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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Mundo pós-EUA nasceu em Phnom Penh

20/12/2012 - original de 27/11/2012, Spengler, Asia Times Online
- “Post-US world born in Phnom Penh- por David P. Goldman (Spengler)
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


É sintomático, da condição nacional em que estão os EUA, que a maior humilhação jamais sofrida pelo país como nação, e por um presidente dos EUA pessoalmente, tenha passado praticamente sem qualquer comentário, semana passada.

Refiro-me ao anúncio, dia 20 de novembro, em reunião que acontecia em Phnom Penh, de que 14  nações asiáticas, nas quais vive metade da população do planeta, estão formando uma Parceria Econômica Regional Ampla [orig. Regional Comprehensive Economic Partnership], que exclui os EUA.

O presidente Barack Obama participou da reunião para vender uma Parceria Trans-Pacífico com base nos EUA que excluiria a China. Não vendeu.

A parceria liderada pelos americanos virou festa para a qual nenhum convidado apareceu.

Regional Comprehensive Economic Partnership (mapa)
Diferente disso, a Associação de Nações do Sudeste Asiático [orig. Association of Southeast Asian Nations] “mais” China, Índia, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia, formará um clube que deixa de fora os EUA.

Com 3 bilhões de asiáticos cada dia mais prósperos, desvanece-se o interesse pela contribuição possível de 300 milhões de norte-americanos – especialmente quando os americanos cada vez menos assumem os riscos de novas tecnologias.

Da grande força econômica dos EUA, a saber, de sua capacidade para inovar, existe principalmente a lembrança, com a crise econômica já entrando no quarto ano, desde 2008.

Regional Comprehensive Economic Partnership (países membros)
Questão deixada de lado na campanha eleitoral, a iniciativa da Parceria Trans-Pacífico foi objeto de muita agitação no circuito político. Salon.com exaltava, dia 23/10:

"Esse acordo é parte nuclear do movimento de “pivô” na direção da Ásia e ocupou inúmeros think tanks e políticos em Washington, mas permaneceu encoberto pelo alarido e alvoroço da eleição. Mas mais que qualquer outra política, as tendências que a Parceria Trans-Pacífico representa podem reestruturar as relações exteriores dos EUA e, potencialmente, a própria economia."

De fato, essa visão grandiosa, de mudança de jogo, só mobilizou aquela gente triste, estranha, que agita a política nos intestinos do governo Obama.

A importância relativa dos EUA está sumindo.

Para pôr esses temas em contexto: as exportações dos países asiáticos cresceram mais de 20% a partir do pico de antes da crise econômica de 2008; enquanto as exportações europeias caíram mais de 20%. As exportações norte-americanas cresceram só marginalmente (cerca de 4%) a partir do pico pré-2008.

Prova 1: Exportações da Ásia, Europa e EUA
As exportações da China para a Ásia, por sua vez, cresceram 50% a partir do pico pré-crise; as exportações para os EUA cresceram cerca de 15%. Em US$90 bilhões, as exportações da China para a Ásia são três vezes o que o país exporta para os EUA.

Depois de meses e ousadas (além de completamente erradas) previsões de que a economia chinesa teria pouso turbulento, é hoje evidente que a China não terá pouso algum, nem turbulento, nem não turbulento. O consumo doméstico, como as exportações para a Ásia estão ambos próximos de 20% acima dos níveis do ano passado, compensando a fragilidade de alguns mercados de exportação e do setor de construção. Estagnadas estão, isso sim, as exportações para a moribunda economia dos EUA.

Prova 2: Exportações da China para a Ásia vs EUA
Fonte: Bloomberg
Em 2002, a China importou cinco vezes mais da Ásia do que dos EUA. Hoje, importa 10 vezes mais da Ásia, que dos EUA.

Prova 3: Importações chinesas dos EUA e da Ásia
Fonte: Bloomberg
Seguindo padrões comerciais, as moedas asiáticas começaram a ser negociadas em termos mais próximos do renminbi chinês, que do dólar norte-americano.

