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quarta-feira, 22 de maio de 2013

Delegado da PF responderá a inquérito por apreender equipamentos de jornalista



Durante ação de desocupação de indígenas Terena, delegado Alcídio de Souza Araújo apreende computador e gravador de jornalista. Entidades de classe repudiam ação

Por Daniel Santini e Verena Glass | Repórter Brasil
 
O delegado Alcídio de Souza Araújo, da Superintendência da Polícia Federal de Mato Grosso do Sul, responderá a inquérito interno pela apreensão irregular de equipamentos do jornalista Ruy Sposati no sábado, dia 18, durante ação de desocupação de indígenas Terena em uma fazenda em Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul. Sem apresentar ordem judicial ou dar explicações, o policial determinou a apreensão de um computador, um gravador e lentes para câmara fotográfica, todos retirados da mochila do profissional. O jornalista fazia a cobertura para a página do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização que acompanha questões indígenas.

A Repórter Brasil tentou ouvir o delegado, mas ele informou que não poderia dar entrevistas sem autorização do superintendente Edgar Paulo Marcon.  O superintendente, por sua vez, por meio da assessoria de imprensa, informou que ele responde a inquérito sobre o caso e não está autorizado a se pronunciar enquanto não apresentar relatório justificando o procedimento.

A apreensão foi registrada em vídeo: veja no link,  final do texto


Além de responder a inquérito na Polícia Federal, o delegado pode ter problemas em outras esferas. De acordo com o advogado do Cimi, Adelar Cupsinski, a entidade está entrando com representações contra Araújo no Ministério da Justiça, no Ministério Publico Federal (MPF) e na Ouvidoria da Polícia Federal. “As representações são por abuso de autoridade, uma vez que o delegado não tinha ordem de busca e apreensão e feriu explicitamente o direito constitucional do exercício de profissão do jornalista Ruy. Mas também estamos pedindo a abertura de investigações criminais, uma vez que a retenção ilegal do equipamento do repórter pode configurar vários outros crimes previstos no código penal. Num segundo momento, entraremos também com um processo por danos morais e materiais”, afirma Cupsinski. Clique aqui para ler a representação do Cimi.

No MPF, quem acompanha a questão envolvendo os Terena é o procurador Emerson Kalif Siqueira. A reportagem tentou contato nesta segunda-feira, 20, sem sucesso.

Direito à informação
A apreensão de equipamentos do jornalista também provocou reações entre organizações que defendem o trabalho da imprensa. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul acompanham a questão. O presidente da Fenaj, Celso Schröder, vê com preocupação ações contra jornalistas não só no Estado, mas em todo o país.

“Pessoas incomodadas com atividade jornalística movem-se no sentido de inibi-la, impedi-la. Essas ações têm elementos cerceadores e acontecem em vários níveis no Estado Brasileiro. No Judiciário, jornalistas enfrentam ações para tirar blogs do ar sem praticamente nenhuma possibilidade de defesa. No Executivo, há ações de agentes de estado como polícias federais e policiais militares. Em alguns casos existe uma incompreensão, uma confusão; em outros há má fé. É uma vertente com viés autoritário”, afirma.

“A ideia de impedir que a informação circule a partir de uma ação de autoridade é perigosa e precisamos reagir a isso. No Brasil está aumentando o número de morte e violência contra jornalistas. E, enquanto em outros países a violência está relacionada à cobertura de guerra ou policial, no Brasil ela aparece na área política. Quando o trabalho do jornalista é considerado impertinente, a autoridade o inibe. Isso é uma ameaça ao Estado de Direito. Se olharmos países como México, Colômbia e Honduras, estados paralelos se estabeleceram a partir da impressão que a imprensa precisava ser calada, que aquilo que se produzia não era do interesse de determinados setores”, completa, para finalizar:

“Não combatemos mau jornalismo com não jornalismo. Bom jornalismo é aquele livre. Tem que ser regrado, submetido a princípios republicanos, legais, porque ninguém está acima da lei, mas em que os jornalistas tenham liberdade para trabalhar”.

Entenda o caso

A operação em que o jornalista teve equipamentos apreendidos aconteceu na Fazenda Buriti, em Sidrolândia (MS), a cerca de 70 km de Campo Grande (MS). Conforme determinação judicial,  600 famílias Terena devem ser retiradas do local. Além da Polícia Federal, também foram destacadas para ação a Tropa de Choque da Companhia Independente de Gerenciamento de Crises (Cigcoe) e a Polícia Rodoviária Militar

Os indígenas alegam que a área faz parte da Terra Indígena Buriti, declarada em 2010 como de ocupação tradicional pelo Ministério da Justiça. Em nota sobre a reintegração em si, a assessoria de imprensa da Polícia Federal reitera a necessidade de cumprir a determinação judicial, e alega que o Cimi prejudicou as negociações. “As diversas reuniões ocorridas com lideranças indígenas em busca da solução pacífica da crise não chegaram ao resultado esperado, especialmente em razão da presença de indivíduos estranhos  à comunidade indígena, que se apresentaram como sendo representantes do CIMI e da COPAI/OAB/MS [Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil / Mato Grosso do Sul], apontados pelos próprios indígenas como os motivadores do agravamento da ocupação e os estimuladores da desobediência à ordem judicial vigente”, diz o texto. Leia na íntegra.

Não é a primeira vez que o delegado Alcídio comanda uma operação contra indígenas Terena. Em 2010, em Miranda (MS), ele esteve à frente da negociação frustrada de desocupação, que resultou em uma ação violenta com uso de bombas de efeito moral e disparo de balas de borracha. O episódio também foi registrado em vídeo, confira:

Fonte: Repórter Brasil. Veja os vídeos no link.

http://reporterbrasil.org.br/2013/05/delegado-da-pf-respondera-a-inquerito-por-apreender-equipamentos-de-jornalista/

Leia também: http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/05/governo-contra-os-indios.html:

terça-feira, 21 de maio de 2013

Governo contra os índios

Dalmo de Abreu Dallari*

Uma vez mais – e agora com a colaboração ativa de setores do governo federal – está em curso uma tentativa de negar cumprimento às determinações constitucionais de reconhecimento e proteção dos direitos das comunidades indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, para entregar essas terras aos investidores do agronegócio. O dado novo é que a iniciativa ostensiva da nova investida contra os direitos indígenas vem da cúpula do governo federal, que é justamente o principal responsável pela defesa desses direitos, por expressa e muito clara determinação constitucional. É oportuno lembrar que a última tentativa de retirada da proteção desses direitos foi feita por meio de uma proposta de emenda constitucional, a PEC 215, de autoria de um deputado do estado de Roraima, que, absurdamente, pretendia transferir para o Legislativo a tarefa, essencialmente administrativa, de demarcação das áreas indígenas. Essa tentativa não prosperou, por sua evidente inconstitucionalidade e pelo reconhecimento da absoluta impossibilidade prática de incumbir o Legislativo de realizar tarefas para cuja execução ele não tem qualquer preparo nem as mínimas condições práticas.  A denúncia desse absurdo criou um obstáculo para o avanço daquela proposta.

