domingo, 21 de abril de 2013

Selic, Dilma e o medo da mídia

- 18/04/2013 - Maurício Caleiro - no seu blog Cinema & Outras Artes

A retomada do aumento da taxa de juros (Selic) e o anúncio de que o governo vai autorizar que as concessionárias de rodovias e ferrovias aumentem seus lucros em cerca de 30% acima do estipulado em contrato – inclusive com reajuste dos preços dos pedágios – representam um pesaroso retrocesso nas atuais relações entre Estado e economia e mais uma vitória do conservadorismo em uma aliança governamental dita de centro-esquerda.

O aumento da taxa de juros evidencia mais uma vitória do mercado - ou seja, de especuladores que, sem nada para investir no país, lucram com os juros pagos pelo conjunto da população brasileira – e da mídia corporativa, cujo desprezo pelo bem-estar do povo brasileiro é inversamente proporcional aos cuidados que nutre pelos interesses do mercado, ao qual se encontra de forma umbilical atada.

Retrocesso
A queda da Selic significa, ainda, um retrocesso em uma das poucas áreas - se não a única - em que o governo Dilma vinha mostrando alguma ousadia em relação à presidência de Lula, ao patrocinar o que foi anunciado como um novo paradigma econômico, um cenário em que o capital especulativo daria lugar ao investimento na produção e na economia real, com a revisão dos parâmetros econômicos das últimas décadas e as benesses sociais daí decorrentes.

Tratava-se, aparentemente, de uma ilha de inovação no oceano de conservadorismo que vem se transformando a atual presidência.

Tal possibilidade se encontra, neste momento, com a retomada do aumento da Selic, colocada sob xeque.

Ainda mais porque, com o recuo presidencial, o mercado financeiro e a mídia corporativa que o apoia têm agora a certeza da efetividade de seus meios de pressão sobre o governo – e esta, a cada vez que o governo vier a insistir em sua política de juros baixos, não hesitará em lançar mão do alerta sobre um surto inflacionário iminente, seja este real ou não.

Medo da mídia
Fica patente no episódio, uma vez mais, o quanto a presidência Dilma mantém-se refém da mídia e do mercado - os quais, na prática, vêm pautando o governo, que recua ante a mínima repercussão negativa de suas medidas, ainda que claramente orquestrada e politicamente dirigida.

Limita-se a calibrar o discurso – como fez no dia anterior ao anúncio da retomada do aumento da Selic - para que o recuo vexatório possa passar aos incautos por estratégia calculada.

Para além dessa constatação óbvia, o recuo na gestão da taxa Selic e o fracasso em transformar, ao menos parcialmente, o rentismo em investimento produtivo, evidenciam a dificuldade do governo de estabelecer meios de pressão efetiva sobre os agentes econômicos.

Não parece improvável a hipótese de que tal se dê, em larga medida, porque a atual administração não supera o mero anúncio de manipulação de taxas de juros e das intenções de tal medida decorrente, sem dar continuidade e intensificar junto aos entes econômicos e financeiros, de forma efetiva, a articulação para a implementação de tais políticas.

Ou seja, o governo anuncia as medidas supostamente transformadoras, mas não vai à luta para implementá-las, valendo-se de seu poder de força e de seus variados instrumentos de pressão.

Resquícios neoliberais
E não o faz basicamente porque a superação de tal estágio demanda a renúncia efetiva à mentalidade neoliberal que persiste na administração pública brasileira, e a tomada de consciência quanto à necessidade de o Estado agir de forma articulada e pró-ativa, como sujeito social, em prol da implementação de suas políticas, mesmo que isso signifique confrontar interesses de monta.

Infelizmente, o governo Dilma não só se omite em relação a tal forma de ação mas demonstra adesão cada vez mais entusiasmada para com os modelos privatizantes de gestão pública - na novilíngua petista, "concessões", que começaram com os aeroportos, incorporaram as rodovias e agora já se estendem para as ferrovias, com previsão de incorporação de outras áreas.