Arvind Subramanian e Martin Kessler escreveram, em outubro de 2012, em estudo para o Peterson Institute:

"O crescimento de um país para a dominância econômica tende a ser acompanhado por sua moeda tornar-se um ponto de referência, com outras moedas acompanhando-a, implícita ou explicitamente. Para uma amostra de economias de mercado emergentes, mostramos que, nos últimos dois anos, o renminbi (RMB/yuan) tornou-se crescentemente moeda de referência, o que definimos como aquela que mostra alto grau de comovimento com outras moedas."

"No Leste da Ásia já há um bloco renminbi, porque o renminbi tornou-se moeda dominante de referência, eclipsando o dólar, o que é desenvolvimento histórico. Nessa região, sete moedas, dentre 10, comovimentam-se mais próximas do renminbi do que do dólar, com o valor médio do comovimento com o renminbi sendo 40% maior do que com o dólar. Descobrimos que comovimentos com uma moeda de referência, especialmente para o renmimbi, estão associados com integração comercial."


"Extraímos algumas lições das prospectivas para o bloco do renminbi de mover-se além da Ásia, baseadas numa comparação entre a situação de hoje do bloco renminbi e a do yen japonês no início dos anos 1990s."


"Se o comércio fosse a única força, um bloco renminbi mais global pode emergir em meados dos anos 2030s, mas reformas complementares do setor financeiro e externo podem acelerar consideravelmente o processo."

Tudo isso é bem conhecido e está exaustivamente discutido. A questão é o quê os EUA farão sobre isso, se é que farão alguma coisa.

Onde os EUA têm uma vantagem competitiva?
Além da aviação comercial, equipamento de geração de energia e da agricultura, há algumas poucas áreas de real destaque industrial. O gás natural barato ajuda algumas indústrias de baixo valor agregado, como a de fertilizantes, mas os EUA estão ficando para trás no espaço industrial.


Há quatro anos, quando Francesco Sisci e eu propusemos um acordo monetário sino-americano, como âncora para a integração comercial, os EUA ainda dominavam a indústria de usinas nucleares.

Com a venda do braço de energia nuclear da Westinghouse à Toshiba, e das joint-ventures da Toshiba com a China para construir usinas nucleares locais, aquela vantagem evaporou.

O problema é que os americanos pararam de investir em indústrias de alta tecnologia e alto valor agregado que produzem manufaturas de que a Ásia carece. Os pedidos de bens de capital de manufaturas estão 38% abaixo do pico de 1999, descontada a inflação. E as alocações de capital de risco em manufatura high tech secaram.

Prova 4: Colapso das alocações de capital de risco para indústrias relacionadas às exportações (Março 2003=100)
Fonte: National Venture Capital Association

Prova 5: Pedidos de bens de capital norte-americanos quase 40% abaixo do pico de 1999 em termos reais
Fonte: Bureau of Economic Analysis
Sem inovação e investimento, todos os acordos comerciais que o circuito político em Washington conceba pouco ou nada ajudarão. Nem ajudará, deve-se acrescentar, algum ajuste nas taxas de câmbio.

Difícil imaginar o que o presidente Obama teria em mente ao chegar à Ásia com proposta de uma Parceria Trans-Pacífico desenhada para manter a China ao largo.

O que os EUA têm a oferecer aos asiáticos?

Estão tomando emprestados $600 bilhões por ano, do resto do mundo, para financiar uma dívida estatal de $1,2 trilhões, principalmente do Japão (a China foi vendedora líquida de seguros do Tesouro durante o ano passado).

São tomadores de capital, não provedores de capital.

São grande mercado importador, mas o mercado está diminuindo rapidamente, em importância relativa, enquanto o comércio intra-asiático cresce mais rapidamente que o comércio com os EUA.

E a força dos EUA como inovadores e incubadores de empreendedores diminuiu drasticamente desde a crise de 2008, sem agradecimentos ao governo Obama, que impôs dura tarefa aos que pensem em iniciar um negócio, sob a forma de seu programa de assistência à Saúde.

Países participantes da reunião de Phnon Penh (note local da bandeira dos EUA) Washington pode querer muito “pivotar-se” na direção da Ásia.

Em Phnom Penh, contudo, líderes asiáticos, de fato, convidaram Obama a fazer um pivô de 360 graus e voltar para casa. 

