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terça-feira, 22 de outubro de 2013

Marina “Disruptura” e o fim da “Era Lula”

17/10/2013 - “Disruptura”.
- Ou como Marina quer por fim à “Era Lula”, tal como FHC quis sepultar a “Era Vargas”
- Fernando Brito - Tijolaço

Eu convivi, certa feita, com dois idiotas, ambos de péssimo caráter, a quem chamávamos de Azeitona e Empada, de tanto que se completavam as suas nulidades.

Como não tinham capacidade de raciocinar com profundidade, apelavam para expressões pernósticas para explicar suas estultices, e a preferida era “quebrar os paradigmas”.

Volta e meia, quando não tinham o que dizer, falavam que “era preciso quebrar os paradigmas”.

Nem é preciso dizer que eu e outros ironizávamos:

- Ah, vou me atrasar, o carro quebrou o paradigma…

- Fulano está no hospital? Por que? Quebrou o paradigma, coitado…

Por isso, fico incomodado quando vejo Marina Silva falando em disruptura.

Eu insisto que é preciso um projeto de país e essa disruptura será boa para todo mundo”.

Bem, vamos achar que ela está querendo falar em disrupção, do latim disruptio, fratura, quebra, despedaçar, romper, destruir…

Em política, o significado seria, então, o de revolução, não é?

Por que fugir da palavra, mesmo com as ressalvas de que seria pelo voto, sem violência ou atropelos?

Porque Marina adotou, como todos vemos, uma agenda cheia de palavrórios mas, em termos de conteúdo, idêntica a do conservadorismo.

Apresentou-se, logo que teve oportunidade, como a defensora do status quo.

O tripé, a santíssima trindade do neoliberalismo.

É o crucifixo que não se pode deixar de adorar, embora se saiba que o crucificado ali é o povo.

Nega-lo é heresia e heresia é fogueira.

Tanto que se diz que Dilma o negligencia e ela tem de vir a público dizer que nele crê, mesmo  que não seja sempre “praticante”.

Mas em Marina, não se pode negar, a fé é fundamentalista.

Ao ponto de seu “irmão” Aécio o reconhecer:

Ele (Aécio) ainda se colocou ao lado da ex-senadora Marina Silva, que afirmou que o governo atual flexibilizou o controle da inflação e da política fiscal.

O senador disse que considera que as propostas da candidatura do PSB com a Rede são “muito semelhantes” às do PSDB.

- Vejo que há uma aproximação do discurso da Marina com aquilo que o PSDB vem pregando.

Tenho certeza que uma eventual candidatura do PSB nasce exatamente por essa visão muito semelhante à nossa, de que esse ciclo de governo do PT, em benefício do Brasil, tem que ser encerrado.

Pouco importa se Marina Silva é ou não uma pessoa de direita, embora eu tenda a achar que ninguém possa ser de esquerda com seu fundamentalismo moral.

O fato objetivo é que parte da direita sentiu nela – e no seu comportamento marcado por personalismo, rancores e vaidades – a oportunidade de dividir e derrotar um projeto progressista que, ficou claro, as ambições traiçoeiras de Eduardo Campos, o vazio de Aécio Neves e a repugnância de José Serra não permitiriam.

Tal como Fernando Henrique, na sua gabolice estúpida, disse que chegava ao poder para sepultar a Era Vargas, Marina vem para tentar sepultar a quadra histórica mais semelhante àquela que já tivemos: a Era Lula.

Só que vai ter de se defrontar com o retrato do Velho, outra vez. E de um Velho vivo, vivíssimo.

Fonte:
http://tijolaco.com.br/index.php/disruptura-ou-como-marina-quer-por-fim-a-era-lula-tal-como-fh-quis-sepultar-a-era-vargas/

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Dilma, não entregue nosso pré-sal

25/09/2013 - RedeDemocratica - João Pedro Stedile, em seu blog

No dia 21 de outubro, a Agência Nacional de Petróleo vai leiloar o maior campo de reservas de petróleo brasileiro, encontrado a 180 km do litoral, com sete mil metros de profundidade.

Lá estão depositados comprovadamente de 12 a 14 bilhões de barris de petróleo. E equivalem a todas as reservas do México.

Corresponde a tudo que a Petrobras já explorou nos seus 60 anos de existência.

A importância estratégica para o país é tão grande que durante o debate do segundo turno, da campanha de 2010, a candidata Dilma Rousseff disse que o candidato José Serra queria privatizar e fazer um leilão do petróleo, e que isso era inadmissível, pois o pré-sal deveria ser uma riqueza a ser utilizada apenas em favor do povo brasileiro.

Três anos depois, em mensagem pública em rede de televisão, a presidenta muda o discurso e assume o que Serra queria fazer, leiloar as reservas do pré-sal para iniciativa privada.

Como será leiloada tamanha riqueza?
A ANP abriu as inscrições e nada menos do que 11 grandes empresa petrolíferas do mundo se habilitaram. Sete são empresas estatais da China, Índia, Portugal, Espanha e Noruega. Três são empresas privadas transnacionais e mais a Petrobras.

A empresa que fizer a melhor oferta de partilha em percentual do petróleo explorado ganhará o leilão ou poderão acontecer parcerias.

Quem ganhar vai pagar ao governo brasileiro R$ 15 bilhões, no minimo. Esse dinheiro vai para o Tesouro Nacional, que provavelmente vai botar na caixa comum, aquela mesma que paga os juros da divida interna para não mais de 5 mil acionistas de bancos.

Depois do leilão, a empresa ganhadora deve seguir a nova regra de partilha, que passou a vigorar no governo Lula. A empresa extrai o petróleo e paga 15% de royalties, que por sua vez são redivididos entre União, Estados e Municípios.

Dos 5% que irão para a União, 75% serão destinados para a educação e os outros 25% para saúde. Os estados e municípios podem fazer o que quiserem com os royalties e investir em qualquer coisa

Portanto, não é certa a propaganda de que a renda do petróleo vai para a educação. Apenas ao redor de 15% do total, que são os royalties, podem ter alguma finalidade social.

Além dos royalties, as empresas descontam o custo real de produção da extração. Com isso, vem a partilha. A empresa é obrigada a entregar 50% do saldo, em petróleo, para a União, que certamente vai repassar a Petrobras. Os outros 50% seguramente serão exportados como petróleo cru para os países de origem das petroleiras.

Portanto, independente de qualquer argumento, na prática, estamos entregando 50% de todo o petróleo do pré-sal para as empresas estrangeiras, que despacham o óleo negro para seus países, sem pagar mais nada. Nem impostos nem royalties.