Com isso, enfraquece o próprio poder de intervenção do Estado na economia, do qual não pode prescindir se quer realmente implementar políticas ao estilo das que apregoam substituição da especulação financeira pelo investimento direto em produção.

A anunciada autorização para que os lucros das empresas concessionárias de rodovias e ferrovias aumentem sua margem de lucro, dos 6-6,5% acordados em contrato para 8-8,5% - com aumento substancial no preço que o cidadão pagará no pedágio - é mais um fator a evidenciar o quão facilmente o próprio governo cede e se enfraquece ante o mercado.

Convém sempre lembrar que a candidata Dilma Rousseff foi eleita com um discurso fortemente antiprivatização, o qual incluía a crítica ferina – e justíssima – ao elevado preço dos pedágios nas rodovias estaduais privatizadas por políticos tucanos.

(Desnecessário observar que a mídia, sempre tão enfaticamente contrária quanto há revisão de contratos para diminuição dos preços praticados, se queda em ensurdecedor silêncio quando os contratos, cavando fundo no bolso dos cidadãos, são revistos de modo a aumentar os lucros das corporações concessionárias.)

Bandeiras ao léu
Agravam os problemas acima descritos elementos advindos do estilo Dilma de governar: isolada no palácio, na solidão do Planalto Central, cercada de assertivos acólitos, a presidente habituou-se a lançar medidas na base do "publique-se e cumpre-se", sem debatê-las previamente com a sociedade e, assim, sem possibilitar que esta forme, a contento, blocos articulados de pressão, inclusive de eventual apoio a algumas dessas medidas.

Tal processo torna evidente que o governo capitaneado pela aliança petista não avançou um milímetro na ultima década em termos de aprimoramento da democracia participativa – mais uma das bandeiras históricas do partido, no poder abandonadas.

Transcorrida mais da metade do governo Dilma, avolumam-se interrogações acerca de qual será o legado específico de seu governo, para além da meritória continuidade dos programas de inclusão social herdados de seu antecessor.

Ainda que se mantenha como franca favorita nas próximas eleições, e sem que tome forma no horizonte nenhuma candidatura minimamente consistente no espectro à esquerda do centro político, os recuos e a hesitação de Dilma, somados à recusa ferrenha do PT federal em ideologizar a política – que ora cobra seu preço ao permitir que uma pauta conservadora e eventualmente religiosa domine o debate público -, trazem inquietação e descontentamento a muitos de seus ex ou atuais apoiadores.

Fonte:
http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com.br/2013/04/selic-dilma-e-o-medo-da-midia.html

Não deixe de ler:
- Mais uma rendição ao financismo - Paulo Kliass
- A elevação dos juros entre a marcha da insensatez e o puro oportunismo - J. Carlos de Assis

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

sábado, 20 de abril de 2013

Mais uma rendição ao financismo

18/04/2013 - Paulo Kliass (*) - Carta Maior

A terceira reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central (BC) realizada esse ano acabou por cumprir o ritual que dele esperavam os mais ativos representantes da banca privada.

As semanas que antecederam esse peculiar encontro dos integrantes da diretoria do BC foram marcadas por uma sucessão de lances visando a quebrar a resistência do núcleo central do governo.

E, no final das contas, esses grupos formadores de opinião do mercado financeiro acabaram sendo vitoriosos.

Ao que tudo indica, o “lobby” articulado - principalmente com o apoio dos grandes órgãos de comunicação - conseguiu emplacar mais uma vez a tese do catastrofismo.

Ou o governo endurece com firmeza a política monetária imediatamente, ou abre-se o caminho para o retorno do fantasma incontrolável da inflação elevada”.

Bingo! A taxa oficial de juros, a SELIC, acabou sendo aumentada em 0,25%, passando ao patamar de 7,5% ao ano.

É impressionante como a agenda de debate sobre o fenômeno inflacionário continua sendo sequestrada pelos divulgadores da ortodoxia, sem que haja espaço para ideias e versões mais oxigenadas com ventos portadores de informações mais completas acerca da realidade concreta.

