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terça-feira, 5 de junho de 2012

De Olho na Governança Global da Água

04/06/2012
A jornalista Zilda Ferreira entrevista José Antonio Silvestre Fernandes Neto (*) 

A Governança Global da Água contraria os princípios da sustentabilidade local.

Urubici - Santa Catarina

 Essa foi a tese de doutorado do pesquisador José Antonio Silvestre Fernandes Neto, a partir do desenvolvimento de um modelo original baseado em suas experiências na comunidade de Urubici, Santa Catarina.

A tese Modelo Urubici de Governança da Água e do Território: uma Tecnologia Social a Serviço do Desenvolvimento Sustentável Local voltada para a obtenção do grau de doutor em engenharia ambiental, tem como princípio fundamental políticas públicas para sensibilizar e capacitar comunidades locais para governança da água e do território.

Min. Izabella Teixeira
Diante da possibilidade do "Pacto pelas Águas", previsto para ser lançado pela ministra Izabella Teixeira, neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, reforçar o processo privativista da água em curso no Brasil, procuramos entrevistar justamente um pesquisador que pudesse ostentar um trabalho técnico sobre a governança local da água alinhado com os perfís mais consequentes daquilo que entendemos por desenvolvimento sustentável.

Alem disso, já se sabe que a disputa pela água vai nortear de maneira explícita ou subliminar a Rio+20. No VIº Fórum Mundial da Água, ocorrido em Marselha, em março deste ano, as multinacionais e o Banco Mundial não tiveram pudor algum em defender a Governança Global da Água, deixando claro que reforçariam essa reivindicação na Rio +20. O que mais chocou os defensores do Direito Humano à Água e ao Saneamento, conforme Resolução da ONU A/RES/64/292, aprovada em julho de 2010, foi o apoio da delegação brasileira - a mais numerosa, com nada menos de 250 pessoas, chefiada pela mesma Izabella Teixeira, nossa ministra do Meio Ambiente - à essa reivindicação de grandes corporações que visa, antes de mais nada, facilitar ao máximo o processo de privatização de vastos recursos de água.

Antonio Silvestre enfatiza nessa entrevista nos concedida por e-mail que a privatização da água contraria o Direito Humano à Água e ao Saneamento: "Um direito é algo inerente ao ser. Não se deve pagar por ele". Também defende uma governança sul-americana da água, mas de carater público, pois nas questões relativas a água, a soberania de alguns países se entrelaçam de tal forma que, nesse capítulo "a América Latina tem chance de mostrar ao mundo que, embora possa estar diante de possíveis conflitos fronteiriços por conta de temas ligados ao controle dessas fontes e mananciais, somos perfeitamente capazes de perceber que a ameaça comum das grandes corporações capitalistas é maior."

Por conta dessa convicção, tal governança servirá para "proteger em escala sul ou latino-americana as zonas essenciais à preservação dos recursos de água." (em As Senhoras de Outrora e os atuais Senhores das Águas - Parte 3/3 - Nenhum Bem da Terra Pertence a Alguém )


Mas vamos à entrevista:
1- Educom - Na Rio+20, a principal disputa será a governança da Água. O senhor é favorável a um organismo internacional para a gestão da Água?
- Antonio Silvestre - Não.

2- Educom - Na sua tese de doutorado, o modelo desenvolvido de Governança da Água e do Território, usando uma tecnologia social de desenvolvimento local é baseada numa experiência comunitária?
- Antonio Silvestre - Sim. A tese originou-se de um trabalho de conscientização e empoderamento das comunidades para sua atuação qualificada nos processos que visam ao desenvolvimento sustentável local realizado no município catarinense de Urubici durante os anos de 2007 a 2009, no contexto de um projeto denominado "Tecnologias Sociais para a Gestão da Água".

3- Educom - O senhor pode resumir esse modelo?
- Antonio Silvestre - A experiência em Urubici consistiu na implementação das estratégias previstas no conceito de governança adotado, estruturadas sob a forma de um modelo, cuja aplicação prática foi facilitada por sua inserção como uma das tecnologias sociais propostas no projeto Tecnologias Sociais para a Gestão da Água. Esta intervenção organizou-se em cinco etapas, concebidas e praticadas como ciclos de aprendizagem, a saber:
- Acordo Inicial;
- Economia de Experiência;
- Comunidade de Aprendizagem;
- Estratégias de Governança e
- Avaliação e Prospecção.

Cada um dos ciclos desdobrou-se com um foco de aprendizagem, em que a comunidade se organizou para aprender novos conhecimentos, seja na forma de um conceito, uma metodologia, uma técnica ou mesmo uma experiência prática. Foram realizadas três grandes Oficinas e um Seminário para marcar a transição entre os ciclos de aprendizagem, além de 30 encontros ao longo do processo.

Na primeira oficina, as lideranças locais de Urubici propuseram as demandas sociais específicas que deram origem a quatro grupos temáticos de governança: Saneamento, Turismo Educativo, Águas Nascentes e Proteção da Floresta de Araucárias, para os quais a aplicação do modelo gerou distintos encaminhamentos.

4- Educom - Essa tecnologia social usada no modelo Urubici/SC, de Governança da Água e do Território depende de saberes empíricos da comunidade. Ela pode ser aplicada em todo país?
- Antonio Silvestre - Sim. A ideia de um modelo de governança que seja apropriado pelas comunidades como uma tecnologia social comporta exatamente essa possibilidade, a de ser replicada para dinamizar as estruturas comunitárias locais, empoderando-as.

5- Educom - A sua tese está relacionada à preocupação da Governança do Aquífero Guarani, junto à comunidade?
- Antonio Silvestre - Sim, principalmente pelo fato de que o município catarinense de Urubici, onde foi aplicado o modelo que originou a tese, está localizado sobre áreas definidas como sendo zonas de recarga direta do Aquífero Guarani, possui grandes remanescentes contínuos de Mata Atlântica (florestas de Araucárias) e nascentes de rios que compõem importantes bacias hidrográficas brasileiras, além contar com uma população implicada que há mais de uma década envolve-se em processos participativos de gestão local.

6- Educom - As nossas bacias Amazônica e do Prata, as maiores do mundo, e nossos rios ultrapassam fronteiras e são sul-americanas. O senhor acha viável a governança sul-americana da água para fortalecer a defesa de nossos recursos hídricos?
- Antonio Silvestre - Sim, desde que a abordagem de governança atue fortalecendo apenas a ideia de integração cultural dos povos sul-americanos que possuem características comuns, das comunidades locais, seus saberes e práticas, sem fomentar interesses mercantilistas e que comprometam a soberania dos países.

7- Educom - É possível que a Governança Global da Água, proposta no VIº Fórum Mundial da Água, em Marselha, que deve ser reforçada na Rio+20 pelos países ricos e o Banco Mundial, afete a soberania brasileira, o país mais rico em água do planeta?
- Antonio Silvestre - Não vejo essa possibilidade.

8 - Educom - Como a população poderá exigir das autoridades que cumpram a resolução da ONU, aprovada , em julho de 2010, que determina água e saneamento como direito humano?
- Antonio Silvestre - Tomando assento qualificado em processos participativos legítimos que compõem as instâncias de governança que tratam do tema, onde este pode ser debatido, divulgado e as cobranças feitas e fiscalizadas.

