sábado, 9 de março de 2013

Lula: A América Latina depois de Chávez

07/03/2013 - A América Latina depois de Chávez
- por Luiz Inácio Lula da Silva, no blog Desenvolvimentistas

Lula, no NY Times: Se uma figura pública morre sem deixar ideais, seu legado chega ao fim.

A História vai afirmar, justificadamente, o papel que Hugo Chávez desempenhou na integração da América Latina e o significado de seus 14 anos na presidência para o povo pobre da Venezuela, onde ele morreu na terça-feira [5/3] depois de uma longa batalha contra o câncer.

No entanto, antes que a História defina nossa interpretação do passado, precisamos ter primeiro um entendimento claro da importância de Chávez no contexto da política doméstica e internacional.

Só depois os líderes e povos da América do Sul, o continente mais dinâmico nos dias de hoje, podem claramente definir as tarefas diante de nós para que consolidemos os avanços em busca da unidade internacional obtida na década passada.

Essas tarefas ganharam nova importância agora que não contamos com a ajuda da energia sem limites de Chávez;

de sua profunda crença no potencial de integração das nações da América Latina;

de seu compromisso com as transformações sociais necessárias para enfrentar a miséria de seu povo.

Os projetos sociais de Chávez, especialmente nas áreas de saúde pública, moradia e educação, foram bem sucedidas na melhoria do padrão de vida de dezenas de milhões de venezuelanos.

Não é necessário concordar com tudo o que Chávez disse ou fez.

Não há como negar que ele era uma figura controversa, às vezes polarizadora, mas que nunca fugiu de um debate e para quem nenhum tópico era tabu.

Preciso admitir que senti que muitas vezes teria sido mais prudente se Chávez não tivesse dito o que disse.

Mas esta era uma característica pessoal dele que não deveria, nem de longe, diminuir suas qualidades.

É possível discordar da ideologia de Chávez e de seu estilo político que os críticos viam como autocrático.

Ele não fez escolhas políticas fáceis e nunca titubeou em suas decisões.

No entanto, nenhuma pessoa remotamente honesta, nem mesmo seu mais vigoroso adversário, pode negar a camaradagem, a confiança e mesmo o amor que Chávez sentia pelos pobres da Venezuela e pela causa da integração da América Latina.

De todos os líderes que encontrei em minha vida, poucos acreditaram tanto quanto ele na unidade de nosso continente e de seus povos diversos — indígenas, descendentes de europeus, africanos e imigrantes recentes.

Chávez foi instrumental no tratado de 2008 que estabeleceu a União das Nações Sul Americanas, uma organização intergovernamental de 12 membros que algum dia levará o continente para um modelo próximo da União Europeia.

Em 2010, a Comunidade de Estados Latino Americanos e do Caribe saiu do papel, se tornando um fórum político paralelo à Organização dos Estados Americanos. (Não inclui os Estados Unidos e o Canadá, como a OEA).

O Banco do Sul, uma nova instituição de financiamento, independente do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, também teria sido impossível sem a liderança de Chávez.

Finalmente, ele estava vitalmente interessado em promover relações mais próximas da América Latina com a África e o mundo árabe.

Se uma figura pública morre sem deixar ideais, seu legado e espírito chegam ao fim.

Não foi o caso de Chávez, uma figura forte, dinâmica e inesquecível cujas ideias serão discutidas por décadas em universidades, sindicatos, partidos políticos e em qualquer lugar onde existam pessoas preocupadas com a justiça social, o alívio da miséria e uma distribuição mais justa de poder entre os povos do mundo.

Talvez suas ideias vão inspirar jovens no futuro, assim como as ideias de Simon Bolívar, o grande libertador da América Latina, inspiravam Chávez.

O legado de Chávez no campo das ideias precisa de trabalho para se tornar realidade no mundo da política, onde são debatidas e contestadas.

Um mundo sem ele requer que outros líderes demonstrem a força que Chávez demonstrou, para que seus sonhos não fiquem apenas no papel.

Para manter seu legado, os simpatizantes de Chávez na Venezuela tem muito trabalho pela frente para construir e reforçar as instituições democráticas.

- Terão de ajudar a tornar o sistema político mais orgânico e transparente;

- tornar a participação política mais acessível;

- aumentar o diálogo com os partidos de oposição; fortalecer os sindicados e os grupos da sociedade civil.

A unidade venezuelana e a sobrevivência das duras conquistas de Chávez requerem isso.