Toda e qualquer tentativa de apresentar alternativas para acompanhamento e mesmo atuação sobre preços é imediatamente taxada de populista, irresponsável e - pasmem! - bolivariano-chavista.

A pauta do clube da finança é composta de apenas um item: elevação da taxa de juros. E ponto final!

Dessa forma, os resultados dos índices de preços coletados por instituições como o IBGE, a FGV, a FIPE, o DIEESE e outros são apresentados de acordo com o menu do dia.

A ideia é sempre passar o clima do desespero anunciado, o dragão que ameaça o retorno a cada período que antecede a reunião do COPOM e exige “rigor e firmeza por parte dos responsáveis pela condução da política monetária”. Haja paciência!

Há outros caminhos além de aumentar a SELIC
O fenômeno inflacionário, no entanto, é muito mais complexo do que uma simples elevação na SELIC possa resolver. E ainda mais em uma realidade como a brasileira, onde o histórico de taxas bastante elevadas de inflação (anteriores ao Plano Real, de 1994) e os recordes catastróficos de taxa real de juros (pós Plano Real) comprometem de forma substantiva aquilo que o economês chama de “eficácia da política monetária no combate à inflação”.

Se por acaso o governo estiver mesmo convencido da tese (equivocada, diga-se de passagem) de que o problema atual da subida dos preços está associado a um excesso de demanda agregada no conjunto da sociedade, então que lance mão de outros instrumentos para conter esse suposto sobre-consumo.

Já escrevi a respeito de alternativas como, por exemplo, o depósito compulsório, instrumento presente em qualquer manual básico de macroeconomia.

Mas o financismo morre de medo dessa medida e, espertamente, esquece de mencioná-la como alternativa à elevação da taxa de juros. Afinal, deixaria de ser aquinhoado com a transferência graciosa de recursos bilionários do orçamento federal.

Mas no momento atual, é totalmente descabida essa interpretação do crescimento dos preços, bem como a utilização da elevação da SELIC para evitar que o processo se mantenha.

Peço desculpas antecipadas aos leitores, mas o assunto exige um detalhamento particular dos dados, para que possamos compreender e debater com a versão conservadora.

O regime de metas de inflação trabalha, para o período atual, com um intervalo entre 2,5% e 6,5% (centro da meta em 4,5%) para que se mantenha um consenso de que o crescimento de preços anual da economia esteja dentro de uma faixa considerada - digamos assim - razoável.

A decomposição do índice de inflação
O índice oficial usado para tanto é o Índice Nacional de Preços de Consumidor Amplo (IPCA), coletado periodicamente pelo IBGE em 11 capitais e regiões metropolitanas, considerando uma cesta idealizada de consumo de um universo de famílias com renda variando entre 1 e 40 salários mínimos.

Os preços são anotados pelos pesquisadores por subitens da estrutura de despesas. E assim consolida-se o crescimento médio e ponderado, chegando-se ao tão famoso índice de inflação, tanto para o mês como para o acumulado para o ano. Então, vamos lá.

Por que a inflação voltou com força ao debate?

Em primeiro lugar, é claro, pelo fato dos indivíduos estarem sentindo, em seu cotidiano, que alguns itens têm ficado mais caros. Ou seja, percebem que o poder de compra de sua renda diminui.

E as manchetes escancaram: inflação supera meta e atinge 6,59%!

Ocorre que a análise mais detalhada de tais informações nos demonstra que os itens que mais contribuíram foram os do subgrupo “alimentação e bebidas” – cujos preços subiram em média 13,5%. Vejamos os demais subgrupos como se comportaram:

Inflação geral: 6,6%

Alimentação e Bebidas: 13,5%
Habitação: 2,9%
Artigos para residência: 2,8%
Vestuário: 6,8%
Transportes: 1,4%
Saúde: 6,3%
Despesas pessoais: 10,7%
Educação: 7,6%
Comunicação: 1,2%

Por outro lado, além de ter apresentado o maior crescimento dos preços, o subgrupo também representa maior participação no total de despesas das famílias e contribui com quase 25% da ponderação no índice final.