Agora a investida dos interesses do agronegócio sobre as terras indígenas vem, surpreendentemente, da cúpula do Poder Executivo federal. Quem aparece como propositora de um novo tratamento da questão da identificação e demarcação das terras indígenas pelo governo federal é a ministra-chefe da Casa Civil, Gleise Hoffmann, que não tem a mínima familiaridade com o assunto, jamais tendo participado de qualquer atividade com ele relacionado. É também oportuno e necessário lembrar que já existe, na estrutura do governo federal um órgão especializado nas questões indígenas, que é a Funai (Fundação Nacional do Índio), criada pela Lei federal nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, em substituição ao antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que existia desde 1910. Por seu objetivo específico a Funai vem acumulando conhecimentos e experiências no trato das questões indígenas. O que tem sido denunciado há vários anos, sem qualquer efeito prático, é que, certamente por influência de poderosos interesses econômicos e, em decorrência, de poderes políticos, a Funai não tem recebido o apoio necessário para o melhor desempenho de suas tarefas, entre as quais se inclui a demarcação das áreas indígenas, intensamente cobiçadas por investidores do setor agrícola.

É pública e notória a interferência do agronegócio nessa área, já tendo sido objeto de informações pormenorizadas e de muitos comentários a atuação da senadora Kátia Abreu, cuja família é ocupante de grandes áreas rurais no estado de Tocantins e que acumula, ilegalmente, o desempenho do mandato de senadora com o exercício da presidência da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, dando indisfarçável preferência aos interesses dessa área quando eles se opõem aos interesses de todo o povo brasileiro, como ficou evidente na discussão da alteração do Código Florestal, ou a interesses de setores sociais especialmente protegidos pela Constituição, como é o caso das comunidades indígenas. Inúmeras vezes tem sido alegada a insuficiência dos meios de que dispõe a Funai para o cumprimento, pelo governo federal, da obrigação constitucional de demarcação das terras indígenas, estabelecida no artigo 231 da Constituição de 1988. O que se tem deixado muito evidente é que há anos não são dados à Funai os recursos de que ela necessita, ficando muito claro o propósito de utilizar a inoperância da Funai como pretexto para transferir a outros setores do governo (ou de fora do governo, como se viu pela PEC 215) a tarefa de reconhecimento e demarcação das áreas indígenas, com o indisfarçável objetivo de redução substancial da extensão dessas áreas.

Pela proposta agora encampada pela ministra-chefe da Casa Civil, no processo de identificação e demarcação das terras indígenas deverão ser considerados, com especial atenção, dados do Ministério da Agricultura e do Ministério das Cidades, parecendo haver a intenção de colocar em plano secundário a Funai, que se limitaria a fornecer laudos antropológicos. Um ponto que causou estranheza foi o deslocamento do assunto da área do Ministério da Justiça, ao qual a Funai está vinculada, para a Casa Civil. Nada impede que outros órgãos do governo federal sejam consultados e forneçam informações à Funai, mas esta, por sua natureza, por sua organização e pela experiência acumulada, é que deve ter a principal responsabilidade no cumprimento do encargo de dar efetividade a essa obrigação constitucional do governo da República. Espera-se que o ministro da Justiça tome conhecimento das intenções da Casa Civil e que use sua influência para que a Funai receba mais recursos e, com a colaboração de outros setores do governo, acelere o processo de demarcação das áreas indígenas.

*Dalmo de Abreu Dallari é jurista. - dallari@noos.fr
Fonte: Jornal do Brasil online
http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2013/05/10/governo-contra-os-indios/

Leia também :
http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/2013/05/comeca-o-forum-permanente-da-onu-sobre-questoes-indigenas/

Veja o vídeo da violência do Estado... 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

ABRIL INDÍGENA: DECLARAÇÃO DA MOBILIZAÇÃO INDÍGENA NACIONAL EM DEFESA DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS


APIB/Cimi

Nós, mais de 600 representantes de 73 povos e várias organizações indígenas de todas as regiões do Brasil, reunidos em Brasília –DF, no período de 15 a 19 de abril de 2013, considerando o grave quadro de ameaças de regressão a que estão submetidos os nossos direitos assegurados pela Constituição Federal e tratados internacionais como a Convenção 169 de Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, nos declaramos mobilizados em defesa desses direitos, principalmente o direito sagrado às nossas terras, territórios tradicionais e bens naturais, tratados hoje como objetos de cobiça, produtos de mercado e recursos a serem apropriados a qualquer custo pelo modelo neodesenvolvimentista priorizado pelo atual governo e as forças do capital que tomaram por assalto o Estado, com as quais pactua governabilidade para a continuidade de seu projeto político.

Esse modelo agroextrativista exportador é altamente dependente da exploração e exportação de matérias-primas, em especial de commodities agrícolas e minerais. Para viabilizar o modelo, o governo busca implementar, a qualquer custo, as obras de infra-estrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão. Isso supõe e potencializa sobremaneira a disputa pelo controle do território no país, e explica o fato de os setores político-econômicos, representantes do agronegócio, das mineradoras, das grandes empreiteiras e do próprio governo se articularem para avançar, com o intuito de se apropriar e explorar os territórios indígenas, dos quilombolas, dos camponeses, das comunidades tradicionais e  das áreas de proteção ambiental.

Objetivos do ataque aos direitos territoriais indígenas

A ofensiva contra os territórios indígenas por parte dos poderosos tem os seguintes objetivos:

1) inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que continuam usurpadas, na posse de não índios;
2) reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados;
3) invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos nossos povos.

Instrumentos utilizados para reverter os direitos territoriais dos povos indígenas

Para atingir os objetivos de ocupar e explorar os territórios indígenas, esses poderes econômicos e políticos aliados com setores do governo e da base parlamentar recorrem a instrumentos político-administrativos, jurídicos, judiciais e legislativos, conforme identificamos abaixo.

Objetivo 01 - inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que continuam usurpadas, na posse de não índios.

1) Proposta de Emenda Constitucional 215/00 (PEC 215): de autoria do deputado federal Almir Sá (PPB/RR), cuja admissibilidade foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados em março de 2012. O relator, deputado federal Osmar Serraglio (PMDB/PR), então vice-líder do governo na Câmara, apensou a esta matéria outras 11 PECs que tramitavam na referida Comissão. Com isso, a PEC 215/00, sendo aprovada, alterará os artigos 49, 225 e 231 da CF transferindo a competência das demarcações do Executivo para o Legislativo nacional e, em última instância, determinará: a) que toda e qualquer demarcação de terra indígena ainda não concluída deverá ser submetida à aprovação do Congresso Nacional; b) que as áreas predominantemente ocupadas por pequenas propriedades rurais que sejam exploradas em regime de economia familiar não serão demarcadas como terras tradicionalmente ocupadas por povo indígena; c) que as Assembléias Legislativas sejam obrigatoriamente consultadas em casos de demarcação de terras indígenas em seus respectivos estados; d) que a demarcação de terras indígenas, expedição de títulos das terras pertencentes a quilombolas e definição de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público sejam regulamentados por uma lei e não mais por um decreto como ocorre atualmente; e) que será autorizada a permuta de terras indígenas em processo de demarcação litigiosa, ad referendum do Congresso Nacional.

