15/11/2013 - 2014 - o ano da internacionalização do yuan,
- da abertura da Arábia Saudita e
- da explosão da UE:
- os três últimos sustentáculos do dólar entram em colapso
- por GEAB (Global Europe Anticipation Bulletin)
- para o portal Resistir.info
"Era noite e a chuva caía. Enquanto caía era chuva, mas depois de caída era sangue".
Estas palavras de Edgar Allan Poe [1] aplicam-se às mil maravilhas ao lento processo de deslocação mundial agora em curso, em que todos os acontecimentos aparentemente anódinos ("a chuva") combinam-se para minar os fundamentos do sistema internacional que está moribundo ("o sangue").
Se este processo é lento, se estes acontecimentos podem parecer anódinos, é paradoxalmente porque a crise atual é a primeira crise sistêmica verdadeiramente mundial: bem mais profunda que a de 1929, ela afeta todos os países e aflige o núcleo do sistema.
Quando a de 1929 foi uma crise de adolescência da nova potência mundial, os Estados Unidos, a que vivemos atualmente corresponde aos últimos dias de um condenado – e este condenado é a super-potência que se conhece desde 1945.
Mas toda a organização do mundo está construída em torno dos Estados Unidos e ninguém tem interesse em que ela se afunde antes de estar completamente desligado.
Trata-se portanto, para todos, de se afastar suavemente salvaguardando as aparências habituais a fim de assegurar um transição sem sobressaltos, o que explica a lentidão do krasch em curso.
É de certa forma como os pais que tentam sair do quarto do seu bebé na ponta dos pés para evitar que ele acorde e se ponha a berrar: o bebé é o dólar e os pais são indignos uma vez que saem para abandoná-lo.
A China é mestra nesta arte, mas vêem-se por toda parte outros países que abandonam progressivamente os Estados Unidos de maneira mais ou menos subtil, como por exemplo a Arábia Saudita [2].
Para a União Europeia, quase o último bastião americanista fora dos EUA, a tarefa é mais árdua. Nossa equipe antecipa que as eleições europeias de 2014, em que a ascensão das direitas extremistas e das forças eurocéticas é inevitável, conduzirão a uma explosão do quadro atual da UE com a possibilidade de a Eurolândia revitalizar-se em sua substituição.
Analisamos em pormenor o caso europeu neste número do GEAB.
Internacionalização acelerada do yuan que vem descredibilizar mais um pouco o papel central do dólar, perda do apoio saudita que era uma peça mestra no edifício do petrodólar e perda do bastião americanista da UE substituído pela Eurolândia que, apoiando-se sobre o euro [NR], constitui uma nova ameaça para os Estados Unidos: três dos últimos apoios essenciais da potência americana desaparecerão em 2014, prosseguindo insidiosamente a convulsão mundial.
Os Estados Unidos fizeram a aposta de que, sendo demasiado doloroso transpor a barreira potencial [3] entre o status quo e o mundo de amanhã, os
países, apesar de terem tudo a ganhar com uma nova organização do mundo, não passarão o Rubicão.
É por exemplo o caso da China com a sua montanha de dólares em reserva que não valerão grande coisa se ela se mexer demasiado ostensivamente; ou ainda a Arábia Saudita que perderá um grande cliente e uma segurança garantida se se desprender dos Estados Unidos.
Salvo se se tratar, nem mais nem menos, de um cálculo frio de custos/benefícios e, para numerosos atores, os benefícios já começam a ultrapassar os custos.
Segundo o LEAP/2020, [Laboratoire Européen d'Anticipation Politique] a aposta americana já está perdida.
Índice do artigo completo:
1. A Oeste, nada de novo
2. A impossível reativação dos EUA
3. Tudo se volta contra os Estados Unidos
4. Arábia Saudita: a abertura de um país fechado
5. Internacionalização do yuan
6. Fractura Leste/Oeste
7. 2014: resolução da questão norte-coreana pelos BRICS
8. A Europa está morta, viva a Europa!
9. Europa de antes, Europa de depois
10. Emergência de contra-sistemas
Nota: Neste comunicado público comentaremos apenas as partes 1, 2 e 8 relacionadas acima.
1. A OESTE, NADA DE NOVO [4]
Os mercados podem estar contentes. Janet Yellen, que em janeiro sucederá a Ben Bernanke à testa do Fed, sugeriu que deseja continuar o programa de flexibilidade quantitativa do seu antecessor (QE3 [Quantitative Easing]) [5].