Há uma certa sazonalidade na oferta desses produtos, que obedecem a tendências que vão desde a evolução das “commodities” agrícolas no mercado internacional até as safras dos nossos produtos agrícolas e da produção semanal dos hortifrutigranjeiros.

Apesar de ter sido ironicamente classificada como a “inflação do tomate”, o fato é que há outros itens que subiram muito mais do que a média da inflação geral e pesam na composição final do IPCA. E isso a maior parte das donas de casa sabe há muito tempo.

Vejamos o que ocorreu com os produtos que mais subiram no subgrupo:

Farinha de mandioca: 151%
Tomate: 122%
Batata inglesa: 97%
Cebola: 76%
Repolho: 71%
Inhame: 61% 
Aipim: 53%
Alho: 53%
Cenoura: 51%
Feijão mulatinho: 40%

Os demais subgrupos apresentam produtos e serviços dentro da média do crescimento geral dos preços, com raras exceções apresentando crescimento de 2 dígitos, como foi o caso de fumo e cigarros (39%) e alguns serviços pessoais e domésticos nunca superiores a 12%.

Aumento dos juros: medida ineficaz e cara
Ora, parece claro que não precisa ser formado em economia para perceber que o aumento da SELIC em 0,25% não terá efeito absolutamente nenhum sobre esses preços, em especial o dos alimentos.

Aliás, estes já começaram a apresentar uma queda, exatamente por não serem submetidos a regime de monopólio ou oligopólio. As famílias não vão deixar de consumir para aumentar sua poupança, em função do aumento de juros tornar mais atrativas as aplicações oferecidas pelos bancos.

O próprio Ministro Mantega (foto) reconheceu que a elevação dos juros oficiais não terá efeito algum sobre o preço do tomate. Mas, segundo ele, atuará sobre as expectativas de inflação. E aí começamos a entrar em um terreno perigoso e pantanoso.

Isso porque implica aceitação explícita de que o governo está refém do mercado financeiro. Se o financismo exige alta da SELIC com o argumento de que não há outra alternativa para conter os preços, então o governo cede para evitar expectativas de inflação futura.

Não se pode aceitar a chantagem e entrar no jogo da profecia auto-realizada dos formadores de opinião em matéria de economia. Afinal, o universo de pessoas consultadas pela pesquisa Sensus (que baliza as decisões do BC) é todo formado por profissionais do mercado financeiro. Ou seja, são eles mesmos que criam as expectativas que devem ser atendidas. Uma loucura! E esse equívoco estratégico pode custar muito caro!

A Presidenta Dilma ofereceu uma grande contribuição à sociedade brasileira, quando orientou ao Presidente do BC, Alexandre Tombini, que iniciasse uma trajetória de queda da SELIC.

Em 31 de agosto de 2011, o COPOM decidiu reduzir a taxa que estava em 12,5%, promovendo diminuições sistemáticas por 9 reuniões consecutivas.

Desde 10 de outubro de 2012 que a taxa oficial se mantinha em 7,25%.

Mais do que o percentual da elevação, o que mais chama a atenção é essa rendição desnecessária às pressões do financismo.

A decisão vai custar aos cofres públicos a “bagatela” de R$ 5 bilhões anuais, o equivalente ao custo adicional dos 0,25% de aumento da taxa de juros sobre um estoque da dívida pública de R$ 2 trilhões.

O governo costuma apresentar o argumento da seriedade no controle do gasto público quando vem a público justificar medidas de redução de despesas em áreas socialmente sensíveis como previdência, saúde, educação e outras.

No entanto, não vacila um segundo quando se trata de destinar um volume de recursos como esse para uma atividade completamente parasita como as despesas financeiras de juros e serviços da dívida pública.

