sábado, 8 de dezembro de 2012

Oscar Niemeyer: "O importante é a vida de mão dada"

06/12/2012 - Entrevista com o Niemeyer (aos 98 anos) com jornalistas da REVISTA CAROS AMIGOS, 2006.
- Republicada nesta Quinta
- Escrito por Aray Nabuco

Arquiteto morreu na noite de quarta (5 de dezembro de 2012) aos 105 anos, no Rio de Janeiro

Da Redação: Leia a seguir, entrevista publicada na edição 112 da revista Caros Amigos, que circulou a partir de julho de 2006.


"O importante é a vida, o sujeito viver bem, de mão dada."


Em 90 minutos de perguntas e respostas, o arquiteto maior manifestou a alma romântica que alimenta sua certeza de um futuro melhor para o ser humano.


Rafic Farah
Você viu momentos lindos e momentos de altos e baixos, duros e bons da realidade brasileira; sente que hoje no Brasil há um predomínio da ignorância? 



É uma continuação do regime capitalista, não é? Do império dos Estados Unidos, do Bush a espalhar sangue por toda parte, é um momento de decadência. A gente espera que mude, porque sente que em toda a América Latina, em toda parte, há uma tendência de mudar. Um movimento contra o Bush, governos mais populares na América Latina. Tanto que a gente vê que a coisa está melhorando, que há qualquer luz no horizonte, a gente tem uma esperança. Mas é difícil, principalmente para nós que não acreditamos em melhora dentro do regime capitalista. A gente tem que virar a mesa.

Thiago Domenici
O senhor é otimista com relação ao futuro do país?





Eu sou porque é a maioria que vai comandar, não é? Eles estão com fome, não têm dinheiro, um dia a coisa muda, não é? E a gente tem que estar preparada para quando tiver a chance disso, como teve Fidel livrando Cuba. Então, mudar as coisas. Enquanto houver esse regime de poder, de dinheiro, de bancos, não caminha nada. De modo que nossa posição agora, entre amigos, e em movimentos assim entre arquitetos, é melhorar um pouco a mentalidade das pessoas. O sujeito estuda em uma escola brasileira e é a formação do homem especialista, que é a maior merda, não é? O sujeito só sabe aquele assunto. O meio médico só sabe medicina, o outro a mesma coisa...

Então estamos lutando para que nos regimes superiores haja sempre conferências paralelas sobre filosofia, sobre história, sobre letras. Não é pra criar um intelectual, mas criar um sujeito que tenha o mundo diante dele, esse mundo perverso que nós vivemos. Mas não é uma tendência de crer no racionalismo de Schopenhauer, não. Mas é ficar realista, ver que o ser humano não tem perspectiva, é pequenino, basta ele olhar para o céu, ele é insignificante, não é? Então levar o sujeito a uma posição mais modesta, o sujeito ter prazer em conhecer as pessoas, não ficar adivinhando os defeitos; não, é como dizia o Lênin, 10 por cento de qualidade já é suficiente. Para haver um entrosamento, vontade de viver de mãos dadas de uma maneira mais decente.

Gershon Knispel
Juntar as disciplinas foi também a sua ideia quando você fez o projeto da plataforma da Universidade de Haifa. Sob a plataforma reuniam-se todas as disciplinas.

Com relação à arquitetura, por exemplo, a gente sabe que estamos vivendo um momento especial para o arquiteto. Porque o concreto armado permite coisas que eles nunca tiveram possibilidade de fazer. A gente lembra no passado, os arquitetos da Renascença, querendo fazer as cúpulas, limitados a 30 metros, 40 metros de diâmetro. Como eles gostariam de fazer a cúpula que estou fazendo lá em Brasília, que tem 80 metros de diâmetro! É a evolução da técnica na arquitetura, permitindo coisas que eram impossíveis.



Veja em Veneza: o arquiteto do Palácio dos Doges queria fazer um espaço maior dentro do palácio, e não podia. Então ele fez uma treliça de madeira fantástica pra conseguir eliminar os apoios. Hoje, uma lajezinha dava a ele essa possibilidade, sem nenhum problema. De modo que a arquitetura evoluiu em função da técnica, mas também em função da melhoria da sociedade, do desenvolvimento de uma sociedade mais justa. Por exemplo, eu me lembro lá na Argélia. Não fiz um prédio para cada escola, fiz dois grandes prédios, um com salas de aula e outro com laboratórios, e esses dois prédios servem a todos os estudantes.

Eu queria fazer o que o Darcy Ribeiro propunha: dar mais ligações para que os estudantes tivessem mais contato, trocassem experiências. Então, aí é o ensino que evolui e influencia a arquitetura. De modo que a arquitetura cresce com esse apoio lateral da sociedade, da técnica. Por exemplo, quando os arquitetos sentiram que os prédios deviam subir para encurtar as distâncias, não foram eles que deram a solução, mas foi o elevador que permite subir. E aí apareceram nas cidades esses centros de arquitetura vertical horríveis uns contra os outros, mas podiam ser muito bons. Como tem na Île de France, em Paris. Eles subiam em altura, mas cresciam no sentido horizontal também. De modo que a arquitetura é sempre levada pelos fatos. Eu digo sempre que é a vida que muda tudo, não é? A vida é que é importante. Acho que o sujeito estar na rua protestando, esculhambando o governo, não esse governo atual, mas o sujeito querer mudar as coisas é que conta. A vida é que é importante.

Claudius
Em 1968 fiz uma entrevista com o Lúcio Costa, e lembrei a justificativa que ele fez de Brasília, em que as superquadras seriam um ponto de encontro entre as várias classes sociais, permitiriam uma socialização em que as pessoas partilhariam o espaço comum, a escola, a igreja, o supermercado, o teatro, as habitações também, e eu disse: Não foi isso que aconteceu. O que aconteceu é que as pessoas que fizeram Brasília estão morando nas cidades satélites, não na cidade que elas fizeram. E ele disse: A realidade brasileira foi mais forte que o sonho.

A gente pensa que nas cidades modernas o mais importante é a base, que não cresçam indefinidamente, degradando. E que elas sejam separadas, sejam multiplicáveis e não que uma cidade cresça. De modo que Brasília é isto: fizeram as cidades satélites grudadas no Plano Piloto. Então, isso dificulta a circulação, esse vaivém de uma cidade para outra. É complicado.

Marina Amaral
E o Rio de Janeiro? Como o senhor sente a evolução da cidade nesse tempo todo?



Eu gosto do Rio, acho o Rio formidável, essa esculhambação. Nem tenho vontade de sair pra lugar nenhum. Basta olhar o mar, com alguma esperança no coração, pensar que tudo vai mudar...

Claudius
Não conseguiram destruir o Rio, incrível. Mas, se te dessem a possibilidade de tomar algumas decisões em relação ao Rio, o que você proporia?

Acho que a base é a diferença entre as classes, é a grã-finagem que mora na beira do mar, olhando as favelas como o inimigo, vendo os garotinhos da favela sem futuro porque eles nascem ali sem apoio, sem lar, estudo, sem nada, será um homem revoltado, feito a figura do escritor francês Albert Camus. O Rio tem que melhorar é o sistema de vida, não tem condição. Depois dizem que a gente fica se adiantando, que isso tem que vir com o tempo. Tem nada, tem que estar preparado. A gente tem é que sonhar, senão as coisas não acontecem. É lógico que em termos urbanos tem coisas erradas, cortaram a praia, fizeram entre a cidade e a praia uma via de circulação rápida; ninguém faz isso, é o contrário, a cidade mais ligada ao mar. São coisas que acontecem. Qualquer cidade antiga, você vai ver, tem coisas erradas.

Rafic Farah
Dentro do que você já viu acontecer, acha que o Brasil está evoluindo?


Acho, acho que está melhorando. Acho que o governo Lula, nós queríamos que ele fosse mais ativo, esperávamos um governo mais corajoso, mas é melhor ficar com ele. Porque a reação é uma merda. O Lula pelo menos conversa com o Chávez, dá um certo apoio. Não é o líder que nós gostaríamos, mas é um operário que está aí pensando no povo. Acho que tomar uma posição contra o Lula é uma posição reacionária, é pior.

A gente vê que a coisa está melhorando, que há qualquer luz no horizonte, a gente tem uma esperança. Mas é difícil, principalmente para nós que não acreditamos em melhora dentro do regime capitalista.