Ela certamente não tem outra opção uma vez que a ilusão dos Estados Unidos ainda de pé não se sustenta senão graças a este programa que também permitiu relançar artificialmente tanto o mercado imobiliário como os mercados financeiros, ou financiar o governo americano a baixo custo.
Mas apenas os mercados celebram a notícia.
Os países estrangeiros perguntam-se quando as bolhas exportadas pelo Fed vão cessar, como isso vai poder acabar, como deixar de depender dos Estados Unidos e, se ainda não desligaram suficientemente suas economias, quais serão as repercussões internas.
A sociedade civil já sabe que os "benefícios" da QE nunca chegam até ela [6]: como se a totalidade de um New Deal por ano [7] fosse absorvida unicamente pelos mercados e não beneficiasse a população.
E a economia real pergunta-se quando as taxas de juro vão poder subir outra vez para um valor normal a fim de que os investidores sejam novamente estimulados a financiar verdadeiros projetos graças uma remuneração não nula.
Do lado do Fed, nada de novo portanto. Nada de novo tão pouco quanto aos problemas do país que se acumulam e se agravam.
Os jornais de referência [8] já falam de fome nos Estados Unidos;
- os crimes estão em aumento constante desde há dois anos [9];
- o consumo de droga explode [10];
- apesar das reduções orçamentárias que forçam prisões a libertarem seus prisioneiros [11], há mais presos nos Estados Unidos do que engenheiros ou professores do secundário (ver figura acima);
- apesar dos números oficiais encorajadores, o desemprego em massa continua [12];
- as infraestruturas são sacrificadas [13];
- a investigação científica já não é financiada corretamente [14], etc.
[...]
2. A RETOMADA IMPOSSÍVEL DOS EUA
Os problemas dos Estados Unidos na realidade não podem ser resolvidos no quadro atual pois o país encontra-se face a um dilema: se a economia começar a recuperar-se, o Fed deve travar seu programa de apoio, mas então será o pânico nos mercados como se viu em setembro, o que interromperá a retomada...
Mais genericamente, se um mínimo de verdadeiro crescimento ocorrer nos EUA, a montanha de dólares impressos pelo Fed e exportados para os países emergentes vai retornar em parte aos Estados Unidos para aproveitar a sorte inesperada, provocando uma forte inflação e matando a retomada no ovo. [22]
Estas "oscilações" entre esperança e desespero vão portanto continuar enquanto a crise é enfrentada com as ferramentas do mundo de antes, ou até que um choque venha recordar a situação catastrófica.
Pois não é a QE que vai salvar a economia, uma vez que os seus melhores resultados são manter artificialmente em vida zumbis econômicos e inchar bolhas financeiras.
[...]
8. A EUROPA ESTÁ MORTA, VIVA A EUROPA [42]
Resolução dos conflitos, comércio, finanças... vê-se pois que o fosso se aprofunda com o Ocidente.
Entretanto, à imagem desta nova rota da seda que liga a Ásia e a Europa, esta última ainda pode saltar a tempo no mundo de amanhã se chegar a cortar o cordão umbilical com os Estados Unidos, após as eleições de 2014 que servirão como detonador.
Ascensão das direitas extremistas e dos partidos eurocéticos, déficit democrático, peso do lobbies e afastamento dos cidadãos, centralização bruxelense, burocracia e tecnocracia... a União Europeia morre [43].
Segundo a nossa equipe, as eleições europeias de 2014 vão provocar a explosão do quadro atual na UE e iniciar uma repolitização da União, a começar por um grande debate sobre o futuro da Europa.
Esta recolocação em causa já começou, com os Verdes por exemplo apresentam candidatos comuns em todo o território da UE [44], iniciando assim uma "verdadeira" eleição europeia, ou com os partidos socialistas que pressionam o candidato muito sério Martin Schultz à testa da Comissão Europeia. [45]
Mas segundo o LEAP/2020, esta refundação, se for conseguida, tomará tempo, muito tempo, e a verdadeira oportunidade para uma UE democrática é portanto a eleição de 2019. Analisamos longamente o destino da Europa na secção Telescópio.
Ora, esta União Europeia que morre é a Europa inspirada e infiltrada pelos interesses americanos.
É a Europa reduzida a um vasto mercado comum que deve ampliar-se sem cessar.
