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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A desigualdade que se acentua nos EUA

01/01/2014 - A desigualdade nos EUA
- Paul Krugman no The New York Times - Carta Capital

Aumento da disparidade de renda fez mais que a recessão para deprimir os ganhos da classe média

Demorou um tempo incrivelmente longo, mas a desigualdade finalmente está surgindo como uma questão unificadora significativa para os progressistas nos Estados Unidos – incluindo o presidente.

E também há, inevitavelmente, uma reação, ou na verdade algumas reações.

Uma delas vem de grupos como a organização Terceira Via.

Josh Marshall [foto], editor de Talking Points Memo [TPM], caracterizou essa posição em um artigo recente:

Ela capta muito do que se trata a ‘Terceira Via’: uma espécie de retrocesso fossilizado a um período do fim do século XX em que havia um mercado para grupos que tentavam puxar os democratas ‘de volta para o centro e para longe do extremismo ideológico’, em uma era em que os democratas são o partido, razoavelmente, não ideológico e têm um histórico bastante decente de ganhar eleições nas quais a maioria das pessoas vota”.

Mas também há uma reação intelectual, com pessoas como o colunista Ezra Klein [foto], do Washington Post afirmando que a desigualdade, embora seja uma questão importante, não pode ser descrita como “o desafio definidor de nosso tempo”.

Isso, por sua vez, enfurece outros comentaristas.

Bem, eu não estou furioso, mas argumentaria que Klein entendeu errado.

A tese de que a desigualdade é um desafio importante e realmente definidor – e algo que deveria estar no centro das preocupações progressistas – repousa em diversos pilares.

Vistas juntas, as razões para se concentrar na desigualdade são extremamente convincentes, mesmo que você seja cético sobre determinados argumentos.

Deixe-me defender quatro pontos.

Primeiro, em puros termos quantitativos, o aumento da desigualdade é o que o vice-presidente Joe Biden chamaria de Grande Alguma Coisa.

Os dados referentes à distribuição de renda mostram que a parcela dos 90% na camada inferior de renda, excluindo ganhos de capital, caiu de 54,7%, em 2000, para 50,4%, em 2012.

Isso significa que a renda dos 90% na camada inferior é cerca de 8% menor do que teria sido se a desigualdade tivesse se mantido estável.

Enquanto isso, as estimativas da lacuna de produção – à medida que nossa economia está operando abaixo da capacidade – geralmente são inferiores a 6%.

Assim, em puros termos numéricos, o aumento da desigualdade fez mais que a recessão para deprimir as rendas da classe média.

Alguém poderia argumentar que os danos causados pelo desemprego são maiores que a simples perda de renda, e eu concordaria. Mas é difícil olhar para esse tipo de cálculo e relegar a desigualdade a uma questão secundária.

Em segundo lugar, existe uma tese razoável para se atribuir pelo menos parcialmente a culpa pela crise econômica ao aumento da desigualdade.

A melhor história envolve algo como isso: havia uma poupança elevada do 1% da população, com a demanda sustentada apenas pelo rápido aumento da dívida mais abaixo na escala – e, como esse empréstimo era conduzido parcialmente pela desigualdade, levou a uma cascata de gastos e assim por diante.

É um caso dramático? Não – mas é sério, e reforça o resto do argumento.

Em terceiro, existe o aspecto da economia política, em que se pode argumentar que os fracassos políticos, tanto antes como, talvez de modo ainda mais crucial, depois da crise, foram distorcidos pelo aumento da desigualdade e o correspondente aumento do poder político do 1%.

Antes da crise, havia um consenso da elite a favor da desregulamentação e da financialização que nunca foi justificado por evidências, mas se alinhava estreitamente aos interesses de uma pequena e muito rica minoria.

Depois da crise, houve o súbito afastamento da geração de empregos para a obsessão pelo déficit; pesquisas sugerem que isso não era absolutamente o que o eleitor médio queria, mas que refletia as prioridades dos ricos.

E a insistência na importância de cortar benefícios é avassaladoramente uma coisa do 1%.

Finalmente, e muito ligada a isso, está a questão do que os grupos de pensadores progressistas deveriam pesquisar.

Klein sugeriu recentemente que “como combater o desemprego” deveria ser um tópico mais central que “como reduzir a desigualdade”.

Mas há aquela coisa: sabemos como combater o desemprego – não perfeitamente, mas a boa e velha macroeconomia básica funcionou muito bem desde 2008.