Marina Amaral
E o senhor vê outros líderes brasileiros interessantes?


Vejo, vejo esse Stedile, que conduz a reforma agrária. O MST é o único movimento decente que temos por aí. Tenho até um boné que ele me deu.

Quando o sujeito que vem é mais reacionário, eu ponho o boné. É uma luta importante. O Lula não deu todo o apoio que eles mereciam, mas, de qualquer maneira, está mantendo a coisa.

Marcelo Salles
Falando em revolução, que o senhor e o Stedile propõem, o senhor acha que a atual conjuntura permitiria isso?

Acho que o mundo caminha à base do inesperado, de uma coisa nova que aconteça. Então temos a expectativa do que vai acontecer, pode vir a favor, pode vir contra, como as torres lá em Nova York, mudou tudo. As coisas são sempre assim. O João Saldanha dizia uma coisa boa, que é a vida que leva a gente. A gente faz um plano, e bau. Outro dia eles vieram aqui, o pessoal do Pasquim: O que você acha? Acho que o importante é mulher do lado e seja o que Deus quiser. Eles acharam graça, depois eu pensei: que frase mais reacionária, que coisa mais egoísta, porque não basta isso, isso é a base, né?

A gente tem que olhar o mundo, a miséria que existe, uma contribuição imensa que a gente tem a dar, a ajudar a melhorar.

Thiago Domenici
O senhor é um comunista assumido, não é?



Ah, tem que ser. O que me irrita é quando o sujeito diz:: Não. Vem um regime de esquerda, mas vai ser diferente. Diferente nada. Foram setenta anos de glória. Eu me lembro do Stálin dizendo para os soldados dele quando os alemães já estavam em Stalingrado: Pra Berlim! É fantástico, não é? E venceram a reação, livraram o mundo do nazismo.

Tem gente que tem receio de falar de Stálin porque os americanos deram a ele uma imagem de um calhorda qualquer. E não é, é um sujeito fantástico, preparou a Rússia para a luta necessária, mantendo uma indústria pesada.

Thiago Domenici
E o senhor já imaginou o comunismo no Brasil?

Eu vivi aquele período do Prestes, quando a gente tinha esperança, a gente ia pra rua, a gente fazia comício, depois veio a reação e pra eu falar com o Prestes tinha que pegar um carro, trocar de carro no caminho, não é? Eram companheiros muito corretos, as melhores pessoas que eu conheci foram do Partido Comunista. Mesmo quando eles fogem da linha do partido, assim, teve o Araguaia, eles tinham idealismo, fizeram muito bem, Marighella era um sujeito fantástico... A gente se revolta e tem sempre esse lado espontâneo, de querer melhorar as coisas.

Gershon Knispel
Em 1964, quando a gente se encontrou em Tel Aviv, você começou o seu período de exílio. O escritor e ministro da Cultura da França André Malraux até fez uma lei especialmente pra você poder trabalhar no exílio.


Eu fui antes do golpe. Fui em fevereiro. Lembro que, quando fui me despedir do Darcy Ribeiro, ele me disse: Oscar, estamos no poder. 

Depois de quinze dias na Europa, eu estava em Lisboa e ouvi a notícia do golpe pelo rádio. De modo que fiquei por lá um pouco. Porque ainda existe solidariedade. Cheguei na França e o André Malraux tirou um decreto com De Gaulle pra eu poder trabalhar na França como um arquiteto francês. E na Argélia foi a mesma coisa, e na Itália.


Ficava aflito lá, às vezes me emocionava com o negócio do Brasil, lembrando as coisas que estavam ocorrendo aqui. Mas fiquei por lá algum tempo e quando vim fui direto pra prisão, no dia seguinte estava na prisão. Não me soltavam. O senhor tem que prestar declarações, etc. e tal. Doutor Niemeyer, o que vocês pretendem? Eu disse: Mudar a sociedade. E o sujeito que fazia as perguntas vira pro crioulinho que estava batendo a máquina: Escreve aí: mudar a sociedade. Ele virou-se pra mim e disse: Vai ser difícil, hein?... Filho da mãe! Tratando de melhorar a vida dele!...

Marina Amaral
E hoje o presidente do Congresso é um comunista.

Pois é. As coisas melhoram.

Marina Amaral
Qual sua visão do Congresso, da política em Brasília hoje?

Tenho alguma esperança, porque o mundo está mudando. Você tem que se aproximar do povo para ter poder. Acho que a América Latina vai se organizar, a gente não sabe o que vai acontecer com o Bush, ele está desmoralizado, mas está com as armas, né? E é um tarado. Um dia eu disse aqui que ele era um filho da puta. Passou um tempo, um sujeito veio me entrevistar e ele soube disso e perguntou: Doutor Niemeyer, o senhor disse que o Bush é um filho da puta? Eu disse: Olha, não conheço a mãe dele, mas ele é um filho da puta. Mas tem esperanças...

O que me incomodou muito nessas CPIs foi a maneira com que um deputado questionava o outro. Eles estavam naquilo havia muitos anos, deviam ser amigos, fazer um inquérito mais educado, sem ofender. O Zé Dirceu merecia mais apoio, respeito, ele era um sujeito que tinha lutado. Mas não foi sempre assim.

Um período que me lembro de ser tranquilo da gente trabalhar foi o período do Capanema (Gustavo Capanema foi ministro da Educação de Getúlio Vargas no Estado Novo, depois criou o Instituto Nacional do Livro e o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Ele era um sujeito fantástico, não pensava em dinheiro, era teso mesmo. Queria a melhora do país, do ensino. Chamou Portinari, Drummond, chamou todo mundo. O Rodrigo de Mello Franco, do Patrimônio Histórico, passou a vida ligado ao Patrimônio, eu trabalhei com ele. Me lembro, a gente ia viajar, cidades mineiras, Ouro Preto, e eu sentava ao lado dele e ele me dizia: Oscar, se a gente não correr, essas casas vão cair como baralho de cartas. E defendemos o patrimônio artístico.

Marina Amaral
O senhor falou do Chávez. O senhor acredita nessa união Fidel-Chávez-Morales?


Acho que só não pode exagerar, se meter na vida de outros países, mas eles são importantes. Chávez é uma figura importante.

Claudius
Você o conheceu?

Não. Ele veio aqui no Rio uma ocasião, me avisou que vinha. Eu fui lá, mas ele demorou tanto, estava almoçando, que eu vim embora.

Thiago Domenici
E de onde o senhor tira tanta energia pro trabalho?

Ah, não tem energia nenhuma. Eu faço projeto sentado. Porque é bom a gente pensar. Foi o desenho que me levou pra arquitetura, mas hoje eu sei que a arquitetura está na cabeça. Fica ali pensando, depois é só levantar e desenhar o projeto.

Gershon Knispel
Oscar, eu notei, quando trabalhamos juntos em várias ocasiões, que você dá muito sentido à palavra escrita. Quando faz um projeto, você gosta de escrever sobre ele.

Eu desenho, o sujeito não entende, então preciso explicar. Aí, você explica como é que aquilo vai funcionar. Então, tenho que fazer o projeto; acabei o projeto, está tudo estudado, desenhado, aí escrevo o texto explicativo. Se tem uma dúvida, volto ao projeto. É a prova dos nove que a gente pode dar. 



Mas a arquitetura hoje é um movimento tão generoso do concreto armado, e na realidade você voltar ao passado, ver o primeiro átrio, a primeira curva, as catedrais, vai se repetindo... Mas o vocabulário plástico do concreto é tão mais rico, que com ele não tem fim. Eu digo sempre: não acredito em uma arquitetura ideal, se todos fizessem a mesma coisa seria o fim. Mas o sujeito pode usar o concreto e tudo o que ele oferece, ele permite tudo. Agora, pode cada arquiteto fazer sua arquitetura, o que ele gosta, e não o que os outros gostariam que ele fizesse. Ele tem que ser decidido, por isso eu conto sempre: fui chamado pelo prefeito do Havre, na França.

Cheguei lá, um lugar frio, vento, a praça na beira do mar, eu disse: Olha, eu queria afundar a praça 4 metros. Ele me olhou espantado. Nunca lhe pediram pra afundar uma praça enorme 4 metros. Mas ele fez. Então, na praça do Havre, você anda pela calçada e está vendo a praça embaixo. Você é convidado a descer porque tem um teatro dentro dela, o sujeito desce e vê a praça. Então é uma praça diferente, não conheço outra no mundo. Ela foi tombada. E teve um crítico italiano, não me lembro o nome agora, um sujeito muito duro, que declarou que ele põe a praça do Havre entre as dez melhores obras de arquitetura contemporânea. Por quê? Porque é diferente. Então eu digo, tem que ser diferente.