9- Educom - Por que os tecnocratas brasileiros estão fazendo um movimento inverso à luta dos povos latino-americanos de apropriação e reapropriação social da água, defendendo as propostas do mercado?
- Antonio Silvestre - É sempre muito difícil elucubrar com certeza os interesses que estão movendo tecnocratas e especialistas que em um dado momento se posicionam contra temas relevantes como proteção das florestas, gestão social da água, fortalecimento de arranjos produtivos e criativos locais, etc. Entretanto, imagino que esses movimentos estejam de uma forma geral sempre muito sintonizados com lógica do pensamento e algumas teorias clássicas que "favorecem" a degradação, como aquelas enunciadas por Adam Smith e Henry Ford.


10- Educom - Há a possibilidade de ser cumprida a resolução da ONU, água e saneamento como direito humano, se a água for privatizada?
- Antonio Silvestre - Um direito é algo inerente ao ser. Não se deve pagar por ele. Qualquer complexidade instituída, ao impactar no livre fluxo dessa prerrogativa, produz perturbações.

(*) mestre e doutor em engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina

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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

'Ouro Azul', de Maude Barlow e Tony Clarke

Como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do nosso planeta

Nota da editora política: Quando Maria Lúcia Martins, que, além de jornalista, também é tradutora, disse que queria resenhar o livro "OURO AZUL - Como as grandes corporacões estão se apoderando da água doce do nosso planeta" achei a ideia ótima. Esse livro é muito interessante, mas difícil de resumir, pois é gigantesco o número de dados. Cada pessoa faz uma leitura diferente. Li alguns capítulos várias vezes. Mas, quando "Ouro Azul" foi traduzido no Brasil, o que me deixou profundamente chocada foi o lucro do Império Vivendi com os serviços ambientais. Em 2000, foram 44,9 bilhões de dólares, sendo as grandes geradoras dessa renda as empresas de água. E o mais impressionante é que o império Vivendi é dono também de editoras, jornais, revistas, redes de TV, produtoras de cinema e serviços de internet na França, sendo o segundo conglomerado de comunicação do mundo. Porém, as denúncias mais fortes estão no capítulo "Morrendo de Sede", que Maria Lúcia destacou bem. Conseguimos imagens recentes desse drama, que ilustram o post. Boa leitura (Zilda Ferreira, editora do Blog EDUCOM).
Por Maria Lúcia Martins, colaboradora do Blog EDUCOM
O livro Ouro Azul foi publicado no Brasil pela editora M. Books e traduzido para 16 idiomas. Escrito a quatro mãos por Maude, especialista em água e fundadora do Projeto Planeta Azul (www.blueplanetproject.org) e Clarke, ativista que se levantou contra as práticas do livre-comércio, a obra aponta para os riscos da privatização da água e da conceituação dela como “necessidade” e não como “direito”. Uma vez considerada um “bem necessário”, a água pode ser enquadrada como commodity, atendendo aos interesses do lucro de grandes corporações que hoje já controlam boa parte da água do planeta. Dentre essas corporações, estão as que simultaneamente estendem seu poder a outras áreas como política, energia, obras de infra-estrutura e mídia. E os “senhores da água do planeta” continuam a conquistar novos recursos.

A crise

A humanidade está poluindo e esvaziando a fonte da vida num ritmo surpreendente. A demanda por água doce crescente tem impactos sociais, políticos e econômicos, provocando conflitos relacionados à água. Nos próximos 15 a 20 anos (20 a 25 anos é o número citado em 2001, quando foi publicado o livro), a menos que mudemos nosso comportamento, entre metade e 2/3 da humanidade estará vivendo com severa escassez de água doce.

Até a década de 1990 o estudo sobre a água doce foi destinado a grupos altamente especializados de peritos, revelam os autores, que afirmam: “A água, de acordo com o Banco Mundial e as Nações Unidas, é uma necessidade humana e não um direito humano. Uma necessidade humana pode ser provida de muitas formas, especialmente para aqueles com dinheiro. Mas ninguém pode vender um direito. Em março de 2000, quando a água foi definida como uma mercadoria no segundo Fórum Mundial de Água, em Haia, representantes de governos em uma reunião paralela não fizeram absolutamente nada para efetivamente atacar a declaração. Em vez disso, os governos ajudaram a pavimentar o caminho para as corporações privadas lucrarem com a venda dela. Assim, algumas corporações transnacionais, apoiadas pelo Banco Mundial e pelo FMI-Fundo Monetário Internacional estão ofensivamente assumindo a administração dos serviços públicos de água”.

Para fazer frente à ofensiva das grandes corporações, que estão abocanhando as reservas de água doce em todo o mundo, 800 delegados, de 35 países, da reunião de Cúpula da Água para Pessoas e Natureza, firmaram em julho de 2001 o “Tratado para Compartilhar e Proteger a Água, o Bem Comum do Planeta”.

Outras iniciativas e movimentos seguem na luta para frear o avanço das práticas mercantilistas aplicadas à água, um direito de todos dos cidadãos.

A escassez de água doce se agrava por causa do desrespeito ao ciclo da água e pela poluição dos mananciais, por diversos agentes químicos e até naturais. Estudo realizado pelo engenheiro-hidrólogo Michal Kravcik e equipe, da Ong “Pessoas e Água”, da Eslováquia, aponta o efeito alarmante da urbanização, da agricultura industrial, do desmatamento, da pavimentação, da construção de infra-estrutura e de represas nos sistemas de água locais e em países vizinhos: A destruição do habitat natural da água não apenas cria uma crise de suprimento para as pessoas e animais, como também diminui drasticamente a quantidade real de água doce disponível no planeta.

A política

No tratado firmado na Cúpula da Água para Pessoas e Natureza declara que “a água doce não será privatizada, comercializada ou explorada para propósitos comerciais e deve ser imediatamente isenta de todo acordo bilateral e internacional e de acordos de investimentos existentes e futuros”. Esta disposição se contrapõe à conduta dos acordos, especialmente os trilaterais, que vêm avançando sobre os mananciais e sobre os setores onde a água é matéria industrial como o de energia, bem como sobre os meios de comunicação, para que as notícias sobre estes fatos sejam editadas conforme os interesses dos grandes grupos econômicos.

No âmbito das áreas de livre-comércio, por exemplo, o Canadá enfrenta o interesse dos EUA sobre sua água. Desde a metade do século 19, os EUA começaram a seguir a política do Destino Manifesto, ou expansão continental — uma ameaça para a soberania canadense, e nos tempos atuais a água foi incluída na Associação Norte-Americana de Livre Comércio-NAFTA como uma mercadoria negociável.

Os conflitos pela água são inevitáveis e estão crescendo entre fronteiras de nações e entre cidades e comunidades rurais, grupos étnicos e tribos, nações industrializadas e não-industrializadas, as pessoas e a natureza, corporações, cidadãos e classes socioeconômicascompartilhados por dois ou mais países. À medida que a água viaja a partir de sua fonte, ela é desviada para consumo humano, irrigação e hidrelétricas, colocando países rio abaixo numa posição vulnerável. Muitos países em áreas de escassez de água também compartilham águas de lagos e aquíferos. Esta situação constitui uma força de desestabilização entre países ou mesmo dentro de cada nação.