Não há mistério na economia de nossa lenta recuperação – é isso que o acontece quando endurecemos a política fiscal, apesar da desalavancagem privada, e a política monetária é restrita pelo limite inferior a zero.

A questão é por que nosso sistema político ignorou tudo o que a macroeconomia aprendeu, e a resposta para essa pergunta, como já sugeri, tem muito a ver com a desigualdade.

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/revista/780/a-desigualdade-nos-eua-1482.html

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Raúl Castro pede 'relações civilizadas' com os EUA

22/12/2013 - BBC Brasil

Na véspera do dia de Natal um texto, talvez inspirado na trajetória política de Mandela, que ilustra a vontade de conciliar, o respeito pela condição do outro, a amizade entre os povos. (Educom)

O presidente de Cuba, Raúl Castro, fez um pedido para que se estabeleçam "relações civilizadas" com os Estados Unidos, dizendo que os dois países devem respeitar suas diferenças.

O líder cubano, irmão de Fidel Castro, afirmou ainda que os EUA deveriam abandonar suas exigências de mudança do regime, para que os dois países possam continuar trabalhando para melhorar suas relações.

Seus comentários ocorreram depois de um aperto de mão público [foto] com o presidente Barack Obama no funeral de Nelson Mandela, na África do Sul, no início de dezembro.

Os EUA romperam relações com Cuba em 1961, depois da revolução na ilha, e mantém um embargo econômico contra o país.

'Respeito mútuo'
Em um discurso público incomum, o presidente Castro revelou que funcionários cubanos e americanos se reuniram diversas vezes durante o último ano, para discutir assuntos práticos como imigração e um reestabelecimento de um serviço de correio entre os países.

Isso demonstra que as relações podem ser civilizadas, disse Castro.

No entanto, ele advertiu que "se realmente queremos avançar nas relações bilaterais, teremos que aprender a respeitar mutuamente nossas diferenças e nos acostumarmos a conviver pacificamente com elas".

Caso contrário, disse ele, os cubanos estariam dispostos a outros 55 anos como os anteriores.

"Não pedimos que os Estados Unidos mudem seu sistema político e social, nem aceitamos negociar o nosso", afirmou Castro [foto] aos deputados durante a última sessão do ano da Assembleia Nacional.

As relações entre os dois vizinhos melhoraram um pouco recentemente, mas ainda há obstáculos para uma reconciliação, disse a correspondente da BBC em Havana, Sarah Rainsford.

Reformas
Desde que Raúl Castro recebeu o poder de seu irmão Fidel, em 2006, ele deu início a um programa de reformas econômicas que ajudaram a relaxar as tensões com os EUA.

Aperto de mão entre líderes que gerou expectativa de melhores relações entre Cuba e EUA

No entanto, os críticos dizem que as mudanças estão sendo muito lentas.

"Os que nos pressionam para andarmos mais rápidos querem nos levar ao fracasso", argumentou Castro em seu discurso.

As reformas, segundo ele, pretendem "atualizar" o modelo socialista, mas não devem incluir pacotes de ajuste econômico, ao modelo europeu.

"Nunca admitiremos em Cuba terapias de choque revolucionárias como as que estamos vendo na rica e dita culta Europa, que mergulhariam o país em um clima de divisão e desestabilidade que sirva de pretexto para aventuras intervencionistas contra a nação."

Entre as mudanças mais recentes está o anúncio do fim das restrições à compra e venda de carros particulares novos e usados.

Agora, qualquer indivíduo com dinheiro suficiente poderá comprar um veículo de uma concessionária estatal [foto].

Até então, só pessoas que tinham autorizações especiais podiam fazê-lo.

O líder cubano não mencionou o aperto de mão com Barack Obama, mas a cena gerou expectativas sobre um avanço nas relações bilaterais.

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/raul-castro-pede-relacoes-civilizadas-com-os-eua/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Duas aventuras pan-europeias: na África e na Ucrânia

15/12/2013 - Duas aventuras pan-europeias: Asterix em Bangui e a roleta russa da Santa Aliança
- Rui Peralta, Luanda - Página Global

I - São famosas as intervenções francesas em África.
Apenas relembrando as dos últimos tempos temos: a Costa do Marfim (utilizando veículos da ONU, para retirar do poder um presidente incômodo aos interesses franceses e o Mali (em curso).

Por apurar, ainda, o papel da França no genocídio de Ruanda e no presente a intervenção francesa na Republica Centro-Africana (será que caçarão o “mau da fita”, Abdallah Hamat?).