(*) Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6055

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Dia do Índio e de uma agenda de lutas

17/04/2013 - Cerca de 700 indígenas ocupam a Câmara dos Deputados
- da Redação do Brasil de Fato
- com informações do Cimi (Conselho Indigenista Missionário)

Revoltados com a criação de uma comissão especial para analisar a Proposta de Emenda à Constituição - PEC 215, que dá ao Congresso Nacional poderes para demarcar terras indígenas, cerca de 700 indígenas ocuparam o plenário da Câmara dos Deputados.

Hoje, essa atribuição é de responsabilidade do Executivo.

Cerca de 700 indígenas transferiram o Abril Indígena para uma ocupação na Câmara dos Deputados na Esplanada dos Ministérios, no Distrito Federal nesta terça-feira (16).

A decisão foi tomada pelos indígenas durante a audiência pública convocada pela frente parlamentar em defesa dos indígenas.


O objetivo das lideranças indígenas é pressionar que a Mesa Diretora da Câmara extinga uma comissão especial criada para analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 que dá ao Congresso Nacional poderes para demarcar terras indígenas - responsabilidade que hoje pertence ao Executivo, por meio da Funai.

Nós não aceitamos nenhum tipo de negociação ou diálogo referente à PEC 215.

O que nós queremos é que a Comissão seja desfeita”, disse Sônia Guajajara (foto), liderança da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN) esteve presente na audiência pública depois de muita pressão do movimento indígena.

Sobre a reivindicação dos povos indígenas, apenas disse que pediria aos líderes partidários que não indicassem representantes para a comissão da PEC 215 até que a situação fosse boa para todas as partes.

Não, presidente, não aceitamos isso.

Portanto, ficaremos aqui (em ocupação ao Congresso) por tempo indeterminado”. 

Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/12678

Por Antonio Fernando Araujo, do blog Educom:

Temos reproduzido aqui algumas matérias que revelam o estado precário em que se encontram, de um modo geral, não apenas as populações indígenas, mas todas - sem exceções - as comunidades tradicionais de quilombolas, ribeirinhos, pequenos agricultores e demais excluídos, quando postos frente a frente ao avanço predador que o grande capital promove sobre essa gente, suas propriedades e culturas originais, algumas delas remontando a séculos, estejam elas situadas no campo ou nos centros urbanos.

Por certo, tal precariedade está intimamente associada ao projeto de desenvolvimento que os governos - em todos os níveis e sejam de que partido for -, conceberam e entendem ser o único e o mais adequado ou oportuno ao perfil do seu município, estado ou país.

E o que temos assistido, é essa "classe política", em conjunto com a grande mídia empresarial e, mais recentemente, com parcelas do sistema judiciário, associarem-se para servir como arautos, intérpretes, promotores e executores desse modelo em que essa população e o meio-ambiente "surgem" diante deles como um estorvo ao projetos de dominação oriundos, quase sempre, das elites financeira e empresarial.

A partir daí toda sorte de arbitrariedades, preconceitos e injustiças vêm à tona, na ânsia da posse dos recursos e das riquezas de toda espécie que, porventura, encontrem-se sob a "guarda" desses povos ou comunidades e, em muitos casos, sejam até mesmo suas fontes de sobrevivência.

"Tanto o governo como os grupos de poder que financiam a maioria dos deputados querem poder dispor das terras indígenas que estão cheias de riqueza", assinalou a jornalista Elaine Tavares, no Brasil de Fato.

O que nossos indígenas promoveram anteontem (16/4) na Câmara dos Deputados - e que serviu até para que alguns deputados assustados, protagonizassem uma ridícula fuga do plenário e procurassem abrigo em seus gabinetes - nos sirva de lição.

Independentemente da etnia - mais de 300, segundo o IBGE - a que cada um pertence, entenderam que precisam se unir, estar juntos nessas causas que transcendem a origem, a localização e os costumes e cultura de cada tribo.