É sem dúvida a aspiração de todos os venezuelanos — alinhados ou em oposição a Chávez, soldados ou civis, católicos ou evangélicos, ricos ou pobres – realizar o potencial tão promissor de uma Nação como a Venezuela.

Apenas a paz e a democracia podem tornar estas aspirações realidade.

As instituições multilaterais que Chávez ajudou a criar vão ajudar a consagrar a unidade da América do Sul.

Ele não estará mais presente nos encontros de cúpula mas seus ideais e o governo venezuelano vão continuar a ser representados.

A camaradagem democrática entre os líderes da América Latina e do Caribe será a melhor garantia da unidade política, econômica, social e cultural que nossos povos querem e precisam.

O caminho da unidade não tem retorno.

Mas por mais determinados que estejamos, precisamos ser ainda mais ao negociar a participação de nossas nações em fóruns internacionais como as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Estas instituições, nascidas das cinzas da Segunda Guerra Mundial, não respondem suficientemente às realidades do mundo multipolar de hoje.

Carismático e idiossincrático  capaz de construir amizades e de se comunicar com as massas como poucos, Chávez deixará saudade.

Sempre darei valor à amizade e parceria que, durante os oito anos nos quais trabalhamos juntos como presidentes, produziram tantos benefícios para os povos do Brasil e da Venezuela.

PS: A tradução do original em português para o inglês foi de Benjamin Legg e M. Robert Sarwark

Fonte:
http://www.desenvolvimentistas.com.br/blog/blog/2013/03/07/lula-no-ny-times-se-uma-figura-publica-morre-sem-deixar-ideais-seu-legado-chega-ao-fim/

Não deixe de ler:
- A Morte e as mortes de Hugo Chávez - Arnóbio Rocha
- A árvore das três raízes - Rafael Betencourt
Uma grande perda para a América Latina - Mário Augusto Jakobskind

E mais:
- Hugo Chávez - Laerte Braga
- Nasce Hugo Chávez, o mito - Eduardo Guimarães
- Lições de Chávez - Beto Almeida

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Para o Dia Internacional da Mulher

07/03/2013 - Urariano Mota (*) - do blog Direto da Redação

Recife (PE) - Busco no google informações sobre o dia 8 de março. Entre 3.440.000 resultados recolho informações que não se harmonizam.

No primeiro endereço, na wikipédia, leio que “O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, tem como origem as manifestações das mulheres russas por melhores condições de vida e trabalho e contra a entrada da Rússia czarista na Primeira Guerra Mundial.

Essas manifestações marcaram o início da Revolução de 1917”.

No segundo endereço, me dizem que “no Dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos [Triangle Shirtwaist, de roupas femininas, foto abaixo], situada na cidade norte americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve.

Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho.

A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada.

Aproximadamente 130 [exatas 147] tecelãs morreram carbonizadas”.

É provável que ambos resultados estejam certos, pois de comum acordo  nos dizem que houve mulheres heroicas, de ação e personalidade coletiva a marcar este dia.

E no entanto, eu não precisava ir tão longe, no espaço ou na história.

Há tantas mulheres anônimas, sem registro nos livros ou na wikipédia, tantas heroínas em silêncio, que agem como se fosse próprio do agir humano a doação.

Aqui mesmo perto de casa, todos os dias vejo uma senhora que deve ter 80 anos, a empurrar o seu filho maduro em uma cadeira de rodas pela calçada da praia.

Ela segue curvada, silenciosa empurrando a cadeira de rodas entre buracos e obstáculos. O filho velho acha tão natural o esforço da mãe, que está sempre a sorrir olhando o oceano.

Essa velhinha, que digo?, essa magnífica senhora comove a tal ponto, que viro o rosto para o outro lado, para o mar, como a me dizer eu não posso vê-la, não posso nem devo, porque não conseguirei segurar a frase: “minha senhora, por favor, de onde retira tanta força? Me dê o seu lugar”.

E sei que se assim eu fizesse, eu a incomodaria, porque é próprio dos heróis a discrição, o anonimato.

Sei que muita gente há de estranhar o sentido que extraio para heroína, herói.

Para um quadro de amor do cotidiano, chamar uma velhinha de heroína parece exagero e inadequado. Pois o dicionário Aulete nos fala que herói é “homem notável por sua coragem, feitos incríveis, generosidade e altruísmo... Ver semideus”.