Têm também no seu historial pós-invasão uma série de “eleições”, “legitimando” os governos neocoloniais nascidos das suas intervenções.

A lista das “obras” da França no continente africano é vasta: insegurança alimentar, subnutrição, carências sanitárias, exploração dos recursos naturais, neocolonização, criação de governos fantoches (e sua manutenção no poder) e militarização do continente são apenas alguns itens de tão vasta lista.

A França decidiu exercer a sua faceta de poder colonial em África, de forma aberta e “transparente”.

E tal como acontecia com os regimes coloniais no inicio da expansão europeia em África (a colonização era legitimada por bula papal) a França legitima os governos fantoches no continente através da “qualidade democrática” dos seus funcionários autóctones (assim foi na RDC [República Democrática do Congo], Mali e Costa do Marfim, por exemplo, sempre com o histórico balão de ensaio senegalês por detrás, colhendo as lições do “frére” Senghor).

A intervenção francesa na Republica Centro Africana tem alguns personagens que vale a pena mencionar.

Abdallah Hamat é um desses personagens típicos que pululam pelo continente.

Autodesignado general ascendeu à ribalta como lugar-tenente de Michel Djotodia, coordenando ações militares decisivas para a expulsão do presidente François Bozizé.

Acusado de vários homicídios, Hamat ficou no centro do tabuleiro com um ataque que comandou no passado dia 10 de novembro, ação que aparenta ter um cunho religioso.

Uma vez mais a “ameaça islâmica fundamentalista” serve para tapar peneiras e na Republica Centro Africana não foi necessário fomentar núcleos da al-Qaeda para justificar a invasão: bastou a figura do Hamat - o que reduz substancialmente os custos da intervenção – para o Conselho de Segurança da ONU autorizar que soldados franceses e da União Africana (sempre por arrasto, esta figura pateticamente apática da UA).

O cenário é confuso. As milícias SELEKA, islâmicas, apoiantes de Michel Djotodia, que em março foram decisivas para depor François Bozizé são comandadas pelo tal Hamat e controlavam Bangui, a capital. Do outro lado estão as milícias cristãs designadas por “antibakala” leais a Bozizé.      

O problema é que os franceses, chegados ao terreno, defrontaram a SELEKA, mas devido aos ataques sucessivos dos leais a Bozizé á capital, acabaram também por envolver-se em combates com as milícias cristãs.

Quanto ao presidente interino, Michel Djotodia [foto], quando em setembro anunciou a dissolução da SELEKA – seus apoiantes – viu rebentar uma onda de violência na capital, levada a cabo por milicianos islâmicos que não aceitavam a dissolução, perdendo o controlo da situação.  

O contingente da UA que se encontra no país, em missão de paz, é composto por 2 mil e 500 soldados, com a típica desorganização dos contingentes da UA e as limitações de financiamento que caracterizam estas intervenções africanas.

Este contingente deverá ser enquadrado em força de Paz da ONU, em Julho de 2014, quando o Conselho de Segurança se reunir para reavaliar a situação na Republica Centro Africana, caso a instabilidade persista. Neste caso a MISCA (a força de paz da UA na Republica Centro Africana), será reforçada com mais mil efectivos.

Desta forma a ONU poupa dinheiro, passando as despesas para a UA, deixando todos os parceiros contentes: a UA porque desta forma vê a sua politica de “resolução africana para os assuntos africanos” (leia-se: soluções que transformar-se-ão em parte do problema a medio prazo) e o Ocidente poupa dinheiro e limpa as mãos do assunto, deixando-as livres para o caso de uma intervenção futura, quando o descalabro da UA for irremediável e a terra já estiver queimada, podendo então fazer o que muito bem apetecer, pois tudo estará justificado.  

Em 1997, o país foi palco de uma missão similar, mas a França cansou-se de sustentar a prolongada estadia, acabando por reduzir as operações ao mínimo, criando, desta forma, as condições necessárias para uma intervenção mais direta, como aconteceu agora.

É evidente que os resultados são, como sempre, sentidos pelas populações de forma dramática: cerca de 160 mil refugiados, 240 mil desalojados e largas centenas de mortos.

É o preço que os Povos pagam pelas soluções neocolonialistas (Será que já estão a preparar um programa de recuperação “afrocapitalista” para a Republica Centro-Africana?

De certeza que as elites que se escondem por detrás da falsa “acumulação primitiva” – leia-se: esbanjamento do presente e anulação do futuro – já devem ter uma das suas sábias e pragmáticas soluções na manga).

