Veneza Paulista privatiza rio e oferece alívio à crise hídrica. Para poucos").

Entretanto, com as empresas a mídia é benevolente e tem evitado atritos, não divulga quem consome mais água e nem o nome de uma empresa de bebidas que desviou o curso de um rio para beneficiar sua fábrica. Pouca gente sabe que a Sadia é a empresa que mais consome água do Aquífero Guarani e também uma das maiores poluidoras da cidade de Toledo, no Paraná. É bom lembrar que só para produzir um quilo de frango são necessários dois mil litros de água. Ninguém divulga também que os irmãos Marinhos nos anos 90 compraram terras exatamente em cima do Aquífero Guarani, embora essa denúncia tenha sido feita por professores de universidades paulistas, na ocasião (Leia: "Água destinada a empresas pela Sabesp aumenta 92 vezes em 10 anos").

Esses fatos e a Resolução da ONU 64/292 que determina Água como Direito Humano são escondidos para que a população não proteste contra o processo de privatização desse bem comum e essencial à vida (Leia: "A luta pelo direito à água na Rio+20" e "Agora, água para todos").

O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO

Atualmente há dois grupos que defendem subliminarmente a privatização da água e se revezam no comando da política hídrica brasileira: os tecnicistas, com inovações tecnológicas descontaminantes, debitando na conta do cidadão o problema de escassez da água; e os conservacionista da natureza, com discurso  da sustentabilidade, que encobre o limite da capitalização da natureza e da cultura. A capacidade de perversão e sedução desse discurso e tão alienante que modifica hábitos do povo para economizar água até para escovar os dentes.

É difícil separar esses dois grupos, porque os interesses deles são mais ou menos os mesmos. Por exemplo, o grupo que atualmente dirige a SABESP e a política hídrica do Estado de São Paulo é formado por técnicos altamente especializados, ex- dirigentes da Agência Nacional de Águas (ANA) - considerados tecnicistas - mentores da  atual política hídrica brasileira, implantada no governo FHC, dentro dos princípios neoliberais científicos e tecnológicos de dominação do homem e da natureza.

É importante lembrar que a atual ministra do Meio ambienta, Isabela Teixeira, tem formação acadêmica na COPPE/UFRJ - instituição dominada na área hídrica pela Suez Lyonnaise des Eaux, segunda maior empresa do mercado mundial da Água e GDF Suez também francesa, considerado o segundo grupo de energia do mundo. Isabela é uma tecnocrata, discípula desses grupos e talvez por isso tenha endossado políticas do Conselho Mundial da Água, que congrega as maiores empresas do mercado da Água, defensoras da privatização - Ficou claro no VI Fórum Mundial da Água em Marselha, em 2012 (Leia "Olho na governança Global da Água" e "Privatização da água: o 'fracasso' melhor financiado").

SUSTENTABILIDADE?

E quem sonhava com o discurso de sustentabilidade da ex-ministra Marina Silva, já percebeu que a realidade é uma catástrofe ainda maior. Os conservacionistas com o disfarce do discurso da sustentabilidade, que encobre o limite da capitalização da natureza, têm como estratégia de poder o hiper-realismo da globalização no ocultamento dos mecanismo de repressão, a fim de dilapidar recursos ambientais e ficarem impunes. Defendem até a federalização do mundo, e assim, a  governança dos ativos ambientais brasileiros seria entregue às nações hegemônicas.(Para entender o que esconde o marketing ambiental dos conservacionistas leia "A disputa pela Terra em Copenhague" e "O agronegócio e o ecomercado ameaçam a vida"). 

Não há esperança a vista. Imaginem a que ponto chegamos, o Financial Times divulgou que uma das causas para o impeachment de Dilma seria a falta de Água. O voracidade do mercado e a mídia perderam a noção, mas parece que contam com o apoio da Ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, que jamais foi criticada pelo Globo e pela mídia em geral. 

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Conflitos pela água surgem no horizonte


por Thalif Deen, da IPS
conflitos Conflitos pela água surgem no horizonte
Participantes das atividades da Semana Mundial da Água, em Estocolmo. Foto: Peter Tvärberg, SIWI/CC by 2.0