A obra de arte tem que criar emoção e surpresa.


Tem uma história engraçada, não sei se dá pra publicar. Uma vez, Capanema quis fazer uma exposição num prédio antigo lá do Castelo. E o prédio era ruim de arquitetura. Nós queríamos dar mais ênfase à exposição, então penduramos uma lona na frente do prédio, disciplinamos a fachada, né? E fizemos uma marquise de madeira, saindo assim do prédio com uma curva, pra marcar a entrada. Então, 4 horas da manhã, vinham dois operários andando assim e um deles parou e disse: Caramba, é tão bonito que não parece real. Quer dizer, o que é isso? O sujeito do povo não participa da arquitetura, mas quando é bonito ele tem um momento de prazer.

Claudius Oscar
Do que você fez, o que gosta mais? Digamos que você tenha que nomear cinco.




Ah, são temas diferentes. Esse projeto do museu agora (de Brasília) eu gosto porque é um exemplo do que se pode fazer com concreto armado. É o concreto armado utilizado com toda a sua possibilidade. É a cúpula de 80 metros, os tirantes que sustentam o mezanino, tem as rampas, é um espetáculo estrutural. O museu de Niterói, por exemplo, é bonito. E arquitetura tem que ser fácil explicá-la. O museu de Niterói, eu cheguei lá, vi a paisagem, e o mar defronte. Aí, as montanhas do Rio. Uma paisagem que eu tinha de preservar. Então subi o prédio, preservei a paisagem, ele está solto no ar. De modo que arquitetura funciona quando cria emoção, quando o sujeito fica espantado: Que merda é essa?

Claudius
Mas o MAC, o museu de Niterói, ainda tem uma coisa que é uma sacação incrível. Está dentro de um lago, e tem um determinado ângulo que você vê a água do lago em que ele está se confundindo com o mar.

É, eu fiz de propósito. Fiz o espelho dágua que...

Marcelo Salles
E quando você está lá dentro parece que está no mar. Porque não vê o chão, só vê a água.

Uma vez eu estava com o Darcy conversando e ele me contou que fez uma reunião pra discutir o problema do índio e o índio ficou lá calado. Estava no fim da reunião, ele virou pro índio e disse: Você não quer dizer alguma coisa? O índio disse: Não. Por quê? Porque estou com preguiça.


Então, a arquitetura é tão clara, a gente explica: concreto armado, o caminho a seguir, usá-lo em toda a sua plenitude é função do arquiteto, reclamar que a arquitetura é injusta é função do arquiteto, reclamar que a arquitetura não tem importância... Diante da vida não tem mesmo. O importante é a vida, o sujeito viver bem, de mão dada. De modo que, quando o Darcy me disse isso, eu fiquei pensando: vai ver que esse índio já estava cheio de tanta promessa. De tanta discussão, sabendo que tudo era fantasia.

Claudius
Palácio Itamaraty, em Brasília?

Eu gosto, mas gosto mais dos outros prédios. Não tem uma novidade assim, ele é bonito, o jardim é bonito.

Claudius
E (a sede da editora) Mondadori, na Itália?





Mondadori também. Você sabe que o Mondadori veio aqui, eu não conhecia ele, e disse: Doutor Niemeyer, estive em Brasília, vi o Palácio do Itamaraty e aquela colunata, eu queria um projeto lá (na Itália), bonito, para o senhor fazer uma colunata daquela. Eu disse: Está bem, vou fazer. Mas lógico que eu não ia fazer igual. Em vez de fazer uma colunata como a do Itamaraty, em que as colunas se repetem em espaços iguais, eu queria mudar. Não adiantava eu querer mudar o fecho das colunas, tinha que mudar os espaços entre elas. Então fiz espaços de 15 metros, 5 metros, 3 metros, uma coisa assim meio musical, e ficou diferente. E as colunas do Palácio do Itamaraty sustentam o teto, mas as colunas da Mondadori sustentam cinco andares. Tem as colunatas, as vigas em cima, e tudo pendurado em tirantes, os cinco andares. De modo que a obra da Mondadori, como obra de arquitetura, de aproveitamento da técnica, tem muito mais impacto. É muito diferente.

Garanto que nenhum de vocês viu um prédio em que as colunas têm espaços diferentes entre elas. É uma coisa que a técnica permite, uma surpresa que cabe ao arquiteto exprimir em seus trabalhos.

Claudius
Agora, tem umas coisas que se destacam: capelinha do Palácio da Alvorada, que acho um gesto aquilo ali.

É. O tamanho do prédio ajuda, em um prédio público você tem que usar a técnica pra ficar e mostrar a época que você está vivendo. Só era possível
fazer assim. Agora, coisa pequena... Mas eu, por exemplo, não faço barroco. Trabalho nas próprias estruturas. Não faço detalhe bem desenhado assim, a forma que eu produzo é nas estruturas, criando estruturas diferentes.

Thiago Domenici
Antes da arquitetura é verdade que o senhor quis ser jogador de futebol?

Eu joguei no juvenil do Fluminense. Meu irmão é que jogava no segundo time.

Thiago Domenici
O senhor jogava em qual posição?


Joguei só uma vez em campo, era uma preliminar (do Fla-Flu, no estádio das Laranjeiras), mas eu jogava no colégio. O goleiro do Flamengo naquele tempo era o Amado Benigno, ele foi meu colega no colégio. Lembro que, depois que saímos do colégio, já formados, ele me telefonou querendo que eu fosse treinar lá no Flamengo. Ele me conhecia do futebol na terra, em um campo assim de salão. Mas futebol pra mim é diversão. É fantástico, você olha lá o jogo, quem entende vê a evolução de cada jogada...

Thiago Domenici
O senhor tem admiração por outros esportes?

Quando eu era garoto era abusado, frequentei o Gracie (Hélio Gracie foi campeão e professor de jiu-jítsu). Sempre é bom fazer um exercício, né?

Marina Amaral
Voltando à política: em qual momento histórico brasileiro o senhor se sentiu mais esperançoso, mais próximo da mudança que o senhor almeja?

Foi com Prestes. Lembro que o Prestes foi no meu escritório, quando ele chegou de fora, eu falei: Senhor.... Ele disse: Senhor é senhor de engenho ou Nosso Senhor. E depois eu disse a ele: Olha, o seu trabalho é mais importante que o meu, você fica com o meu escritório. Saí e fui arranjar um outro lugar pra trabalhar. E foi engraçado porque eu estava fazendo o Banco Boavista. O presidente do Banco Boavista, barão de Saavedra, era um sujeito muito educado, um sujeito muito bom, aliás. Ele telefonava às vezes pra mim, uma vez telefonou e o pessoal: - Partido Comunista Brasileiro.

Ele tomou um susto e no dia seguinte me perguntou: Vem cá, o que tu conversas com o Prestes? Nós falamos de mudar as coisas, que um dia as coisas vão mudar. E vão mudar, lógico.

Gershon Knispel
Quando Fidel esteve aqui, ele nos abraçou e disse: Nós somos os três últimos comunistas do mundo. Será?

Não, acho que existe muito comunista no mundo. Todo sujeito que tem a revolta dentro dele é um comunista. O que a gente quer? Acho que é importante hoje o sujeito ser modesto. Quando vejo o sujeito pensando que é importante, acho uma merda. Nada é importante. Agora, tem de melhorar o mundo, lutar, fazer a vida mais justa, os homens se entenderem, estamos no mesmo barco. Pra ser coerente, temos aqui uma aula de filosofia por semana.

Claudius
Quem é o professor?

Ele é físico e a aula que dá é de filosofia com ciência. Anteontem mesmo ele falou aqui de uma cratera imensa que descobriram no pólo, acham que ela é responsável até pela separação da África da América. A ruptura que houve foi no momento em que um meteoro fantástico caiu em cima do pólo e fez esse buraco enorme. A terra tremeu e se separou ali na África.

Marina Amaral
E quem assiste às aulas com o senhor?