Diferentemente dos partidos e da militância ditos de esquerda que sequer foram capazes ainda de, em volta da mesa, conceber uma pauta, por menor que seja, de metas e lutas comuns para fazer frente àquele projeto que, em última instância, é o mesmo do capital internacional, nossos guerreiros pintaram os corpos e como parte da mesma linguagem primitiva de suas lutas ancestrais proclamaram solene, mas em tom de guerra, "não, presidente, não aceitamos isso."

Seria então a oportunidade de fazermos coro com eles? Refletir, denunciar e nos solidarizarmos com sua luta como procuramos fazer neste blog quando reproduzimos aqui esses artigos? E de forma semelhante e em uníssono, amplificamos em bom som todas as demais demandas políticas e sociais pelas quais a nação se debate e há muito vem se manifestando?

Senadora Katia Abreu, líder do agronegócio
Cabe a todos e em especial às nossas lideranças políticas e partidárias matutar, tirar uma lição do evento e apressar o passo.

O grande capital e o conjunto de suas poderosas organizações e bem nutridas instituições estão coesos e a cada dia mais e mais bem equipados.

Do lado de cá do balcão o que vemos é a fragmentação crescente de nossas forças políticas e para isso basta que uma vírgula não seja do agrado do companheiro para que toda a ideia do indispensável acúmulo de forças se desfaça como num castelo de cartas.

Não que isso não possa ser benéfico, mas historicamente tem servido mais para que se bloqueiem as possibilidades de um consenso no que possa ser útil à luta comum do que às oportunidades de se debater politicamente a pluralidade de opiniões e a partir delas construir-se uma única força, por certo, mais robusta.

Mais do que nunca, isso se tornou uma necessidade mandatória, nem que seja para que, ao menos de longe, se possa vislumbrar alguma possibilidade de êxito nos inúmeros territórios de lutas.

Estão aí postas as lições desse "Abril Indígena", versão 2013, a da covardia dos deputados fujões e a da bravura dos guerreiros indígenas que, tanto quanto esse políticos, são antes de mais nada, cidadãos brasileiros.  

Assim, não deixe de ler:
- O índio na metrópole - Andrezza Richter, Carolina Rocha Silva e Kárine Michelle Guirau
- Abril Indígena 2013: Declaração da Mobilização Indígena Nacional em Defesa dos Territórios Indígenas
- Em defesa da terra indígena - Renato Santana

E mais:
- O futuro dos índios - Guilherme Freitas entrevista Manuela Carneiro da Cunha
- Apreensão no campo - Dom Tomás Balduíno
- Era para serem outros 500 - Cristiano Navarro
- Rio de ouro e soja - Carlos Juliano Barros


Nota:
Fotos de José Cruz, Valter Campanato e Wilson Dias, todas da Agência Brasil/ABrA, extraídas do Portal Brasil de Fato. A eventual inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Em defesa da terra indígena

15/04/2013 - Abril Indígena
“Está na hora de priorizarmos a luta pela terra”
-  Por Renato Santana - Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi

Luziânia (GO) - Dispostos a enfrentar o que consideram uma das piores conjunturas de ataque aos direitos pela terra pós-Constituição de 1988, povos indígenas de todo o país iniciaram nesta segunda-feira, 15, o Abril Indígena 2013, que segue até sexta-feira, 19, Dia do Índio.

Nesta terça-feira, 16, cerca de 500 indígenas estarão em audiência com a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas[ao final 700 índios estiveram presente] a partir das 10h30h, na Câmara dos Deputados.

Lideranças, caciques, pajés, professores e professoras, vindos de comunidades às margens de rodovias, aldeias acossadas pelo agronegócio, retomadas à espera de demarcação, pretendem mais do que discutir problemas, mas reivindicar o que lhes é de direito, usurpado pela agenda política de grupos latifundiários, mineradores, madeireiros.

Muitas vezes nos deixamos enganar por conversas de gabinete. Não podemos deixar isso acontecer, porque se a gente parar para ver o que o governo federal está fazendo é tão ruim quanto aquilo que os fazendeiros, a elite agrária, fazem com a gente”, destaca Ninawá Huni Kui (foto) (AC).