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/12/mundo-pos-eua-nasceu-em-phnom-penh.html

Não deixe de ler:
Os BRICS no FMI e no G-20, de Paulo Nogueira Batista

Nota:
A inserção de algumas imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e inexistem no texto original.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Capitalismo, corrupção e um falso moralismo






Caros leitores, enfastiado desse debate, já encharcado desse falso moralismo que sempre recrudesce quando lhe é conveniente, façamos nossas as palavras que o pessoal da Vila Vudu - já anteriormente corroboradas pelo blog da redecastorphoto - publicou neste sábado [13/10] em torno dos malabarismos do Supremo Tribunal Fedral (STF) que aí está julgando o "mensalão petista", "sobre a tal de 'kurrupção', o besteirol 'antikurrupção' metido a “éticoe leis da Alemanha nazista ressuscitadas em Brasília-2012!".

Verão até que ponto nossa indignação - em tudo semelhante ao do pessoal da Vila - é filha dileta da crença de que corrupção não pode nem deve estar desassociada da ideologia dominante, do sistema sócio-econômico ao qual pertence pois, em última instância, é quem estabelece os conceitos que adotamos e seguimos à risca do 'certo' e do 'errado', do 'honrado' e do 'devasso', do 'ético' e do 'não-ético', do 'artista' e do 'bandido', como nas fantasias de Hollywood. 

Tudo isso porque, na India distante, surgiram denúncias de corrupção envolvendo governo e elites empresariais, em tudo semelhantes as que ocorrem aqui, neste solos tupiniquins, haja vista que, na essência, em nada diferem. 

Isto é apenas o preâmbulo do que foi publicado pelo jornalista Siddharth Srivastava, no jornal indiano Asia Times Online, de Nova Delhi.

Sem mais delongas. [Equipe Educom]


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"Dois assuntos que não nos interessam nem mobilizam: a tal de 'kurrupção' e os correspondentes discursos 'antikurrupção'. A tal de 'kurrupção' é doença do capitalismo, mais aguda no capitalismo senil, igualzinha em todo o mundo e sempre foi.


O capital manda no mundo e criou imprensa e universidade liberais, EXATAMENTE porque o capital corrompe tudo e todos e sempre, a começar pela imprensa e pela universidade liberais.

Falar de 'kurrupção' sem dizer que o capitalismo é essencialmente corruptor e corrompe tudo e todos, é fazer pregação moralista, metida a “ética”, que, no máximo, trocará os nomes dos 'kurruptos' eleitos pela televisão e pela imprensa do capital, e todos continuarão, 'kurruptos e kurruptores' em tempo integral, como sempre são, foram e continuarão a ser, no mundo do capital, se não criticam o mundo do capital.



E é pregação moralista fascistizante, que muito rapidamente vira degola, que tem de violenta e arbitrária, o que tem de “legal”, sempre com alguma teoria de justificação que salva o arbítrio e o autoritarismo e os tornam, além de arbitrários, autoritários e “legais”, também lógicos e “por teoria”. 'Sic transit' a “justiça” do capital.


Se a teoria que justifica o arbítrio e o autoritarismo for europeia, nesse Brasil das ideias fora de lugar, OK. É só mais uma macaqueação ridícula. Mas se a tal teoria for nascida de dentro da Alemanha nazista... santo Deus! Aí é preciso espernear MUITO.

Tome-se, por exemplo, a hoje tão falada no Brasil “Teoria do Domínio do Fato”.

A tal Teoria do Domínio do Fato é ideia que brotou da cabeça de um teórico do Direito, Hans Welzel, em 1939, na Alemanha. Mas pouca diferença faz quem seja o jurista. Nada muda. Não sabemos nada de leis e direito. Mas sabemos um pouco sobre 1939 e a Alemanha.


Em “Documento Histórico – Alemanha 1939 e 1940

[ver: http://blog.nunocosta.eu/2010/02/documento-historico-alemanha-1939-e1940.html] vêem-se várias fotos documentais, históricas, impressionantes, que mostram bem o mundo no qual, exatamente naquele ano, 1939, Hans Welzel publicou o livro em que expõe a “Teoria do Domínio do Fato”. O mundo em que, alguns anos depois, o mesmo Hans Welzel foi reitor de Universidade. 