Entrega de 50% da produção em troca de sua exploração
Pela Lei de Partilha, aprovada durante o governo Lula, há um artigo que diz que a União poderá entregar toda a reserva do pré-sal para exploração exclusiva por parte da Petrobrás, sem necessidade de leilão. Por que não fazemos isso?

O governo e os colunistas nos jornais têm defendido que a Petrobrás está endividada e não tem caixa para investir. O BNDES tem uma política de crédito para tantas empresas privadas, inclusive transnacionais e picaretas em geral, como o Eike Batista. Por que não poderia emprestar para Petrobrás?

Por que o Tesouro Nacional – em vez de pagar juros a meia dúzia de especuladores de títulos da divida interna, que levam R$ 200 bilhões por ano – não aplica recursos em investimentos do pré-sal?

Aliás, foi assim que o presidente Lula fez na crise de 2008, quando orientou o desconto do superavit primário e destinou R$ 100 bilhões para o BNDES investir no setor industrial. Medidas desse tipo que fizeram a economia brasileira caminhar e impediram o povo brasileiro de sentir os maiores efeitos da crise internacional.

A Petrobrás é uma das maiores empresas do mundo e, certamente, tem crédito para conseguir empréstimos também no exterior. Ou alguém acha que as empresas concorrentes tem dinheiro em caixa? As grandes petroleiras vão ao mercado tomar dinheiro emprestado.

As estatais chinesas podem ser as ganhadoras do leilão. Para isso, o Tesouro chinês liberará bilhões de dólares das reservas para as empresas explorarem e levarem o o petróleo cru para a China. Ou seja, vão fazer o que o Tesouro brasileiro não tem coragem.

O governo e os setores neoliberais defendem que esses investimentos estrangeiros são necessários para a economia voltar a crescer. Ora, alguém notou alguma diferença no PIB brasileiro depois de realizados 11 leilões de petróleo e entregues para as empresas transnacionais?

Essas empresas estrangeiras que ganharem os leilões usam tecnologias de suas matrizes e já trazem os equipamentos. Dos 67 navios petroleiros construídos no Brasil no governo Lula, 63 foram comprados pela Petrobrás e quatro pela venezuelana PDVSA.

Nenhuma empresa transnacional que ganhou outros leilões construiu plataformas no Brasil. Nem contrataram engenheiros o operários qualificados para suas instalações.

Um colunista de plantão afirmou recentemente que o governo Dilma tem de fazer o leilão logo, pois se os tucanos voltarem ao governo farão do seu jeito. Ora, que argumento mais insólito, fazer logo uma política equivocada porque os nossos adversários fariam mais rápido. Santa paciência.

Petróleo é riqueza do povo
O povo brasileiro precisa dessa riqueza para investir em educação, saúde e tecnologia, como prometeu a candidata Dilma em campanha

As nossas riquezas não podem ser exportadas como petróleo cru para resolver os problemas da China, Espanha e Portugal. Nós temos pressa é de reformas estruturais que possam acelerar as soluções dos problemas do povo.

Precisamos de investimentos em transporte público, tecnologia, indústria nacional, que gerem empregos de qualidade para o povo brasileiro. Nada disso virá de leilões de petróleo. Se leilões resolvessem os problemas sociais, não haveria tanta insatisfação nas ruas depois de onze leilões.

A alternativa é dar exclusividade para a Petrobras, que com empréstimos do BNDES, do Tesouro ou mesmo no mercado internacional poderia extrair o petróleo, com sua tecnologia e trabalhadores brasileiros. Depois, industrializar esse óleo para gerar ainda mais riquezas e impostos no Brasil.

O que está em jogo é a nossa soberania nacional sobre uma riqueza estimada em um US$ 1 trilhão a ser retirada em 30 anos. O povo brasileiro vai dividir essa riqueza com as empresas estrangeiras? Quem não gostaria de ter garantido o acesso a US$ 500 bilhões ao longo de 30 anos ?

Diante disso, especialistas da universidade, técnicos da Petrobrás  dirigentes que atuaram no próprio governo Lula-Dilma, sindicatos dos petroleiros, centrais sindicais e movimentos sociais nos reunimos recentemente em uma plenária e decidimos fazer uma campanha nacional pelo cancelamento do leilão.

O Brasil descobriu uma imensa reserva depois de décadas de pesquisa financiada pelo povo. Temos a garantia constitucional de que o petróleo pertence a todo o povo. Temos tecnologia necessária para explorá-lo.

Esperamos que a presidenta Dilma não entre na história do país no mesmo capítulo que o FHC, referente à entrega das nossas riquezas. FHC entregou os nossos minérios, privatizando a Vale do Rio Doce, a Embraer, as ferrovias e as empresas de telecomunicações.

Não admitimos dividir a nossa riqueza com capitalistas estrangeiros. Lutaremos por nossas ideias e pelos interesses do povo brasileiro. Um governo passa rápido, mas a história de um povo é eterna.

Fonte:
http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=5187:dilma-n%C3%A3o-entregue-nosso-pr%C3%A9-sal

domingo, 15 de setembro de 2013

Luiz Gushiken


Se um dia você quiser saber o que é passar por um massacre midiático, acompanhe a história de Gushiken


Por Paulo Moreira Leite

Conheci Luiz Gushiken quando ele era gordo, tinha cabelos imensos e um bigode de estilo mexicano. Na última vez que nos encontramos, num quarto no Sírio Libanês, pesava menos de quarenta quilos, os cabelos tinham ficado brancos e ralos. Falava com dificuldade mas a mente seguia continuava alerta.

Conversamos sobre a conjuntura. Longe de qualquer atividade política, Gushiken estava preocupado com o resgate da história do Partido dos Trabalhadores e com o esforço dos adversários para esconder os méritos da legenda no progresso da maioria dos brasileiros.

Uma dos alvos das denúncias da Ação Penal 470, Gushiken conseguiu desmontar, uma a uma, as acusações apresentadas contra ele. Chamado a depor na CPMI, foi embora sem deixar pergunta sem resposta. Quando comentei esse desempenho com colegas de trabalho, ouvi uma resposta desoladora: “As pessoas são treinadas para mentir.”

Gushiken foi inteiramente inocentado no julgamento mas só depois de passar sete anos nas páginas de jornais. O professor de um de seus filhos chegou a criticar Gushiken em sala de aula, na frente de todos, enfrentando, mais tarde, a reação firme de Beth, sua mulher.

Se um dia você quiser saber o que é passar por um massacre midiático, acompanhe a história de Gushiken. Ele colecionou episódios que lembram que a falta de regras claras sobre o direito de resposta pouco tem a ver com o direito a liberdade e à dignidade da pessoa humana, mas é um estímulo à covardia e à incompetência.