Água: em alguns lugares já não existe mais...

As grandes corporações estão se apoderando da água doce do nosso planeta.

O futuro

“Precisamos reestruturar radicalmente nossas sociedades e estilos de vida para inverter o ressecamento da superfície da Terra; temos de aprender a viver dentro de ecossistemas de bacias hidrográficas que foram criadas para sustentar a vida; abandonar a ilusão de que podemos abusar negligentemente das preciosas fontes de água do mundo porque, de alguma maneira, a tecnologia virá para nos salvar”, alertam os autores.

Estas bacias estão ameaçadas não só por substâncias químicas usadas na lavoura como também por efluentes industriais, como os da indústria de papel e celulose, que usam volumes enormes de água. Os efluentes destas anulam o oxigênio em vias fluviais que, por isso, são sufocadas pelas algas.

Os senhores da água no planeta

De acordo com análise da Fortune, as receitas anuais da indústria da água chegavam a aproximadamente 40% do setor de petróleo e já eram 1/3 maiores que as do setor farmacêutico (2001). Em 1998, o Banco Mundial previa ume crescimento do mercado da água, já que então apenas 5% da população mundial recebia água fornecida pelas corporações. Segundo a Global Water Intelligence, que faz análises mensais do mercado global de água, a água em algumas partes do mundo tem o mesmo preço de um barril de petróleo.

Hoje a indústria global da água é dominada por de grandes corporações que se encaixam em três categorias ou camadas. A primeira camada é composta dos dois maiores titãs da água no mundo, a Vivendi Universal e a Suez, que foram pioneiras na construção da indústria da água. A segunda camada consiste de quatro corporações ou consórcios com operações de serviço de água que desafiam o monopólio da “primeira camada”: a Boygues-SAUR, a RWE-Thames Water, a Bechtel-United Utilities e a Eron-Azurix. A terceira camada é composta por um grupo de empresas de água menores: Severn Trent, Alglian Water e Kelda Group. Juntamente com a Thamer Water e a United Utilities, monopolizaram o mercado no Reino Unido. A quarta empresa desta camada é a American Water Works Company.

As corporações que compõem a primeira e a segunda camadas têm vários outros componentes industriais, variando de eletricidade e gás até construção e entretenimento.

Estas empresas atuam diretamente ou através de múltiplas subsidiárias.

Entre os países ou regiões ricos em água doce armazenada em forma de lagos, rios, aquíferos e geleiras estão: Alaska, Canadá, Noruega, Brasil, Rússia, Áustria e Malásia. Entre os pobres em água estão os países do Oriente Médio, China, Califórnia, Cingapura, África do Norte. A regra do jogo, destacam os autores, é garantir o controle sobre os suprimentos de água volumosos e fornecê-los para as áreas de demanda com base na “habilidade para pagar”, a um preço que não apenas cobrará os custos mas também satisfará o desejo por margens de lucro crescentes. O Alaska foi a primeira jurisdição no mundo a permitir a exportação comercial de água em grande volume.

Em 2006 foi assinado, por 25 países com vastas reservas de água, o World Water Export Treaty – WWET. 

Baixe a íntegra do texto de Maria Lúcia Martins aqui

terça-feira, 23 de março de 2010

Água, um direito a ser preservado

Série Água (parte 2)

Por Maria Lúcia Martins

Economia caubói

Vandana Shiva classifica como "economia caubói" o que aconteceu nos campos de mineração do oeste norte-americano. A noção caubói da propriedade privada e a lei da apropriação - Qui prior est in tempore, potior est in jure (Aquele que é o primeiro no tempo, é o primeiro no direito) - surgiu ali, estabeleceu direitos à propriedade absolutos, incluindo o direito a vender e comercializar água. E ela segue: "O sentimento caubói de que ‘poder é direito’ permitiu que os economicamente poderosos investissem em meios de apropriação de água de capital intensivo, a despeito das necessidades dos outros e dos limites dos sistemas de água. Essa fronteira lógica conferiu ao primeiro apropriador um direito exclusivo à água. A versão contemporânea da economia caubói, compara Shiva, é a investida para privatizar as fontes públicas de água. "Apresentando-se como um mercado anônimo, os ricos e poderosos usam o Estado para se apropriarem de água da natureza e das pessoas por meio da doutrina da apropriação prévia. Grupos de interesse privado ignoram sistematicamente a opção de controle comunitário sobre a água".

O tratado sobre a propriedade de John Locke legitimou efetivamente o roubo das terras comunitárias feudais do século 17. "Sempre que ele [o homem] tira um objeto do estado em que a natureza colocou e mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, torna-o assim sua propriedade". A liberdade individual era dependente da liberdade de possuir, através do trabalho, a terra, as florestas, os rios. O tratado sobre a propriedade de Locke continua a instruir teorias e práticas que corroem provisões comuns e destroem a Terra. Shiva assinala que, em termos contemporâneos, a privatização da água está baseada no artigo Tragedy of the Commons, de Garret Hardin, publicado pela primeira vez em 1968. "Hardin supõe que as terras comunitárias eram socialmente incontroladas, sistemas de acesso restrito sem qualquer conceito de posse. E Hardin vê a ausência de propriedade privada como uma receita para a ilegalidade", diz ela.

Direito à água potável e conservação

Além do Estado e do mercado, encontra-se o poder de participação da comunidade. É neste poder que se apóiam os inúmeros movimentos pelo direito à água.

Vandana Shiva afirma que "um arcabouço legal coerente para uma política justa e sustentável de uso da água poderá surgir apenas quando houver um diálogo entre o movimento contra as represas, o movimento contra os riscos ecológicos da irrigação intensiva e o movimento pelos direitos à água. A chave para ligar esses movimentos é a perspectiva ecológica, que conecta a água a suas várias funções nas bacias dos rios. Um paradigma ecológico permite uma auditoria dos projetos de água, expõe os custos escondidos de tais projetos e propõe uma alternativa para a alocação de recursos".

"O comércio de licenças de poluição viola a democracia ecológica e o direito das pessoas à água limpa por vários motivos", afirma Shiva. "Ele muda o papel dos governos de protetores dos direitos das pessoas à água para advogados dos direitos dos poluidores. Governos adotam papéis regulatórios que são anti-humanos e pró-indústrias poluidoras. Empresas tentaram reintroduzir o direto a poluir através de esforços por baixo do pano, como direitos de comercialização de produção ou licenças de comercialização de emissões de poluentes (TDPs). TDPs excluem não-poluidores e cidadãos comuns de um papel democrático ativo no controle da poluição, já que o comércio da poluição está restrito às indústrias poluidoras.

Shiva analisa que conforme as novas tecnologias substituem os sistemas de autoadministração, as estruturas de controle democráticas do povo se deterioram
e seu papel na conservação diminui. Para manter suas atividades, poluidores criaram mercados "da poluição", pagam para poluir, quando poderiam mitigar a poluição de suas atividades e mesmo evitá-la.

Sistemas de água tradicionais baseados em gestão local eram um seguro contra a escassez de água em regiões propensas à seca e instituições locais de gestão de água incluíam associações de agricultores, funcionários de irrigação local, técnicos da irrigação local, as associações de água dos povoados e o sistema de trabalho comunitário, mantido por contribuições de cada família.