Lamentavelmente, ás vésperas das comemorações do Dia do Índio, o presidente da Câmara, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), autorizou a criação de Comissão Especial Temporária que deverá analisar esta maléfica PEC.

2) Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 038/99: de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PMDB/RR), que aguarda inclusão na ordem do dia para ser votada pelo plenário do Senado. Caso seja aprovada, conforme o voto em separado do senador Romero Jucá (PMDB/RR), alterará os artigos 52, 225 e 231 da Constituição Federal (CF) estabelecendo competência privativa do Senado Federal para aprovar processo sobre demarcação de terras indígenas.

3) Portaria 2498, de autoria do Poder Executivo. Publicada no dia 31 de outubro de 2011, pelo Ministério da Justiça, determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas. Esta portaria tem como pano de fundo uma interpretação equivocada, por parte do Executivo, de Condicionante estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Petição 3388, única e exclusivamente relativa ao caso da Terra Raposa Serra do Sol, cujo julgamento ainda não transitou em julgado.

4) Visível inoperância nas demarcações de terras indígenas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) “não tem autorização”, ou seja, está proibida pela Presidência da República, de criar novos Grupos de Trabalho para estudos de identificação e delimitação de terras, o que revela uma situação de subserviência do governo brasileiro às demandas do agronegócio cujos representantes vêm pedindo, em audiências com Ministros de Estado, uma moratória nas demarcações sob o pretexto de se aguardar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Petição 3388.

5) Judicialização das demarcações, articulada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e pelos sindicatos a ela filiados. A medida incentiva os não-indígenas invasores de terras indígenas a questionarem judicialmente todo e qualquer procedimento administrativo que visa o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas. A demora no julgamento desses processos por parte do judiciário vem resultando em atrasos ainda maiores nas demarcações das terras indígenas.

Objetivo 02: reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados.

1) Portaria 303: de iniciativa do poder Executivo, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), publicada no dia 17 de julho de 2012. Esta Portaria manifesta uma interpretação extremamente abrangente, geográfica e temporal quanto às condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3388), estendendo a aplicação delas a todas as terras indígenas do país e retroagindo sua aplicabilidade. A portaria determina que os procedimentos já “finalizados” sejam “revistos e adequados” aos seus termos.

Além disso, determina que sejam “revistos” os procedimentos de demarcação em curso e impõe limites severos aos direitos de usufruto exclusivo dos povos sobre suas terras, previsto na Constituição Federal, e à aplicação da consulta prévia, livre e informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A aplicação da Portaria 303/12 está suspensa, mas prevista para entrar em vigor no dia seguinte à publicação do acórdão do julgamento dos Embargos de Declaração da Petição 3388 pelo STF. Uma eventual decisão do STF que corrobore os termos estabelecidos pela Portaria, ampliaria profundamente a instabilidade jurídica e política vivida pelos povos indígenas e, na prática, significaria a conflagração de conflitos fundiários ainda mais graves envolvendo a posse das terras indígenas, inclusive a reabertura de conflitos anteriormente superados.

Objetivo 03: invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos povos indígenas.

1. Decreto nº 7.957, de autoria do Poder Executivo, publicado no dia 13 de março de 2013. Cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004. Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.

2. Portaria Interministerial 419/11, de autoria do Poder Executivo. Publicada em 28 de outubro de 2011, regulamenta a atuação de órgãos e entidades da administração pública com o objetivo de agilizar os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas. Neste sentido: a) concede prazo irrisório de 15 dias para que a Funai se manifeste em relação a determinada obra que atinge terra indígena no país; b) determina que o governo só irá considerar como Terra Indígena atingida por uma determinada obra de infra-estrutura aquela que tiver seus limites estabelecidos pela Funai, ou seja, cujo Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação tenha sido publicado nos Diários Oficiais da União e do respectivo estado federado. Este último ponto é especialmente danoso aos povos indígenas - reconhecidamente inconstitucional -, uma vez que desconsidera o fato de que o procedimento administrativo de demarcação de terra indígena é ato apenas declaratório do direito dos indígenas sobre suas terras tradicionais. Com a portaria 419, para efeito de estudo de impactos causados pelos empreendimentos, o governo desconsidera a existência de aproximadamente 370 terras indígenas ainda não identificadas e delimitadas no Brasil.

3. Projeto de Lei (PL) 1610/96, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB/RR). O Projeto dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os arts. 176 e 231 da Constituição Federal. Em fase final de tramitação, aguarda parecer da Comissão Especial. Relatório preliminar divulgado, no segundo semestre de 2012 pelo deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR), é extremamente maléfico aos interesses dos povos indígenas. Caso a lei seja aprovada na forma do relatório em questão, dentre muitos outros aspectos problemáticos, destacamos: a) Não será admitido o direito de veto dos povos. Com isso, o direito de consulta prévia, livre e informada será transformado em mero ato formal, denominado “consulta pública”. A vontade dos povos não terá qualquer influência sobre a continuidade do processo de exploração mineral na própria terra. Nesse caso, inclusive, recupera o princípio da tutela, abominado pela Constituição, ao definir que uma comissão formada por não-índios decidirá sobre o que é melhor para os povos indígenas; b) Nenhuma salvaguarda constitucional é explicitada. Com isso, a exploração mineral poderá ocorrer em todo e qualquer espaço no interior da terra indígena. Não há qualquer referência que proíba a lavra de recursos minerais incidentes sob monumentos e locais históricos, culturais, religiosos, sagrados, de caça, de coleta, de pesca ou mesmo de moradia dos povos. Isso, como é evidente, oferece risco incalculável à sobrevivência física e cultural dos povos.

4. Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 237/13: de autoria do deputado Nelson Padovani (PSC/PR), busca alterar o art. 176 da Constituição, permitindo a posse de terras indígenas por produtores rurais. A PEC 237/13 acrescenta parágrafo à Constituição para determinar que a pesquisa, o cultivo e a produção agropecuária nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios poderão ocorrer por concessão da União, ao agronegócio. Aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.

5. Projeto de Lei (PL) 195/11: de autoria da Deputada Rebecca Garcia (PP/AM), prevê a instituição de sistema nacional de redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD+). Em flagrante desrespeito ao princípio constitucional que prevê usufruto exclusivo das terras pelos próprios povos indígenas, o PL elege, dentre outras, as terras indígenas como objeto de projetos de REDD+. Aguarda constituição de Comissão Temporária Especial na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

6. Substituição do Direito pela Compensação/Mitigação: a omissão do governo brasileiro na efetivação de políticas públicas, tais como de saúde e educação, dentre outras, vem influenciando dezenas de povos a aceitarem projetos de exploração de seus territórios como forma de obter compensações/mitigações para responder as demandas criadas pelo abandono do Estado.

Diante deste grave quadro de violações aos nossos direitos, principalmente territoriais, declaramos de uma só voz:

1. Repudiamos toda essa série de instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e legislativos, que busca destruir e acabar com os nossos direitos conquistados com muita luta e sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças dos nossos povos, durante o período da constituinte.

2. Não admitiremos retrocessos na garantia dos nossos direitos, sobretudo se considerarmos que o passivo de terras a demarcar é ainda imenso. Das 1046 terras indígenas, 363 estão regularizadas; 335 terras estão em alguma fase do procedimento de demarcação e 348 são reivindicadas por povos indígenas no Brasil, mas até o momento a Funai não tomou providências a fim de dar início aos procedimentos de demarcação.