Publicou-se que uma empresa de consultoria da qual havia sido sócio cresceu mil vezes depois que ele assumiu a Secretaria de Comunicação do Governo Lula. Gushiken provou que os números estavam absurdamente errados e se baseavam em dados falsos, fornecidos por uma prefeitura inimiga, mas a correção jamais foi feita em público.

Toda a acusação sobre seu papel no mensalão teve como base uma entrevista de Henrique Pizzolato, publicada logo no início das denúncias. Levado para depor na CPMI, Pizzolato jamais confirmou a entrevista e disse que jamais dera declarações e que seu depoimento havia sido forjado. Pediu que lhe trouxessem fitas gravadas, que jamais apareceram. Gushiken também foi acusado de ter consumido R$ 3 000 num jantar. Provou que era mentira e ganhou uma indenização por causa disso. Mas a correção jamais foi publicada.

Como Secretário de Comunicação, Gushiken teve atitudes que honram a biografia de um homem público.

No início do governo Lula, quando a TV Globo e demais emissoras encontravam-se em situação falimentar, rondando o Planalto em busca de socorro, Gushiken concordou com a ideia de dar apoio, mas defendia uma proposta que, mesmo rejeitada, ajuda a entender seu pensamento. Já que se pedia recursos que jamais seriam pagos, o Estado brasileiro não poderia prestar serviços gratuitos. Deveria ser recompensado com uma participação acionária nas empresas que fossem beneficiadas.

Gushiken tomou providências para disciplinar uma antiga folia com verbas de publicidade oficial, pela qual estatais negociavam anúncios a preços infinitamente superiores ao mercado, consumindo recursos públicos para subsidiar ganhos privados. Numa intervenção logo no início da gestão, exigiu negociações às claras entre as partes, criando uma mesa comum para dificuldade acertos às escondidas.

Dando início a uma política que seria generalizada e bastante ampliada no segundo mandato de Lula, por Franklin Martins, começou a desconcentrar a publicidade oficial, até então monopolizada por grandes e poucos veículos.

Nascido numa família de imigrantes de Okynawa, ilha que abriga uma das regiões mais pobres do Japão, Gushiken teve pais que venderam pastel em feira. Formado pela Fundação Getúlio Vargas, foi o principal líder dos bancários brasileiros em seu devido tempo. Teve um papel destacado na organização de uma greve nacional da categoria, em 1985.

Militante da Organização Socialista Internacionalista, matriz da tendência estudantil Liberdade e Luta, foi um dos primeiros a compreender corretamente a importância dos sindicatos oficiais, reconhecendo que poderiam servir à luta dos trabalhadores e não deveriam ser encarados como simples escolas de peleguismo e picaretagem – como sustentavam estudiosos ligados a UDN paulista e uma clientela de ultraesquerda que possuía tantos adeptos nos anos 1970 e 1980.

Lutando contra um câncer que levou dois terços do estômago em 2002, Gushiken exibia uma disposição fora do comum. Recebia atendimento médico no Planalto, para não atrapalhar o expediente.

Anos depois, arrastando o equipamento de soro que lhe servia de alimento, uma de suas diversões recentes era brincar com Kika, uma cachorrinha pequena e briguenta. Não podia alimentar-se mas discutia cardápios e receitas.

Essa capacidade de aproveitar cada momento da existência como uma experiência única e preciosa costumava confundir. Levei anos para compreender a gravidade real de sua doença.

Não era possível falar tanto no futuro, dar tantas risadas, se aquele mal fosse tão ruim como ele mesmo dizia. Saíamos para jantar e, enquanto foi possível, não recusava um copo de vinho.

Tratando-se com medicamentos experimentais que lhe permitiram uma vida mais longa do que a maioria dos pacientes, costumava dizer, nos últimos anos: “já estou no lucro.” Falava dos respeito e um certo distanciamento dos hospitais de ponta em que costumava ser tratado. “Aqui você não consegue morrer. Sempre que está ficando muito mal, aparece uma equipe e faz alguma coisa.”

Nas conversas mais recentes, tomava doses frequentes de morfina para aliviar a dor e dizia que estava “descendo a pinguela.”

De volta para casa, após nossa última conversa, enviei para seus filhos o link de uma música que expressa as melhores emoções que essa convivência me ensinou. Estou falando de "We Shall Overcome", uma canção que se transformou num clássico da esperança simples de homens e mulheres que pretendem viver em paz, num mundo fraterno.

Em homenagem a Luiz Gushiken, deixo o link para quem quiser aproveitar um único e precioso momento.

Paulo Moreira Leite

Fonte: http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/09/luiz-gushiken.html

Leia também:http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/09/morre-aos-63-luiz-gushiken.html

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Ecos na África

31/07/2013 - Revista Brasileiros, ed. 72
texto e fotos de Hélio Campos Mello e Luiza Villaméa, enviados especiais a Adis Abeba, na Etiópia

Nos 50 anos da União Africana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de encontro de combate à fome, tema de reportagem na próxima edição da Brasileiros.

Em entrevista exclusiva, concedida na Etiópia, Lula defende manifestações no Brasil, fala sobre corrupção, consertação e de uma nova maneira de fazer política

Em Adis Abeba, a capital da Etiópia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou pela primeira vez em público sobre os protestos que se espalharam pelo Brasil e surpreenderam o mundo.

Cercado por líderes políticos e comunitários ávidos para implementar em seus países programas criados quando ele estava à frente da Presidência da República, Lula lembrou dos tempos em que ele próprio ocupava as ruas como forma de pressionar mudanças.

Para Lula, as manifestacões são, em parte, resultado do que foi feito no Brasil nos últimos dez anos: “Feliz é o povo que tem liberdade de se manifestar. E mais feliz ainda é o país que tem um povo que se manifesta e vai para as ruas querendo mais”.

Dois dias depois, em entrevista exclusiva à Brasileiros, ainda em Adis Abeba, Lula afirmou que o povo tem razão em reclamar. “As pessoas podem querer mais ou querer menos, podem até querer exageros, mas isso é positivo. É bom para que se faça nova consertação no País”, disse o ex-presidente, que tem acompanhado de perto as mudanças na forma de fazer política no cenário nacional e internacional.

Não por acaso, ele defende que governos e políticos entrem em sintonia com as novas mídias e os tempos em que “as pessoas se comunicam sem pedir licença”.

O ex-presidente estava em Adis Abeba para um encontro promovido pela União Africana (que comemora 50 anos em atividade), pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e pelo Instituto Lula.