Já o Houaiss delimita: “filho da união de um deus ou uma deusa com um ser humano; semideus ..  indivíduo capaz de suportar exemplarmente uma sorte incomum (p.ex., infortúnios, sofrimentos) ou que arrisca a vida pelo dever ou em benefício de outrem”.

Suportar uma sorte incomum... o que os dicionários registram está mais para mitologia e extraordinários, para indivíduos raros, distantes todos de todas as tardes na praia.

Se mantenho o sangue-frio, digo que herói nessas definições é um conceito miserável de conteúdo de vida. Enquanto escrevo não me sai da cabeça o Noturno número 5 de Chopin para a visão dessa senhora a carregar o filho velho na praia.

Aqui a música toca para a sua penitência oculta e contente.

Não lhe tirem o fardo! ela não quer.

Então eu sei que sem humanidade é um conceito de herói que não fala da entrega pessoal, de todos os dias, em silêncio, para que outros tenham a felicidade. Pois a sua, a desta senhora, é carregar o seu doce e suave fardo.


Somente Chopin lhe fala, porque toca para que ela deslize entre pedras a carregar o maduro ex-feto, que não ganha independência, porque depende das velhas mãos. E tudo sem clarins ou trombetas.

Então me vem uma certa mulher do meu próximo romance, “O filho renegado de Deus”.

Nele há uma página em que a personagem Maria consola o filho menino, que sofria ao ver a namorada sair com outros meninos:

“Ela lhe tocou nos cabelos e lhe deu um magnífico lanche de pão com açúcar. Assim mesmo, um sanduíche de bolachão aberto com açúcar espalhado dentro, logo ela, que o corrigia sempre quando ele reclamava do café aguado, ‘o seu pai não é usineiro’.

Sim, mas para matar a dor a mãe era dona de usina, uma usineira próspera, e pouco lhe importava que mais tarde o café fosse mais amargo.

- Tome, foi feitinho agora pra você”.

(*) Urariano Mota é pernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.

Fonte:
http://www.diretodaredacao.com/noticia/para-o-dia-internacional-da-mulher#.UTjwxv9LN7I.twitter


*******************

PS do blog Educom:

"Quando 147 mulheres morreram no incêndio intencional da fábrica Triangle Shirtwaist, as massas responderam com dor e maior consciência de classe. No dia 2 de abril se celebrou uma enorme manifestação/enterro no Teatro Metropolitano da Ópera.
Morris Rosenfeld, "o poeta premiado da oficina e do bairro", declamou o seguinte poema:

Nem batalha nem vil pogrom
enche de dor esta grande cidade;
nem treme o solo nem rasgam o céu os trovões,
as nuvens não se escurecem e os canhões não rompem o silêncio
somente o infernal incêndio engole estas jaulas de escravo
e Mammon devora nossos filhos e filhas.

Envoltos em chamas vermelhas, caem de suas garras para a morte
e a morte os recebe a todos...
neste dia de descanso
quando uma avalanche de sangue vermelho e fogo
jorra do máximo deus do ouro
assim como minhas lágrimas jorram caudalosas.


Ao diabo os ricos!
Ao diabo o sistema!
Ao diabo o mundo!"

Fonte:
- 8 de março, o verdadeiro Dia Internacional da Mulher Proletária - Jornal A Nova Democracia - Extraído do Revolutionary Worker, 2000
http://www.anovademocracia.com.br/no-17/883-8-de-marco-o-verdadeiro-dia-internacional-da-mulher-proletaria

Não deixe de ler:
- Mulheres na Resistência à ditadura - Redação - Rede Democrática
- Mulheres ocupam a fazenda de Kátia Abreu - Márcio Zonta
- Declaração da Marcha Mundial das Mulheres - Redação - Rede Democrática
- Dia Internacional da Mulher - Ana Claudia de Almeida Garcia

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quinta-feira, 7 de março de 2013

A Morte e as mortes de Hugo Chávez

06/03/2013 - Arnóbio Rocha em seu blog Política, Economia e Cultura

Desde ontem pensando em escrever sobre Hugo Chávez, mas sem cair nas obviedades, pois, para mim, a sua morte não o torna maior ou melhor, muito menos menor ou pior, ele foi o que foi, é o que é, de acordo com a apreciação que possa fazer de sua figura a história.

Aliás, ele já era uma figura histórica, em vida, não precisou para sê-lo.

Mais ainda, erros tolos como “morre o homem, nasce o mito” é típico de quem nem conhece o homem, menos ainda sobre, mito, mitologema ou formação de heróis.

