Cidade do Cabo, África do Sul, 25/8/2011 – Os países-membros do grupo de economias emergentes Ibas (Índia, Brasil, África do Sul) uniram-se à China e à Rússia para se opor a medidas mais enérgicas propostas por Estados Unidos e União Europeia (UE) contra o governo da Síria. Pretória “é da opinião de que a questão síria deve ser resolvida pelos próprios sírios, e que se deve lutar para que o façam”, disse à IPS o porta-voz do Departamento de Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, Saul Kgomotso Molobi.
“O governo sírio garantiu que adotou e continua adotando reformas para abrir o espaço político”, acrescentou Molobi, ressaltando que as posturas da comunidade internacional estão condicionadas por interesses dos países líderes e não por um verdadeiro desejo de mudança no Oriente Médio. “Os exemplos são Bahrein e Iêmen, onde, apesar da repressão, não há tentativas de punir seriamente e enfraquecer o regime. No último caso, tudo o que se faz é fortalecê-lo por meio de apoio militar do Conselho de Cooperação do Golfo”, acrescentou.
Os Estados Unidos e países da UE divulgaram no dia 23, no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), um novo projeto de resolução contra a Síria com sanções a indivíduos e entidades, bem como um embargo de armas. Meses atrás fracassou uma resolução semelhante diante da ameaça de veto da China e da Rússia e pela rejeição de Índia, Brasil e África do Sul.
Esta semana, o Conselho de Direitos Humanos da ONU condenou a repressão do regime de Bashar Al Assad contra as manifestações de oposição, e aprovou o envio urgente de uma comissão independente para investigar possíveis crimes contra a humanidade. A resolução foi apresentada pela Polônia em nome da União Europeia e com apoio dos Estados Unidos, sendo rechaçada por China, Cuba, Equador e Rússia.
Por sua vez, o Ibas parece disposto a desempenhar um papel independente na questão síria. No dia 10, uma delegação com representantes dos três países visitou Damasco e se reuniu com Al Assad e com o chanceler Walide al-Moualem. No encontro, o governo sírio insistiu em que os protestos procedem de três fontes diferentes: acadêmicos e intelectuais que exigem reformas democráticas, setores da população que se queixam por dificuldades econômicas e da repressão em regiões particulares do país, e grupos armados que lutam para derrubar o regime.
O presidente sírio reconheceu “erros” na resposta às manifestações, mas garantiu estar comprometido com as reformas, oferecendo como evidência novas leis propostas que buscam levar o país a uma democracia multipartidária em consulta à população. “O governo sírio disse que adotou e continua adotando reformas para ampliar o espaço político”, afirmou Molobi. “Isto será conseguido por meio de várias leis que estão sendo aprovadas, como a multipartidária, a de mídia e outras. Abriu-se um fórum de diálogo nacional, embora sem chamar a atenção do país. O governo gostaria de ver um parlamento eleito que continue o processo de reformas”, acrescentou.
Molobi afirmou que a África do Sul e o ibas condenam a violência “de todas as partes”, mas reconheceu que houve poucos sinais de moderação por parte de Al Assad desde a reunião. No dia 14, o governo estabeleceu um cerco à cidade portuária de Latakia, com tanques e barcos de guerra. “Lamentamos o agravamento da violência e pedimos moderação a todas as partes, já que um conflito geral seria um desastre para todos”, disse Molobi.
O especialista político Zwelethu Jolobe, da Universidade da Cidade do Cabo, disse que a posição do Ibas deve ser vista em parte como uma reação à lenta resposta internacional à crise síria. Para ele, as prévias aproximações de Pretória com Damasco estavam limitadas a acordos bilaterais sobre comércio e educação, assinados nos dois últimos anos, como parte de uma ampla estratégia do presidente sul-africano, Jacob Zuma, no Oriente Médio.
Os cálculos da África do Sul na atual crise, prosseguiu Jolobe, também estão determinados por sua relação com a Autoridade Nacional Palestina. O governante Congresso Nacional Africano da África do Sul tem estreitos vínculos com o partido Fatah, que governa a Cisjordânia, relação que data da luta contra o apartheid (segregação racial institucionalizada pela minoria branca em prejuízo da maioria negra) e se estende até o momento com apoio financeiro e político.
Por sua vez, a Síria é forte aliada do Hamas (Movimento de Resistência Islâmica), ao qual oferece apoio financeiro, militar e político. Além disso, a mesa política do Hamas se reúne em Damasco. “A África do Sul não pode se dar ao luxo de permitir uma implosão do governo de Al Assad, que alteraria um delicado equilíbrio regional com muito em jogo, no qual a África do Sul investiu uma grande quantidade de recursos históricos, emocionais, políticos e financeiros”, explicou Jolobe.
As relações entre Síria e Hamas agora parecem também estar em crise. O movimento islâmico se negou a fazer uma demonstração pública de apoio ao governo sírio, e um bairro palestino de Latakia foi atacado nos últimos dias. O Hamas explora a possibilidade de colocar seus escritórios no Cairo, onde a África do Sul investiu muito esforço cultivando vínculos nos últimos tempos. “A situação na Síria tem diferentes aspectos e a violência é um deles. Esta é cometida tanto pelo governo quanto por grupos não governamentais, com sérios resultados. Aqui não há atalhos, e um adequado processo sírio é a única esperança de trazer a paz, e ninguém de fora pode fazer isso”, destacou Jolobe.
Envolverde/IPS
(IPS)