II - Anteriormente com Sarkozy e atualmente com Hollande, a França alterou procedimentos e mecanismos da sua política externa.
Encabeçou as potências ocidentais na agressão á Líbia e impôs a linha mais dura do ocidente em relação á intervenção na Síria.

Transformados em “falcões” os franceses intervieram unilateralmente no Mali e François Hollande foi recebido como herói gaulês em Israel [foto], aplaudido pelos profetas da desgraça que impõem os seus delírios ao povo hebraico.

O mesmo Hollande acabou de enviar tropas para a Republica Centro Africana, para “restaurar a ordem” (será que os lideres gauleses tentam substituir a milenária “Pax Romana” por uma mais atualizada e eficaz “Pax Gauloise”?

Esta é a mesma França que no início do presente século XXI foi ridicularizada pelo Congresso dos USA, devido á sua recusa em seguir a intervenção norte-americana no Iraque e que renunciou publicamente à “Francafrique”, considerando-o um “comportamento inapropriado”.

Então como explicar esta viragem na política externa francesa?

A explicação tem vertentes internas e externas.

Nos factores internos é de salientar um movimento migratório, provocado pela História colonial francesa: o grande número de cidadãos islâmicos, na sua maioria pobres, ou usufruindo de baixos rendimentos, com muitos dos jovens islâmicos franceses – sentindo-se sem perspectivas e sofrendo com um problema de identidade, devido á sua condição proletária - a serem atraídos pela extrema-direita islâmica.

Ainda que esta viragem na politica externa seja sentida em todo a região pan-europeia, ela foi particularmente forte na França, evocando uma reação politica interna, em que deve também ser salientado a xenofobia da extrema-direita francesa (Frente Nacional) e de uma tendência que se faz sentir na esquerda politica e no “centro-esquerda”, como a representada pelo ministro do Interior, Manuel Valls, do Partido Socialista, cuja principal atividade é reprimir a migração ilegal e em particular as comunidades islâmicas.

Esta política, cujo lema é “Responsabilidade de Proteger”, percorre todo o espectro político francês, da direita á esquerda, principalmente nos sectores pantanosos do “centro” (“centro-direita” e “centro-esquerda”).

Uma das suas figuras principais é Bernard Kouchner [foto], fundador dos Médicos sem Fronteiras (MSF), que foi primeiro-ministro de Sarkozy.

Outro dos seus arautos é Bernard-Henri Levy [foto abaixo], que foi conselheiro de Sarkozy, função que continua a exercer para Hollande.

No entanto é nas dinâmicas externas que poderemos encontrar um fator de maior importância, para entender o que se passou com esta viragem, aparente, da política externa francesa.

Desde 1945 que a França luta para manter-se como figura de maior relevo no cenário mundial. Neste esforço a França teve que contornar um obstáculo: USA.

Para Charles de Gaulle a preocupação primordial era a França reassumir o seu papel mundial e reafirmar-se nas arenas internacionais.

De Gaulle tentou de muitas formas, desde a aproximação com a União Soviética, o seu distanciamento em relação á NATO [OTAN], a sua forte relação com Israel (principalmente na guerra da Argélia), num momento em que as relações de forças na ONU impulsionavam uma direção oposta (foi a França que armou Israel, no ataque conjunto franco-britânico-israelita ao Canal do Suez, em 1956).

O vínculo especial com Israel terminou em 1962, depois da independência da Argélia e a França demonstrou-se mais preocupada em renovar as suas relações (e influencia) com as ex-colônias do Norte de África.

Esta política não foi apenas uma política gaullista, tendo sido assimilada por muitos socialistas franceses e por muitos sectores não gaullistas á esquerda e á direita do espectro politico francês.

A Grã-Bretanha e os USA sempre foram (desde a Segunda Guerra Mundial) os dois grandes fantasmas da política externa francesa, dois concorrentes poderosos, que viam na França um parceiro difícil de controlar e excessivamente espicaçado por uma competição desenfreada pelos lugares cimeiros da política internacional.

A crise econômica internacional, que afeta com particular dureza as economias capitalistas do Ocidente levou a uma cartelização dos interesses do capitalismo, provocando uma estratégia imperialista de concertação em torno de interesses geoeconômicos comuns.

Neste novo cartel a França assume o lugar de “falcão”, desempenhando com graciosidade o papel de “polícia mau”, assumindo a “linha dura” no combate ao “inimigo islâmico”.