Manipulação da água

Segundo Shiva, diz-se que um país enfrenta uma crise de água grave quando a água disponível é menor que mil metros cúbicos por habitante por ano. Abaixo desse ponto, a saúde e o desenvolvimento econômico de uma nação são dificultados consideravelmente. Quando a disponibilidade anual de água por habitante cai abaixo de quinhentos metros cúbicos/ano, compromete-se cruelmente a sobrevivência da população. Desde 1970, o suprimento da água global per capita diminuiu em 33% . O declínio não resulta apenas do aumento populacional, mas é agravado também pelo uso excessivo de água. Durante o último século, a taxa de retirada de água excedeu a do crescimento populacional pelo fator de 2,5.

Infelizmente, ela comenta, a globalização está revertendo os resultados das vitórias democráticas e ecológicas dos anos 1980. Falando da Índia, ela revela que a mineração está se alastrando em áreas mais vulneráveis, incluindo o Rajasthan. A tecnologia tribal não destruiu os rios e montanhas como a indústria de mineração destrói e as atividades de mineração da Balco não estão baseadas nas necessidades do povo indiano - são totalmente dirigidas pela demanda dos países industrializados cujas plantas fabris de alumínio estão fechando por razões ambientais.

Sobre a Revolução Verde, a ativista aponta os custos os custos sociais ecológicos que foram amplamente ignorados. Por sua ênfase em sementes de alta produtividade, explica Vandana, esse modelo agrícola removeu variedades locais de colheitas resistentes à seca e as substituíram por plantações que necessitam de água em abundância. A Revolução Verde, com seu uso intensivo de água, levou à extração de água em áreas onde este recurso é escasso. Antes da Revolução Verde, a água do solo era acessada por meio de tecnologias de irrigação protetoras e nativas. No entanto, essas tecnologias, que dependiam da energia humana ou animal renovável foram classificados como "ineficientes" e substituídos por motores movidos a óleo e bombas elétricas que extraíam água numa velocidade maior do que os ciclos da natureza podiam reabastecer os lençóis freáticos.

Projetos de desenvolvimento na árida África subsaariana foram fundamentais para a fome dos as 1970 e 1980. Acreditava-se que a escavação de poços fosse o melhor mecanismo para as regiões pastoris em desenvolvimento. A prática pastoril de mudar o gado para locais diferentes foi destruída com a introdução dos poços movidos a energia elétrica. O novos poços forneciam mais água do que os pastores precisavam e encorajava seu estabelecimento em uma localidade, aumentando a pressão pastoril sobre a terra. Com efeito, pastores que se estabeleceram nessas localidades pioraram o problema da desertificação; esta mudança no comportamento dos criadores ignorou tradições centenárias que asseguravam a sobrevivência sob condições de baixa disponibilidade de água.

Projetos de água gigantes, na maioria dos casos, beneficiam os poderosos e despojam os fracos.Até mesmo quando tais projetos são financiados com recursos públicos, seus beneficiários são principalmente construtoras, indústrias e grandes agricultores. Enquanto a privatização é em geral colocada sob a perspectiva do desaparecimento do Estado, o que vemos de fato é a intervenção crescente do Estado na política de Águas, subvertendo o controle comunitário das reservas desse recurso. Políticas impostas pelo Banco Mundial e por regras de liberalização do comércio desenvolvidas pela OMC-Organização Mundial do Comércio estão criando uma vasta cultura de estados corporações por todo o mundo.

* Série Água continua amanhã (24/3) com os seguintes temas: Público e privado; Situação no Brasil; e Guerras por água.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

A governança sul-americana da água

Zilda Ferreira
A América do Sul pode saciar a sede de todos os latino-americanos e socorrer quem precisar. É a região de maior reposição de água do mundo e tem três grandes aquíferos. Mas para isso é urgente que se consiga, em junho, durante a Conferência Rio+20, a criação de um organismo sul-americano capaz de impor o cumprimento da Resolução da ONU 64/292. Aprovada em julho de 2010 pela Assembleia Geral, reconhece como Direito Humano Água e Saneamento. O futuro organismo continental poderá defender nossos recursos hídricos, ameaçados de privatização.

No 6º Fórum Mundial da Água, realizado na França em março de 2012, as transnacionais da água, principalmente as francesas, defenderam um organismo internacional para gestão da água, a “Governança Global da Água”, para facilitar o processo de privatização. Relatora Especial da ONU para o Direito à Água e ao Saneamento, a portuguesa Catarina de Albuquerque se disse surpresa ao descobrir que o nenhuma menção à 64/292 nem qualquer referência a água como Direito Humano constava da declaração ministerial do Fórum.

O Conselho Mundial da Água – hegemonizado por transnacionais - não reconhecer como direito humano a água e o saneamento era previsível. Mas é preocupante que, presentes na delegação brasileira, os tecnocratas da ANA (Agência Nacional de Águas) e do CPRM-Serviço Geológico do Brasil (empresa de capital misto vinculada ao Ministério de Minas e Energia) tenham feito coro com os europeus em favor da criação da Governança Global.

Alter do Chão, Guarani e Bacia do Maranhão, três dos maiores aquíferos do mundo
Quem leu o livro Ouro Azul - como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do planeta, de Maude Barlow e Tony Clarke, sabe que 70% do mercado da água pertence a duas empresas francesas - Suez e Vivendi. A Vivendi é dona do segundo maior conglomerado de comunicações do mundo, incluindo redes e canais a cabo de TV, jornais, editoras e operadoras de acesso à internet como a GVT, já em atividade no Brasil. A força do império Vivendi é difícil de medir, mas as empresas de exploração de água são as mais rentáveis, com tentáculos em todos os organismos multilaterais, decisivos para abrir caminho à privatização de recursos hídricos mundo afora.

Precedentes perigosos não faltam. Em 2007 a França tentou aprovar no IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) instrumento intervencionista ainda mais abrangente. O então presidente francês Jacques Chirac propos a criação de um organismo internacional para fiscalizar o meio ambiente, óbvia estratégia para viabilizar a internacionalização da Amazônia. O governo francês já deu indicações de que voltará a tentar emplacar a proposta na Rio+20.

Apelo
Diante desse quadro é fundamental que os movimentos sociais e lideranças ambientais se juntem aos líderes sul-americanos durante a Rio+20 e tentem criar um organismo regional para gerir os recursos hídricos do continente. Corremos o risco de a América do Sul, que concentra quase metade da água do planeta, conhecer a sede em larga escala, pois a voracidade do mercado europeu de recursos hídricos é inesgotável.

No Brasil já existem exemplos de como o capital é agressivo para se apropriar da água. Os habitantes de Manaus vivem sobre a maior reserva do planeta, mas quem não pode pagar não tem acesso à água. A concessionária local é subsidiária de uma multinacional francesa e o aquífero está sendo contaminado por falta de investimento.

É tarefa da educomunicação, exercida principalmente pelos professores, educadores ambientais e comunicadores, acompanhar debates, fóruns internacionais, ler a mídia e o entorno de maneira crítica, além de analisar as propostas do mercado e dos tecnocratas. É preciso conscientizar o povo a exigir seus direitos ao meio ambiente e à água, que estão sendo apropriados pelas transnacionais. Para concretizar essa tarefa se faz necessário a criação de um organismo sul-americano forte e com participação popular.