É a Europa que se inclina diante da Monsanto e que a remete aos Estados membros [46], deixando assim o campo livre à multinacional americana.
Esta camuflagem das políticas anglo-saxônicas, esta terceira muleta americana, afunda-se.
Mas estas decisões ditadas pelo primo americano passam cada vez mais dificilmente [47].
Um outro exemplo é dado pela adesão da Turquia à UE, escolhida pela agenda americana e não pelos cidadãos europeus e nem pelos turcos [48]: já difícil, esta estará condenada definitivamente quando partidos de extrema-direita irromperem no Parlamento Europeu em 2014.
Mas o continente não esperará por 2019 para se reorganizar e a questão refere-se à forma que assumirá a Europa de amanhã.
Enquanto isso, como veremos na secção Telescópio, a Eurolândia tem a capacidade de construir um projeto político que virá preencher o vazio deixado pela União Europeia. [...]
Notas:
[1] Extraído de "Silence", 1837.
[2] Algo inconcebível antes...
[3] Em física, esta noção designa um obstáculo que uma partícula não pode transpor senão quando ela ter energia suficiente.
[4] Título de um romance de Erich Maria Remarque (1929).
[5] Fonte: Business Insider , 13/11/2013.
[QE] Política monetária não convencional empregada por Bancos Centrais para estimular a economia.
[6] Ler o artigo edificante "Confessions of a Quantitative Easer" (Wall Street Journal, 11/11/2013) ou sua tradução em francês em les-crises.fr.
[7] As despesas do New Deal são estimadas em 50 mil milhões de dólares no total entre 1933 e 1940 (fonte: Forbes).
Com a inflação, esta quantia representa cerca de 850 a 900 mil milhões de dólares actuais (cf. US inflation calculator, quando o Fed injecta 1020 mil milhões de dólares por ano, ou seja, mais de um New Deal por ano.
Ver também Answers.com.
Entretanto, deve-se contextualizar este números uma vez que o QE3 representa 6% do PIB enquanto na época os 50 mil milhões do New Deal representam cerca de 50% do PIB (repartidos ao longo de 8 anos, ou seja, igualmente 6% por ano).
[8] "America's new hunger crisis", MSNBC (30/10/2013). Ver também Reuters, 12/09/2013.
[9] Fonte: Time, 24/10/2013.
[10] Fonte: Bloomberg, 13/11/2013.
[11] Fonte: por exemplo CBS, 27/02/2013.
[12] Fontes: CNS News (22/10/2013), ZeroHedge, (08/11/2013).
[13] Fonte: Business Insider, 01/11/2013.
[14] Fontes: ThinkProgress, (30/08/2013), The Tech (07/05/2013), etc.
Mesmo o prestigioso MIT é fortemente afectado: Boston Globe, 20/05/2013.
[...]
[22] Ler a respeito a análise de Andy Xie, Caixin, (05/11/2013).
[...]
[42] Referência à fórmula "o rei está morto, viva o rei!" pronunciada inicialmente na sucessão de Carlos VI em 1422. Fonte: Wikipedia.
[43] É interessante constatar que todas as "uniões" (União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos) estão em graves dificuldades; em particular, a escolha deste nome reflete princípios de governação que não estão mais adaptados à nossa época em que uma governança descentralizada em rede torna-se imperativa para gerir os grandes blocos regionais.
[44] Fonte: EUObserver, 11/11/2013.
[45] Fonte: Huffington Post, 10/10/2013.
[46] Fonte: Die Zeit, 06/11/2013.
[47] Assim, o milho da Monsanto mencionado acima teria ainda de ser bloqueado por numerosos países.
[48] Apenas 20% dos europeus e 44% dos turcos pensam que a integração da Turquia seria "uma coisa boa" Hurriyet, 19/09/2013).
Enquanto Hillary Clinton em novembro de 2010 dizia: "the United States [...] support the membership of Turkey inside the EU. [...] We don't have a vote, but if we were a member, we would be strongly in favor of it".
[NR] Parece absurdo dizer que a recuperação da dita Eurolândia após a derrocada da UE possa apoiar-se no Euro. O mais provável é que seja a derrocada do Euro a arrastar a da UE.
O original encontra-se em www.leap2020.eu/...
Este comunicado público encontra-se em http://resistir.info/
Fonte:
http://resistir.info/crise/geab_79.html
Veja também:
- As consequências do declínio americano - Immanuel Wallersten
- A morte do dólar - Paul Craig Roberts