Brasileiros – Como o senhor está vendo o Brasil? De repente, o índice de popularidade da presidenta Dilma Rousseff despencou.
Luiz Inácio Lula da Silva – Não é a presidenta. O terremoto que aconteceu no País pegou tudo. Pegou desde a imprensa, que estava perplexa e depois virou apoiadora do movimento, até o Congresso Nacional. Pegou todo mundo, os políticos, os prefeitos, como se fosse um vulcão em erupção.

Quem estava ali na frente foi se queimando. Como temos de encarar isso? primeiro, é inegável a evolução que aconteceu no Brasil nos últimos dez anos. Teve crescimento do emprego, do salário e do PIB, além de controle da inflação. Durante dez anos seguidos, o salário mínimo aumentou. 

Durante dez anos seguidos, as pessoas tiveram mais crédito, viraram consumidoras. Na campanha, Fernando Haddad dizia uma frase que eu achei genial.

Brasileiros – Qual?
Lula – Ele falava “da porta para dentro de suas casas as coisas melhoraram. Da porta para fora, as coisas não melhoraram”. É lógico que o povo tem razão de reclamar do transporte. E não é pelo preço não. É pela qualidade do transporte. Basta pegar um ônibus para sentir o problema.

metrô era chique em São Paulo, quando andava meio vazio. Agora, que entra três vezes mais gente do que cabe no vagão, acabou.

À medida que a sociedade evolui, ela quer mais, exige mais. Então, nada de ficar nervoso ou irritado porque os movimentos estão acontecendo. Vamos agradecer que a sociedade está viva, querendo coisas. As pessoas podem querer mais ou querer menos, podem até querer exageros, mas isso é positivo.

Brasileiros – Como?
Lula – É bom para que se faça uma nova consertação no País, para que se façam novos acordos. As pessoas criticam a Copa do Mundo… Eu fico muito feliz que a Copa do Mundo venha para o Brasil. Fiquei felicíssimo com a vitória do Brasil contra a Espanha.

Se as pessoas entendem que tem custo a mais, vamos explicar para as pessoas se não tem, se tem a mais ou a menos. Quem é responsável por fazer os estádios tem de explicar. Manda os empresários se explicarem, os governadores se explicarem por que custou 100, 200 ou 300.

O governo federal está muito à vontade porque não tem dinheiro para estádio. Tem financiamento do BNDES, como qualquer outro financiamento. Quem toma o empréstimo tem de dar garantia e tem de pagar.

O governo tem investimento para obra de infraestrutura, que é outra coisa. Precisa ser feito. Como diz o Andrés Sanchez, do Corinthians, o estádio é do Corinthians, não é da Copa. Se a Copa quiser utilizar, tudo bem.

E, no caso das obras públicas, elas têm de ser feitas. No Brasil, todos nós sabemos que faltam coisas. Não precisa nem fazer manifestação. É só acompanhar as pesquisas de opinião pública. E todo mês os políticos têm pesquisa. Todo santo dia tem pesquisa mostrando o que está bom e o que não está bom na percepção do povo. Nisso não há nenhuma novidade. A novidade é que o povo resolveu dizer “olha, nós existimos”.

Brasileiros – Em discurso para líderes políticos e comunitários no Centro de Convenções da União Africana, o senhor considerou os protestos saudáveis para o País.
Lula – Considero saudável, primeiro, porque o povo está fazendo uma manifestação pacífica. Nas greves do passado, mesmo quando a gente pedia para os trabalhadores “olha, não queremos que vocês estourem pneus de ônibus”, sempre aparecia um engraçadinho para quebrar o vidro de um ônibus. Sempre aparecia um engraçadinho com um alicate para tirar a válvula e esvaziar o pneu. Eu dizia “não peçam para fazer piquete que eu não vou fazer”. Eles faziam e depredavam. É sempre assim.

Separando isso, as manifestações são legítimas e devem ser encaradas como normais. Aliás, a Dilma tem tido um comportamento muito digno com relação a isso. Mas o mundo não sabe que a polícia é estadual, não é federal. No Brasil, você tem a educação básica, que é municipal e estadual. Há uma mistura. O mundo não sabe disso.

Em dez anos, conseguimos mais do que dobrar o número de jovens na universidade. Em dez anos, nós fizemos mais do que foi feito desde 1920, quando foi criada a primeira universidade no Brasil. O ProUni foi uma revolução no ensino brasileiro. Colocou para estudar um milhão e 300 mil pessoas que não teriam condições de entrar para a faculdade se não fosse o programa.

Brasileiros – Ainda há muitas demandas.
Lula – As pessoas querem mais mesmo. É normal. Isso é até dentro da casa da gente. E, depois, tem também o jeito moderno de fazer política. Hoje, eu não preciso ir num comício. Não preciso ouvir um carro de som. Hoje, monta-se uma rede. O que o governo precisa fazer? Tem de se atualizar, ter política de informação por meio de rede também. É um debate cotidiano. Os partidos, os sindicatos têm de se modernizar.

Tenho feito reunião com muita gente. Um pouco com a preocupação de compreender, mas também sem precisar compreender. Quando acontece um negócio desses, fica todo mundo querendo adivinhar o que está por trás. Eu me lembro que na greve de 1978 na Scania também havia a curiosidade de saber quem estava por trás … Eu nunca tinha ouvido falar no Almino Affonso (político que tinha chegado do exílio dois anos antes). Aí, diziam: “É o Almino Affonso que está fazendo a greve”.

Brasileiros – Desta vez o senhor ouviu o quê?
Lula – Ouvi gente chamar de fascista, de não sei das quantas. Vamos supor que nas manifestações tenha um cara de direita, outro de extrema esquerda, mas tem muita gente do povo, que está ali porque entende que também pode gritar.

Brasileiros – E o senhor também está tentando entender as novas mídias, não é verdade?
Lula – Mais do que entender, nós temos de nos preocupar e nos modernizar. O jeito de fazer política está mudando no mundo. Não é no Brasil. É no mundo.

Hoje, as pessoas se comunicam sem pedir licença. Antigamente, na porta de uma empresa, eu tinha de conversar com o segurança para ver se deixavam entrar o carro de som. Hoje, milhares de jovens se comunicam, sentados no sofá (Lula começa a tamborilar na mesa o som de teclas), comendo batatinha. É um negócio fantástico.

Onde isso vai parar no mundo eu não sei. O fato concreto é que a comunicação mudou. E nós temos de evoluir. De qualquer forma, sempre que a sociedade alerta é muito importante prestar atenção. A Dilma agiu rapidamente. No Brasil, o problema do transporte é crônico. Não é um problema de hoje.