O pessoal do escritório. A gente tem que ser coerente. Tem um rapaz aqui, ele é modesto, quer ser arquiteto. Então pago a universidade pra ele. Mas ele tem que ler um livro e me mandar uma notinha de dois em dois meses. Agora, você pergunta pra ele quem é Machado de Assis, ele sabe; quem é Eça de Queirós, ele sabe. Porque um dia eu estava aqui no escritório com umas estudantes, duas moças conversando, e uma perguntou: Você já leu Eça de Queirós? E a outra perguntou: É filho da Rachel de Queiroz?

Thiago Domenici
O senhor tem uma preocupação muito grande com o céu, que as pessoas possam olhar o céu. Se o senhor fosse filosofar sobre o céu, o que diria?


Esse universo que não é nosso é tão imenso que o sujeito tem que se sentir pequenininho. Realmente é fantástico. O tempo e os movimentos, ah, o universo é fantástico. E quando vejo um beija-flor, por exemplo, é tão bonito, é tão bem-feito, parece uma coisa feita em um concurso, assim, de movimentar as asas, é um mistério.

Quando vejo um beija-flor, por exemplo, é tão bonito, é tão bem-feito, parece uma coisa feita em um concurso, assim, de movimentar as asas, é um mistério

Rafic Farah
E Deus? Você não cogita que exista uma entidade superior criando o beija-flor? Criando essa harmonia do universo?

Ah, eu sou realista. Pode ser. Eu não acredito em religião. Mas gosto de conversar com os padres. Tem um que foi arcebispo que já veio almoçar aqui. Porque fui criado em uma casa e tinha o retrato do papa na parede, na sala de visitas. Meu avô era católico, ministro do Supremo Tribunal Federal durante muito tempo, e das lembranças que às vezes eu falo dele é que ele morreu teso. Nós vivíamos em uma casa grande em Laranjeiras, ele fez o andar de cima pra minha mãe, morávamos no andar de cima, e tinha muita gente que visitava a casa. Aí, um dia, ele morreu, morreu teso, o que achei ótimo. A gente viu que o dinheiro não interessa mesmo. Com a casa hipotecada, a vida que levávamos era mais ou menos tranquuuuilaele era uma pessoa conhecida; isso mudou completamente de um dia pro outro. Eu passei por esses momentos: uma vida não de luxo, mas de economia tranquila assim, pra no dia seguinte não ter nada. Foi ótimo.

Sempre achei que o dinheiro não tem importância. Por isso, quando Juscelino me telefonou, Oscar, eu sei que você tem problema de dinheiro, queria que você fizesse o projeto do Banco do Brasil e do Banco de Desenvolvimento Econômico pela tabela do Instituto, eu disse: Assim eu não faço. Por quê? Porque sou funcionário. Pra viver tem que trabalhar. O trabalho que eu faço eu divido. Meu trabalho tem duas etapas. A primeira é o projeto. Faço sozinho porque acho que arquitetura é uma coisa muito pessoal. Faço naquela prancheta ali. Quando está pronto o projeto, chamo um escritório de fora, na maioria dos casos é o da minha neta, e o escritório desenvolve o trabalho. Assim tenho mais folga de tempo, né? Posso ver os amigos, a gente bate papo, conversa.

Rafic Farah
Quantos projetos você está tocando agora?

Estou fazendo na Espanha um museu e um conjunto grande, um auditório.

Marina Amaral
O senhor sempre acompanha suas obras ou algumas vê já prontas?



Eu acompanho a obra. Por exemplo, o museu de Niterói; se vocês forem ver, eu sempre me preocupei com a ligação da arquitetura com as artes. No tempo do Capanema foi levada a sério essa ligação da arquitetura com as artes. Quando eu fiz a Igreja da Pampulha, chamei o Portinari, a fachada toda de azulejo com desenho dele. Nesse átrio que estou fazendo em Niterói não havia dinheiro pra chamar mais ninguém, então eu mesmo fiz o desenho da fachada. No azulejo, as mulheres dançando, tal. De modo que isso é importante. Mas, nesse museu, fiz um croqui pra uma exposição da minha filha, um croqui assim com um comício, o pessoal chegando, aquelas bandeiras, o entusiasmo, fiz um croqui de 80 centímetros.

Agora estou desenvolvendo pra 40 metros. Pro teatro. Quem entrar no teatro vai tomar um susto. Então estou preocupado com, de um desenho de 80 centímetros, fazer 40 metros de azulejo! De modo que o trabalho tem essas coisas que estimulam, que a gente gosta de participar. O povo fala da arquitetura às vezes, mas não é esse caso. Pra mim é engraçado chegar lá e ver em uma parede um croqui que eu fiz tão pequeno, lá. E cria espanto, quando o povo chegar lá e ver. E, por mim, isso tem que acontecer.

Marina Amaral
O senhor conversa com os operários?



Com o mestre-de-obras, claro, a gente sempre conversa. Me lembro, no tempo de Brasília, eles eram amigos nossos, a gente ficava lá o dia inteiro. Brasília foi uma aventura difícil. Lembro quando um dia Juscelino me chamou, o primeiro contato que tive com ele foi quando fui fazer a Pampulha.

Foi a primeira obra dele como homem público, meu primeiro trabalho, e o primeiro projeto que o Marco Paulo Rabello acompanhou como engenheiro. 

Então lembro que Juscelino me explicou o programa com aquele entusiasmo dele, depois me disse: Olha, preciso do projeto pronto até amanhã. Aí fui pro hotel, eu era moço, trabalhei a noite inteira e entreguei o projeto de manhã. E essa coisa, de o projeto ficar pronto pra amanhã, eu vivi em Brasília o tempo todo. Ele queria trabalhar. Então, Brasília foi uma aventura, porque a gente não tinha material suficiente pra projetar, a gente tinha que achar. É engraçado, porque, apesar do tempo curto, eu não procurei fazer uma arquitetura mais fácil, não. Fiz as colunas mais complicadas, uma forma diferente, tem que fazer no chão, depois acomodar as placas de mármore...


De modo que Brasília foi feita assim. Sem a gente procurar o caminho mais lógico. A gente queria fazer diferente. De modo que quem vai a Brasília, eu estou tranquilo, pode gostar ou não dos palácios, mas não pode dizer que viu antes coisa parecida. E pra nós, na arquitetura, isso é o máximo. Tem que ser diferente.


Marina Amaral
Você e Juscelino eram amigos?



Não, não. Eu conheci ele prefeito, quando estive na casa em que ele morava. Mas era um sujeito bom, que pensava nos que trabalhavam com ele. Israel Pinheiro foi fantástico, digno, corajoso, sem Israel Pinheiro Brasília não ficava de pé. E teve o Joaquim Cardozo, que era calculista, um poeta, um sujeito que compreendia o que a gente queria. Depois teve o Lúcio (Costa) no Plano Piloto. De Brasília eu guardo uma lembrança boa, não apenas da obra realizada, mas do ambiente de camaradagem. Por exemplo, fiquei em Brasília sozinho com um pessoal, então a gente tinha que se adaptar. Ir pra cidade, tomar uma bebida lá, dançar.

Quando fui pra Brasília não levei apenas arquitetos, fiz questão de levar jornalistas, levei até um jogador de futebol que não lembro o nome, levei gente fora da profissão, pra bater um papo. Tem que ter uma pausa pra gente conversar outras coisas. Levei um amigo meu que era médico, um sujeito muito engraçado. De modo que me preparei para aguentar e não ficar só falando de arquitetura...

Gershon Knispel
Você não muda suas idéias desde aqueles tempos, não é?

O que eu acho que tem que mudar é o principal, que a vida pelo menos seja igual pra todos, mas saber que está colaborando, que está ajudando outras pessoas a viver, sendo auxiliadas, sempre a gente trabalhar junto, é um grupo, não é? Cada um dá a sua parcela de contribuição. E depois tem os que constroem, que é importante, e os que vão usar, e aí a gente vê que a arquitetura não é tão importante, que trabalhamos só para os ricos ou para os governos, os pobres ficam olhando de longe e achando aquilo bonito quando é bonito, achando graça quando é diferente.

Marcelo Salles
Na sua opinião, em que medida os meios de comunicação são importantes pro sistema capitalista?

É tudo a serviço do capitalismo. O pobre está fodido. Não tem condição de fazer nada. E a miséria que vem do interior, essa então é impossível.

Lembro que o Prestes contou que, uma vez que ele estava na Coluna, passou numa zona muito pobre do interior do Brasil e tinha um barraco e uma moça veio e pediu uma ajuda, qualquer coisa, ele perguntou: Você mora sozinha? Não, tenho uma irmã. Por que ela não vem? Só temos um vestido. 