Ali está o mundo no qual essa teoria prosperou e tornou-se ... teoria citável.

Naquele mesmo ano, 1939, reinava na mesma Alemanha, governante inconteste, rei, imperador, legiferante, juiz e degolador, ninguém menos que Goebbels, o qual, se pode pressupor, várias vezes serviu-se da “Teoria do Domínio do Fato” para seus propósitos.


Porque, se há fato que todos dominam perfeitamente é que, em mundo no qual reine Goebbels, só se difundem e prosperam teorias do Direito que Goebbels aprecie e lhe sirvam adequadamente para aplicar o Direito... à moda Goebbels. 

Pois, em 2012, em Brasília, ainda há juízes que sequer se envergonham de evocar essa teoria à moda Goebbels, do Direito à moda Goebbels, para punir 'kurruptos'.

Não se exigem muitos argumentos: tudo depende de se dominarem fatos democratizatórios.



Ainda que os condenados por essa teoria do Direito à moda Goebbels fossem 'kurruptos' TOTAIS; e ainda que fossem 'kurruptos' TOTAIS como os 'kurruptos' da Tucanaria da Privataria, ainda assim, seria preciso respeitar MUITO mais algum direito democrático e de democratização, do que punir 'kurruptos' com base em teorias do Direito e leis que prosperaram sob o nazismo e que andaram em bocas e raciocínios de “juristas” à Goebbels.

Por isso tudo, não nos interessa nem nos mobiliza nenhuma discussão sobre 'kurruptos e kurrupção' que não diga, no primeiro parágrafo, que o capital é o agente corruptor básico, sempre, em todos os casos, por mais que se dominem fatos e “os tipos” e os data vênia etc. etc. etc. e tal.

O título do artigo que aí vai, adiante traduzido, (Genro da “Primeira Família” na Índia declarou-se “empresário ético”) é nosso - metido aí pra chamar a atenção e mostrar com mais clareza que, irmão gêmeo da 'kurrupção' capitalista, o mesmo besteirol metido a “ético”, moralista (e UDENISTA, no Brasil), nunca deixa de aparecer.


(Aproveitamos para mostrar, também, que o jornalismo, na Índia é muuuuuuuuuuito melhor que o “jornalismo” no Brasil.)

A 'kurrupção' não vive sem o besteirol metido a “ético”. E o besteirol metido a “ético” não sobrevive sem a 'kurrupção' e AMBOS são o ar que o capital e o capitalismo respiram e sem o qual não vivem.


O Ministro José Dirceu e o Deputado José Genoíno, que em 1964 foram condenados por “juristas” e leis da ditadura militar, acabam de ser condenados, em 2012, por juristas e leis pressupostas democráticas, mas que são, ainda, juristas e leis autoritárias.


Nada corrompe mais o Brasil, em 2012, do que aquele tribunal e aqueles juízes.


Vergonha. Vergonha. Vergonha."


O artigo ao qual este preâmbulo se refere, "Genro da 'Primeira Família' na Índia declarou-se 'empresário ético' ", pode ser lido em português aqui.

Leia também:
- O Sonho do Ministro Joaquim Barbosa - Ramatis Jacino

- Sem Domínio, sem Fatos - Paulo Moreira Leite

- A Constituição Ignorada - Dalmo Dallari

- O STF e os Precedentes Perigoos - Mauro Santayana

- Os Principais Pontos do Processo - Claudio José Langroiva Pereira

- Sobre Farsas - Marcos Coimbra

- O Veredicto da História - Mauro Santayana

- Chorar sobre o Leite Derramado - Laerte Braga

- Por que Tentam Ferir Letalmente o PT? - Leonardo Boff

- As “inovações” que geram polêmica no julgamento do “mensalão” - Najla Passos

- Lewandoswki silencia Casa Grande - Miguel do Rosário

segunda-feira, 12 de março de 2012

Síria: até onde o mundo se deixará enganar?

8/3/2012, Alastair Crooke*, Asia Times Online - “Syria: Straining credulity?”
sexta-feira, 9 de março de 2012 - redecastorphoto
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


O secretário-geral da ONU manifestou-se dia 3 de março, para dizer que havia recebido “notícias sombrias” de que as forças do governo sírio estariam executando arbitrariamente, prendendo e torturando pessoas em Homs, depois de terem retomado o controle, no distrito de Baba Amr. Acreditará realmente no que disse?