Brasileiros – O que mudou?
Lula – A juventude tem outra linguagem hoje. Eu fui conversar com o companheiro Capilé (o produtor cultural Pablo Capilé, do Casa Fora do Eixo). Depois de meia hora de conversa, falei para o Capilé: “Vou ter de arrumar um tradutor para conversar com você”.

A linguagem é nova, mas não temos de reclamar. Temos de trabalhar nesse mesmo campo. Estamos fazendo isso dentro do instituto (Instituto Lula).

Como é que um partido do tamanho do PT não tem estrutura para conversar com essa meninada em tempo real? Não dá para conversar com essa juventude pelos jornais, pelas vias tradicionais. Tudo isso acabou.

Eu vejo lá em casa. Meus filhos não veem televisão, não leem jornal. Eles passam o dia na internet. Tenho um neto de 16 anos que passa o dia conectado. Então, a palavra de ordem agora é: “Vamos nos conectar! Vou me conectar!”.

Brasileiros – Corrupção e reforma política.
Lula– Não sei se haverá grandes mudanças se a reforma política for feita pelos mesmos que hoje estão no Congresso. Quando eu estava na Presidência, cheguei a discutir com a minha equipe política sobre uma Constituinte soberana. Uma Constituinte só para fazer a reforma política. 

Mas não se consegue passar isso no Congresso. Muita gente prefere que fique do jeito que está. É preciso conhecer as perguntas que serão feitas no plebiscito para saber o que mudará de concreto. De qualquer forma, só o debate já é importante. O problema da corrupção também é crônico.Quanto mais se combater, mais ela vai aparecer. E tem duas formas de combater a corrupção.

Brasileiros – Quais?
Lula – Uma delas é alguém denunciar e você ir atrás do denunciado. Outra é ter mecanismos de investigação. Eu me sinto muito à vontade. Posso dizer que nunca antes na história do País um presidente criou tantos mecanismos para investigar como nós criamos. Nenhum país do mundo tem a transparência que o Brasil tem hoje. Se quiserem acompanhar os gastos do governo, as pessoas podem fazer isso pela internet.

Brasileiros – Como?
Lula – É só entrar no site do Ministério do Planejamento. Com a Lei da Transparência, as pessoas acompanham tudo o que quiserem.

Em 2003, quando eu cheguei à Presidência, a Controladoria Geral da União era uma peça de ficção. Depois, virou um órgão de investigação. Grande parte das denúncias surge de nossa própria Controladoria.

A Polícia Federal foi equipada e preparada para investigar. Ou se faz isso ou joga-se para baixo do tapete.

Quando estava na Presidência, cansei de dizer: “Só tem um jeito de as pessoas não serem denunciadas. É serem decentes, honestas”. Se a pessoa roubar, um dia será descoberta. Quanto mais transparência houver, quanto mais debate a gente fizer, mais será importante. Às vezes, é cansativo. Às vezes, é desagradável. Não tem problema nenhum.

O importante é que a gente está a caminho de construir uma nação muito forte democraticamente e mais consciente politicamente. Eu vejo muito os jovens. Muitas vezes, percebo que falta uma coordenação política melhor.

Cansei de fazer discurso nesses últimos dez anos. Foi um ministro do Trabalho da direita, o Júlio Barata que disse: “O trabalhador que está satisfeito com o que tem, não merece o que tem”.

Em minhas palestras, cansei de me dirigir ao jovem que protesta muito, que radicaliza muito. Na hora que o jovem estiver desanimado, na hora que ele achar que não tem nenhum político que preste no mundo, na hora que ele achar que todo mundo é ladrão, em vez de ficar desanimado, ele tem de entrar na política. O político perfeito que ele quer pode estar dentro dele.

Brasileiros – O senhor se enxerga nesses jovens?
Lula – Eu não sou mais jovem. Eu já me enxerguei nesse processo. Por isso, criei um partido político.

Em 1978, quando o Geisel (o ex-presidente Ernesto Geisel) mandou para o Congresso Nacional uma lei criando as categorias essenciais, tentando proibir as categorias de fazer greve, eu fui conversar com os deputados. Quando cheguei lá, percebi: “Peraí, como é que eu quero que esses caras votem numa lei de interesse dos trabalhadores, se não tem trabalhador aqui?”.

É assim. Prefiro que as pessoas descubram a necessidade de fazer política do que neguem a política.

Não há exemplo na história de que a negação da política deu em coisa melhor. Sempre deu em coisa pior. Aí sim, pode-se fortalecer o fascismo, pode-se fortalecer coisas que não queremos. Precisamos fortalecer a política e a democracia. Quanto mais participação, melhor.

Não vejo nenhum problema em o povo ir para a rua dizer o que quer. Na hora que ele disser uma coisa que não é correta, que se discuta com ele. O debate tem de ser livre. A democracia tem de ser respeitada. E vamos tocar o barco.

Brasileiros – O senhor falou em consertação. Até onde vai a sua consertação?Lula – A minha não vai a lugar nenhum porque não sou prefeito, não sou deputado, não sou governador, não sou presidente da República. Estou fora da mesa de negociação. Não sou nem presidente do PT.

Acho que a Dilma deu um passo importante. Ela conversou com amplos setores da sociedade. Conversou com os sindicatos, com os partidos, com os jovens, com o Movimento Passe Livre. E, como a Dilma é muito inteligente, ela certamente vai tomar as medidas que precisa tomar.

Se algum jovem estiver fazendo uma coisa equivocada, é preciso debater com ele, mostrar que ele está equivocado. Se as pessoas querem o passe livre, é necessário dizer quem vai pagar. Alguém tem de pagar.

Brasileiros – A ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina tentou, mas não conseguiu.
Lula – A prefeitura não produz dinheiro, ela arrecada. É o seguinte: na hora de defender o passe livre, tem de dizer quem vai financiar. Quem vai assumir isso? Vai estatizar o transporte?

Brasileiros – Fala-se em sua volta. Onde o senhor vai estar em 2014?
Lula – Eu nem gosto de comentar esse assunto. Faz dois anos e meio que deixei a Presidência da República. Cumpri oito anos de Presidência. Se não fiz tudo, fiz muito do que achava que era preciso fazer. Temos de ter outras pessoas. A Dilma é uma excelente presidenta da República.

Conheço muita gente neste País. Conheço muito político neste País. E conheço pouquíssimas pessoas com a competência da Dilma. Portanto, ela será minha candidata em 2014. E eu serei seu cabo eleitoral. É isso que vai acontecer.

Fonte:
http://www.revistabrasileiros.com.br/2013/07/31/ecos-na-africa/

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Os anos do povo

13/06/2013 - Com este artigo do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, intitulado 'Os anos do povo', Carta Maior segue com a publicação dos textos do livro “10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil – Lula e Dilma”, editado pela Boitempo, em colaboração com Flacso. O livro foi organizado por Emir Sader e contém 21 artigos de balanço, alguns de caráter geral, outros, setorial, além de uma longa entrevista com Lula.