Miséria...

Marina Amaral
Nisso o senhor vê que a gente evoluiu, que a gente é menos miserável?

A gente sente que, pelo menos, no governo do Lula, ele foi operário e se preocupa com isso. Na política externa, mesmo o pessoal que segue com o Lula é muito bom. Esse ministro é ótimo, tem outros também que são meus amigos, gente muito boa, de modo que ele mantém uma política equilibrada, não tem o arrojo que a gente gostaria, não digo que será igual ao Chávez, em querer mudar as coisas com mais ímpeto... 


"Quem vai a Brasília, eu estou tranquilo, pode gostar ou não dos palácios, mas não pode dizer que viu antes coisa parecida. E pra nós, na arquitetura, isso é o máximo."

Marina Amaral
O senhor lê os jornais de manhã, tem paciência de ler os jornais?

Leio tudo.

Thiago Domenici
Queria saber como é um pouco a rotina do senhor...



Ah, acordo, venho pra aqui, peço pra lerem jornal, porque tenho dificuldade pra ler, converso um pouquinho, quero trabalhar, mas não posso, todo dia vem imprensa, não dá, eu atendo, porque, lógico, tem que atender, chateado de me repetir muito, porque as perguntas são as mesmas, mas com vocês não, vocês são mais evoluídos, progressistas e decerto são como eu, sabem que o que é realmente importante é mudar o mundo. Mas depois pego minha prancheta ali, trabalho até de tarde, de tarde vêm os amigos, Renato Guimarães, Sabino Barroso, o Rômulo Dantas, o Sussekind, as pessoas mais diversas, e a gente discute e tal...

É isso, recebo os amigos, às vezes a gente se reúne de noite, bate papo. No tempo do João Saldanha, em que vinham os jornalistas amigos dele, nós fizemos o Cebrade (Centro Brasil Democrático), foi um movimento muito importante, tem muito deputado aí que foi do Cebrade e agora está esculhambando a gente, mas o Cebrade teve aquele acidente na festa que estávamos organizando e os sujeitos foram lá, dois militares, e a bomba explodiu junto com eles.

Marina Amaral
Rio Centro?

Rio Centro. De modo que naquele tempo me reunia sempre aqui com o João e os outros pra discutir negócios variados. Havia a vontade de mexer nas coisas. Mas agora tentamos reunir o Cebrade outra vez, mas não deu. Um dia fui numa entrevista aí com estudantes, tinha estudante à beça.


Primeiro falou um deputado que era advogado importante, morreu há pouco tempo, falando sobre a reforma agrária com muita ênfase sobre o socialismo, sobre Stedile. Na minha vez eu disse: Olha, quando a vida se degrada e a esperança sai do coração dos homens, só a revolução. Aí eles bateram palma e tudo e depois foram pra praia. É uma merda.

Claudius
A revolução é a esperança, né?

Lógico, tem que falar sobre a revolução ou então a gente se adaptar a esse regime. Eu acho que está caminhando, a América Latina já compreendeu que tem que se organizar, se armar e não sabe o que vem por aí. O Bush está desmoralizado. O império dos ingleses virou colônia americana.

Invadiram os árabes, é difícil, a religião prende as pessoas, né? O Irã se manifestando, recusando o que eles querem, parar com as experiências atômicas. Um dia estoura, vem o inesperado, aí a gente vai ver o que é que dá. Mas tem que caminhar sempre... só assim.

OS TRABALHOS REALIZADOS

Sem contar os projetos, estas são as obras de Niemeyer:









Arquitetura Brasil: Obra do berço, Rio de Janeiro -1937 / Casa de Oswald de Andrade, São Paulo -1938 / Conjunto da Pampulha, Belo Horizonte -1940 / Conjunto Ibirapuera, São Paulo -1951 / Conjunto Copan, São Paulo -1951 / Casa das Canoas, Rio de Janeiro -1952 / Brasília, Nova capital da república 1957 / Aeroporto de Brasília, Projeto 1965 / Centro Musical, Rio de Janeiro -1968 / PASSARELA DO SAMBA, Rio de Janeiro -1983 / CIEPS, Rio de Janeiro -1984 / Memorial da América Latina, São Paulo -1987 / MAC DE NITEROI, Museu de Arte Contemporânea -1991- Niterói / Museu O homem e seu universo, Brasília -1994 / Torre da Embratel, Rio de Janeiro -1994 / Monumento em Comemoração ao Centenário de Belo Horizonte, 1995 / Monumento Eldorado Memória, doado ao MST, 1997 / Caminho Niemeyer, Niterói, 1997 / Museu de Arte Moderna de Brasília, 1997 / Sede da empresa TECNET Tecnologia, 1997 / Paço Municipal de Americana, São Paulo, 1997 / Centro de Convenções do Riocentro, Rio de Janeiro, 1997 /Teatro do Parque do Ibirapuera, São Paulo, 1999 / Centro Cultural e Esportivo João Saldanha, em Maricá, Rio de Janeiro, 2000 / Sede da UNE na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, 2000 / Ordem dos Advogados do Brasil Sede, Brasília, 2000 / Caminho Niemeyer Museu do Cinema Brasileiro, Niterói, 2000 / Auditório e Salão de Exposições da Faculdade Cândido Mendes, Rio de Janeiro, 2001 / Centro de Memória do DOI-CODI, em São Paulo, 2001 / Museu do Cinema, em Niterói, 2001 / Centro Cultural e Esportivo da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel, Rio de Janeiro, 2002 / Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, Paraná, 2003 / Auditório Ibirapuera, aberto ao público em outubro de 2005.




No exterior: MAM em Caracas, Caracas -1954- Venezuela / Sede do Partido Comunista Francês, Paris -1967 França / Editora Mondadori, Segrate (Milão) -1968- Itália / Projetos para Argélia, Mesquita de Argel, 1968 Argélia / Centro Cívico, 1968 Argélia / Universidade de Constantine, Constantine -1969- Argélia / Bolsa do Trabalho, Bobigny -1972- França / Centro Cultural de Le Havre, Le Havre -1972- França / Sede da Humanité, Franca, 1975 / Universidade de HAIFA, 1965 / Pavilhão de Verão 2003 da Serpentine Gallery, Londres, 2003. O Urbanismo: Plano Neguev, Deserto de Neguev -1964-Israel / Conjunto Urbanístico em Grasse, Grasse -1967- França / Ilha de Lazer em Abu-Dhabi, Emirados Árabes -1981.

Escultura: Monumento JK, Brasília -1980- Brasil / Monumento Tortura nunca mais, Rio de Janeiro -1986- Brasil / Mão do Memorial da América Latina, São Paulo -1988- Brasil / Monumento 9 de novembro, Volta Redonda -1988- Brasil / Memorial Gorée-Almadies, Dakar -1991- Senegal - Projeto Escultura em concreto com 80 m de altura.

Informações mais detalhadas em www.niemeyer.org.br

Fonte:
http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/cotidiano/2814-oscar-niemeyer-o-importante-e-a-vida-de-mao-dada

Fotos:
Johnny e Google Images

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Argentina: juízes financiados pelo Clarín sabotam 7D

Contrarrevolução jurídica a pleno vapor na América Latina. Participe esta tarde do tuitaço em solidariedade à Argentina e sua lei de democratização da mídia, com as hashtags #ElUltimoRespiroDeClarin, #7D, #LeydeMedios e #NoMonopolios. E não deixe de ir direto à fonte, clicando no link do pé deste post para conhecer a Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina.


Do diário argentino 'Página/12'*
Buenos Aires - Na quinta-feira (6) de muita chuva e contaminação por uma nuvem tóxica no céu de Buenos Aires, às vésperas da entrada em vigor da Lei de Meios Audiovisuais na Argentina, os juízes Francisco de las Carreras e María Susana Najurieta, da Câmara Civil e Comercial Federal, decidiram prorrogar a medida cautelar que beneficia o Grupo Clarín, mantendo suspenso o artigo 161 da lei “até que se dite uma sentença definitiva”.

Juízes socorrem o Clarín: viagens a Miami pagas pelo grupo midiático

O artigo em questão determina que as empresas com número de licenças superior ao permitido pela nova regulação vendam o excedente para se adequar. A lei define que uma empresa pode ter no máximo 35% do mercado a nível nacional e 24 licenças (atualmente, o grupo monopolista detém 240), sendo dono de 41% do mercado de rádio, 38% da TV aberta e 59% da TV a cabo.