Uma das bifurcações que definirão o futuro será o conflito entre os senhores da informação e as vítimas da informação”, escreveu o funcionário dos EUA encarregado pelo vice-chefe da inteligência de definir o futuro da guerra, no Quarterly do War College dos EUA, em 1997.
“... porque nós já somos os senhores da guerra de informação

Mas não temam”, escreveu adiante, no mesmo artigo, “porque nós já somos os senhores da guerra de informação (...)" Hollywood está “preparando o campo de batalha” (...) A informação destrói os empregos tradicionais e as culturas tradicionais; ela seduz, trai e, mesmo assim, permanece invulnerável. Como alguém algum dia conseguiria contra-atacar a máquina de guerra da informação, que outros giram, apontam e comandam?” [1]

“... escrevendo os roteiros, produzindo os vídeos e recolhendo os royalties”.

Nossa sofisticação no uso da máquina de guerra da informação nos capacitará a deslocar e superar todas as culturas hierárquicas (...). Sociedades que temem ou não conseguem administrar o fluxo de informação não podem, simplesmente, ser competitivas. Conseguirão dominar as tecnologias para assistir aos vídeos, mas nós estaremos escrevendo os roteiros, produzindo os vídeos e recolhendo os royalties. Nossa criatividade é devastadora.

A guerra de informação não estará contida na geopolítica, o autor sugere, mas será “disseminada” – como qualquer drama de Hollywood – mediante emoções nuas. “Ódio, ciúme e ganância – emoções, mais que estratégias – definirão os termos das lutas na guerra de informação.”

Não só o exército dos EUA, mas ao que parece toda a grande mídia ocidental insiste em que a luta na Síria deva ser narrada em imagens emotivas e declarações moralistas que sempre – como o artigo do War College diz corretamente – triunfam sobre a análise racional.

A Comissão do Conselho de Direitos Humanos da ONU condena o governo sírio por prática de crimes contra a humanidade, mas só considera o que diz a oposição, e sem nada investigar dos “crimes” da oposição: e imediatamente assesta acusações contra o governo sírio, baseando o processo em mera “suspeita razoável”. Será que acreditam no que escreveram, ou dedicam-se só a “redigir o roteiro”? [2]

Já esquecida do que os Marines dos EUA fizeram a Fallujah em 2004 (6.000 mortos e 60% da cidade destruída), quando insurgentes armados também buscavam estabelecer ali um “Emirado” salafista – toda a mídia ocidental em Homs dá voz a gritos indignados de “algo tem de ser feito” para salvar o povo de Homs de “um massacre”. A questão de a que finalidade exatamente aquele “algo” – seja intervenção militar ou entregar armamento pesado aos insurgentes – deveria servir, e a que consequências pode levar, desaparece completamente de vista. Os que cometam a temeridade de se interpor no caminho dessa “narrativa”, argumentando que qualquer intervenção externa será desastrosa, são imediata e completamente condenados como cúmplices dos crimes do presidente Assad contra a humanidade.

O mau jornalismo do “falamos diretamente da Síria
Essa escola de jornalismo – o Guardian e Channel Four são bons exemplos dessa reportagem em tons de “falamos diretamente do local” – que dá ênfase ao repórter como participante e, de fato, também como co-sofredor entre os atacados, dos indizíveis sofrimentos emocionais da guerra, usa imagens emocionais precisamente para sublinhar aquele mesmo “algo tem de ser feito imediatamente, na Síria”.

Ao reproduzir imagens de corpos mutilados e mulheres em prantos, todos dizem e determinam que o conflito tem de ser visto como evento moralmente simplíssimo – um caso de agressores e vítimas.

De Baba Amr. Revoltante. Não posso entender como o mundo suporta isso. Vi um bebê morrer hoje. Estilhaços: os médicos nada puderam fazer. O peitinho subia e descia, até que parou. Senti-me impotente.” [3]

Os que argumentam que qualquer interferência ocidental só exacerbará a crise, são confrontados com a irrespondível evidência de bebês mortos – literalmente. Como o artigo do War College diz tão claramente: como alguém conseguiria contra-argumentar nesse tipo de “guerra de informação” desfechada contra o governo sírio, que está no polo receptor dos que “escrevem os roteiros, produzem os vídeos e recolhem os royalties”?