A morte é apenas uma parte do rito do homem ou do herói, seus atos são em vida, seu reconhecimento se dará em vida, não em morte.

Sobre esta questão, tão ampla e complexa temos vários escritos, para um entendimento melhor sobre o que são os heróis o texto "A questão do Herói – Grécia sopra sobre nós", responde melhor.

Apenas para localizar, a questão particular da morte, no contexto do herói, é seu último ato, não que ele saia da vida para se tornar mito, ele já é mito, aliás, suas exéquias, são doloridas, como o descrevi no referido artigo:

Se o herói tem um nascimento difícil e complicado; se toda a sua existência terrena é um desfile de viagens, de arrojo, de lutas, de sofrimentos, de desajustes, de incontinência e de descomedimentos, o último ato de seu drama, a morte, se constitui no ápice de seu páthos, de sua “prova” final: a morte do herói ou é traumática e violenta ou o surpreende em absoluta solidão.

A imensa maioria dos heróis morre de forma trágica, como a completar um ciclo, que desde o nascimento até seu fechamento seu feitos são dolorosos e marcantes.

Uns se matam, como Ájax Telamônio, Hêmon, Antígona, Jocasta, Fedra, Egeu.

A guerra, as justas e as vinganças são as grandes ceifadoras.

Basta abrir a Ilíada e o final da Odisséia, que se passa a nadar num mar de sangue.

Da morte de Reso, Pátroclo e Heitor até o massacre dos pretendentes, no XXII canto da Odisséia, a cruenta seara do deus Ares produziu frutos em abundância”!

Hugo Chávez é um herói de seu povo, um homem que ousou enfrentar as adversidades de seu tempo.

Do meu ponto de vista, ele foi um líder nacionalista e patriota, preocupado com seu povo, em particular os mais simples e pobres.

Desconfio que não tivesse clareza ideológica ou formação maior marxista, tinha um sentido prático e concreto do que precisava ser feito e fez, na medida de suas forças e de seus enfrentamentos.

Chávez não refugou ou contemporizou no propósito de aproximar a riqueza imensa do seu país aos mais necessitados, transformando a dura realidade de séculos.

Interessante ler as críticas que lhe fazem, de que usou o preço do petróleo e a estatal PDVSA para ser “populista”, de usar o dinheiro para reduzir a miséria e o analfabetismo, ora, nada se diz, de quando esta mesma estatal favorecia uma rica casta de burocratas da empresa e do estado, sem jamais usar a riqueza para melhorar a situação do país.

Os milionários venezuelanos, os burocratas da PDVSA e do aparelho estatal viviam parcialmente no país, eram encontrados mais comumente em Miami ou nas ilhas paradisíacas do Caribe.

Esta inversão de prioridades é o maior e mais ousado legado de Chávez.

Os índices sociais da Venezuela mudaram radicalmente durante o seu mandato, se o dinheiro saiu da PDVSA e do petróleo, muito que bem, o terceiro país mais rico em petróleo no mundo não poderia viver uma situação tão contraditório, com imensas favelas em Caracas e condomínios exclusivos às custas desta mesma riqueza.

É fato também que durante todos estes anos, por diversas vezes os EUA e seus aliados internos tentaram tirar à força, Chávez do poder, sem justificativa, afinal havia eleições em todo o país, foram 14 pleitos e referendos desde 1998.

Reconhecido os seus feitos, ainda sob minha ótica, penso que Chávez ou qualquer líder tem que se preocupar com a transição, de incentivar outros líderes, os homens passam, precisam entender o seu papel, não cair na tentação de ficar no governo, mesmo que sejam eleitos e reeleitos, continuo a não concordar com governo em cima de um homem e de um nome.

Neste momento, de sua morte, fica-se na dúvida da continuidade do seu legado, muitos acreditam que era obra pessoal, o que é desastroso, com risco de retrocesso.

Minha visão sobre Chávez é de respeito ao que se propôs, mas ao mesmo tempo de crítica de não ter preparado sua saída, da busca incessante em se manter, o que, naturalmente dá argumentos aos raivosos, de que não há democracia no país.

Neste aspecto, Lula, aqui no Brasil, é referência, soube o seu limite, poderia intentar mudar a Constituição e se reeleger mais vezes, preferiu abrir a agenda para os novos nomes, para o amadurecimento de um processo coletivo, não individual.