Entidades populares, lideranças sindicais, parlamentares e movimentos pela democratização da comunicação já vinham alertando para o fato de os juízes em questão terem viajado para Miami inteiramente bancados pelo grupo monopolista, que agora utiliza dos seus préstimos.

O vice-governador de Buenos Aires, Gabriel Mariotto, afirmou que “cada vez fica mais evidente a convivência entre o poder concentrado da Argentina e suas peças na Justiça, que buscam impedir o povo de se expressar”.


Alak e Sabbatella (abaixo) condenaram a decisão: "vitória final virá"

Conforme destacou o ministro da Justiça, Julio Alak, “será um adiamento transitório, pois a lei é inexorável e garantirá a efetiva democratização e desmonopolização das comunicações do país”. “Redobramos o nosso compromisso com o avanço da democracia”, frisou. 

Apresentadores da TV Pública Argentina lembraram que em governos anteriores várias ações em defesa dos direitos humanos contra os repressores da ditadura foram igualmente barradas na Corte, até que o afastamento do juiz responsável possibilitou que fluíssem as denúncias e começassem a haver as condenações. Mas, neste momento, o ex-juiz apareceu como defensor dos repressores. A história é conhecida. E se repete.

Clarín tour
"Tínhamos razão quando dissemos que os juízes que viajam a Miami financiados pelo Clarín terminam convertidos em sua equipe jurídica”, declarou o titular da Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais da Argentina (AFSCA), Martín Sabbatella. “Estamos convencidos da constitucionalidade da Lei. Uma lei que aumenta a qualidade da democracia é freada por juízes financiados pela corporação que pede esta cautelar. Isso é uma vergonha”, afirmou.

Segundo Sabbatella, “a democracia foi colocada em xeque por grupos judiciais, mas pediremos à Corte que revise este ato. Está claro que a justiça argentina não está preparada para enfrentar as corporações porque grande parte dela está colonizada por esses grupos econômicos".

Censura e auto-censura
O secretario-geral da Federação Argentina de Trabalhadores de Imprensa (FATPREN) e vice-presidente da Federação Internacional dos Jornalistas (FIP), Gustavo Graneros, alertou para “a vocação do grupo monopolista contra a liberdade de expressão que hipocritamente diz defender”. Exemplo disso, relatou, foi a recente perseguição contra profissionais de imprensa: “buscaram amedrontar, pressionando com a censura e a auto-censura, da mesma forma que impediram durante anos o exercício da própria atividade sindical”.

Contra a perseguição, a Federação lançou nota denunciando que o “Clarín pretende silenciar as opiniões dos jornalistas que denunciam o descumprimento da lei, a vocação desestabilizadora do grupo e sua aspiração a manter os privilégios que ganhou ao calor da ditadura cívico-militar e dos governos neoliberais, atentando contra toda comunicação diversa e plural”.

Tuítaço pela democratização
Em solidariedade à luta do povo argentino pela democratização da comunicação, movimentos sociais e meios comunitários e alternativos latino-americanos promovem, nesta sexta, do meio-dia até as 15 horas, uma jornada global de apoio à plena aplicação da Lei de Meios. As etiquetas, ou hastags da campanha são: #7D, #LeydeMedios e #NoMonopolios.

Os movimentos sociais na Argentina decidiram intensificar o apoio ao cumprimento da lei e neste domingo, chamado de "8D", a Praça de Maio recebe esperado ato pela democracia, com show de encerramento de Charly García e Fito Páez.
*tradução da Carta Maior

Lei 26.522 da República Argentina, a 'Ley de Medios' (em espanhol)
Boaventura de Souza Santos: A contrarrevolução jurídica

Dubai: a liberdade de expressão na internet ameaçada



Ative as legendas no canto direito baixo da tela e veja quais os interesses escondidos na iniciativa da ONU em reunir seus Estados-membros, para discutir a gestão da grande rede.
Conferência da ONU pode em 12 dias mudar radicalmente a internet

Assange e a sombra de Roger Casement

["A gente tem que sonhar, senão as coisas não acontecem", dizia Oscar Niemeyer. E poucos sonharam tão intensamente e fizeram tantas coisas acontecer como ele. Da sinuosidade da curva, Niemeyer desenhou casas, palácios e cidades. Das injustiças do mundo, ele sonhou uma sociedade igualitária. Carioca, Niemeyer foi, com Lúcio Costa, o autor intelectual de Brasília, a capital que mudou o eixo do Brasil para o interior. Nacionalista, tornou-se o mais cosmopolita dos brasileiros... Autodeclarado pessimista, era um símbolo da esperança. O Brasil perdeu... um dos seus gênios. É dia de chorar sua morte. É dia de saudar sua vida." (Excertos da mensagem oficial de Dilma Rousseff-Presidenta da República Federativa do Brasil por ocasião da morte do arquiteto, em 05/12/2012 - Equipe Educom)

05/12/2012 - Julian Assange e a sombra de Roger Casement na diplomacia britânica
- por Marcos Dionisio Medeiros Caldas (*)
- extraído do blog Brasil Mobilizado


O Direito Internacional que já viveu páginas célebres de solidariedade humana, pode está arquejando com o episódio de Assange na Embaixada do pequenino e bravo equador, em Londres.

Reinventar uma ordem mundial justa, é tarefa da sociedade civil planetária.

De bom alvitre que a diplomacia britânica estude alguns de seus antepassados como, por exemplo, a trajetória do diplomata inglês de origem irlandesa, Roger Casement (foto) que foi veemente em sua oposição ao colonialismo europeu, em uma época em que essa opinião era ainda aprisionada em masmorras, para descortinar luzes sobre Londres.

Casement , em oposição à cantilena de que a colonização era o caminho da civilização e da cristianização, esteve por anos no Congo Belga, de onde enviava dossiês e notícias denunciando as terríveis condições de vida na região, a violência, o abandono e a fome.

Seus Dossiês são prenhe de humanismo e da defesa de uma ordem mundial estribada na solidariedade entre os povos e na livre manifestação do pensamento.


Roger Casement também esteve no Brasil, tendo sido cônsul inglês no Rio de Janeiro, e mergulhou em investigações acerca da situação de nossos índios que pereciam em escravidão na extração da borracha. Peregrinou para fazer esse relato, por toda a Amazônia, indo aos seus rincões no Peru e na Colômbia.

Seu olhar arguto, clivou páginas célebres contra a escravidão explícita e velada, descrevendo horrores contidos pela selva amazônica e na África , ajudaram a alicerçar a luta para que a população da Europa fosse esclarecida das injustiças, explorações e barbárie que seus pares, governamentais e empresariais, estavam patrocinando em áreas remotas do planeta.


Colecionando inimigos, durante algum tempo neutralizados pela contundência de seus relatos, Roger Casement encontrou problemas e inimigos intransponíveis materialmente.

Sua provável homossexualidade, foi usada pelos dedo-duros da inteligência britânica para "desqualificar" sua luta corajosa e humanista e adiar decisões necessárias que só vieram ocorrer mais de meio século após sua saga.

Querer construir relações sob a égide do humanismo lhe era imperdoável, mas a gota d'água adveio quando foram reveladas suas relações com nacionalistas irlandeses que lutavam pela independência da Irlanda, essa conspiração foi a gota d'água que levou Roger Casement à prisão e à condenação à forca.


Lembrem-se do obscurantismo imposto à Irlanda pela coroa e dos conflitos do século passado, para observarem como a Coroa Inglesa pode ser prepotente e tirana.

A postura da Inglaterra diante do primeiro herói da era digital, Assange, tem as mãos sujas dos que difamaram, desqualificaram e trucidaram Roger Casement e das vítimas dos seus relatos.

Igualmente perverso, o papel desempenhado pela Justiça sueca, mero títere do país "dirigido" por Obama, cuja tirania ficou nua, após a coragem do soldado americano [Bradley Manning] e de Assange.


Mas na contramão da decadência inglesa, da truculência norte-americana e do rebaixamento sueco, se levanta o pequeno e bravo Equador. Ensinando que uma nova ordem mundial está porvir, baseada na cooperação e nos direitos humanos.

Direitos Humanos não são dádivas, são conquistas! A ousadia de Assange precisa encontrar apoio nos sonhadores pela liberdade em todo planeta terra.