Eu também vi cenas terríveis no Afeganistão nos anos 1980s: claro que criam um abismo emocional pelo qual o espectador desarmado desliza; mas será que esses jornalistas e repórteres convertidos em ‘cruzados’ sabem que os inocentes e as crianças nem sempre são as únicas vítimas dos conflitos? Será que acreditam mesmo que o próprio sofrimento pessoal dos jornalistas e repórteres é tão essencialmente “correto”, “perfeito”, “ético”, que justificaria condenar ao silêncio, não comentar, fingir que não há todas as complexidades e todas as outras possibilidades e interpretações? Mas... como, afinal, mais guerra poderia, algum dia, ser resposta à terrível morte de uma criança?

Esse ardor emocional reducionista do jornalismo não passa de forma clandestina de propaganda – que em nada difere de “guerreiros” da informação como AVAAZ, que ajudam a escrever e produzir muitos desses vídeos da infoguerra. [4]

Apesar de ninguém endossar abertamente esse “jornalismo de imersão”, não parece haver dúvidas de que essa abordagem triunfou em inúmeras redações de jornais e televisões. E a coisa parece ainda pior que isso: cada dia mais se veem diplomatas ocidentais agindo como se fossem “ativistas” e participantes de lutas internas nos estados aos quais são mandados e dos quais fala o tal “jornalismo de imersão”. Mas... que tipo de informação, afinal, estão construindo, para começar, para seus próprios governos?

Sabe-se que a oposição armada, que levou a Homs os jornalistas ocidentais – e depois insistiu em evacuá-los pela rota mais perigosa, via o Líbano, em vez de aceitar os serviços do Crescente Vermelho, decisão que custou muitas vidas – foi motivada por interesses políticos. Mas e os jornalistas?

Os jornalistas terão sido motivados pelos mesmos interesses, e divulgaram e repetiram os mesmos argumentos, sem saber, sem sequer suspeitar, que os tais corredores humanitários a serem abertos até Homs, impostos do exterior, não passariam jamais de pretextos para a intervenção? Em outras palavras, os jornalistas não sabem?!

Será possível que os jornalistas sequer suspeitem de que são atores, são partícipes, em outras palavras, são cúmplices, da construção de uma encenação, a favor de certo tipo de intervenção externa? Alguma solução à Kosovo fará melhorar alguma coisa na Síria?

O que mais chamou a atenção em toda essa operação é que, além de essa “guerra de informação” já ter tido o efeito provável de demonizar para sempre aos olhos do ocidente o presidente Assad, teve também o efeito de “desancorar” de lá a política externa dos EUA e da União Europeia. Tudo na Síria parece passar-se como se EUA e UE não tivessem qualquer interesse na Síria. Como se estivessem absolutamente distanciadas de qualquer real conflito geoestratégico naquele país.

O que, por sua vez, levou a uma situação na qual os líderes europeus e norte-americanos passaram a comportar-se como se estivessem sendo “convencidos” – por aquele “jornalismo” lá “imerso”, que só fazia “revelar” números crescentes de mortos, dia a dia – quase como se estivessem sendo praticamente “obrigados”, a “fazer alguma coisa”. Como se estivessem reagindo exclusivamente porque pressionados pelas “notícias”, ante a necessidade de reagir àquelas explosões emocionais que se repetiam incansavelmente pela imprensa contra o presidente Assad e suas “mãos sujas de sangue”.

Na Síria, o ocidente já virou refém de sua própria guerra de (des)informação
Por tudo isso, em certo sentido, o ocidente acabou por ficar refém de sua própria guerra de (des)informação: o ocidente fechou-se, ele mesmo, numa compreensão simplória, preso a um significado “único”: uma espécie de meme simplificado de vítima-e-agressor, para o qual a única saída possível seria derrubar o agressor.

A Europa, por essa via, acabou por afastar-se completamente de todas as demais opções –, precisamente porque o tema ‘humanitário’, que muitos supuseram que bastaria para facilmente derrubar Assad, impede hoje que se analisem quaisquer outras vias, dentre as quais, por exemplo (e jamais antes sequer considerada!), uma saída negociada para o impasse.