Luiz Gonzaga Belluzzo



    Não farei mágicas na economia”, soava o realejo do presidente Lula em 2002, às vésperas da posse. Em tais arengas, o presidente, ao mesmo tempo, prometia taxas de crescimento formidáveis ao longo do próximo mandato.

O presidente Lula tem lá suas categorias de entendimento da economia (não sei se melhores ou piores do que as mais utilizadas por profissionais da matéria). Uma delas desfia interpretações peculiares sobre as frustrações e fracassos dos anos 1980. Tenho razões para suspeitar: o presidente via aquele período como uma temporada de espetáculos de prestidigitação, inspirados nas proezas de Houdini ou David Copperfield, o entortador de colheres.

É um ponto de vista muito difundido. Mas, na década de 1980, os planos de estabilização nada mais foram do que providências precárias e desesperadas para evitar que o país – devastado pela crise da dívida externa, origem do terremoto fiscal e monetário do início da década – fosse tragado pelo redemoinho da hiperinflação.

Os sucessivos planos de estabilização tentaram, em vão, bloquear a escalada de preços, numa situação de absoluto estrangulamento externo, berço da desordem fiscal e monetária.

Há de ficar registrado que, nos anos 1970 – tempos da grana fácil –, a opinião dita bem informada, ilustrada, mas também a deslustrada, não se cansava de desqualificar os críticos da imprudente aventura empenhada em edificar projetos de infraestrutura (produtores de serviços não comercializáveis) sobre uma montanha de débitos em moeda estrangeira.

Em miúdos: financiaram a construção de estradas, hidrelétricas, metrôs e sistemas de telecomunicações em dólares, mesmo sabendo que as tarifas e os pedágios seriam pagos em moeda nacional. Paul Volker, no crepúsculo de 1979, subiu as taxas de juros nos Estados unidos. O Brasil quebrou. Sobrou para a viúva. Os sábios correram para debaixo da cama.

No início dos anos 1990, quando se anunciava um novo ciclo de liquidez internacional, os sabichões saíram da toca. As classes conservadoras e conversadoras não aprendem e – ao contrário dos Bourbon – tampouco se lembram de coisa alguma.

Diante da pletora de dólares, passaram a salivar com intensidade e patrocinar as visões mais grotescas a respeito das relações entre desenvolvimento econômico, abertura da economia e relações entre política fiscal e monetária.

Aproveitaram a abundância de dólares para matar a inflação, mas permitiram a valorização do câmbio, sob o pretexto de que a liberalização do comércio e dos fluxos financeiros promoveria a alocação eficiente dos recursos, tanto do ponto de vista estático quanto da perspectiva da acumulação de capital.

Nessa visão, os ganhos de produtividade decorrentes de tais mudanças no comportamento empresarial seriam suficientes para dinamizar as exportações, atrair investidores externos e deslanchar um forte ciclo de acumulação. Mas, na vida real, a abertura comercial com câmbio valorizado e juros altos suscitou o desaparecimento de elos das cadeias produtivas na indústria de transformação, com perda de valor agregado gerado no país, decorrente da elevação dos coeficientes de importação em cada uma das cadeias de produção.

Com essa estratégia, o crescimento foi pífio. Ainda assim, os “renovados” cavaram um buraco de mais de 30 bilhões de dólares em conta corrente e erigiram uma dívida interna de 56% do Produto Interno Bruto (PIB) – ao esterilizar a acumulação de reservas com taxas de juros estratosféricas. Last but not least afugentaram para a China o investimento estrangeiro em nova capacidade, ou seja, desdenharam as exportações futuras.

Em 2002, as eleições presidenciais foram realizadas sob um clima de terror especulativo. Os mercados e seus porta-vozes projetaram cenários apavorantes para os quatro anos de governo Lula. O risco Brasil foi a 2.400 pontos base, descolou da pontuação dos outros emergentes. A transição, para surpresa de muitos e decepção de outros, foi feita com habilidade e prudência.

Em 2003 todos auguravam um desastre para a economia, mas o que se observou foi a progressiva aceleração do crescimento da economia brasileira num ambiente de baixa inflação. À sombra de uma política monetária ainda excessivamente conservadora, o país executou uma política fiscal prudente e de acumulação de reservas, construindo defesas sólidas para prevenir os efeitos da crise. Isso foi proporcionado por uma conjuntura internacional excepcionalmente favorável.

Nesse ambiente benfazejo, a política monetária do governo Lula repetiu os enganos dos anos 1990, mantendo a taxa de juros e o câmbio fora do lugar. Criou-se uma situação do tipo “há bens que vêm para o mal”, ou seja, o câmbio valorizado era compensado pelos preços generosos formados num mercado mundial superaquecido e especulado.

A política monetária se constituiu na principal anomalia da gestão econômica do governo Lula. Nas condições aqui descritas, seria não só desejável, mas obrigatório buscar uma combinação câmbio-juro real mais estimulante para a substituição de importações, o avanço das exportações nos segmentos de maior intensidade tecnológica e para o investimento em novos setores, mais dinâmicos.

Uma economia urbano-industrial formada há anos não pode apoiar o crescimento e a estabilidade na exportação de commodities, cujos efeitos sobre o emprego e sobre a renda são limitados. O crescimento da indústria é almejado porque impõe a diversificação produtiva e torna mais densas as relações intrassetoriais e intersetoriais, proporcionando, ao mesmo tempo, ganhos no comércio exterior e na economia doméstica.

Essa façanha exige a elevação da taxa de investimento da economia dos atuais 20 para 25% do PIB.

O Brasil encerrou a década de 1990 com uma regressão da estrutura industrial, ou seja, não acompanhou o avanço e a diferenciação setorial da indústria manufatureira global e, ademais, perdeu competitividade e elos nas cadeias que conservou.

Contrariamente ao afirmado pela vulgata neoliberal a respeito da globalização, o movimento de relocalização manufatureira foi determinado por duas forças complementares e, não raro, conflitantes: o movimento competitivo da grande empresa transnacional para ocupar espaços demográficos de mão de obra abundante e as políticas nacionais dos Estados Soberanos nas áreas receptoras.

O país incorporou 16 milhões de famílias ao mercado de consumo moderno por conta das políticas sociais e de elevação do salário-mínimo que habilitam esses novos cidadãos ao crédito.