3. Exigimos do Poder executivo a revogação de todas as Portarias e Decretos que ameaçam os nossos direitos originários e a integridade dos nossos territórios, a vida e cultura dos nossos povos e comunidades. Do Legislativo, reivindicamos que o Presidente da Câmara dos Deputados, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), anule a decisão de constituir a Comissão Especial da PEC 215, que afronta a autonomia dos poderes e submete o nosso destino à vontade dos poderes econômicos que hoje dominam o Congresso Nacional. Exigimos ainda o arquivamento de quaisquer outras iniciativas que busquem legalizar a violência contra os nossos povos e a usurpação dos nossos territórios e bens fornecidos pela Natureza, como a PEC 237/13 e o PL 1610/96. Do Judiciário, reivindicamos agilidade no julgamento de casos que retardam a demarcação das nossas terras, submetendo os nossos povos e comunidades a situações de insegurança jurídica e social.

4. Reivindicamos do Governo brasileiro políticas públicas efetivas e de qualidade, dignas dos nossos povos que desde tempos imemoriais exercem papel estratégico na proteção da Mãe Natureza, na contenção do desmatamento, na preservação das florestas e da biodiversidade, e outras tantas riquezas que abrigam os territórios indígenas. Não admitimos que os nossos direitos sejam “atendidos” por meio de compensações decorrentes da exploração dos nossos territórios, pois estas medidas têm caráter efêmero e perduram tão somente enquanto perdurar a exploração.

5. Reivindicamos ainda do Governo, o cumprimento dos acordos e compromissos assumidos em distintas instâncias e processos de diálogo com o movimento indígena, tal como a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), onde foram trabalhados o Projeto de Lei 3571/08, que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista e as Propostas para a elaboração de um novo Estatuto dos Povos Indígenas, que não contaram com o envolvimento da bancada governamental para sua devida tramitação e aprovação.

6. Reafirmamos, por tudo isso, a nossa determinação de fortalecer as nossas lutas, continuarmos vigilantes e dispostos a partir para o enfrentamento político, arriscando inclusive as nossas vidas, em defesa dos nossos territórios e da mãe natureza e pelo bem das nossas atuais e futuras gerações.

7. Chamamos, por fim, aos nossos parentes, povos e organizações, e aliados de todas as partes para que juntos evitemos que a extinção programada dos nossos povos aconteça.

Brasília-DF, 16 de abril de 2013.

Fonte da notícia:  Cimi nacional  (APIB/Cimi)

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Bancada ruralista pressiona para tirar poderes da Funai


 Agência Brasil



Brasília – Deputados da bancada ruralista prometem apertar o cerco contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a atribuição do órgão de auxiliar na demarcação de terras indígenas no Brasil. Entre as estratégias para pressionar o governo por mudanças, integrantes da Frente Parlamentar da Agricultura dizem já ter assinaturas suficientes - mais de 180 - para protocolar um pedido de criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a Funai, mas ainda não há definição sobre quando isso será feito.

Na semana passada o grupo contabilizou duas vitórias. Na primeira, conseguiu convocar a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para prestar esclarecimentos na Comissão de Agricultura da Casa sobre as questões indígenas. A data da ida da ministra ao Congresso deve ser definida ainda esta semana pelo presidente comissão, deputado Giacobo (PR-PR).

Os ruralistas conseguiram ainda, na última quarta-feira (10), o apoio que faltava para a criação de uma comissão especial para apreciar e dar parecer à Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/2000) que inclui, nas competências exclusivas do Congresso Nacional, a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a titulação de terras quilombolas, a criação de unidades de conservação ambiental e a ratificação das demarcações de terras indígenas já homologadas, estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei. A comissão foi criada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), em retribuição ao apoio que recebeu dos ruralistas para comandar a Casa.

“Nós estamos criando uma série de injustiças para aqueles que são proprietários de terras, independentemente do tamanho. O que nos preocupa é a falta de critérios e de uma condição de defesa dentro dos processos de homologação conduzidos pelos antropólogos [da Funai]”, diz o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) que integra a Frente Parlamentar da Agricultura.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reagiu à criação da comissão. Em nota divulgada no site, o Cimi repudiou a decisão. “O ato do presidente da Câmara constitui-se em um atentado à memória dos deputados constituintes, ataca de forma vil e covarde os direitos que os povos indígenas conquistaram a custo de muito sangue e atende os interesses privados de uma minoria latifundiária historicamente privilegiada em nosso país”, diz o documento.

Procurada pela Agência Brasil, a Funai enviou nota classificando a PEC 215/00 como um retrocesso e uma ação contrária à efetivação dos direitos territoriais dos povos indígenas.

“A Funai acredita que tal medida, ao invés de contribuir para a redução dos conflitos fundiários decorrentes dos processos de demarcação de terras indígenas, ocasionará maior tensionamento nas relações entre particulares e povos indígenas, diante das inseguranças jurídicas e indefinições territoriais que irá acarretar”, alerta o documento.

Entre as preocupações da Funai está o fato de a PEC prever a criação de mais uma instância no procedimento administrativo de regularização fundiária de terras indígenas. “Isso tornará mais complexo e moroso o processo de reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas - se não significar sua  paralisia -, com graves consequências para a efetivação dos demais diretos destes povos, como, por exemplo, garantia de políticas de saúde e educação diferenciadas, promoção da cidadania e da sustentabilidade econômica, proteção aos recursos naturais, entre outros.”

Esta semana a bancada ruralista na Câmara deve se reunir com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa. No encontro, os parlamentares vão pedir a conclusão do julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol – que ainda depende da publicação do acórdão do julgamento e dos embargos declaratórios a respeito das 19 condicionantes impostas pela Corte, em 2009, para que a demarcação da área fosse mantida em terras contínuas.

Depois que isso for feito, a polêmica Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU) pode entrar em vigor. A norma proíbe a ampliação de áreas indígenas já demarcadas e a venda ou arrendamento de qualquer parte desses territórios, se isso significar a restrição do pleno usufruto e da posse direta da área pelas comunidades indígenas. Ela também veda o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico da terra pelos índios, além de impedir a cobrança, pela comunidade indígena, de qualquer taxa ou exigência para utilização de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.

As divergências da Frente Parlamentar da Agricultura em relação às atribuições da Funai também levaram o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a se comprometer a criar um grupo de trabalho para receber as manifestações dos deputados. Em 30 dias, representantes da Secretaria de Assuntos Legislativos da pasta, da Funai e parlamentares devem começar a discutir propostas que envolvem a demarcação e desapropriação de terras no país.