Mas quem, afinal, algum dia realmente acreditou que os objetivos de EUA e europeus na Síria fossem puramente humanitários?
Estaremos ante a estranha (e perigosa) situação – dado o rumo que vão tomando os eventos no Oriente Médio – de já ser quase impossível (ou, de talvez, já ser completamente impossível, porque seria insuperavelmente ridículo!), para o ocidente, admitir agora, de repente, abertamente... que a guerra de informação que o próprio criou jamais teve coisa alguma a ver com reformar ou democratizar a Síria?! Que tudo sempre visou exclusivamente à “mudança de regime” na Síria, e que esse objetivo já estava decidido desde antes de o primeiro protesto irromper em Dera'a?

Em recente entrevista a Jeffrey Goldberg da revista Atlantic, [5] que o presidente Obama concedeu antes do discurso que faria na reunião anual do AIPAC, Obama foi perguntado, dentre outras questões, sobre a Síria. Sua resposta foi muito clara:


GOLDBERG: O senhor pode falar sobre a Síria como questão estratégica? A questão humanitária, OK, também existe. Mas me parece que um modo para isolar e enfraquecer ainda mais o Irã é remover Assad, que é o único aliado árabe que restou ao Irã.

PRESIDENTE OBAMA: Trata-se disso, precisamente.

Será que algum dos militantes do intervencionismo ocidental e dos seus jornalistas propagandistas realmente acreditam que o massacre que o ocidente impôs à Síria seria efeito de luta por democracia e reformas? Se algum dia acreditaram nisso, podem esquecer. Obama já disse, claramente: na Síria, “trata-se precisamente” do Irã.

E, com Europa e EUA cada vez mais postos como coadjuvantes de um frenesi de que foram tomados os qataris e sauditas, para derrubar a qualquer preço outro líder árabe, será que esses jornalistas e repórteres acreditam que aquelas duas monarquias absolutas realmente partilham dos desejos do jornal Guardian ou da rede Channel Four [6] , que acalentam as mais humanitárias aspirações para o futuro da Síria?

É acreditável que jornalistas e repórteres realmente creiam que os insurgentes e mercenários que os estados do Golfo estão financiando e armando seriam, realmente, bons, pacíficos e bem-intencionados reformadores, arrastados para a violência pela intransigência de Assad? É possível que um ou outro realmente acredite nessa fantasia. Mas quantos, ao “noticiar” aquelas “notícias” como as “noticiam”, só fazem, de fato, ativamente, minar cada vez mais o mesmo campo de batalha que, há tempos, estão preparando?

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Notas dos tradutores
[1] Constant Conflict, “Parameters”, Summer 1997, pp. 4-14. (http://www.carlisle.army.mil/usawc/parameters/Articles/97summer/peters.htm)

[2] The United Nations Accuses Síria of “Crimes against Humanity”. (http://www.informationclearinghouse.info/article30714.htm)

[3] 27/2/2012, “The danger of reporters becoming ‘crusaders’” [O drama dos repórteres convertidos em “cruzados”]. (http://www.spiked-online.com/index.php/site/printable/12159/)

[4] 3/3/2012, ver “How AVAAZ Is Sponsoring Fake War Propaganda From Síria” [Como AVAAZ está patrocinando guerra de falsa propaganda contra a Síria]. (http://www.moonofalabama.org/)

[5] 2 /3/2012, The Atlantic em: “Obama to Iran and Israel: 'As President of the United States, I Don't Bluff'” [Obama a Irã e Israel: ‘Como presidente dos EUA, não blefo’”], (http://www.theatlantic.com/international/archive/2012/03/obama-to-iran-and-israel-as-president-of-the-united-states-i-dont-bluff/253875/)

[6] 5/3/2012, em: “Syria’s inconvenient thruth” (http://blogs.channel4.com/snowblog/syrias-inconvenient-truth/17322)


* Alastair Crooke é fundador e diretor do Conflicts Forum. Foi conselheiro do ex-ministro de Relações Exteriores da União Europeia, Javier Solana, de 1997-2003.