Estocolmo, Suécia, 31/8/2012 – Diante da provável escassez de água nas próximas décadas, a comunidade de inteligência dos Estados Unidos já previu um cenário futuro cinza: conflitos étnicos, tensões regionais, instabilidade política e inclusive matanças. Nos próximos dez anos, “muitos países importantes para os Estados Unidos seguramente experimentarão problemas relacionados à água, como escassez, má qualidade ou inundações, que alimentarão riscos de instabilidade e de fracassos no funcionamento dos Estados, aumentando as tensões regionais”, alerta a Avaliação Nacional de Inteligência, publicada em março.
Em julho, o presidente do Conselho Nacional de Inteligência dos Estados Unidos, Chris Kojm, previu que até 2030 cerca de metade da população mundial (atualmente mais de sete bilhões de pessoas) viverá em áreas com severos problemas de água, elevando a probabilidade de assassinatos em massa. No entanto, o jornal The New York Times citou Timothy Snyder, professor de história na Universidade de Yale, afirmando em um simpósio que “o pânico ecológico levará a matanças nas próximas décadas”.
Por sua vez, o diretor do Centro da Água da Universidade de Columbia, Upmanu Lall, foi mais cauteloso. “Não estou certo de que seja possível prever assassinatos em massa como resultado” da falta de água, disse à IPS. Lall afirmou que não prevê guerras ou conflitos internacionais por recursos hídricos. “Contudo, creio que a competição dentro de alguns dos maiores países, como a Índia, poderia levar a uma luta interna e ao aumento do terrorismo e dos conflitos sectários”, opinou. Porém, “evitar este futuro é possível se trabalharmos nele hoje”, ressaltou.
Este é um dos temas analisados na conferência internacional realizada em Estocolmo por ocasião da Semana Mundial da Água, que termina hoje. Lall considera realista a projeção de que, se tudo continuar igual, quase metade da população mundial viverá em “forte tensão pela água” até 2030. “É um desafio urgente, especialmente se considerarmos a possibilidade de grandes secas, por exemplo, as deste ano nos Estados Unidos e na Índia”, afirmou.
Os impactos serão muito graves e duradouros, alertou Lall. Porém, “se pudermos traduzir esta preocupação em ação, especialmente sobre com melhorar o uso da água na agricultura, de longe o setor consumidor mais ineficiente, então poderemos evitar este desastre”, aponto o especialista. No momento, há conversações nessa direção, mas não existem mandatos nem metas internacionais. Lall acrescentou que “é importante que isto seja assumido nos mais altos níveis para evitar uma considerável angústia na população e nas economias do mundo”.
Gary White, chefe-executivo e cofundador da organização Water.Org, acredita que o acesso aos recursos hídricos poderia ser motivo de conflitos nos próximos anos. “Particularmente em áreas pressionadas pela falta de água e nas quais há grandes concentrações de população pobre”, disse à IPS. “Entretanto, também acredito que a maioria dos governos que virão atuarão e adotarão políticas, regulações e acordos transitórios corretos e necessários para impedir grandes conflitos”, ressaltou.
White alertou que podem ocorrer casos de escassez aguda que teriam como consequência grandes perdas humanas e econômicas, mas acrescentou acreditar que “um conflito declarado seria algo excepcional”. Em geral, as crises regionais da água são geradas de forma relativamente lenta em comparação com a maioria dos desastres naturais, e, portanto, pode-se aprender lições para evitar impactos semelhantes em outros lugares, acrescentou.
“No entanto, essas crises e esses conflitos terão um impacto muito maior nos pobres, porque as populações mais abastadas sempre têm opções de utilizar tecnologia para tratar os recursos hídricos locais (como a dessalinização) ou para transportar água por aquedutos ao longo de grandes distâncias”, pontuou White. “Sempre afirmei que o direito básico deve ser de todos poderem pagar para obter água potável”, disse à IPS, referindo-se à decisão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) de, em 2010, declarar a água e o saneamento um direito humano.
Hoje os pobres pagam mais pela água do que os ricos, seja em dinheiro ou em trabalho investido para adquiri-la. Tampouco os primeiros têm assegurada uma qualidade decente do recurso, lamentou White. “Aqui, quando digo pobres me refiro aos desfavorecidos economicamente em uma sociedade particular, e também às nações que não são tão ricas”, explicou. A menos que sejam estendidos serviços a essas pessoas, elas sofrerão, advertiu. E, para fazer isso, é preciso investimentos para desenvolvê-los e mantê-los.
“De fato, todos deveriam pagar um preço pela água, mas segundo seus meios, assim fortaleceriam seu direito de acesso a uma oferta confiável e de qualidade”, observou Lall, acrescentando que essa deveria ser a grande meta, e não apenas a declaração da água como um direito humano. 
Fonte:Site Envolverde
 
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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A água ou a vida

12/09/2012 - por Protus Onyuango, da IPS (Inter Press Service)
extraído do site Envolverde

Nairóbi, Quênia – A escassez de água desata guerras interétnicas que continuam ceifando vidas no Quênia.


Mandera, na Província Nordeste do Quênia, palco de enfrentamentos pela água.
Foto: Protus Onyuango / IPS
Se nada for feito para educar as comunidades sobre como conservar os valiosos recursos hídricos, a situação se agravará ainda mais, alertam ambientalistas e especialistas governamentais.

No dia 9, 38 pessoas morreram em ataques de vingança no distrito do delta do Rio Tana, na Província Costeira, incluindo oito crianças, cinco mulheres, 16 homens civis e nove policiais.