A Frente Parlamentar Ambientalista, presidida pelo deputado Sarney Filho (PV-MA), marcou uma reunião para a próxima quarta-feira (17). Na avaliação dos ambientalistas, os apoiadores da PEC 215 são motivados por “interesses pessoais e individuais contrariados”. “A PEC é um retrocesso absoluto, ela acaba com qualquer possibilidade de política indigenista e de política ambiental. Tirar a prerrogativa do Poder Executivo de criar unidade de conservação e reservas indígenas e passar para o Congresso é a mesma coisa de dizer que não vai ter mais”, disse Sarney Filho.


http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-14/bancada-ruralista-pressiona-para-tirar-poderes-da-funai



sábado, 9 de fevereiro de 2013

De Cabral, a Cabral a Cabral



Nota do EDUCOM: em meio ao clima de carnaval que já tomava conta do país, a líder ruralista, senadora e candidata a ministra da Agricultura Kátia Abreu passou a última semana nos gabinetes do Judiciário e do governo federal defendendo os interesses da CNA nos conflitos com índios por terras, em resumo tentando institucionalizar uma política de expulsão das populações originárias. O artigo é do indigenista Egon Heck e foi construído basicamente antes que se conhecesse o resultado das audiências. 

Egon Heck*
Quando os povos indígenas do Brasil imaginavam estar livres dos “Cabrais”, do início da invasão, até o da Constituinte de 1988, quando o então Bernardo Cabral tentou eliminar os povos indígenas através de seu substitutivo, eis que ressurge outro Cabral, o governador do Rio de Janeiro, para negar direitos indígenas. Sempre com nobres intenções: "civilizar, desenvolver, aculturar, “turismar”, até fazer estacionamento...". E nesse jogo pra inglês ver, conforme Romário, vale tudo. Até comunicados oficiais dizendo ser uma ofensa às aldeias indígenas, atribuir tal nome aos "indígenas invasores do prédio do ex-Museu do Índio".

É jogo duro. Os povos indígenas que o digam. A Copa do Mundo e as Olimpíadas estão aí no horizonte próximo. E aí vale tudo, ou quase tudo. Não é apenas um pequeno grupo de indígenas que estão ameaçados de remoção. Conforme matéria do The New York Times, em março do ano passado, "170 mil pessoas serão despejadas até Copa do Mundo e Olimpíadas" (FSP, 2/02/13).

O jogo duro do agronegócio
A capitã, Kátia Abreu, já está com o time em campo há tempo. Promete erradicar as "inseguranças jurídicas", o quanto antes. Afinal de contas eles são os donos do campo e da bola. Os Guarani-Kaiowá, Terena... que se cuidem. O jogo promete ser pesado. A treinadora espera contar com o apoio do Legislativo, Executivo e Judiciário. Se não ganharem no campo, no tapetão será certo. E não tem tempo para esperar. Na própria semana que passou já teria um encontro de alto nível, conforme podemos constatar:

Lideranças rurais dos estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul, acompanhados pela presidenta da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), senadora Kátia Abreu, entregaram à presidenta Dilma Rousseff um documento relatando a insustentável situação de insegurança jurídica vivida pelos produtores que tiveram suas propriedades invadidas por grupos indígenas e cidadãos paraguaios na fronteira do Mato Grosso do Sul e do Paraná, nos municípios de Iguatemi, Douradina, Itaporã, Paranhos, Tacuru, Coronel Sapucaia e Ambaí, além de Guaíra e Terra Roxa, respectivamente. A presidenta da República determinou ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e à ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que recebessem uma representação de produtores e a presidenta da CNA, na última quinta-feira, dia 7 de fevereiro, em Brasília, para tratar do assunto.

Kátia Abreu, a 'antropóloga' que todas as semanas define na Folha o que é um indígena brasileiro

A solução conforme Kátia (Cabral) Abreu
"Para a presidente da CNA, é fundamental que o STF confirme o efeito vinculante das condicionantes do julgamento da Raposa Serra do Sul, ao julgar os embargos declaratórios impetrados junto ao tribunal. Somente assim, a AGU (Advocacia Geral da União) poderá reeditar a Portaria 303, convertendo as orientações do STF em ato normativo. Dessa forma, acredita que será possível restabelecer a segurança jurídica nas áreas rurais invadidas ou em conflito por ameaças de invasão". A senadora Kátia Abreu informava aos jornais no dia 4 que visitaria o STF na semana seguinte, quando pretendia “manifestar a sua preocupação com a questão".


Os povos indígenas terão um jogo duro pela frente. Demarcar, garantir as terras e implementar políticas públicas condizentes, será muito difícil, pois os estádios de futebol estão atrasados, os sistemas viários para o bom fluxo dos turistas, estão devagar quase parando e alguns até já suspensos... E ainda vem os índios exigindo recursos para suas terras, saúde, educação, produção... Assim não vai ter gol. Mas a Secretaria Especial da presidência da República já assumiu a questão Kaiowá Guarani, como prioridade das prioridades. A questão agora é entrar em campo e fazer o gol.

*militante do CIMI (Conselho Indigenista Missionário)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Apreensão no campo


Presidente da CNA (Confederação de Agricultura e Pecuária), senadora (PSD-TO), titular de coluna semanal na Folha de S. Paulo - onde frequentemente insulta sem terra, índios e outras populações tradicionais -, Kátia Abreu [foto] quer ampliar ainda mais sua influência. Com a iminente entrada do PSD na base parlamentar da presidenta Dilma Rousseff, Abreu articula sua nomeação como ministra da Agricultura. Conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra, Dom Tomás Balduíno faz no artigo a seguir, distribuído a websites e jornais de várias partes do país, graves denúncias contra a 'Musa do Trabalho Escravo'.

Dom Tomás Balduíno* 
Eis o quadro: o pequeno agricultor Juarez Vieira foi despejado de sua terra, em 2002, no município tocantinense de Campos Lindos, por 15 policiais em manutenção de posse acionada por Kátia Abreu. Juarez desfilou, sob a mira dos militares, com sua mulher e seus dez filhos, em direção à periferia de alguma cidade.

O caso acima não é isolado. O governador Siqueira Campos decretou de “utilidade pública”, em 1996, uma área de 105 mil hectares em Campos Lindos. Logo em 1999, uns fazendeiros foram aí contemplados com áreas de 1,2 mil hectares, por R$ 8 o hectare. A lista dos felizardos fora preparada pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins, presidida por Kátia Abreu (PSD-TO), então deputada federal pelo ex-PFL.

O irmão dela Luiz Alfredo Abreu conseguiu uma área do mesmo tamanho. Emiliano Botelho, presidente da Companhia de Promoção Agrícola, ficou com 1,7 mil hectares. Juarez não foi o único injustiçado. Do outro lado da cerca, ficaram várias famílias expulsas das terras por elas ocupadas e trabalhadas havia 40 anos. Uma descarada grilagem!

Campos Lindos, antes realmente lindos, viraram uma triste monocultura de soja, com total destruição do cerrado para o enriquecimento de uma pequena minoria. No Mapa da Pobreza e Desigualdade divulgado em 2007, o município apareceu como o mais pobre do país. Segundo o IBGE, 84% da população viviam na pobreza, dos quais 62,4% em estado de indigência.

Outro irmão da senadora Kátia Abreu, André Luiz Abreu, teve sua empresa envolvida na exploração de trabalho escravo. A Superintendência Regional de Trabalho e Emprego do Tocantins libertou, em áreas de eucaliptais e carvoarias de propriedade dele, 56 pessoas vivendo em condições degradantes, no trabalho exaustivo e na servidão por dívida.

Com os povos indígenas do Brasil, Kátia Abreu, senadora pelo Estado do Tocantins e presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), tem tido uma raivosa e nefasta atuação.