Essa incorporação será limitada se não estiver apoiada na ampliação do espaço de criação da renda. nas economias emergentes bem-sucedidas, a ampliação do espaço de criação da renda é fruto da articulação entre as políticas de desenvolvimento da indústria (incluídas a administração do comércio exterior e do movimento de capitais) e o investimento público em infraestrutura.

Esse arranjo, ao promover o crescimento dos salários e dos empregos gera, em sua mútua fecundação, estímulos às atividades complementares e efeitos de encadeamento para trás e para frente.

No Brasil dos anos 1950, 1960 e 1970 havia sinergia – como em qualquer outro país – entre o investimento público, comandado pelas empresas estatais, e o investimento privado. A privatização desmontou essa relação virtuosa. O volume elevado de investimento público em infraestrutura é crucial para formação da taxa de crescimento na China.

O investimento das multinacionais tem importância para a geração de divisas e para a graduação tecnológica das exportações, mas não para o volume do investimento agregado. O debate brasileiro dá a impressão de que os tupiniquins, de um lado e de outro, não fizeram um esforço para compreender a natureza das transformações ocorridas nos últimos trinta anos.

A esquerda continua prisioneira das formas de intervenção do passado e condena as parcerias público-privadas, enquanto a direita aposta num liberalismo mítico, que nunca existiu.

Nos anos 2000, particularmente a partir de 2004, a estrutura e a dinâmica da produção e do comércio globais, originadas pela concomitância entre os movimentos da grande empresa e as políticas nacionais (particularmente as da China), colocou o Brasil, por conta de sua dotação de recursos naturais – água, energia, terras agriculturáveis, base mineral – em posição simultaneamente promissora e perigosa.

Bafejado pela liquidez internacional – antes e depois do estouro da bolha imobiliária – e abalroado pela demanda chinesa de commodities, o Brasil foi condescendente com a ampliação e generalização do déficit comercial, que afetou a maioria dos setores industriais, ao mesmo tempo em que o agronegócio e a mineração sustentavam um superávit global no comércio exterior.

A abundância de divisas teve a larga contribuição do fluxo de capitais – antes e depois da crise financeira. A situação benigna provocou o descuido com a persistência dos fatores que determinaram o encolhimento e a perda de dinamismo da indústria: câmbio valorizado, tarifas caras em termos internacionais dos insumos de uso geral e carga tributária onerosa.

Alguém me perguntou outro dia o que o Brasil pretende do seu desenvolvimento. Respondi com as promessas estratégicas do governo Dilma: o Brasil está em condições de estabelecer uma macroeconomia da reindustrialização usando de forma inteligente as vantagens que se revelaram recentemente.

Não se trata de restringir os esforços na manutenção de um câmbio subvalorizado ou de esperar que a queda dos juros produza automaticamente a recuperação do investimento industrial, mas de desenvolver um conjunto de políticas voltado para o objetivo de expansão do mercado interno sem incorrer nas restrições de balanço de pagamentos. Nessa estratégia não cabe a determinação da taxa de câmbio como um ativo cujo “preço” é formado pelo movimento de capitais.

A taxa de câmbio tem de ser administrada de modo a evitar valorizações e desvalorizações bruscas. No âmago das queixas contra o “intervencionismo” do governo estão os gritos e gemidos dos arbitageurs e especuladores em prol da flutuação livre e das taxas de juros elevadas.

Os megafones da mídia conservadora se incumbem de proclamar, dia sim, dia não, que os investidores internacionais e os fundos globais encolhem suas operações no Brasil. Por isso o governo deve buscar uma ampla negociação com o empresariado brasileiro, aquele interessado no crescimento de seus negócios e de suas empresas.

A estratégia apoiada no mercado interno envolve ademais o equilíbrio do orça- mento corrente e a rápida ampliação do orçamento de investimento, o prosseguimento do processo de inclusão e de distribuição de renda. Mas isso será mais viável se os recursos oriundos do pré-sal forem destinados à correção das distorções da estrutura tributária e para reverter o encarecimento dos insumos fundamentais, além de gerar espaço e demanda para a reindustrialização.

Mais do que uma política industrial, concebida em termos restritos, o Brasil reclama um arranjo que promova a reindustrialização. Esse arranjo deve estar apoiado, como já foi dito, no potencial de seu mercado interno, nas vantagens competitivas do agronegócio e da mineração – agora acrescidas das perspectivas do pré-sal – e no seu sistema público de financiamento.

Vou falar da infraestrutura. Estamos diante de um o binômio transporte/energia que não utiliza racionalmente nossa constelação de recursos e a distribuição espacial das atividades, cada vez mais descentralizada.

Tão ou mais importante do que a modernização da infraestrutura é definir o destino que pretendemos dar ao sistema educacional brasileiro, ao caminho que oferecemos aos cidadãos do ensino básico aos bancos do ensino superior. 

Não se trata apenas de abastecer adequadamente o mercado de trabalho. é importante, sim, formar mais técnicos e engenheiros, carreiras desestimuladas pelo baixo crescimento das últimas décadas. Mas, antes de tudo, trata-se de conter a degradação que está ocorrendo em todos os níveis da educação no Brasil: a especialização precoce, em detrimento da formação cultural mais ampla e mais sólida, capaz de permitir a autonomia e a fruição da liberdade pelo cidadão brasileiro. Pois não se forma um bom engenheiro se o profissional não tem noção do país em que vive, do mundo em que sobrevive.

Na verdade está-se produzindo hoje, desculpe a expressão, uma geração de idiots savants, que se especializam no seu ramo de atividade e não têm a menor noção do mundo onde vivem. Comentei numa entrevista: basta acompanhar o que você lê na internet. é assustador.

Isso demanda maior empenho, sobretudo das camadas “esclarecidas” da sociedade civil, na construção de uma política cultural compatível à democracia de massas.

Assim, a infraestrutura, a educação formal e a política cultural são as três questões fundamentais.

Temos de superar o velho desenvolvimentismo que admitia o avanço social e cultural como consequência natural do desenvolvimento econômico e nos perguntar: que sociedade desejamos?

Os grandes autores brasileiros, os intérpretes do Brasil perscrutaram a história para responder à questão: quem somos nós, os brasileiros? É hora de perguntar: que sociedade queremos?

Quando me refiro a uma política cultural, estou falando de uma integração do indivíduo, dos grupos sociais ao mundo contemporâneo; saber, afinal de contas, quais são os valores que nós queremos preservar. Imagino que sejam os mesmos que a modernidade colocou como um desafio para a nossa ação política: a liberdade, a igualdade e a compreensão.

A que estamos assistindo hoje, desgraçadamente, no mundo inteiro e acho que no Brasil com mais intensidade, é um processo de obscurecimento, e nesse particular tem enorme importância o que nós queremos dos meios de comunicação de massa.