Chega de suplícios como os que padeceram Allende, Fernando Santa Cruz, Sílton Pinheiro, Victor Jara, Luis Maranhão e Roger Casement. Sem seus martírios a humanidade hoje seria outra.


Queremos Assange escancarando os bastidores dos Senhores da Guerra e do obscurantismo, para construirmos um mundo que foi sonhado por milhares de jovens em todo o planeta através dos séculos: um mundo sob o império do humanismo, reinventando-se o socialismo.


Busquem nas livrarias O Sonho do Celta, de Vargas Llosa (Alfagara Brasil), dígno de um Nobel.


Leitura obrigatória para entender esse quadro atual, onde governos, como o inglês e o norte-americano, querem impedir o futuro trazendo as trevas do passado.

(*) Marcos Dionisio Medeiros Caldas, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos(RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 - Natal.

Fonte:
http://brasilmobilizado.blogspot.com.br/2012/12/julian-assange.html

Imagens: Google Images

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Justiça é coisa séria

[Morreu nesta quarta-feira (5/12), no Rio de Janeiro, aos 104 anos, Oscar Niemeyer, um dos nomes mais importantes da história da arquitetura mundial. Homenageamos esse Revolucionário que sempre acreditou no ser humano e na possibilidade de levar dignidade a todos. (Blog Educom)]


05/12/2012 - por Mauro Santayana em seu blog

(JB) - Vamos deixar a um canto o julgamento da Ação 470. Trata-se de um fato consumado.

Ao julgar os réus daquele processo, o Supremo Tribunal Federal passou a ser julgado – não pelos meios de comunicação, que o tem aplaudido; não pelos setores da classe média do Sul e do Sudeste, que se sentem ressarcidos moralmente, com a condenação de correligionários de um apedeuta nordestino, operário metalúrgico, que conseguiu eleger-se e governar o país.


Para todos esses, o Supremo foi o Areópago dos tempos míticos, com os juízes sob a presidência, invisível, mas infalível, da deusa Atena.

Mas há quem examine a situação com outros olhos.



O jornalista mineiro José das Dores Vital [foto abaixo] acaba de publicar um ensaio delicioso, “Como se faz um bispo”, mostrando o jogo que se esconde na escolha de um novo prelado na hierarquia católica. As revelações do Ministro Luis Fux, publicadas no fim de semana pela Folha de S. Paulo, sobre os seus esforços a fim de se tornar Ministro do STF, sugerem um best-seller, como o de Vital.

Seria muito interessante mostrar como se escolhem alguns dos mais elevados magistrados da República. Muitos deles, pelo que andam anunciando, pretendem ser os arcontes do Estado Nacional, e pairar sobre todos os seus poderes, assentados no monte de Ares (ou de Marte, em latim), dedicado ao deus da guerra.

Fux conta como pediu a Deus, e a todo  mundo, que o indicassem para ocupar uma vaga no Supremo: de João Pedro Stédile, do MST, a Delfim Neto, incluindo José Dirceu e outros réus da Ação 470 que ele, Fux, julgaria. Segundo a Folha de S. Paulo, um seu emissário, em seu nome, solicitou ao jornal que ele fosse ouvido. E foi muito bem entrevistado, por uma das mais argutas e ferinas jornalistas brasileiras, Mônica Bergamo.


Diz o juiz [foto] que ficou “estarrecido” com as provas contra Dirceu e os outros e, assim, votou pela condenação dos réus. 

Estarrecidos estamos todos nós, com as suas revelações.

Fosse ele um juiz de tempos mais antigos, é provável que se declarasse suspeito e se eximisse de participar do julgamento. Não por se sentir tentado a absolver, por gratidão; mas, sim, por se sentir tentado a condenar exatamente por ter sido ajudado. Há uma desconfiança universal e muito antiga de que muitos, ao receber um favor, passam a odiar quem os ajuda. Não se trata de uma regra, mas, sim, de exceções. Não para Ulysses Guimarães que dizia: o dia do benefício é a véspera da ingratidão.


Ministro Luiz Fux
Há dois mecanismos mentais que explicam esse paradoxo. Um deles é a soberba do favorecido, sobretudo nas indicações políticas. O outro é o de compensação do sentimento de humilhação do imaturo ao  pedir o favor ao poderoso - tão mais forte a ponto de lhe conceder o pedido. No primeiro caso, o ajudado passa a acreditar que não foi escolhido como um favor, mas sim, pelo reconhecimento de seus méritos. “Ele só podia me ter escolhido, porque, dentre todos os outros, só eu sou capaz”.

Assim também poderia pensar Fux, embora seu confessado pranto de regozijo, junto ao Ministro da Justiça, não sugira essa espécie de sentimento. Resta o outro - o do constrangimento pela súplica do apoio. Se o juiz Fux condenou os réus com a convicção de julgador, ou não, importa pouco, nesta fase do processo.


O que qualquer cidadão pode condenar é a forma pela qual ele e outros foram escolhidos.

Que um candidato a qualquer cargo peça apoio, é natural – mas deve preservar um pouco de decoro em sua postulação. Lula, submetido a duras provas pessoais nos últimos meses, ao aprovar o nome de Fux junto a Dilma, não soube desconfiar de quem trazia indicações tão amplas, que provinham de todas as direções ideológicas. Em Minas, a ideia é a de que aquele que tem a recomendação de todos não tem recomendação alguma.


O passado de um candidato ao STF deve ser examinado ao microscópio. Os juízes do Supremo Tribunal são a última instância na defesa das pessoas contra o Estado e na defesa do Estado contra seus inimigos.

Eles devem ser personalidades de indiscutível probidade, mas, da mesma forma, mostrar o saber necessário para atuar com toda a isenção possível.

Os juízes não são anjos vingadores, celebridades do showbusiness, nem cúmplices dos criminosos. São, ou devem ser, cidadãos acima dos interesses e das paixões, para assegurar a todas as pessoas justas o direito à vida, na segurança da paz.

É preciso encontrar critérios mais rigorosos, transparentes e universais, para a indicação e aprovação, pelo Senado, dos Ministros do STF.

Fonte:
http://www.maurosantayana.com/2012/12/justica-e-coisa-seria.html

Imagens: Goggle Images

Não deixe de ler:
Barbosa pediu a Dirceu para ser Ministro do STF

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A Argentina e a reta final da nova lei de meios

Se aproxima a hora fatal. As empresas de comunicação argentinas têm até meia-noite de sexta, 7, para apresentar seus planos de adequação à chamada "Ley de los Medios". Entre os grupos midiáticos que ainda resistem à obrigatória desconcentração, destaca-se o Clarín, maior conglomerado do país e que promete esgotar todos os recursos, junto a uma campanha diária contra o governo de Cristina Kirchner. Delegações da SIP e de meios alternativos do continente estão em Buenos Aires para acompanhar o 7D.    


Artigo de Eric Nepomuceno, na Carta Maior
O governo argentino foi claro: espera até a meia-noite da sexta-feira, 7 de dezembro, para que os 21 grupos de comunicações afetados pela nova Lei de Meios apresentem seus ‘planos de adequação’. Ou seja: digam o que pretendem fazer com a quantidade de licenças para televisão aberta, televisão paga (cabo ou satélite) e emissoras de radio que excede o teto permitido pela nova legislação, aprovada em 2009. É que nesse dia vence a liminar concedida há um ano ao grande conglomerado que opera, de fato, como um monopólio, o grupo Clarín. Até a segunda-feira dia 3, desses 21 grupos a maioria – 14 – apresentou seus respectivos planos. Esses grupos decidiram acatar a nova legislação, especialmente a chamada ‘cláusula antimonopólio’, que impede que determinados concessionários acumulem licenças públicas de rádio, televisão aberta e fechada. A tal ‘convergência da mídia’, que de fato possibilita que determinados conglomerados dominem amplamente as comunicações num país.

Kirchner: manifestações em apoio ao governo nos próximos dias

O grupo Clarín, o mais sensível às novas regras, continuou resistindo, na esperança de conseguir uma nova liminar prorrogando por mais algum tempo os efeitos da lei. Detentor de mais de 250 licenças de rádio e televisão – quase dez vezes o teto máximo admitido pela nova legislação – o grupo se mostrou decidido a ir até o fim. 

Essa esperança só morrerá à meia-noite da sexta-feira dia 7. Até lá estará viva, enquanto os controladores do Clarín fazem de tudo para esticar ao máximo a corda desse verdadeiro cabo-de-guerra em que se transformou o embate com o governo. 