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A Centralidade da Água
A água novamente entre a vida e a morte


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Conflitos pela água surgem no horizonte


por Thalif Deen, da IPS
conflitos Conflitos pela água surgem no horizonte
Participantes das atividades da Semana Mundial da Água, em Estocolmo. Foto: Peter Tvärberg, SIWI/CC by 2.0

Estocolmo, Suécia, 31/8/2012 – Diante da provável escassez de água nas próximas décadas, a comunidade de inteligência dos Estados Unidos já previu um cenário futuro cinza: conflitos étnicos, tensões regionais, instabilidade política e inclusive matanças. Nos próximos dez anos, “muitos países importantes para os Estados Unidos seguramente experimentarão problemas relacionados à água, como escassez, má qualidade ou inundações, que alimentarão riscos de instabilidade e de fracassos no funcionamento dos Estados, aumentando as tensões regionais”, alerta a Avaliação Nacional de Inteligência, publicada em março.
Em julho, o presidente do Conselho Nacional de Inteligência dos Estados Unidos, Chris Kojm, previu que até 2030 cerca de metade da população mundial (atualmente mais de sete bilhões de pessoas) viverá em áreas com severos problemas de água, elevando a probabilidade de assassinatos em massa. No entanto, o jornal The New York Times citou Timothy Snyder, professor de história na Universidade de Yale, afirmando em um simpósio que “o pânico ecológico levará a matanças nas próximas décadas”.
Por sua vez, o diretor do Centro da Água da Universidade de Columbia, Upmanu Lall, foi mais cauteloso. “Não estou certo de que seja possível prever assassinatos em massa como resultado” da falta de água, disse à IPS. Lall afirmou que não prevê guerras ou conflitos internacionais por recursos hídricos. “Contudo, creio que a competição dentro de alguns dos maiores países, como a Índia, poderia levar a uma luta interna e ao aumento do terrorismo e dos conflitos sectários”, opinou. Porém, “evitar este futuro é possível se trabalharmos nele hoje”, ressaltou.
Este é um dos temas analisados na conferência internacional realizada em Estocolmo por ocasião da Semana Mundial da Água, que termina hoje. Lall considera realista a projeção de que, se tudo continuar igual, quase metade da população mundial viverá em “forte tensão pela água” até 2030. “É um desafio urgente, especialmente se considerarmos a possibilidade de grandes secas, por exemplo, as deste ano nos Estados Unidos e na Índia”, afirmou.
Os impactos serão muito graves e duradouros, alertou Lall. Porém, “se pudermos traduzir esta preocupação em ação, especialmente sobre com melhorar o uso da água na agricultura, de longe o setor consumidor mais ineficiente, então poderemos evitar este desastre”, aponto o especialista. No momento, há conversações nessa direção, mas não existem mandatos nem metas internacionais. Lall acrescentou que “é importante que isto seja assumido nos mais altos níveis para evitar uma considerável angústia na população e nas economias do mundo”.
Gary White, chefe-executivo e cofundador da organização Water.Org, acredita que o acesso aos recursos hídricos poderia ser motivo de conflitos nos próximos anos. “Particularmente em áreas pressionadas pela falta de água e nas quais há grandes concentrações de população pobre”, disse à IPS. “Entretanto, também acredito que a maioria dos governos que virão atuarão e adotarão políticas, regulações e acordos transitórios corretos e necessários para impedir grandes conflitos”, ressaltou.
White alertou que podem ocorrer casos de escassez aguda que teriam como consequência grandes perdas humanas e econômicas, mas acrescentou acreditar que “um conflito declarado seria algo excepcional”. Em geral, as crises regionais da água são geradas de forma relativamente lenta em comparação com a maioria dos desastres naturais, e, portanto, pode-se aprender lições para evitar impactos semelhantes em outros lugares, acrescentou.
“No entanto, essas crises e esses conflitos terão um impacto muito maior nos pobres, porque as populações mais abastadas sempre têm opções de utilizar tecnologia para tratar os recursos hídricos locais (como a dessalinização) ou para transportar água por aquedutos ao longo de grandes distâncias”, pontuou White. “Sempre afirmei que o direito básico deve ser de todos poderem pagar para obter água potável”, disse à IPS, referindo-se à decisão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) de, em 2010, declarar a água e o saneamento um direito humano.
Hoje os pobres pagam mais pela água do que os ricos, seja em dinheiro ou em trabalho investido para adquiri-la. Tampouco os primeiros têm assegurada uma qualidade decente do recurso, lamentou White. “Aqui, quando digo pobres me refiro aos desfavorecidos economicamente em uma sociedade particular, e também às nações que não são tão ricas”, explicou. A menos que sejam estendidos serviços a essas pessoas, elas sofrerão, advertiu. E, para fazer isso, é preciso investimentos para desenvolvê-los e mantê-los.
“De fato, todos deveriam pagar um preço pela água, mas segundo seus meios, assim fortaleceriam seu direito de acesso a uma oferta confiável e de qualidade”, observou Lall, acrescentando que essa deveria ser a grande meta, e não apenas a declaração da água como um direito humano. 
Fonte:Site Envolverde
 
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quinta-feira, 22 de março de 2012

Guerra da Água é silenciosa, mas já está em curso

19/03/2012 - Eduardo Febbro - Carta Maior
Tradução: Katarina Peixoto

"A guerra da água é silenciosa, mas é uma realidade: conflito em Barcelona causado pelo aumento das tarifas, quase guerra na Patagônia chilena por causa da construção de enormes represas e da privatização de sistemas fluviais inteiros, antagonismos em Barcelona e em muitos países africanos pelas tarifas abusivas aplicadas pelas multinacionais. A pérola fica por conta da Coca Cola e de suas tentativas de garantir o controle em Chiapas, México, das reservas de água mais importantes do país." (Eduardo Febbro - de Paris)



- Quanto vale a vida? “Para começar, um bom copo de água”,

responde com ironia Jerôme, um dos participantes do Fórum Mundial Alternativo de Água (FAME) que se reuniu na França, paralelamente ao muito oficial Fórum Mundial da Água (FME). Duas “cúpulas” e duas posturas radicalmente opostas que expõem até o absurdo o antagonismo entre as multinacionais privadas da água e aqueles que militam por um acesso gratuito e igual a este recurso natural cuja propriedade é objeto de uma áspera disputa nos países do Sul. Basta apontar a identidade dos organizadores do Fórum Mundial da Água para entender o que está em jogo: o Fórum oficial foi organizado pelo Conselho Mundial da Água. Este organismo foi fundado pelas multinacionais da água Suez e Veolia e pelo Fundo Monetário Internacional, incansáveis defensores da privatização da água nos países do Sul.

O mercado que enxergam diante de si é colossal: um bilhão de seres humanos não tem acesso à água potável e cerca de três bilhões de seres humanos carecem de banheiro. O tema da água é estratégico e tem repercussões humanas muito profundas. Os especialistas calculam que, entre 1950 e 2025 ocorrerá uma diminuição de 71% nas reservas mundiais de água por habitante: 18 mil metros cúbicos em 1950 e 4.800 metros cúbicos em 2025. Cerca de 2.500 pessoas morrem por dia por não dispor de um acesso adequado à água potável. A metade delas é de crianças. Comparativamente, 100% da população de Nova York recebe água potável em suas casas. A porcentagem cai para 44% nos países em via de desenvolvimento e despenca para 16% na África Subsaariana.