É assim, que depois de um longo interregno (desde 1962) que Israel volta a ver a França como o seu melhor amigo (ainda que este não seja um amigo tão poderoso como os USA).
       
Existe no entanto um fator que não permite que a França assuma o seu “destino napoleônico” (esse complexo imperial da burguesia francesa desde a sua ascensão a força dominante na sociedade francesa): o caótico cenário geopolítico da atualidade.

Na Ásia Ocidental (Médio-Oriente) existem potências regionais imprevisíveis, que impedem a França de jogar, aqui, um papel primordial. Muito menos a Ásia Oriental (apesar do peso histórico da França por essas zonas) é um cenário favorável para as elites francesas passearem as suas plumas pós-modernistas.

Resta a África, o único continente onde a França pode reassumir um papel central, aparecendo lado a lado (mas um pouco mais á frente) dos USA e da Grã-Bretanha (graças não apenas à cartelização de interesses, como também ao fator migratório, que permite aos franceses terem agentes provocadores mais baratos e conhecedores do terreno).

E a França aproveita a oportunidade oferecida, continuando a cantar os “Enfants de la Patrie”, mesmo que sejam “enfants terribles”, filhos bastardos de uma França madrasta.

III - A região pan-europeia pode ser dividida em dois polos geopolíticos e geoeconômicos concorrentes.


Uma área aparentemente integrada a vários níveis (U.E.) constituída por um núcleo monetário – a Eurolândia – e uma outra adversa ao atual projeto europeu e dominada pela Rússia.

Esta ultima região pan-europeia (e também meta-europeia, uma vez que abrange vastos territórios não só da Eurásia, mas também da Ásia Oriental) com uma forte tradição autocrática é de difícil sedução para os seus vizinhos europeus (principalmente para as classes médias) que anseiam por se integrar na U.E.

Este conflito entre a Rússia e a U.E. passa na atualidade por um período de alta conflitualidade na Ucrânia.

Apesar da proximidade cultural e histórica entre ucranianos e russos (sem esquecer a existência na Ucrânia Ocidental de uma minoria histórica russófoba) a Rússia não apresenta qualquer atrativo para as classes médias ucranianas, que procuram afirmar-se na sociedade ucraniana.

Esta classe média (maioritariamente média-baixa) vê na U.E. a possibilidade de maior enriquecimento, assim como no Ocidente uma panaceia para os seus problemas centrais (como ficou patente na “Revolução Laranja”) e olha para Oriente com algum receio e incerteza.  

Este receio das classes médias ucranianas em relação aos seus vizinhos tem, obviamente, o respaldo dos setores da burguesia ucraniana (as classes médias caracterizam-se por um comportamento acéfalo, que obedece a dois inputs fundamentais: a vontade de enriquecer e o medo de empobrecer) que apenas poderão assumir um papel preponderante e de domínio total se diluírem-se no seio da Europa Ocidental (esta é uma questão histórica para a burguesia ucraniana e que marca fases decisivas na História da país).

Os dois modelos concorrentes de capitalismo na região pan-europeia (um modelo liberal que hesita entre a incerteza da liberalização total e as indecisões neokeynesianas, no lado da U.E. e o modelo russo de desenvolvimento, assente no capitalismo de estado, tendencialmente oligárquico, consequência do socialismo real e do caos reinante durante o período de transição para o capitalismo) confrontam-se na Ucrânia em função destes fatores de dinâmica interna, mas também de importantes fatores de dinâmica externa, de raiz geopolítica e geoeconômica. [foto: Júlia Timochenko, magnata ucraniana com Vladimir Putin, da Rússia]

A Ucrânia é uma fase atual (como o foi a Geórgia num passado recente) da longa batalha travada entre a U.E. e a Rússia.

O Ocidente (NATO e U.E.) tenta evitar a todo o custo a consolidação geopolítica da Federação Russa – e geoeconômica, afirmando o controle da “rota do gás” por parte da Rússia – e a Rússia, que volta em “pleno” (politica e economicamente) ao palco global, tenta reafirmar-se como potência.    
Com a dissolução da URSS em 1991 e posterior separação da Ucrânia, as relações entre os dois países tem-se constituído por acordos mais ou menos instáveis em matéria de gás ou da presença da frota do Mar Negro nos portos da Crimeia.

A atual estratégia ocidental atua sobre o sector energético e abrange uma miríade de formas que vão desde as rotas alternativas aos gasodutos russos até às medidas anti monopólio contra a GAZPROM, tudo montado a partir de Bruxelas.