Com efeito, ela vem agindo junto ao governo federal para garantir que as condicionantes impostas pelo Supremo no julgamento da demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol sejam estendidas, de qualquer forma, aos demais procedimentos demarcatórios.

Com a bancada ruralista, ela pressionou a Advocacia-Geral da União (AGU), especialmente o ministro Luís Inácio Adams. Prova disso foi a audiência na AGU, em novembro de 2011, na qual entregou, ao lado do senador Waldemir Moka (PMDB-MS), documento propondo a criação de norma sobre a demarcação de terras indígenas em todo o país.

O ministro Luís Adams se deixou levar e assinou a desastrosa portaria nº 303, de 16/7/12. Kátia Abreu, ao tomar conhecimento desse ato, desabafou exultante: “Com a nova portaria, o ministro Luís Adams mostrou sensibilidade e elevou o campo brasileiro a um novo patamar de segurança jurídica”.

Até mesmo com relação à terra de posse imemorial do povo xavante de Marãiwatsèdè, ao norte do Mato Grosso, que ganhou em todas as instâncias do Judiciário o reconhecimento de que são terras indígenas, Kátia Abreu assinou nota, como presidente da CNA, xingando os índios de “invasores”.

Concluindo, as lideranças camponesas e indígenas estão muito apreensivas com o estranho poder econômico, político, classista, concentracionista e cruel detido por essa mulher que, segundo dizem, está para ser ministra de Dilma Rousseff. E se perguntam: “Não é isso o Poder do Mal?” No Evangelho, Jesus ensinou aos discípulos a enfrentar o Poder do Mal, recomendando-lhes: “Esta espécie de Poder só se enfrenta pela oração e pelo jejum” (Cf. Mt 17,21).
*conselheiro permanente da CPT e bispo emérito de Goiás

Leia também:
-Conheça a Lista Suja do Trabalho Escravo no Brasil
-Lista suja do trabalho escravo tem 409 empregadores
-CPI do Trabalho Escravo convocará irmão de Kátia Abreu
-Novembro de 2009: Kátia Abreu comanda golpe contra camponeses em Tocantins [reportagem de CartaCapital, reproduzida no EDUCOM]

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Casaldáliga deveria ser papa, mas – de novo – está ameaçado de morte


– "Em regimes totalitários e autoritários, a primeira coisa que se faz é atacar o Parlamento, é tirar a voz do povo, tirar a voz dos cidadãos do debate. Estão aí experiências históricas que nós já vivemos, inclusive aqui no Brasil. Então, a defesa do Parlamento é a defesa da democracia. Isso tem que ser feito de forma muito veemente."
 (20/12/2012 - Marco Maia - Presidente da Câmara dos Deputados)



16/12/2012 - Leonardo Sakamoto (*) em seu blog


Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia e um dos maiores defensores dos direitos humanos no país, mais uma vez está marcado para morrer.

Aos 84 anos e doente, teve que deixar sua casa em São Félix do Araguaia por conta das ameaças surgidas em decorrência do governo brasileiro, finalmente, ter começado a retirar os invasores da terra indígena Marãiwatsédé, Nordeste de Mato Grosso – ação que sempre foi defendida por ele.

Incentivados por fazendeiros e políticos locais, alguns grupos de invasores decidiram resistir à decisão judicial de sair e forçaram conflitos com as tropas, além de ameaçar lideranças.


Casaldáliga, junto com Tomás Balduíno (foto), dois bispos engajados na luta pela dignidade no campo, serão homenageados, nesta segunda (17/12), na entrega do Prêmio Direitos Humanos 2012, em Brasília.

Joseph Ratzinger (foto), em um discurso a bispos brasileiros na época da nossa última eleição presidencial, afirmou que “os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas”. Ou seja, Bento 16 pediu para que os representantes de sua igreja orientassem politicamente os fiéis.

E seguiu o script esperado, condenando o aborto e a eutanásia e, implicitamente, a pesquisa com embriões para obtenção de células-tronco.

Todas as igrejas e suas chefias são livres para elencar seus assuntos mais importantes. Mas fico imaginando a pauta de preocupações se, ao invés de Joseph Ratzinger, fosse Pedro Casaldáliga o papa.

E, ao se dirigir a bispos brasileiros, fizesse outro tipo de “juízo moral” em “matérias políticas”, retomando palavras que ele proferiu há tempos:


Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e amar! Malditas sejam todas as leis amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois, fazerem a terra escrava e escravos os humanos.”


Henri des Roziers
A Teologia da Libertação tem sido uma pedra no sapato de quem lucra com a exploração do seu semelhante.

Na prática, esses religiosos católicos realizam a fé que a Santa Sé não consegue colocar em prática.


Erwin Krautler
Pessoas como Pedro Casaldáliga, Tomás Balduíno, Henri des Roziers, Erwin Krautler e Xavier Plassat que estão junto ao povo, no meio da Amazônia, defendendo o direito à terra e à liberdade, combatendo o trabalho escravo e acolhendo camponeses, quilombolas, indígenas e demais excluídos da sociedade.
Xavier Plassat

Bento 16, no mesmo discurso, defendeu a solidariedade aos pobres e desamparados. Como ex-coroinha, fico pensando em que tipo de solidariedade ele estava falando? Da caridade? Uma ação pouco útil, que consola mais a alma daquele que doa do que o corpo daquele que recebe?


Ou da solidariedade de reconhecer no outro um semelhante e caminhar junto a ele pela libertação da alma e do corpo de ambos?


Se for a primeira, ele está pregando a continuidade de uma igreja que ainda não consegue entender as palavras revolucionárias que estão no alicerce de sua própria fundação.


Se falou da segunda, a solidariedade como redenção do corpo e da alma, ele se referiu claramente à Teologia da Libertação.

Prefiro acreditar que ele estava falando da primeira, pois seria irônico a atual administração do Vaticano pregar algo que o catolicismo vem combatendo há tempos.

Enquanto isso, nossa realidade continua lembrando muito daqueles microcosmos de poder do Brasil profundo, presentes nas obras de Dias Gomes: o padre, o delegado e o coronel, amigos de primeira hora, tomando uma cachacinha na (ainda) Casa-Grande, gargalhando da vida e discutindo sobre os desígnios do mundo, que – para eles – deveria ter a cara de seu vilarejo.

(*) Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

Fonte:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2012/12/16/casaldaliga-deveria-ser-papa-mas-de-novo-esta-ameacado-de-morte/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, não constam do texto original.

Não deixe de ler:
- Bispo Dom Pedro Casaldáliga é ameaçado por invasores de Marãiwatsédé

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A morte anunciada dos Guarani-Kaiowá

07/11/2012 - por Frei Betto (*) - do site Envolverde (**)


A Justiça revogou a ordem de retirada de 170 índios Guarani-Kaiowá das terras em que habitam no Mato Grosso do Sul.

Em carta à opinião pública, eles apelaram: “Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui.

Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos, mesmo, em pouco tempo”.