As mortes de Chávez, foram tantas, as desejadas e torcidas organizadas na mídia brasileira e mundial, o mataram tantas vezes e tantas vezes renasceu, neste particular, a cobertura odiosa da Veja, tem um mérito, foram boçais, mas coerentes com seus ódios.

Passo os olhos nos diversos jornais, uma falsa ideia de equilíbrio, quando lhe devotaram o mesmo ódio daquela “revistinha” canalha, mas a morte parece ter o dom de suavizar, ou um certo remorso de falar o que se pensa.

Assim como do outro lado, um oco endeusamento, que não contribui para um balanço justo e franco com aquele que partiu.

Foi embora um grande personagem, com acertos e defeitos, mas um homem do seu tempo, viveu longamente sua breve história, pois morre ao 58 anos, o que hoje é pouco, mas agora é cuidar para que seu legado e luta não tenham sido em vão.

Para frente Venezuela, para frente com sua rebeldia e força.

Simón Bolívar e Chávez, presentes.

Fonte:
http://arnobiorocha.com.br/2013/03/06/a-morte-e-as-mortes-de-hugo-chavez/

Não deixe de ler:
- A árvore das três raízes - Rafael Betencourt
- Uma grande perda para a América Latina - Mário Augusto Jakobskind
- Hugo Chávez - Laerte Braga
- Nasce Hugo Chávez, o mito - Eduardo Guimarães

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quarta-feira, 6 de março de 2013

A árvore das três raízes

10/12/2012 - Por Rafael Betencourt (*) - do site Revista de História

"No momento em que Hugo Chávez anuncia o vice-presidente da Venezuela como possível sucessor, pesquisador analisa seu discurso de poder.
Bolívar, Rodriguez e Zamora são a base da retórica do líder socialista" (Rafael Betencourt)

Poucas figuras políticas chamaram tanta atenção na ultima década quanto o presidente venezuelano Hugo Chávez, que, na semana passada, anunciou seu vice como sucessor, já que voltou a fazer tratamento contra um câncer.

Chamado de santo por uns, autoritário, populista e ditador por outros, Chávez criou um discurso político que merece ser analisado para além dos tradicionais estereótipos maniqueístas.

A imensa popularidade que move seu governo desde a primeira eleição, em 1998, procura enfatizar uma identidade nacional e latino-americana, a partir do resgate da memória de figuras históricas notáveis como Simón Bolívar, Simón Rodriguez e o general Ezequiel Zamora.

A lembrança destes três personagens é chamada de árvore de três raízes.

A criação do socialismo chavista apresenta uma redefinição teórica do socialismo real vivenciado no século XX, que tinha no pensamento marxista sua principal base conceitual.

Neste novo projeto venezuelano, a história latino-americana e seus processos de luta anticoloniais que varreram o século XIX tornaram-se a principal referência.

A eficiência desse discurso político se deve à forma como Chávez articula a então “Árvore das três raízes” com suas propostas atuais modelando um radicalismo democrático nas práticas institucionais de seu governo.

Bolívar
Chavez cria, a partir do uso desses personagens históricos, o imaginário de uma segunda independência.

Simón Bolívar certamente é o mais conhecido das três referências.

Nascido em 1783 em Caracas, foi o principal líder das lutas de independência contra o domínio espanhol no século XIX.

Durante mais de dez anos lutou pela libertação do território que hoje corresponde à Venezuela, Colômbia e Equador.

Seu ideário político foi construído através de suas cartas e discursos, sempre insuflando a ideia da união da América na luta contra os espanhóis.

Sob orientação do professor Simón Rodriguez, entrou em contato com o pensamento de Voltaire e Rousseau, e com as ideias emancipatórias do Iluminismo.

A idealização de uma América Latina integrada, como o discurso do presidente Chávez tanto enfatiza, reverbera a ideia de Bolívar de uma Grande Colômbia, uma única nação latino-americana na região, uma união necessária contra a dominação estrangeira.

Simón Rodriguez
A referência a Bolívar na construção de um discurso nacionalista não era novidade na esquerda venezuelana e remonta aos grupos engajados na guerrilha dos anos 60, como o FALN (Fuerzas Armadas de Liberación Nacional).

Porém, sem dúvida, Chávez foi mais bem sucedido ao relacionar Bolívar com um discurso de afirmação de identidades e de resistência à influência norte-americana.

A segunda raiz da árvore bolivariana, Simón Rodriguez, professor e amigo de Bolívar, nasceu em Caracas no ano de 1769, trabalhou e viveu na Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia, Chile e Peru.