Estas constantes pressões ocidentais, com repercussões negativas sobre a Ucrânia, levaram a Rússia a aumentar a sua exportação de gás para o Oriente – China, Japão e Coreia.

A Rússia apresenta-se segura dos seus objetivos.

Tem obtido vitórias plausíveis na política externa, com a desmontagem do cartel OTAN / Estados do Golfo, formado para destroçar a Síria e mais recentemente com o acordo estabelecido entre a comunidade internacional e o Irã sobre o programa nuclear iraniano.

Esta atitude de conforto e de confiança por parte dos russos contrasta com a atitude beligerante e arruaceira da U.E.

A Alemanha continua amarrada ao seu papel na Revolução Laranja, apoiando diretamente duas das forças politicas que organizaram os protestos (através da Fundação Konrad Adenauer, da CDU), advertindo o Presidente ucraniano [Victor Yanukovitch - foto acima] contra o uso da violência e qualifica o sistema judicial ucraniano de “justiça seletiva”, ao referir o caso de Júlia Timochenko [ao lado], a magnata pró-Ocidente (uma das figuras de proa da Revolução Laranja, que pouco tempo depois atolou-se em escândalos de corrupção) enquanto Guido Westerwelle o (ainda) ministro das relações exteriores do gabinete germânico passeia-se pelas manifestações de Kiev, por entre as bandeiras do SVOBODA [abaixo], um partido antissemita da extrema-direita ucraniana.

Para além da Alemanha, a Polônia e a Suécia, através dos respectivos ministros das relações exteriores, expressaram o seu apoio aos manifestantes ucranianos pró U.E. e o primeiro-ministro polaco chegou a intervir em comícios e encontros realizados em Kiev.

Estarão os líderes da U.E a entrarem num processo de senilidade acentuada que já os fazem esquecer princípio básicos do direito internacional, como o da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados?

Ou será que foram tomados pelo “amigo alemão” (Alzheimer)?

IV - Mas, sobre os acontecimentos na Ucrânia, existe um aspecto que não é referido em qualquer meio de comunicação social: o estabelecimento da “Profunda e Completa Área de Livre Comércio” (DCFTA- Deep and Complete Free Trade Area).
O que é a DCFTA?

Para respondermos a esta questão, vejamos um pormenor crucial da balança comercial ucraniana (e que permitirá uma melhor compreensão deste mecanismo): a Ucrânia exporta cerca de 15 mil milhões de euros para a U.E. e importa desta, cerca de 24 mil milhões de euros.

Ora, o DCFTA contribuirá para uma maior integração econômica com o mercado interno da U.E. através da adoção de medidas legislativas por parte dos ucranianos.

Isto inclui a eliminação de todos os obstáculos ao comércio, serviços e ao fluxo de investimentos (em particular com os investimentos no setor energético).

Uma vez que a Ucrânia incorporou-se ao Acervo Comunitário Europeu a U.E. concede-lhe acesso a todos os mercados internos europeus.

Por enquanto, como o DCFTA ainda não entrou em vigor, as taxas aduaneiras e outras barreiras alfandegárias ou fiscalmente mais vastas, ainda fazem-se sentir nos custos das operações e transações entre a U.E. e a Ucrânia (mesmo que sejam mais baixas e existam algumas isenções), mas quando o DCFTA estiver em vigor os operadores econômicos pouparão cerca de 750 mil milhões de euros por ano, em taxas, impostos e direitos.

Dadas as disparidades (evidentes nos números acima apontados, da balança comercial ucraniana) – e para dar uma ideia mais vasta do atual panorama o poder econômico da U.E é 40 vezes superior ao da Ucrânia e o quantitativo de investimentos europeus é 11 vezes superior – não é difícil imaginar que percentagem dos 750 milhões de euros em poupanças, gerados pelo DCFTA, pertence à U.E. e qual a que é pertença da Ucrânia e aos quais é necessário adicionar os números da liberalização dos investimentos, uma mais-valia incalculável para os investidores da U.E., se atendermos a que os investimentos da U.E. na Ucrânia, na área de infraestrutura (transporte, energia, meio ambiente e equipamentos sociais) estarão cobertos por financiamentos adicionais destinados a cobrir eventuais necessidades de tesouraria.

O que na verdade está a acontecer com a DCFTA é a completa assimilação jurídica da Ucrânia por parte da U.E. (fornecedora, com 40 vezes mais capacidade de capitalização e 11 vezes mais capacidade de investimento).