Hoje em dia você tem um grande debate travado em torno da liberdade de expressão. A mídia, a grande mídia, sob a consigna da liberdade de expressão, trata de impedir que se desenvolva o verdadeiro debate sobre o Brasil ou sobre os temas que afligem a humanidade.

Contra esse controle, temos de lutar pela diversidade. Promover a diversidade é uma obrigação das políticas públicas: não deixar que o poder da informação, concentrado em poucas empresas, se transforme em censura da opinião alheia. Porque a internet ainda é uma caixa de ressonância da grande imprensa: os blogs e quejandos, em sua maioria, reproduzem o que a grande imprensa diz, na forma e no conteúdo, porque estão com a consciência crítica danificada.

O projeto da liberdade não pode, como dizia Adorno, se separar da questão da compreensão, do entendimento, da crítica e da capacidade de se formular projetos. E isso está bloqueado hoje, no Brasil, por conta da banalização da vida e da celebração das celebridades. Tudo está sendo feito para que a sociedade se transforme numa massa amorfa que não tem papel nenhum a desempenhar na projeção de seu próprio destino.

Não foram poucas as ocasiões em que o presidente Lula esquivou-se do rótulo “esquerdista radical”. Tratou de escapar ao mesmo tempo da fuzilaria conservadora e dos ataques do esquerdismo. Amparado nos conselhos da história e no respeito aos limites ditados pela correlação de forças interna e internacional, buscou os riscos de uma base de apoio pluriclassista com hegemonia das forças progressistas. Abrigou-se na rubrica de líder sindical, perseguindo a imagem do líder popular negociador, sempre disposto ao compromisso e à mediação.

Imagino que Lula poderia protagonizar um personagem ausente no livro de Slavoj Zizek sobre a atualidade do Manifesto Comunista.

Esse livro trata dos enganos, desenganos, projetos e miopias da esquerda na era do capitalismo neoliberal “financeirizado” e globalizado. Em um dos capítulos, Zizek aborda as ambiguidades e desencontros da luta política dos subalternos, ao interpretar o enredo do filme inglês Os virtuoses.

O diretor do filme levou à tela a narrativa da luta desesperada e inglória de um punhado de mineiros contra o fechamento da mina em que trabalhavam. O grupo de militantes participava também de uma banda, comandada por um maestro-mineiro que, no limiar da derrota política, proclamava: só a música importa.

A consigna era vista pelos mais duros como uma forma simbólica, mas ilusória e alienante, de reafirmar a solidariedade de classe.

A mina tinha perdido a sua função econômica, foi fechada. Nada mais restava para os companheiros desempregados senão a irrealidade da banda, na qual tentavam colocar em prática os valores que tinham perdido a “autenticidade”, isto é, as condições de vida e de trabalho que lhe davam sentido.

No epílogo da triste jornada, um dos personagens reafirma sua pertinência fundamental ao grupo perdedor, seja qual for a forma assumida pelas condições de vida: “se já não há mais esperança, resta tão somente seguir os princípios”.

A banda econômica do governo Lula preferiu apostar no equilíbrio entre a esperança e os princípios, ainda que isso tenha lhe custado a increpação de praticar a Realpolitik, tentando se equilibrar – de forma incoerente para os principistas – entre as ações que buscavam a elevação dos padrões de vida dos mais pobres e as decisões de política econômica que propiciavam os ganhos parrudos aos senhores das finanças e seus acólitos.

Essa façanha, dizem os críticos, foi executada em um ambiente internacional excepcionalmente favorável. Maquiavel, no entanto, já advertia que a virtù do príncipe só poderia frutificar se amparada pela fortuna.

Seja como for, acuado no início do primeiro mandato pelo terrorismo dos mercados, o metalúrgico tratou de não violar partitura que registrava os acordes da prudência, sem abandonar o projeto de ampliação das políticas sociais. Intuitivo, Lula, o sindicalista, construiu uma visão pragmática do desenvolvimento nas sociedades modernas.

Para ele, a política é, sobretudo, mediação entre dois sistemas: as necessidades e aspirações dos cidadãos e os interesses monetários que se realizam através do mercado. Lula parece supor que esse jogo crucial da modernidade deve reconhecer a legitimidade das ações egoístas, observados os limites impostos pelas políticas do Estado destinados a proteger os mais frágeis e dependentes.

A democracia moderna – a dos direitos sociais e econômicos – nasceu e se desenvolveu contra as ilusões de harmonia nas relações econômicas impostas pelo mercado. Desde o século XIX, as lutas sociais e políticas dos subalternos cuidaram de restringir os efeitos da acumulação privada da riqueza sobre a massa de não proprietários e de- pendentes.

O sufrágio universal foi conseguido com muita briga entre final do século XIX e o começo do século XX. Os direitos econômicos e sociais são produtos da luta que transcorre entre o final dos anos 1930 e o final da Segunda Guerra Mundial.

O Estado promotor da inclusão social é uma construção jurídica e institucional erigida a ferro e fogo pelos subalternos. Depois da Segunda Guerra Mundial, sobretudo na Europa, mas também de forma atenuada nos Estados unidos, as forças antifascistas impuseram o reconhecimento dos direitos do cidadão, desde o seu nascimento até a sua morte.

Sacralizaram os direitos individuais para expurgar da vida social qualquer resquício de totalitarismo e afirmaram os direitos econômicos e sociais para evitar que o desamparo das massas se transfigurasse na busca de soluções salvacionistas e decisionistas.

Na periferia do capitalismo, o desenvolvimentismo dos anos 1950 e 1960 imaginou que o crescimento econômico resolveria naturalmente os desequilíbrios sociais e econômicos herdados da sociedade agrário-exportadora e semicolonial. Engano.

O desenvolvimentismo, a despeito do razoável sucesso da industrialização, não conseguiu reduzir as desigualdades. Na esteira de um processo de urbanização acelerada, o desenvolvimentismo transportou as iniquidades do campo para as cidades, onde, até hoje, as mazelas da desigualdade e da violência sobrevivem expostas nas periferias e nos morros.

Não é de espantar que nos países em desenvolvimento tais tendências tenham levado à corrosão das convicções democráticas e republicanas do povaréu. As políticas sociais das últimas décadas ainda não superaram, apenas bloquearam a reprodução desimpedida da velha prática das camadas dominantes: a reiterada violação dos direitos sociais, ainda mal conquistados na letra da Constituição de 1988.

Na sociedade brasileira, ainda é agudo o conflito entre as aspirações dos cidadãos a uma vida decente, segura, economicamente amparada e as condições reais da existência material e moral da grande maioria.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22188&editoria_id=4