Seu trabalho estava centrado na integração dos indígenas latino-americanos e dos escravos negros nas sociedades dos futuros Estados independentes.

Na Bolívia, também lutou pela educação pública dos filhos dos indígenas e seu engajamento político sempre foi por meio do papel da educação.

Rodriguez foi responsável pela escola primária em Caracas, mas desde sempre a sua briga pela inclusão de negros e pardos lhe causou alguns problemas com as elites locais.

Após ser dispensado pela prefeitura da cidade pôde se dedicar à causa da independência.

Foi em Paris, nos tempos de Napoleão, que se encontrou com Bolívar.

Nessa época, o mito latino-americano faz um juramento pela independência venezuelana que, transcrito por Rodriguez, chega às mãos de Chávez.

Dos seus dias na Europa, Rodriguez percebeu que cabia à América Latina construir seu próprio caminho, independente das influências europeias, arraigada nas peculiaridade de sua terra.

Sua emblemática frase, “Ou inventamos, ou erramos”, se transformou em um ponto importante do atual programa bolivariano de governo.

Zamora
O terceiro elemento da árvore é Ezequiel Zamora (abaixo), líder das forças federais na guerra civil (também conhecida como La Guerra Larga) de 1840 a 1850.

Sua luta foi contra a oligarquia de terras, em busca de uma reforma agrária para o país.

No entanto, a principal convergência da luta de Zamora ao programa de Chávez é o simbolismo da junção de militares e civis.

Zamora foi aclamado pela esquerda como um socialista antes da época, e se intitulava “General da soberania popular” com profundas influências dos movimentos liberais de 1848 na Europa.

O general tem um significado especial na vida de Chávez: o avô do presidente marchou junto ao exército da soberania popular de Zamora e, desde sua infância, o atual presidente venezuelano ouve suas histórias.

A última batalha de Zamora aconteceu em 1859 e foi travada em Barinas, na cidade natal de Chávez.

A história oral foi a grande responsável pela sobrevivência dos seus feitos, sua constante solidariedade ao campesinato pobre e o clamor pela insurgência contra as elites locais convergem com a ideologia chavista em três slogans do governo atual:


Tierra y hombres libres; Elección popular; Horror a la oligarquia.

A referência ideológica aos três personagens refunda a teoria socialista do século XXI criada pelos bolivarianos de Chávez e apresenta um novo projeto ideológico de radicalismo democrático para a América Latina.

A ideologia bolivariana então se constrói fundamentada em alicerces da experiência anticolonial venezuelana e latino-americana congregando assim diferentes linguagens políticas sob o mesmo projeto revolucionário.

Apesar dos estereótipos vinculados à sua imagem caricata, é preciso reconhecer que o projeto político de Hugo Chávez é muito mais complexo e atrelado à história venezuelana do que o senso comum sugere.

O socialismo chavista revisita três ícones do processo de emancipação do continente frente ao domínio espanhol para se estabelecer na idealização nacionalista de seu excepcionalismo histórico.

O enorme apelo popular do discurso chavista, e sua manutenção na presidência apesar de sua postura controversa, sugerem que mais importante do que taxá-lo de herói ou charlatão é compreender as razões para enorme projeção do seu discurso.


(*) Rafael Betencourt é mestre pelo ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa e autor da dissertação O Discurso Contra-Hegemônico dos Direitos Humanos na Revolução Bolivariana (ISCTE, 2012).

Fonte:
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/a-arvore-das-tres-raizes

Não deixe de ler:
- Uma grande perda para a América Latina - Mário Augusto Jakobskind

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

Uma grande perda para a América Latina


Por Mário Augusto Jakobskind, da Rede Democrática

A Venezuela e toda a América Latina perderam a sua principal liderança surgida nos últimos anos: o Presidente Hugo Chávez Frias. Morreu vítima de câncer.

Desde sempre a direita venezuelana e latino-americana já tinha matado Chávez e em tempos mais recentes tentou de todas as formas agir para desestabilizar o país.

É neste contexto que deve ser entendida a viagem do Henrique Capriles Radowski aos Estados Unidos se entender com funcionários do Departamento de Estado.

A direita vai procurar de todas as formas possíveis a legitimidade de Capriles e querer tirar de foco suas ligações com os conspiradores com ramificações nos Estados Unidos.