As águas turvas dos negócios e as reivindicações límpidas da sociedade civil, que defende o princípio segundo qual a água é um assunto público e não privado e uma gestão racional dos recursos, chocam-se entre si sem conciliação possível. Um exemplo dos estragos causados pela privatização desse recurso natural é o das represas Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira, a oeste do Amazonas, no Brasil. As duas represas têm um custo de 20 bilhões de dólares e, na sua construção, estão envolvidas a multinacional GDF-Suez e o banco espanhol Santander. A construção dessas imensas represas provocou o que Ronack Monabay, da ONG Amigos da Terra, chama de “um desarranjo global”. As obras desencadearam um êxodo interior dos índios que viviam na região. Eles foram se refugiar em outra área ocupada por garimpeiros em busca de ouro e terminaram enfrentando-se com eles.

Deslocamento de populações, inundação de terras agrícolas e de matas e esgotamento de espécies aquáticas são algumas das consequências nefastas dessas megaestruturas”, denuncia Ronack Monabay. As represas se Santo Antônio e Jirau ameaçam também várias populações indígenas ao longo do rio Madeira: os Karitiana, os Karipuna, os Uru-eu-Wau-Wau e os Katawixi. Outros grupos como os Parintintin, os Tenharim, os Pirahã, os Jiahui, os Torá, os Apurinã, os Mura, os Oro Ari, os Oro Bom, os Cassupá e os Salamãi também estão ameaçados. Nenhuma destas populações indígenas foi consultada sobre a viabilidade dos projetos. Eles foram impostos a elas, juntamente com todos os males que os acompanham.

O exemplo do Brasil é extensivo a outros projetos similares em Uganda ou Laos, onde as multinacionais da água semeiam a destruição. O direito à água para todos foi reconhecido pelas Nações Unidas em 2010. No entanto, esse reconhecimento está longe de ter se materializado em fatos. Emmanuel Poilane, diretor da Fundação France Libertés, criada por Danielle Miterrand, falecida esposa do também falecido presidente socialista François Miterrand, lembra de um dado revelador: “dos 193 países que integram a ONU, só 30 deles inscreveram esse direito na Constituição. Mas esses 30 países são todos do Sul”. O Norte quer água privada para encher os caixas de seus bancos e pouco importa o custo humano que a escassez de água pode causar às populações destes países.

A este respeito, Emmanuel Poilane recorda que “a cada três segundos morre uma criança por falta de água”. A própria existência do Fórum Mundial da Água, organizado por um Conselho Mundial da Água composto por multinacionais e pelo FMI é uma aberração. A batalha entre público e privado se deslocou inclusive para o Senado francês. No curso de um debate, um dos senadores socialistas lembrou que esse fórum não é uma instância das Nações Unidas, mas sim um lugar onde “se fazem negócios privilegiados entre as multinacionais. É urgente que a água seja objeto de uma reapropriação cidadã”. Não é o caso. As instâncias internacionais estão ausentes porque os lucros à vista são colossais. A gestão da água foi confiscada pelos interesses privados.

Brice Lalonde, coordenador da Rio+20, cúpula da ONU para o Meio Ambiente, prometeu que a água será “uma prioridade” da reunião que será realizada no Rio de Janeiro em junho. O responsável francês destaca neste sentido o paradoxo que atravessa este recurso natural: “a água é uma espécie de jogo entre o global e o local”. E neste jogo o poder global das multinacionais se impõe sobre os poderes locais.

As ONGs não perdem as esperanças e apostam na mobilização social para contrapor a influência das megacorporações. Neste contexto preciso, todos lembram o exemplo da Bolívia. Jacques Cambon, organizador do Fórum Alternativo Mundial da Água e membro da ONG Aquattac, recorda o protesto que ocorreu na cidade de Cochabamba: “dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se na rua em protesto contra o aumento da tarifa da água potável imposto pela multinacional norteamericana Bechtel”.

A guerra da água é silenciosa, mas existe: conflito em Barcelona causado pelo aumento das tarifas, quase guerra na Patagônia chilena por causa da construção de enormes represas e da privatização de sistemas fluviais inteiros, antagonismos em Barcelona e em muitos países africanos pelas tarifas abusivas aplicadas pelas multinacionais. A pérola fica por conta da Coca Cola e de suas tentativas de garantir o controle em Chiapas, México, das reservas de água mais importantes do país. Jacques Cambon está convencido de que “o problema do acesso à água é um problema de democracia. Enquanto não se garantir o acesso e a gestão da água sob supervisão de uma participação cidadã haverá guerras da água em todo o mundo”.

A senadora brasileira Katia Abreu (PSD), que também é presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), propôs durante o Fórum uma iniciativa para “proteger em escala mundial as zonas essenciais à preservação dos recursos de água”. As palavras, no entanto, se chocam com a dura realidade: a das multinacionais e a da própria natureza. A ONU apresentou na França um informe sobre o impacto da mudança climática na gestão da água: secas, inundações, transtornos nos padrões básicos de chuva, derretimento de geleiras, urbanização excessiva, globalização, hiperconsumo, crescimento demográfico e econômico. Cada um destes fatores, constitui, para as Nações Unidas, os desafios iminentes que exigem respostas da humanidade.

A margem de manobra é estreita. Nada indica que os tomadores de decisão estão dispostos a modificar o rumo de suas ações. A mudança climática colocou uma agenda que as multinacionais, os bancos e o sistema financeiro resistem a aceitar. Seguem destruindo, em benefício próprio e contra a humanidade. Ante a cegueira das multinacionais, a solidariedade internacional e o lançamento daquilo que se chamou na França de “um efeito mariposa” em torno da problemática da água são duas respostas possíveis para frear a seca mundial.

domingo, 27 de outubro de 2013

Morrendo de sede em Foz do Iguaçu

Por Zilda Ferreira*

Imagine no país mais rico em água do planeta, em cima do rio e em baixo das Cataratas do Iguaçu, você só poder beber água mineralizada da Coca-Cola a R$ 3,50, contra-indicada às pessoas que têm problemas de saúde. Não é lógico. É um desrespeito à Resolução da ONU 64/292, que estabelece como Direito Humano Água e Saneamento. Essa resolução foi aprovada em julho de 2010, a partir de moção da delegação boliviana

Enquanto caminhava, na trilha de quase um quilômetro que contorna as Cataratas, observava água fresca minando das pedras, mas com um aviso: era imprópria ao consumo. A sede aumentava. Antes de chegar à Foz do Iguaçu, uma colega sugeriu que solicitasse à assessoria do Parque Nacional do Iguaçu uma visita. Argumentei que estava voltando à terra natal, pois nasci próximo dessa região, em Santo Inácio, e não pretendia ter nenhum compromisso, era apenas uma turista.

O meu orgulho de ser paranaense e minha esperança de que meu estado ainda preservava alguns de seus tesouros, como as Cataratas, morriam um pouco. Entregaram tudo. O esplendor do lugar era um sonho, mas em seguida vinha o pesadelo, nada daquela beleza era mais nossa. O Parque Nacional do Iguaçu atualmente é administrado por cinco concessionárias, sendo a principal Cataratas S/A. E a Coca-Cola reina em Foz do Iguaçu. Não encontrei água, nem no hotel, a não ser da Coca-Cola.