A morte precoce, induzida – o que nós, caras-pálidas, chamamos de suicídio – é recurso frequente adotado pelos Guarani-Kaiowá para resistirem frente às ameaças que sofrem. Preferem morrer que se degradar. Nos últimos vinte anos, quase mil indígenas, a maioria jovens, puseram fim às suas vidas, em protesto às pressões de empresas e fazendeiros que cobiçam suas terras.

A carta dos Guarani-Kaiowá foi divulgada após a Justiça Federal determinar a retirada de 30 famílias indígenas da aldeia Passo Piraju, em Mato Grosso do Sul. A área é disputada por índios e fazendeiros. Em 2002, acordo mediado pelo Ministério Público Federal, em Dourados, destinou aos índios 40 hectares ocupados por uma fazenda. O suposto proprietário recorreu à Justiça.

Segundo o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB, há que saber interpretar a palavra dos índios: “Eles falam em morte coletiva (o que é diferente de suicídio coletivo) no contexto da luta pela terra, ou seja, se a Justiça e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem em tirá-los de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nela, sem jamais abandoná-las”, diz a nota.

Dados do CIMI indicam que, entre 2003 e 2011, foram assassinados, no Brasil, 503 índios. Mais da metade – 279 – pertence à etnia Guarani-Kaiowá. Em protesto, a 19 de outubro, em Brasília, 5 mil cruzes foram fincadas no gramado da Esplanada dos Ministérios, simbolizando os índios mortos e ameaçados.

São comprovados os assassinatos de membros dessa etnia por pistoleiros a serviço de fazendeiros da região. Junto ao rio Hovy, dois índios foram mortos recentemente por espancamentos e torturas.

A Constituição abriga o princípio da diversidade e da alteridade, e consagra o direito congênito dos índios às terras habitadas tradicionalmente por eles. Essas terras deveriam ter sido demarcadas até 1993. Mas, infelizmente, a Justiça brasileira é extremamente morosa quando se trata dos direitos dos pobres e excluídos.

Um quarto de século após a aprovação da carta constitucional, em 1988, as terras dos Guarani-Kaiowá ainda não foram demarcadas, o que favorece a invasão de grileiros, posseiros e agentes do agronegócio.

Participei, no governo Lula, de toda a polêmica em torno da demarcação da Raposa Serra do Sol. Graças à decisão presidencial e à sentença do Supremo Tribunal Federal, os fazendeiros invasores foram retirados daquela reserva indígena.

No caso dos Guarani-Kaiowá não se vê, por enquanto, a mesma firmeza do poder público. Até a Advocacia Geral da União, responsável pela salvaguarda dos povos indígenas – pois eles são tutelados pela União – chegou a editar portaria que, na prática, reduz a efetivação de vários direitos.

O argumento dos inimigos de nossos povos originários é que suas terras poderiam ser economicamente produtivas. Atrás desse argumento perdura a ideia de que índios são pessoas inúteis, descartáveis, e que o interesse do lucro do agronegócio deve estar acima da sobrevivência e da cultura desses nossos ancestrais.

Os índios não são estrangeiros nas terras do Brasil. Ao chegarem aqui os colonizadores portugueses – equivocadamente qualificados nos livros de história de “descobridores” – se depararam com mais de 5 milhões de indígenas, que dominavam centenas de idiomas distintos. A maioria foi vítima de um genocídio implacável, restando hoje, apenas, 817 mil indígenas, dos quais 480 mil aldeados, divididos entre 227 povos que dominam 180 idiomas diferentes e ocupam 13% do território brasileiro.

Não adianta o governo brasileiro assinar documentos em prol dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável se isso não se traduzir em gestos concretos para a preservação dos direitos dos povos indígenas e de nosso meio ambiente.

Bem fez a presidente Dilma ao efetuar cortes no projeto do novo Código Florestal aprovado pelo Congresso.

Entre o agrado a políticos e os interesses da nação e a preservação ambiental, a presidente não relutou em descartar privilégios e abraçar direitos coletivos.


Resta agora demonstrar a mesma firmeza na defesa dos direitos desses povos que constituem a nossa raiz e que marcam predominantemente o DNA do brasileiro, conforme comprovou o Projeto Genoma Humano.

(*) Frei Betto é escritor, autor de Alfabetto – Autobiografia Escolar (Ática), entre outros –http://www.freibetto.org 

twitter:@freibetto

(**) Publicado originalmente no site Adital.

Fonte:
http://envolverde.com.br/sociedade/artigo-sociedade/a-morte-anunciada-dos-guarani-kaiowa/?utm_source=CRM&utm_medium=cpc&utm_campaign=07

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Corta essa de suicídio!

 09/10/2012 - Por José Ribamar Bessa Freire - Do Diário do Amazonas


Foi assim
No primeiro século da era cristã, os Guarani saíram da região amazônica, onde viviam, e caminharam em direção ao Cone Sul.
Depois de longas andanças, ocuparam terras que hoje estão dentro de vários estados nacionais: Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai e Bolívia.
Os vestígios arqueológicos e linguísticos que foram deixando ao longo do caminho permitiram que os pesquisadores reconstruíssem essa rota e estabelecessem datas prováveis do percurso feito.
  
Dois mil anos depois, um italiano, nascido em 1948, em Toscana, atravessou o oceano Atlântico com sua família, veio para Porto Alegre, de lá para Curitiba, se naturalizou brasileiro e se instalou, finalmente, em Mato Grosso do Sul, onde encontrou os Guarani, que lá vivem há quase dois milênios. O italiano recém-chegado se tornou governador do Estado. Seu nome: André Puccinelli (PMDB - vixe, vixe). [foto]


A migração estrangeira ajudou a construir nosso país, quando conviveu em paz com os que aqui estavam há muitos séculos, sem atropelá-los. Muitos estrangeiros, honrados, trouxeram trabalho, riqueza e cultura e compartilharam o que tinham e o que produziam com o resto da sociedade que os acolheu. Ensinaram a aprenderam. Mudaram e foram mudados. Benditos estrangeiros que plasmaram a alma brasileira!
  
No entanto, não foi isso o que sempre aconteceu em Mato Grosso do Sul. Lá, desde 1915, fazendeiros, pecuaristas e agronegociantes, quando chegaram, encontraram as terras ocupadas por índios. Consideraram as terras indígenas como "devolutas" e começaram a expulsar os que ali viviam, num processo que se acelerou nas últimas décadas. Foi aí que os invasores, representados hoje, no campo político, por André Puccinelli, colocaram seus documentos pra fora e, machistas, ordenaram autoritariamente:

- Deite que eu vou lhe usar!


Usaram a terra em proveito próprio, da mesma forma que o coronel Jesuíno, interpretado por José Wilker, usou a Sinhazinha na minissérie Gabriela: sem nenhum agrado, sem qualquer respeito.


Com dose cavalar de brutalidade, desmataram, queimaram, exploraram os recursos naturais, abusaram dos agrotóxicos, colheram safras bilionárias de soja, cana e celulose, extraíram minério, poluíram rios e privatizaram a natureza para fins turísticos. Pensaram só neles, no lucro, e não na terra e na qualidade da vida, nem compartilharam com a sociedade, que ficou mais empobrecida.