Pela Constituição assume durante um mês Diosdado Cabello, até serem realizadas eleições presidenciais. Chávez já tinha passado o bastão a Nicolás Maduro, indicando-o como seu sucessor se algo lha acontecesse.

Os elitistas de sempre, como já tinha acontecido no Brasil depois da eleição do torneiro mecânico Luis Inácio Lula da Silva, nunca engoliram o fato de o sucessor de Chávez ter sido motorista de ônibus, sem título universitário. Uma típica bobagem elitista, como se um curso universitário fosse condição sine qua non para alguém ser Presidente da República. Os exemplos de presidentes letrados não são dos mais abonadores, Talvez só mesmo para as elites.

A direita, seja em Miami, na América Latina ou na Venezuela se desespera com o fato de o chavismo continuar sem o seu líder.

O provável candidato da oposição, atual governador do Estado de Miranda, Henrique Capriles vai ter que explicar o que foi fazer em Miami, mais precisamente nos corredores do Departamento de Estado. Boa coisa de certo não foi.

Dois funcionários da embaixada norte-americana foram expulsos depois de terem sido descobertos, segundo o governo venezuelano, tentando obter informações junto aos militares. Foram pegos em flagrante delito e não restou outra coisa a Nicolás Maduro se não anunciar a expulsão.

Poucas horas depois do anúncio oficial da morte de Chávez, a TV Globo acionou um de seus colunistas de sempre, exatamente para analisar de forma a comprometer o legado da revolução bolivariana.

Demétrio Magnoli ganhou muito espaço nos canais das Organizações Globo, destilando veneno com o objetivo de mostrar aos telespectadores perspectivas de mau agouro para a Venezuela. Magnoli está no seu papel de sempre. É um direito que o assiste, mas cabe aos observadores mostrarem a que veio.

Uma grande perda, sem dúvida, mas agora cabe aos defensores da revolução bolivariana continuar a levar adiante o que Chávez deixou.

Apesar das críticas contundentes da direita venezuelana e de todo o continente latino-americano, na Venezuela com a ascensão de Chávez o número de pobres diminuiu, o analfabetismo foi erradicado e o desemprego caiu a cifras compatíveis.

Apesar dos analistas de sempre, a informação na Venezuela fluiu mais naturalmente com o crescimentos de mídias públicas e estatais. Mesmo assim, o maior percentual na mídia está nas mãos privadas com cerca de 80%. Mas os grandes proprietários midiáticos não aceitam o fato de terem aumentado outros tipos de canais que não os privados. Na Sociedade Interamericana de Imprensa, que reúne o patronato midiático das Américas, a grita é do mesmo teor.

P.S: fiquei sabendo através de um espião benigno que a TV Globo às duas da tarde já sabia que Chávez tinha morrido. De onde ela obteve a informação? A resposta não é dificíl de saber, certamente a Rede Globo obteve a informação diretamente da CIA.

Fonte:
http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=3997:uma-grande-perda-para-a-am%C3%A9rica-latina

terça-feira, 5 de março de 2013

Discurso de Pepe Mujica no Rio de Janeiro

20/06/2012 - original do “Discurso de Pepe Mujica en Río”, por ocasião da Rio+20 (junho/2012)
- extraído do El Heraldo, da Argentina, de 21-11-2012
Tradução: Christina Iuppen

“El discurso ya se está considerando histórico, Mujica habló ante una audiencia de mandatarios que con desgano escucharon las verdades brutales que les decía, recien a días del discurso, la prensa internacional y el mundo comienzan a tener en cuenta que no fue un simple discurso el que dijo el presidente uruguayo.” (El Heraldo)

Autoridades presentes de todas as latitudes e organismos, muito obrigado. Muito obrigado ao Brasil e à Senhora sua Presidente, Dilma Roussef. Muito obrigado também à boa-fé manifestada por todos os oradores que me precederam.

Expressamos a íntima vontade, como governantes, de apoiar todos os acordos que esta nossa pobre humanidade possa subscrever. No entanto, permitam-nos fazer algumas perguntas em voz alta.

Tem-se falado por toda a tarde do desenvolvimento sustentável. De retirar as imensas massas da pobreza.

Que nos vem à mente?

O modelo de desenvolvimento e consumo que queremos é o modelo atual das sociedades ricas?

Faço-me esta pergunta: que aconteceria com o planeta se os indianos tivessem a mesma proporção de carros por família que têm os alemães?

Quanto oxigênio nos restaria para respirar?