O incidente aconteceu após anúncio do governo da realização de um exercício de desarme no delta do Tana, depois que enfrentamentos por água e pastagens deixaram mais de 80 mortos. O chefe de polícia da Província Costeira, Aggrey Adoli, informou à IPS que cerca de 500 cavaleiros do grupo étnico pokomo atacaram a aldeia de Kilelengwani, incendiaram um acampamento policial e destruíram várias estruturas. No dia 10, a região estava inacessível e os policiais tiveram que usar helicópteros para se trasladarem e deter a violência.

Isto foi em represália pelo incidente do dia 6, no qual 13 pokomos foram assassinados quando cavaleiros do grupo étnico orma atacaram a aldeia de Tarassa”, informou Adoli. No entanto, os conflitos pelos recursos não estão limitados a esta região. No dia 22 de agosto, quatro pessoas foram assassinadas em incidentes separados na aldeia de Muradellow, na Província Nordeste. A polícia disse que as mortes aconteceram em um manancial no qual pastores haviam levado seus animais. Em março, 22 pessoas foram mortas em Mandera, na mesma província, enquanto mais de 1,5 mil fugiram da violência na aldeia El Golicha, perto da fronteira com a Somália.

Ernest Munyi, funcionário da Província Noroeste e comissário assistente da polícia regional, contou à IPS que os combates são cada vez mais frequentes. “Os ataques de clãs são comuns na região, que agora é palco de confrontos mensais, desde fevereiro. Antes eram mais esporádicos”, acrescentou. Os choques acontecem entre “pastores nômades que dependem do gado para sobreviver e que lutam pela água e os poucos campos para pastar”, detalhou.

Líderes políticos, ativistas pelos direitos humanos e ambientalistas querem que o governo cuide do problema imediatamente. Mwalimu Mati, diretor-executivo da organização não ernamental Mars Group, que trabalha em temas de governança, disse à IPS que o governo deve distribuir equitativamente os recursos. “Os conflitos pelos recursos estarão conosco por um longo tempo porque as políticas governamentais que promovem o corte de árvores causam desmatamento”, explicou Mati, que também é advogado.

A escassa cobertura florestal tem como consequência uma redução das chuvas, segundo especialistas em água. Peter Mangich, diretor de Serviços de Água do Ministério de Água e Irrigação, disse à IPS que, devido aos efeitos da mudança climática, este país agora recebe apenas um quarto de suas históricas precipitações. “A média anual de chuva é de 630 milímetros, quando deveria ser quatro vezes maior. O Plano Nacional de Desenvolvimento 2002-2008 reconhece o Quênia como um país com escassez hídrica, onde a demanda excede os recursos renováveis”, afirmou o diretor. “O esgotamento de nossos recursos naturais devido às poucas precipitações e à escassa cobertura florestal, que chega a 3%, é um problema. As bacias hidrográficas não cobrem o país de maneira equitativa”, destacou.

Essa é a razão dos crescentes conflitos, segundo o geólogo e ambientalista Bernard Rop. “Houve confrontos por água e pastagens na maior parte da Província Nordeste, bem como entre os turkana, os samburu e os pokot na Província Costeira e na de Rift Valley nos últimos dez anos, causando a morte de 400 pessoas e o roubo de dez mil cabeças de gado”, disse à IPS.

E os conflitos não afetarão apenas as áreas secas. A mudança climática é real. O governo precisa adotar medidas para solucionar este problema”, ressaltou Rop.

Mati explicou que a necessidade de água levou Etiópia, Quênia, Sudão, Sudão do Sul, Tanzânia e Uganda a pedirem a revogação de um tratado de 1959, patrocinado pela Grã-Bretanha, que dá ao Egito, e em menor grau ao Sudão, direitos históricos sobre os recursos do Rio Nilo. Rop afirmou que o Quênia tem água facilmente disponível, mas que deve ser melhor aproveitada. Este país é o maior produtor de energia geotermal na África, com 290 megawatts, afirmou. Também “possui grandes quantidades de água subterrânea, que, se for aproveitada e distribuída nas áreas afetadas, acabará com o conflito”, ressaltou.

Mangich assegurou que o governo está abordando o problema. “Desde o ano passado, temos patrocinado organizações não governamentais, como a World Vision, para que cavem poços nas áreas afetadas, e os moradores possam obter água suficiente para o gado e uso doméstico”, detalhou.


Também os estimulamos a usar a água para plantar vegetais e milho, a fim de complementar a produção pecuária”, ressaltou. Porém, o diretor da Mars Group observou que é preciso exortar os pastores nômades a participarem de outras atividades econômicas mais viáveis, e sugeriu que o governo deveria promover a urbanização.

Isto permitirá a muitas pessoas viver em localidades com serviços públicos e cultivar a terra como grupo, não como indivíduos”, enfatizou Mati.

O ministro da Educação, Mutula Kilonzo, declarou à IPS que antes o governo deve implantar políticas já existentes sobre o acesso a água. “A nova Constituição tem políticas muito boas para as regiões secas, que consistem em cavar poços e promover a irrigação. Deixem que implantemos as leis sobre agricultura e os combates cessarão”, assegurou.


Envolverde/IPS

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