O principal propósito das leis e dos regulamentos comunitários da U.E. tem como pano de fundo a eliminação dos mecanismos institucionais que possam proteger os mercados nacionais dos estados membros da U.E., abrindo-os completamente a condições alienígenas para os quais estes mercados não se encontram preparados, ou perante os quais não têm qualquer mecanismo orgânico ou interno de defesa.

Por fim uma outra questão é abordada no DCFTA: a mobilidade.

O máximo de mobilidade (livre-circulação) de mercadorias, serviços, bens e capitais, mas um extraordinário vazio sobre uma mobilidade que é fundamental para um efetivo desenvolvimento e fortalecimento da Ucrânia: a livre-circulação de pessoas, sob a forma de mão-de-obra.

Para a economia ucraniana é importante o fator migratório, no sentido de abarcar mão-de- obra tecnicamente especializada, mas também no sentido de fazer escoar a mão-de-obra excedente para a U.E., ao mesmo tempo que permitiria uma maior abertura do ensino médio e superior através do intercâmbio com instituições da U.E., novas especializações, melhor qualidade de ensino, etc.

Mas a profundidade do DCFTA limita-se à livre circulação de capitais, bens, serviços e mercadorias.

As pessoas (o fator humano) ficam de fora, ou com “livre-circulação” de um sentido apenas.

Claro que falar em questões que deveriam ser abrangidas por estes acordos, como a globalização da Segurança Social, através de mecanismos de capitalização global de fundos internacionais, regionais, ou intercontinentais, está completamente fora de questão.

Livre circulação de Capitais, serviços e mercadorias, sim! Livre circulação de pessoas e políticas sociais (mesmo através da capitalização de fundos), não!

V - Pelo conjunto de fatores (internos e externos) acima descritos seria lógico prever que os protestos na Ucrânia contra a decisão do governo de Victor Yanikóvich de não assinar o Acordo de Associação com a União Europeia (com mais de mil e quinhentas páginas, do qual o DCFTA é um anexo) assumiram formas violentas, em escalada de intensidade.

E isto acontece porque estamos perante uma operação de desestabilização, em que as dinâmicas internas (o descontentamento das classes médias e as aspirações das burguesias – financeira, comercial, industrial e agrária – da Ucrânia) foram doutamente explorados e cruzados com as dinâmicas externas.

O auge da intensidade dos conflitos foi atingido no dia 1 de dezembro, com a ocupação de edifícios públicos por parte dos manifestantes.

No dia anterior a BERKUT – o corpo especial da polícia ucraniana – dispersara violentamente uma manifestação pacífica em Maidan, na Praça da Independência.

Os protestos alargaram-se a grande parte do território, com especial incidência em Kiev e na Ucrânia Ocidental (tradicionalmente um bastião pró-ocidental) mas também em Dnipropetrovsk, na Ucrânia Oriental.

O modelo proposto pelo Acordo de Associação com a U.E. choca com a adesão ao projeto russo da União Euroasiática, que engloba também o Cazaquistão e a Bielo-Rússia.

Este projeto, a longo prazo representa uma saída de estabilidade para a débil economia ucraniana, mas que não é viável para a burguesia ucraniana (que será asfixiada e subordinada ao Estado) e muito menos para as classes médias (que passarão por um breve processo de proletarização, que elas tanto temem).

Para as camadas mais desfavorecidas da população e para os setores administrativos (acadêmicos, elite administrativa, elite tecnocrática) esta representa uma forma de escapar à deterioração das condições de vida e adquirem (principalmente os trabalhadores assalariados da industria e trabalhadores agrícolas) uma posição de maior importância na sociedade ucraniana, sendo algumas das suas reivindicações satisfeitas.

De um modo geral e pesando vantagens e desvantagens, a União Euroasiática representa um reforço da soberania nacional e popular da Ucrânia e uma integração mais efetiva nos mercados globais, pois não se encontrará sujeita aos ditames das obrigações impostas á regionalização europeia, que transformariam a Ucrânia numa economia periférica, produtora de grão e de carvão e fornecedora de mão-de-obra barata.

Por outro lado a União Euroasiática representa também uma forma da Ucrânia rentabilizar a sua dependência em relação ao gás russo (baixando o custo e ampliando os créditos a juro mais baixo, por exemplo, ou assumindo uma parceria para a reexportação – adquirindo vantagens nos mercados europeus - com a GAZPROM).

É bom não esquecer que mais de 60% das exportações ucranianas vão para o mercado russo, pelo que a União Euroasiática representaria um importante polo de desenvolvimento para o setor exportador ucraniano, diminuindo desta forma o peso e o impacto das importações.