Á noite fui convidada para ir a Puerto Iguazú, Argentina, na Tríplice Fronteira. Passamos no "Ice Bar", onde pude beber uma água mineral de verdade, mas a 15 pesos uma garrafinha, mais caro do que uma grande compota de belos pêssegos amarelos e do que meio quilo de excelentes azeitonas, na feirinha da fronteira. Me lembrei do livro de cabeceira 'O Ouro Azul - Como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do planeta', de Maude Barlow e Tony Clarke. Jantei e não conseguia mais ser apenas turista.

No dia seguinte parti para Toledo, onde ia encontrar Moema Viezzer, autora de 'Se Me Deixam Falar - Domitila', sobre a ativista boliviana Domitila Chungara. Moema me havia convidado para o 'Tinkuniche' (em guarani, Nosso Encontro), que seria uma conversa sobre os problemas indígenas da região da Tríplice Fronteira. Moema e o marido, o historiador e antropólogo Marcelo Grondin, foram me buscar no hotel para que eu conhecesse a cidade. Estava impressionada com a limpeza e a riqueza do lugar - Toledo é uma cidade próspera, centro universitário e cultural do oeste do Paraná. Passamos por um belo lago e continuamos a circular, quando de repente veio um cheiro insuportável. Depois de explicar o porquê desse odor, o senhor Grondin informou que já havia enviado várias reclamações às autoridades do município. Ele sugeriu que eu reclamasse também, pois encontraria várias autoridades no 'tinkuyninche'.

Estávamos todos reunidos, aguardando a chegados das lideranças indígenas na Secretaria de Cultura, quando me apresentaram o irmão do prefeito e alguns vereadores. Aproveitei para perguntar o porquê do odor insuportável no final da tarde do dia anterior. Assessores tentaram me explicar que estavam tomando providências, mas lembrando que em Toledo fica a sede de produção e o laboratório da Sadia. E que na região há mais cabeças de suínos do que gente. Um vereador do PV argumentou que providências para sanar o problema já foram tomadas e que uma empresa francesa foi contratada para tratamento dos resíduos. Repliquei – excelente marketing ambiental. 

A reunião com os índios começara. Havia lideranças principalmente das fronteiras, onde os problemas parecem mais graves, porque a maioria dos índios não tem documentos e por isso não podem provar a nacionalidade. Os índios voltaram a lembrar que 33 aldeias foram para debaixo d'água em Itaipu e que do lado paraguaio a situação é mais grave. Além dos índios brasileiros e paraguaios havia também representantes do Equador e mapuches do Chile.

Mas o que emocionou no encontro foi o depoimento de Marcelo Grondin, um verdadeiro intelectual orgânico. Grondin amou tanto os índios bolivianos que abriu mão da nacionalidade canadense para ter a boliviana. Além disso, criou o Método Quechua, língua dos Incas e o Método Aymara, língua da etnia de Evo Morales. Depois, foi perseguido pelo governo Hugo Banzer, que lhe tirou a nacionalidade, foi exilado no México e voltou ao Canadá como imigrante para reaver sua nacionalidade. Quando acabou a ditadura Banzer, voltou a ser boliviano. Grondin é um estudioso da história do líder Tupaj Katari, da revolução indígena boliviana de 1779/1781. Para Marcelo Grondin a maior conquista do Continente ainda é tomada do poder pelos povos originários bolivianos, por via democrática: a eleição do presidente Evo Morales, em 2005.

Desinformação e desrespeito ao direito à água

Viajar pelo país e constatar o império da Coca-Cola de norte a sul é desolador. Até mesmo a Fundação Amazonas Sustentável, criada pelo governo amazonense em 2007 e responsável por implantar a tal Bolsa Floresta - para serviços ambientais -, tem como um dos presidentes de seu Conselho um executivo da multinacional. Além da Coca-Cola, as concessionárias estrangeiras de água reinam por todo o Brasil, sem o menor respeito à Resolução 64/292. Não por acaso as nações hegemônicas odeiam o presidente Morales. Além de ter proposto a resolução, a Bolívia expulsou a Coca-Cola e as concessionárias de água. 

A relatora especial da ONU para o Direito Humano à Água e Saneamento, Catarina Albuquerque, enviou uma carta aos países participantes da Rio+20, em junho de 2012, pedindo a garantia do Direito Humano à Água no documento  final da Conferência. Porém, essa garantia não consta em nenhum documento divulgado para conhecimento público.

Essa foi a grande batalha travada durante a Rio+20. Canadá, Reino Unido e a delegação da União Européia tentaram enfraquecer e derrubar essa Resolução. Os interesses são incalculáveis. Imagine que Vivendi e Suez, duas empresas francesas, controlam quase 70% do mercado de água do mundo - a Europa é o continente mais pobre em água do planeta.

Mas o que não se pode compreender é que na Semana Internacional da Água, em 2013, uma revista do porte de Carta Capital e um veículo da mídia brasileira especializada como a Folha do Meio Ambiente, mesmo trazendo matérias de quatro páginas, não tenham mencionado o Direito Humano à Água em uma linha sequer. Ao não fazer qualquer referência ao direito da população a água potável e saneamento básico, a mídia deixa de cumprir seu papel de informar e conscientizar sobre essa prerrogativa inalienável.

Na volta a Foz do Iguaçu, sentei ao lado de uma jovem mestranda em Tenologias Ambientais na UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Ela contou que pretende trabalhar na área de saneamento, por ser este um mercado em expansão. Logo lhe perguntei se conhecia a Resolução 64/292. Disse que não e, para justificar, explicou que não estudava legislação e sim tecnologias. Para minha surpresa, o único lugar público onde encontrei água de graça, no Paraná, foi nesse ônibus que me levava de volta a Foz do Iguaçu, onde pegaria o avião para o Rio de Janeiro.

*em visita à terra natal, que não conhecia, durante a segunda quinzena de outubro de 2013

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quarta-feira, 4 de março de 2015

Secaram São Paulo e podem secar o Brasil

Por Zilda Ferreira*

Imaginem o Brasil, o mais rico do planeta em água, com sede. O País, conforme novas descobertas, tem água para saciar a sede da população mundial. Possui as duas maiores bacias hidrográficas; Amazônica e do Prata, além de ter  os dois maiores aquíferos; Alter do Chão e Guarani. Mas não tem uma legislação que proteja os rios aéreos, e as águas subterrâneas são de domínios dos Estados, conforme a Lei das Águas de 1997. Para agravar não há políticas públicas para gerir esses recursos em benefício do Estado e da população. Parece até que o Ministério do Meio Ambiente e Agência Nacional de Águas (ANA) aderiram a política das empresas do mercado da água de privar para privatizar (Leia A obscura ameaça de privatização das águas, "Água não se nega a Ninguém parte 5/5" e "Brasil o país mais rico em água do planeta").