Mais claro: tem o mundo os elementos materiais para possibilitar que 7 ou 8 bilhões de pessoas possam ter o mesmo grau de consumo e desperdício que têm as mais opulentas sociedades ocidentais?

Será isto possível?

Ou teremos que dar-nos outro tipo de discussão?

Criamos esta civilização em que vivemos: filha do mercado, filha da competição, que redundou num portentoso e explosivo progresso material.

Mas a economia de mercado criou sociedades de mercado. E nos deparamos com esta globalização cujo olhar alcança todo o planeta.

Estamos governando esta globalização ou é ela que nos governa a todos?

É possível falar de solidariedade e de que ‘estamos todos juntos’ numa economia embasada na competição sem piedade?

Até onde vai nossa fraternidade?

Não digo isto para negar a importância deste evento. Pelo contrário: o desafio que temos pela frente é de uma magnitude e caráter colossais, e a grande crise que temos não é ecológica, é política.

O homem não governa hoje as forças que desencadeou, mas essas forças desatadas governam o homem. E a vida.

Não viemos ao planeta para desenvolver-nos, simples e generalizadamente. Viemos ao planeta para ser felizes. Porque a vida é curta e se nos esvai. E bem nenhum vale tanto como a vida. Isto é elementar.

Mas a vida me vai escapar, trabalhando e trabalhando para consumir um ‘plus’, e a sociedade de consumo é o motor disto. Porque, definitivamente, se se paralisa o consumo, detém-se a economia, e se se detém a economia aparece o fantasma da estagnação para cada um de nós.

Mas é esse hiper-consumo que vem agredindo o planeta.

E é preciso gerar esse hiper-consumo, fazer com que as coisas durem pouco, porque é preciso vender muito. E uma lâmpada elétrica, então, não pode durar mais de 1000 horas acesa.

Mas há lâmpadas que podem durar 100 mil horas acesas! Mas essas não, não podem ser feitas; porque o problema é o mercado, porque temos que trabalhar e temos que manter uma civilização de ‘use-o e jogue-o fora’. E assim estamos em um círculo vicioso.

Estes são problemas de caráter político.

Indicam-nos que é tempo de começar a lutar por outra cultura.

Não se trata de reivindicarmos a volta do homem às cavernas, nem de erguer um monumento ao atraso. Mas não podemos seguir, indefinidamente, governados pelo mercado: temos nós que governá-lo.

Por isto digo, em minha humilde maneira de pensar, que o problema que temos é de caráter político.

Os velhos pensadores – Epicuro, Sêneca, e também os aymarás, definiam: ‘pobre não é o que tem pouco, mas o que necessita infinitamente muito’. E deseja ainda mais. Essa é uma chave de caráter cultural.

Sendo assim, vou saudar o esforço dos acordos que se façam. E vou acompanhá-los, como governante.

Sei que algumas coisas que estou dizendo ‘rangem’. Mas precisamos dar-nos conta de que a crise da água e da agressão ao meio ambiente não é causa.

A causa é o modelo de civilização que montamos. O que temos que repensar é nossa forma de viver.

Pertenço a um pequeno país muito bem dotado de recursos naturais para viver. No meu país há pouco mais de 3 milhões de habitantes.

Mas há uns 13 milhões de vacas, as melhores do mundo. E uns 8 ou 10 milhões de estupendas ovelhas.

Meu país é exportador de comida, de lácteos, de carne. É uma peneplanície, e quase 90% de seu território é aproveitável.

Meus companheiros trabalhadores lutaram muito pelas 8 horas de trabalho. E estão conseguindo agora as 6 horas. Mas o que tem 6 horas consegue dois trabalhos e, portanto, trabalha mais do que antes.

Por quê? Porque tem que pagar uma quantidade de coisas: a moto, o carro, quotas e quotas e, quando acorda, vê que é um velho cuja vida se foi.

E fica a pergunta: é esse o destino da vida humana?

Apenas consumir?

Essas coisas que digo são muito elementares: o desenvolvimento não pode ser contra a felicidade.

Tem que ser a favor da felicidade humana, do amor à terra, do cuidado com os filhos, junto aos amigos. E ter, sim, o essencial. Precisamente porque é o mais importante tesouro que temos.

Quando lutamos pelo meio ambiente, temos que recordar que o primeiro elemento do meio ambiente se chama ‘felicidade humana’.

Fonte:
http://www.elheraldo.com.ar/noticias/79643_discurso-de-pepe-mujica-en-rio.html

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Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.