As elites ocidentais, pan-europeias, do capitalismo contemporâneo, obrigadas – contra vontade - à cartelização, sofrem de um problema que advém dos tempos recentes das “economias de casino”: viciaram-se no jogo.

E se ao Sul, os jogos africanos são mais rentáveis do que nunca, a Leste iniciaram-se os jogos euroasiáticos…

Vinde, Senhores! A adrenalina de vasto mercado espera-vos… (embora na Eurásia, dos gauleses, nem murmúrios).    

Fontes:
Böröcz, József  - The European Union and Global Social Change: A Critical Geopolitical-Economic Analysis Rutger University Press, New Jersey, 2009
Ferrero, Àngel - Ucrania: la bisagra entre Rusia y la !Unión Europea estalla en protestas http://www.sinpermiso.info
Böröcz, József -  http://www.criticatac.ro/lefteast/ukraine-eu-dependency/
Oakford, Samuel - http://www.ipsnoticias.net/2013/12/onu-al-margen-del-caos-en-republica-centroafricana/
Poch, Rafael - http://blogs.lavanguardia.com/berlin/?p=520
Wallerstein, Immanuel - http://www.jornada.unam.mx/2013/12/08/  
http://www.guinguinbali.com
http://www.rebelion.org

Fonte do artigo:
http://paginaglobal.blogspot.pt/2013/12/duas-aventuras-pan-europeias-asterix-em.html

Leia também:
- Líderes europeus rejeitam apoio a missões militares francesas na África - Correio do Brasil

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Mandela era fora-da-lei

11/12/2013 - Mandela era fora-da-lei quando a lei estava fora da ordem
- Marcelo Semer em seu blog - Portal Terra

Nelson Mandela vem sendo reverenciado pela direita, em grande medida em causa própria, porque não buscou revanche contra o opressor.

É saudado pela esquerda porque colocou a resistência acima da sua liberdade, negando-se a depor armas em troca da soltura, quando o sanguinário regime do apartheid ainda vigorava.

E porque jamais se intimidou em aliar-se a revolucionários de outros cantos.

Isso talvez justifique o mito com que sua figura vem embalada na hora da morte.

Mas ele foi além.

Mandela não foi apenas um ícone de lutas na juventude ou um governante magnânimo e sereno na maturidade.

Foi, sobretudo, um motor de resistência que venceu a injustiça.

Mandela era um fora-da-lei quando a lei é que estava fora da ordem.

O apartheid era lei.

Como eram as discriminações raciais no sul dos Estados Unidos.

Como foi, em grande parte, o arcabouço da barbárie na Alemanha de Hitler.

E a escravidão tão duradoura entre nós.

Governos e legisladores haviam escrito aquelas barbaridades – mas nem por isso deixavam de ser barbaridades.

Não se trata de dizer apenas que o legal nem sempre é legítimo e lamentar.

Mas entender que a barbárie é sempre ilegal, mesmo quando está prevista na lei.

E a resistência se frutifica justamente quando o legalismo encaixota a justiça e os juristas se escondem nos desvãos do positivismo para procurar as mais variadas formas de não dizer o direito.

O discurso da ordem costuma ser confundido com o discurso do direito – mas direito é bem mais do que disciplina e está muito além da obediência.

Não é legal tudo o que é feito por quem detém o poder de legislar.

Há princípios fincados nas Constituições que por si só impedem violações. E há tratados internacionais que obrigam nações a respeitar os valores mais elementares da humanidade.

O apartheid conseguiu a proeza de mesclar a segregação racial com uma sanguinária repressão.

Países que hoje saúdam a memória de Mandela, como os Estados Unidos, mantiveram por anos a fio a condenação, não da barbárie de que negros eram vítimas, mas de quem se opôs a ela.

Mandela foi inserido na lista de terroristas pelo governo inglês e se manteve assim nos Estados Unidos até o recente ano de 2005.

Mas nem isso foi capaz de impedir o motor da história e a vitória da resistência sobre uma ordem terrivelmente injusta.

É algo que a lição de Mandela deve ensinar, não apenas aos povos e a seus governos, mas também aos juristas: é a aplicação da justiça e não o fortalecimento da ordem pela ordem que esvazia a resistência.

Fonte:
http://terramagazine.terra.com.br/blogdomarcelosemer/blog/2013/12/11/mandela-era-fora-da-lei-quando-a-lei-estava-fora-da-ordem/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.