A destruição do Bioma Cerrados que congrega o Planalto Central, onde nascem quase todos os grandes rios brasileiros, atualmente contaminados e destruídos pelo agronegócio, principalmente suas nascentes e matas ciliares, sem dúvida é também responsável  por essa iminente catástrofe. São Paulo foi a primeira vítima, mesmo ficando  em cima do aquífero Guarani e na Bacia do Prata. O agronegócio e a produção de biocombustíveis nesse Estado consomem aproximadamente 80% de água e suas industrias mais de 20%. Além disso, São Paulo foi primeiro Estado da Federação a incentivar  a privatização da água em seus municípios, através de concessões, e não investiu na rede de abastecimento - apesar do consumo doméstico ser prioritário por lei - o acesso foi negado com a falta de água, contrariando a Resolução da ONU 64/292 que determina Água como Direito Humano ("Veneza Paulista privatiza rio e oferece alívio à crise hídrica. Para poucos"). Não deixe de ler: Novo secretário de Recursos Hídricos reacende ameaça de privatização da Sabesp

MINERADORAS PODEM SECAR O BRASIL

Agora, os Brasileiros devem temer que esse problema se espalhe pelo país porque as mineradoras, principalmente as multinacionais, podem secar a Amazônia, o cofre hídrico do continente. Há denúncias de que  uma mineradora Anglo-Americana está poluindo as nascentes do Rio Amazonas, no Peru. Em Alter do Chão, distrito de Santarém, PA, à beira do Rio Tapajós, dois engenheiros argumentavam com uma jornalista que  o maior problema da poluição e do desequilíbrio ambiental da Amazônia são as mineradoras e não desmatamento (Leia "Aquífero Alter do Chão pode ser entregue a pesquisadores estrangeiros" e "Um inferno siderúrgico na Amazônia").

Durante um simpósio em Tucuruí/PA, um engenheiro Florestal assegurava que a ALCOA -empresa líder mundial na produção de alumínio - consumia mais energia que toda a população de São Luis, além da grande quantidade de água e de envenenar os rios. Em seguida, um outro palestrante usou uma metáfora para explicar a importância  de não poluir as águas: "Os rios são como veias de um corpo e as barragens como um grande coágulo, se as mineradoras não envenenassem esse sangue da terra e não sugassem tanta água, a natureza regeneraria. Mas, elas não permitem" (Leia: "Um povo cercado por um anel de ferro"  e "Água: as mineradoras têm (muita) sede").


OS CONVERTIDOS DA MÍDIA

Alheios às causas que geram a crise hídrica os convertidos da mídia infernizam vizinhos, convocam reuniões de condôminos para discutir a crise da água. O clima desses encontros é tenso. Normalmente, pedem novas regras de consumo de água, denunciam vizinhos, e querem instalações urgentes de medidores individuais em prédios antigos. Numa dessas reuniões, na Tijuca, um bairro de classe média do Rio de Janeiro, uma moradora resolveu indagar se alguém sabia  que o agronegócio consumia mais de 70%, as indústrias mais de 20% e que consumo doméstico não chegava 8%, lembrando que a água tratava é cara. Todos desconheciam essa informação, mesmo uma bióloga ambientalista e uma jornalista que trabalhava para uma ONGs de Educação Ambiental. (Leia "Água: mídia alternativa e EBC se redem ao ecomercado").

Enquanto esse discurso da mídia  tem azedado relações entre vizinhos e gerado até brigas sérias, parece que o mercado está satisfeito. Recentemente um empreendimento imobiliário - detalhes no link -  fazia grande  propaganda de um oásis, preparado através da mudança   do curso de um rio, especialmente aos paulistas que quisessem fugir do drama da falta de água para viver num clima de abundância hídrica, com águas cristalinas. Um verdadeiro sonho para quem pudesse pagar (Leia "Veneza Paulista privatiza rio e oferece alívio à crise hídrica. Para poucos").

Entretanto, com as empresas a mídia é benevolente e tem evitado atritos, não divulga quem consome mais água e nem o nome de uma empresa de bebidas que desviou o curso de um rio para beneficiar sua fábrica. Pouca gente sabe que a Sadia é a empresa que mais consome água do Aquífero Guarani e também uma das maiores poluidoras da cidade de Toledo, no Paraná. É bom lembrar que só para produzir um quilo de frango são necessários dois mil litros de água. Ninguém divulga também que os irmãos Marinhos nos anos 90 compraram terras exatamente em cima do Aquífero Guarani, embora essa denúncia tenha sido feita por professores de universidades paulistas, na ocasião (Leia: "Água destinada a empresas pela Sabesp aumenta 92 vezes em 10 anos").

Esses fatos e a Resolução da ONU 64/292 que determina Água como Direito Humano são escondidos para que a população não proteste contra o processo de privatização desse bem comum e essencial à vida (Leia: "A luta pelo direito à água na Rio+20" e "Agora, água para todos").

O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO

Atualmente há dois grupos que defendem subliminarmente a privatização da água e se revezam no comando da política hídrica brasileira: os tecnicistas, com inovações tecnológicas descontaminantes, debitando na conta do cidadão o problema de escassez da água; e os conservacionista da natureza, com discurso  da sustentabilidade, que encobre o limite da capitalização da natureza e da cultura. A capacidade de perversão e sedução desse discurso e tão alienante que modifica hábitos do povo para economizar água até para escovar os dentes.

É difícil separar esses dois grupos, porque os interesses deles são mais ou menos os mesmos. Por exemplo, o grupo que atualmente dirige a SABESP e a política hídrica do Estado de São Paulo é formado por técnicos altamente especializados, ex- dirigentes da Agência Nacional de Águas (ANA) - considerados tecnicistas - mentores da  atual política hídrica brasileira, implantada no governo FHC, dentro dos princípios neoliberais científicos e tecnológicos de dominação do homem e da natureza.

É importante lembrar que a atual ministra do Meio ambienta, Isabela Teixeira, tem formação acadêmica na COPPE/UFRJ - instituição dominada na área hídrica pela Suez Lyonnaise des Eaux, segunda maior empresa do mercado mundial da Água e GDF Suez também francesa, considerado o segundo grupo de energia do mundo. Isabela é uma tecnocrata, discípula desses grupos e talvez por isso tenha endossado políticas do Conselho Mundial da Água, que congrega as maiores empresas do mercado da Água, defensoras da privatização - Ficou claro no VI Fórum Mundial da Água em Marselha, em 2012 (Leia "Olho na governança Global da Água" e "Privatização da água: o 'fracasso' melhor financiado").

SUSTENTABILIDADE?

E quem sonhava com o discurso de sustentabilidade da ex-ministra Marina Silva, já percebeu que a realidade é uma catástrofe ainda maior. Os conservacionistas com o disfarce do discurso da sustentabilidade, que encobre o limite da capitalização da natureza, têm como estratégia de poder o hiper-realismo da globalização no ocultamento dos mecanismo de repressão, a fim de dilapidar recursos ambientais e ficarem impunes. Defendem até a federalização do mundo, e assim, a  governança dos ativos ambientais brasileiros seria entregue às nações hegemônicas.(Para entender o que esconde o marketing ambiental dos conservacionistas leia "A disputa pela Terra em Copenhague" e "O agronegócio e o ecomercado ameaçam a vida"). 

Não há esperança a vista. Imaginem a que ponto chegamos, o Financial Times divulgou que uma das causas para o impeachment de Dilma seria a falta de Água. O voracidade do mercado e a mídia perderam a noção, mas parece que contam com o apoio da Ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, que jamais foi criticada pelo Globo e pela mídia em geral.