Os empresários que já apresentaram seus ‘planos de adequação’ agora terão de esperar. O governo tem 120 dias, a partir de 7 de dezembro, para aprovar ou pedir correções ao que foi apresentado. E, a partir da palavra final do governo, as empresas terão outros 180 dias para colocar seus planos em prática.

Nesse prazo será feita a avaliação das licenças, que serão leiloadas em editais específicos, além dos bens (equipamentos, instalações) que irão à venda. E, finalmente, serão outorgadas as licenças correspondentes aos novos donos. Durante esses períodos, os atuais concessionários deverão, necessariamente, assegurar não apenas a continuidade dos serviços como também a força de trabalho, ou seja, terão de continuar transmitindo sem dispensar nenhum empregado.

Martín Sabbatella, da AFSCA, autoridade responsável por aplicar a lei

Existe a possibilidade de que os atuais concessionários continuem com suas licenças, desde que formem outras empresas, absolutamente independentes administrativa, financeira e economicamente. O Clarín não fez nenhum comentário diante dessa possibilidade. Alguns dos grupos que apresentaram seus ‘planos de adequação’ optaram por essa saída. 

Em paralelo, outra batalha é travada entre o governo e os juízes de primeira instância que devem decidir pelo pedido de prorrogação da liminar, apresentado pelo grupo Clarín. O governo recusou um dos integrantes dessa corte inicial, por um motivo razoável: ele viajou para Miami com todas as despesas pagas pelo Clarín. Foi o suficiente para que o jornal desatasse uma campanha acusando Cristina Kirchner de pressionar a Justiça. 

O nó agora é saber o que acontecerá caso o Clarín não apresente sua ‘proposta de adequação’ dentro do prazo previsto. O governo afirmou que ‘os grupos que não apresentem sua proposta voluntariamente estarão fora da lei’. E que, então, só restará notificá-los judicialmente e cassar suas licenças, que serão levadas a leilão.

O jornal Clarín vem dos anos 40, mas só com a última ditadura militar (1976-1983) ganhou força e peso. Apoiou alegremente o regime genocida e ganhou, junto com o tradicional e conservador ‘La Nación’, o controle da Papel Prensa, a única produtora de papel para jornais e revistas da Argentina. Assim começou sua expansão, até tornar-se no que é hoje, um verdadeiro polvo cujos braços se estendem em todas as direções no mundo das comunicações – e sempre contra os governos. 

Ameaçado de ver podado seu alcance, o grupo, acompanhado por seus congêneres na América Latina, denuncia o governo por estar levando a cabo um verdadeiro atentado à liberdade de expressão. 

Pura balela. Atentado à liberdade é se estender por todos os segmentos – rádios, televisão aberta, televisão fechada, jornais –, praticando tudo que é golpe baixo e jogo sujo para eliminar concorrentes. O que a nova legislação prevê, amplamente aprovada no Congresso argentino em 2009, com votos até de parlamentares de oposição, é o fim do monopólio. A garantia da diversidade de opinião. A abertura a setores da sociedade para que exponham seus pontos de vista. Ou seja, tudo aquilo que monopólios como o do grupo Clarín mais odeiam no mundo.

Nunca houve tanto ódio na mídia conservadora do Brasil

A política não é o pasto da fatalidade

30/11/2012 - Saul Leblon - Carta Maior


O mal que desaba sem que se saiba de onde vem nem como evitá-lo e que se multiplica quanto maior é o esforço para domá-lo chama-se tragédia.


Os gregos entendiam de fatalidade.

A política não é uma fatalidade - não deveria ser.


A política deveria ser justamente o espaço da liberdade, sobretudo dos que nunca tiveram espaço, nem liberdade, para se emancipar enquanto indivíduos e como classe. 

A subordinação da política aos desígnios dos mercados sanciona uma rendição que nega o seu apanágio. Ao confundir cordura com submissão, pragmatismo com desistência, a política se transforma no pasto do cavalo xucro que deveria domar; submete-se ao mal que não tem cura em si: é a tragédia econômica.


Há aqui uma boa dose de simplificação, mas estamos falando dos dias que correm e das horas que rugem.

A Europa culta e rica ilustra o custo humano e material da inversão de papéis: o desemprego bate recordes; um exército de 19 milhões de pessoas carecia de trabalho e de tudo o mais que acompanha essa inserção produtiva, na zona do euro em outubro; novas demissões estão previstas para sanear mercados doentes deles mesmos; a fome ronda a Espanha; na 4ª maior economia do euro, a Caritas servirá um milhão de refeições este ano aos novos e velhos pobres espanhóis. A classe média recorre às instituições e caridade para comer.

Há nuances mais próximas com igual peso e envergadura.

A população conjunta da América Latina e Caribe soma 597 milhões de pessoas; a região produz alimentos suficientes para abastecer 746 milhões de bocas, segundo a FAO. E todavia 49 milhões de latino-americanos e caribenhos passam fome nesse momento.


O fracasso da política explica o paradoxo de um planeta em rota de colisão com a sua própria natureza.

Imerso na lógica autorreferente de um sistema de produção à deriva, que se ergue pelos próprios cabelos, o planeta acumula desastres que tem a força impessoal, autônoma e ciclópica das tragédias.


Kioto fracassou.

No período de vigência do protocolo assinado há 15 anos as emissões aceleraram uma curva ascendente: o volume de emissões de gases efeito estufa hoje está 31% acima dos níveis de 1990; sua presença na atmosfera saltou de 2 ppm (partes por milhão) então, para 3 ppm. 


A temperatura média atual no globo já está 14% acima do que deveria atingir em 2020 para não romper o limite de aquecimento de 2 graus neste século - linha vermelha além da qual a ciência enxerga um ambiente clássico de... tragédia.

Eventos naturais extremos ganhariam frequência e gravidade desconhecidas a partir daí gerando energia própria inédita e autopropelida.

Em janeiro de 2013 a humanidade ingressará num desconcertante vazio de pactos ambientais. A política fracassou em construí-los.

Ninguém mais está comprometido com qualquer limite.

A prorrogação de Kioto é uma solução emergencial, insuficiente e incerta.

Depende do que for decidido na 18ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP-18), que acontece agora no Qatar.

E da qual pouco se espera. Tragédia.

Quem pode reverter a fatalidade? Ou melhor, o que pode a política hoje? 
Resgatar o seu poder implica antes de mais nada apoderar-se de seus instrumentos indispensáveis: a democracia e os partidos são parte preciosa desse arsenal. 

Esse apoderamento tampouco é teórico. Trata-se de uma disputa. Ela está marmorizada na vida dos dias que correm. Na crise das horas que urgem. E nas arguições que os revezes desnudam.


É imperioso que os partidos da esquerda se assumam e se legitimem como ferramentas dessa emancipação histórica enredada na lógica da tragédia.

Sua captura pela força autorreferente do sistema que deveriam submeter destrói a bússola e perverte suas práticas.

Não é um problema de indivíduos corruptos ou apenas de oportunistas contumazes - embora eles existam, e como.


É pior que isso. A dissipação das referências históricas desencadeia um processo impessoal e autoimune que tritura consciências e valores, assumindo vida própria para subverter a meta e o método originais. É a tragédia.

O antídoto à fatalidade convoca a força da consciência e a consciência de que só a força da mudança pode evitá-la.

Repita-se: há aqui uma boa dose de simplificação, mas estamos falando dos dias que correm e das horas que rugem. Há vários perigos nessa travessia.

O maior deles é ignorar a sua urgência.


O outro, não menos delicado por conta da sedução das aparências, consiste em endossar o ardil das 'soluções redentoras', tenham elas o apelo dos tribunais 'faxineiros' de toga ou quepe; ou a ingênua aspiração ao partido puro.

Ambas são incompatíveis com os processos concretos, protagonizados por sujeitos intrinsecamente contraditórios, marcados pelos limites e vícios do sistema contra o qual se insurgem. 

A panaceia dos tribunais 'faxineiros' é conhecida; remete ao sonho conservador de engessamento da história num formol de hierarquia pétrea.

O sonho do partido puro carrega gravidade adicional: soterra no moralismo a tarefa mais difícil da história que é fazer das forças impulsionadas pelas suas contradições, o instrumento político efetivo da sua superação.

Fonte:
http://cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1149

Imagens: Google Images

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