O Abril Indígena deste ano acontece num período de ofensiva da bancada ruralista no Congresso Nacional e país afora, além de medidas de exceção do Palácio do Planalto.

Propostas de alterações constitucionais referentes ao direito pela terra, no Legislativo, e decreto de uso da Força Nacional contra comunidades que se opuserem à construção de grandes empreendimentos, no Executivo, hegemonizam a pauta de discussões e mobilizações dos indígenas.

Sem o que comemorar numa semana destinada a eles, os povos pretendem mostrar ao país que resistem e estão vivos, para além do folclore e dos museus.

Dos nossos últimos encontros nacionais, em que elaboramos cartas para as autoridades, nada melhorou, nada avançou. Acho que até piorou.

Vivemos lamentando nossos mortos.

Está na hora de priorizarmos de verdade a luta pela terra. Sem ela, não somos nada.

Salário daqui e de lá não substitui, só divide. Na guerra temos de rir, não chorar.

Agora não guerreamos mais entre nós, sabemos bem quem são nossos inimigos”, enfatiza cacique Babau Tupinambá (foto acima), da  Serra do Padeiro (BA).

Conforme a pauta definida pelos movimentos indígena e indigenista, a semana será dividida em discussões no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), para onde vão a partir desta terça-feira, 16, em atividades junto às Frentes Parlamentares de Defesa dos Povos Indígenas e de Direitos Humanos e Minorias, esta última criada em protesto contra a eleição do pastor Marco Feliciano (PSC/SP) para a presidência da comissão, entre outras atividades.

Perdemos as margens de diálogo com os últimos episódios no congresso e no governo.

O PL da CNPI (que criará o conselho no âmbito do que é hoje a Comissão Nacional de Política Indigenista) está prestes a sofrer um golpe, para não falar da PEC 215.

A conjuntura é delicada”, declara o integrante da CNPI, cacique Marcos Xukuru (PE).

Os povos indígenas do Nordeste sofrem com os grandes empreendimentos, caso da transposição do rio São Francisco, a seca agravada pela concentração de terras e a falta de demarcação de terras, caso dos Xukuru-Kariri, de Alagoas, que têm feito retomadas em áreas há décadas reivindicadas.

Na Bahia, os Tupinambá seguem em constantes retomadas de áreas declaradas como indígenas, gerando conflitos e violência.

Os povos indígenas estão prestes a levar um golpe, um golpe do Estado. Precisamos pensar uma estratégia conjunta. As discussões são as mesmas sempre.

Estão atrasando os grupos de trabalho, deixando de fazer os processos de demarcação. Então o governo decreta a PNGATI (Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas), mas rasga nossos territórios com empreendimentos, PECs.

Não podemos aceitar isso e devemos ir para a luta”, declara o vice-cacique Marcelo Entre Serras Pankararu, do sertão pernambucano.

Delegações Guarani do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul trazem relatos de vidas fora da terra, às margens de rodovias, e em áreas retomadas no meio de fazendas de soja, cana e pasto. Durante o mês de março, o jovem Denílson Guarani Kaiowá foi assassinado por fazendeiro.

Os indígenas retomaram a área, declarada como indígena, e na última semana a Justiça concedeu reintegração de posse para o fazendeiro, assassino confesso do indígena.

Na última sexta-feira, um PM reformado invadiu um tekoha – lugar onde se é – e desferiu seis disparos de arma de fogo, acertando um indígena na cabeça. Para se defender, a comunidade o desarmou e o manteve seguro até a chegada da polícia.

Levado ao hospital, o PM não resistiu e morreu a caminho do atendimento médico. O indígena atingido pelo disparo foi medicado e na sequência preso, acusado pelo homicídio.