Flor da terra
O resultado desastroso do uso da terra foi lamentado pelos líderes e professores Kaiowá em carta de 17 de março de 2007:


 - O fogo da morte passou no corpo da terra, secando suas veias.
- O ardume do fogo torra sua pele.
- A mata chora e depois morre.
- O veneno intoxica.
- O lixo sufoca.
- A pisada do boi magoa o solo.
- O trator revira a terra.
- Fora de nossas terras, ouvimos seu choro e sua morte sem termos como socorrer a Vida.  

Para os Guarani, o que aconteceu foi um estupro, ferindo de morte a sinhazinha natureza. A relação deles com a terra é amorosa, eles não se consideram donos da terra, mas parceiros dela. Ela é o tekoha, o lugar onde cultivam o modo de ser guarani, o nhanderekó.


"Guardamos com a terra" - diz o kaiowá Tonico Benites - "um forte sentimento religioso de pertencimento ao território".
Não é a terra que pertence ao Guarani, mas o Guarani que pertence à terra.

O professor guarani Marcos Moreira, quando foi meu aluno no curso de formação de professores, entrevistou o velho Alexandre Acosta, da aldeia de Cantagalo (RS) que, entre outras coisas, falou:

- Esta terra que pisamos é um ser vivo, é gente, é nosso irmão.

- Tem corpo, tem veias, tem sangue.

É por isso que o Guarani respeita a terra, que é também um Guarani. O Guarani não polui a água, pois o rio é o sangue de um Karai. Esta terra tem vida, só que muita gente não percebe. É uma pessoa, tem alma.

Quando um Guarani entra na mata e precisa cortar uma árvore, ele conversa com ela, pede licença, pois sabe que se trata de um ser vivo, de uma pessoa, que é nosso parente e está acima de nós.

Os líderes Kaiowá reforçam essa relação com a terra quando lembram, na carta citada, que o criador do mundo criou o povo Guarani para ter alguém que admirasse toda o esplendor da natureza. 

"O nosso povo foi destinado em sua origem como humanidade a viver, usufruir e cuidar deste lugar, de modo recíproco e mútuo" - escreve o kaiowá Tonico Benites, doutorando em antropologia.

"Por isso, nós somos a flor da terra, como falamos em nossa língua: Yvy Poty" - completam os líderes Kaiowá.

Se a terra é um parente, a relação com ela deve ser de troca equilibrada, de solidariedade. É como a mãe que dá o leite para o filho. Ela dá, sem pensar em cobrar. Ela não cobra nada, mas socialmente espera que um dia, se precisar, o filho vai retribuir.

"Tudo isso é frescura" - dizem os fazendeiros e pecuaristas que pensam como o coronel Jesuíno: a terra é pra ser usada. E ponto final.

Portanto, o conflito não é apenas fundiário, mas cultural, com proporções tão graves que a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, considera essa como "a maior tragédia conhecida na história indígena em todo o mundo".

É que os Guarani decidiram defender a terra ferida e para isso realizaram um movimento de ocupação pacífica do território tradicional localizado à margem de cinco rios: Brilhantes, Dourados, Apa, Iguatemi e Hovy.

Apenas uma pequena parte do antigo território, que lhes permita sobreviver dignamente, é reivindicada. É o caso da comunidade Pyelito Kue-Mbarakay, no extremo sul do Estado, onde vivem 170 Kaiowá, dentro da fazenda Cambará, às margens do rio Hovy, município de Iguatemi (MS). A comunidade está cercado por pistoleiros e lá já ocorreram recentemente 4 mortes, duas por espancamento e tortura dos jagunços e duas por suicídio.

Somos Kaiowá       
Um juiz federal, Sergio Henrique Bonacheia, determinou, em setembro último, a expulsão dos índios. Ele afirmou que não interessa "se as terras em litígio são ou foram tradicionalmente ocupadas pelos índios ou se o título dominial do autor é ou foi formado de maneira ilegítima". Os índios vão ter que sair - decidiu o magistrado.

O Ministério Público Federal e a Funai recorreram ao Tribunal Regional Federal contra tal decisão. Os índios se rebelaram, escreveram uma carta anunciando que dessa forma o juiz está decretando a morte coletiva, que ele  pode enviar os tratores para cavar um grande buraco e enterrar os corpos de todos eles: 50 homens, 50 mulheres e 70 crianças,  que eles ali ficam, como um ato de resistência, para morrer na terra onde estão enterrados seus avós.

O suicídio coletivo - assim a carta foi interpretada - teve enorme difusão nas redes sociais e ampla repercussão internacional, "com o silêncio aterrador" da mídia nacional, como lembrou Bob Fernandes, autor de um dos três artigos esclarecedores e informativos. Os outros dois foram de Eliane Brum e de Tonico Benites. 

Construiu-se rapidamente nas redes sociais uma corrente de solidariedade, com sugestões para a realização de atos de protestos em muitas cidades brasileiras. "Nós todos somos Kaiowá" - disseram, parodiando um slogan que ficou célebre em maio de 1968, na França: "Nous sommes tous des juifs allemands". Um desses atos, marcado para hoje, domingo, dia 28, será no Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro, onde está instalada uma exposição sobre a vida da atriz Regina Duarte [foto], proprietária de uma fazenda em MS e considerada porta-voz dos fazendeiros, por uma declaração infeliz que deu.

Diante da gravidade dos fatos, o governo federal convocou reunião de emergência para a próxima segunda-feira, com a participação de vários órgãos governamentais. A possibilidade de se efetivar o suicídio coletivo dos Kayowá se apoia em dados oficiais do Ministério da Saúde: nos últimos onze anos, entre 2.000 e 2011, ocorreram 555 suicídios, uma das taxas mais altas do mundo.

Se a tragédia acontecer, uma pergunta vai ter que ser respondida: suicídio coletivo? Será mesmo? A ideia de suicídio é, num certo sentido muito cômoda, porque isenta de culpa a terceiros. Mas se você é levado por alguém a se matar, trata-se de suicídio ou de uma forma de homicídio? O artigo 122 do Código Penal Brasileiro estabelece pena de reclusão para o agente que, através de ato, induz ou instiga alguém a se suicidar ou presta-lhe auxílio para que o faça. Quem pode ser incriminado neste caso?

A pergunta deve ser feita ao governador Puccinelli [foto], implicado pela Operação Uragano da Polícia Federal num esquema ilegal de pagamento de propinas a deputados e desembargadores, que em maio de 2010, durante a abertura da Expoagro, em Dourados, incitou os fazendeiros contra os índios.

A pergunta pode ser repassada também à senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, que em artigo, ontem [08/10], na Folha de São Paulo, teve o descaro de escrever, com certa dose de cinismo e de deboche:
- "Se a Funai pensa, por exemplo, que são necessárias mais terras para os indígenas pela ocorrência da explosão demográfica em certa região, nada mais fácil do que comprar terras e distribuí-las".


O discurso da senadora  - convenhamos - é transparente, porque evidencia a relação exclusivamente mercantil que têm com a terra, ela e aqueles que ela representa e da qual é porta-voz.

Mostra ainda que ela não é capaz de entender a relação amorosa e religiosa dos Guarani com a terra.
O coronel Jesuíno, certamente, assinaria embaixo de tal discurso.

Leia mais em: Indígenas Guarani-Kaiowá

Fonte:
http://www.mst.org.br/node/14042 (do site do MST)