É o que mostra psicólogo que analisou as leituras sociais do sequestro que mobilizou o Rio de Janeiro no ano 2000
Mais uma análise a ser lida, como desdobramento dos fatos ocorridos semanas atrás em favelas do Rio de Janeiro. (Zilda Ferreira - Equipe do EDUCOM)
AGÊNCIA NOTISA - Em 12 de julho de 2000, aconteceu o sequestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro. O autor daquilo que inicialmente seria um assalto e foi gradualmente tomando dimensões além do que se poderia controlar, até chegar a ser “documentado” ao vivo pela mídia de todas as plataformas, foi Sandro Barbosa do Nascimento. Sua história foi recontada dois anos depois, no documentário Ônibus 174, do diretor José Padilha.
É a partir da leitura do documentário de Padilha, que apresenta depoimentos dos sequestrados, de policiais, de familiares e amigos de Sandro, que o psicólogo graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Gabriel Inticher Binkowski, faz uma análise de como acontecimentos como este são interpretados pela sociedade e, em grande medida, fazem parte de construções midiáticas. Suas percepções podem ser lidas no ensaio “Ônibus 174: Leituras Sobre Uma Certa ‘Mancha’”, publicado na revista Psicologia & amp; Sociedade este ano.
Gabriel percebe que a demanda da sociedade por imagens violentas é cada vez maior, e os grandes meios de comunicação atendem prontamente a esse pedido. Dessa forma, cria-se uma banalização do violento. “Com os sons e as cores da televisão, nossos mais assustadores pesadelos noturnos e cenários imaginados por romancistas e cineastas parecem até se abrandar, tamanha envergadura da violência apresentada a nós diariamente”, afirma no artigo.
O caso específico de Sandro, que personificava tantas chagas, tantas “manchas” de nossa sociedade – o menino de rua, o órfão, o pobre, o presidiário -, acabou evoluindo para um tipo de transmissão de violência que ultrapassa a banalidade das imagens diárias. O caso do 174 passou a ser visto, segundo o psicólogo, como “uma violência praticada não exatamente por aqueles atores envolvidos, e sim por todos aqueles que assistiam imagens de uma violência que parecia até algo já banalizado (um assalto a um ônibus), na espera de uma grande implosão da cena em atos de violência que poderiam ser justificados como a justiça contra uma personagem confluente de inúmeras chagas da sociedade brasileira” .
Dessa forma, Gabriel afirma que logo depois do desfecho do trágico acontecimento – terminado com o assassinato de uma refém e do próprio Sandro -, a maioria foi levada a se questionar sobre o que levou o jovem àquele ato extremo. Foi revelado, então, seu passado como sobrevivente da famosa Chacina da Candelária (quando um grupo de policiais atirou contra menores e adolescentes que costumavam dormir ao lado da catedral, no Centro do Rio de Janeiro, em 1993) e sua passagem por presídios. Mas esses questionamentos, afirma ele, não levam a uma transformação da sociedade: pelo contrário, são usados como reforçadores de padrões aos quais já estamos acostumados.
Assim como, cita no artigo, a invasão de um colégio americano por estudantes armados levou ao reforço do apreço da sociedade dos Estados Unidos por armas – uma vez que seria lógico andar armado se há jovens dispostos a matar lá fora -, a violência do caso do 174 acabou por gerar apenas respostas fabricadas que continuam deixando pessoas na condição de Sandro na mesma posição que sempre estiveram. Cria-se, assim, “um certo fechamento ilusório para algo que não pode ser fechado, pois tange relações muito mais complexas de nossa sociedade e, especialmente, da forma como temos lido nossos fenômenos e sintomas ao longo de nossa história”, afirma o psicólogo.
Clique aqui para ler o artigo na íntegra.
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