Toda morte é sempre ruim, mas os indígenas se defenderam. Ele (PM reformado) invadiu a aldeia armado e também já tinha histórico de agressão contra os indígenas. Tudo isso, porém, é resultado da demarcação incompleta da terra e da não retirada dos ocupantes não indígenas da terra indígena”, pontua o coordenador do Cimi Regional Mato Grosso do Sul, Flávio Vicente Machado.

Nossos territórios devem estar livres. A violência não é nossa, porque não é a gente que quer tirar direitos de ninguém. Apenas queremos os nossos”, completa cacique Babau.

Porém, além da insegurança jurídica e social deixada pela falta de complemento nos processo de demarcação, outros temas envolvem os povos indígenas.

Um deles é a Portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU). Nela o órgão ‘orienta’ que as condicionantes da Terra Indígena Raposa Serra do Sol devem se estender a todo país.

A própria AGU questionou as tais condicionantes de Raposa Serra do Sol e no ano passado baixou a Portaria 303 dizendo que elas se estendem a todo país, isso sem essas tais condicionantes terem sido apreciadas pelo STF”, explica o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto.

Críticas também foram feitas aos dez anos de PT e aliados à frente do Palácio do Planalto.

Lula comia peixe assado com a gente. Ele dizia o que iria fazer por nós, era lindo.

Lula se elegeu e os parentes cruzaram os braços, acreditando numa vitória para a gente. O resultado está aí: se aliou (Lula) com os capetas e nada aconteceu de bom para a gente.

Então precisa acabar com braços cruzados, pois eles estão abrindo a porta da casa da gente para hidrelétricas, mineradoras, fazendeiros”, analisa Nailton Pataxó Hã-hã-hãe.

Há exatamente um ano os Pataxó Hã-hã-hãe recuperavam a totalidade da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu, no extremo sul da Bahia, expulsando todos os invasores, grandes latifundiários de gado e monocultivos.

Demarcações de terras e PEC 215
Durante o governo Dilma Rousseff, apenas dez terras indígenas foram demarcadas no Brasil, sendo todas na região Norte – sete no Amazonas, duas no Pará e uma no Acre, ou seja, áreas que hoje não envolvem os conflitos mais encarniçados entre latifundiários invasores e comunidades indígenas.

Os dados são do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com base nas publicações do Ministério da Justiça no Diário Oficial da União.

Uma vez que 335 terras estão em alguma das fases do procedimento de demarcação, em dezenas com demora de dez, 20 anos para a conclusão, caso da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC), e outras 348 reivindicadas, a quantidade recente de demarcações é abaixo do esperado pelos povos indígenas e Ministério Público Federal (MPF).

Para completar, a PEC 215 vem com grande força. Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sob intensos protestos de comunidades indígenas, a PEC 215 teve comissão formada por decisão do deputado federal Henrique Alves (PMDB/RN) (foto), presidente da casa e eleito com o compromisso de encaminhar a PEC 215 para votação.

A proposta da bancada ruralista visa transferir do Executivo para o Legislativo o processo de demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e a criação de Áreas de Proteção Ambiental.

Com a maior bancada no Congresso Nacional, controlando ¼ da Câmara, ruralistas passariam a ter influência direta nas decisões de demarcações, atendendo aos próprios interesses.

Fonte:
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6816&action=read

Leia também:
- Abril Indígena 2013: Declaração da Mobilização Indígena Nacional em Defesa dos Territórios Indígenas - APIB/Cimi
- Bancada ruralista pressiona para tirar poderes da Funai - Agência Brasil
- Área indígena sagrada vai virar hidrelétrica - Renée Pereira
- O futuro dos índios - Guilherme Freitas entrevista Manuela Carneiro da Cunha

E mais:
- Apreensão no campo - Dom Tomás Balduíno
- Território das comunidades tradicionais: uma disputa histórica - por Viviane Tavares
- Era para serem outros 500 - Cristiano Navarro
- Povos indígenas e o desenvolvimentismo do governo Dilma Rousseff - Roberto Antonio Liebgot
- Rio de ouro e soja - Carlos Juliano Barros

Nota:
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