terça-feira, 17 de setembro de 2013

Marxismo, ideologia e religião

 10/08/2013 - Por Antonio Ozaí da Silva - em seu Blog do Ozaí

Jean-Pierre Vernant (1914-2007), [foto abaixo, quando jovem] intelectual de formação marxista, jovem comunista da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial e membro do Partido Comunista Francês no pós-guerra, diferencia o “marxismo de Marx”, uma “metodologia crítica indispensável para colocar corretamente questões de história”, do marxismo como “catecismo revisto e corrigido, às vezes censurado, ao qual foi reduzido, primeiro para justificar determinada prática política, em seguida para justificar um sistema de Estado burocratizado e de governo autoritário”.[*]

Este marxismo de catequese, a palavra transformada em dogma, verdade sagrada e absoluta, “aparece como um substituto da religião trazendo a seus 
fiéis certezas e respostas prontas, o que evita que eles pensem em perguntas embaraçosas. Entre os dois, a diferença talvez seja da mesma ordem que entre mito e razão” (p. 56).[1]

O marxismo religioso pressupõe mais do que adesão, exige a conversão, ou seja, a introjeção acrítica da ideologia à maneira religiosa.

Neófitos e prosélitos da fé profana amparam-se em livros elevados à categoria de sagrados, em autores e líderes cujas palavras são inquestionáveis; autoridades que, a exemplo dos profetas, denunciam os males do presente e anunciam a mensagem escatológica do paraíso na terra. 

Eles falam pelos livros, e, em seu nome, estabelece-se cultos e rituais.

Se a religião representa o que há de mais simbólico no homem, o tratamento religioso da ideologia secular implica em desenvolver uma concepção  transcendente da realidade.

A religião consiste em afirmar que, por trás de tudo o que se vê, de tudo o que se faz, de tudo o que se diz, existe outro plano, um além. É o símbolo em ação” (p. 64).

A ideologia, na medida em que assume um caráter escatológico, também se coloca, no plano do simbólico, para uma ação que visa o “além”, um objetivo final que está para além da realidade social vivenciada pelos homens e mulheres concretos do presente.

É o futuro incerto, mas inscrito no pensamento dos que agem como demiurgos do novo mundo.

A ideologia como religião é maniqueísta e messiânica. Estabelece-se diante da idéia de que existe o bem e o mal, e que o mal é encarnado pelo Outro (classe social, grupos, indivíduos, adversários, inocentes úteis que fazem o jogo do inimigo, solapam o bem e alimentam o mal etc.).

complemento deste maniqueísmo é a idéia de que cumprimos uma missão salvadora e libertadora.

Vernant, ao rememorar a sua militância comunista à época da juventude, afirma que, para alguém da sua geração, “ser comunista era pensar que estávamos entrando num período de confrontos decisivos contra as forças do mal. Não era apenas o destino individual que estava em jogo, mas o de toda a humanidade” (p. 468-469).[2]

Esse caráter redentor – “estar aqui pela humanidade” ou por uma classe social cuja missão é redimir a humanidade – revela uma certa fé ingênua. 

Havia de minha parte muita ingenuidade, uma ingenuidade humana e intelectual. Eu vivia nos livros, e acreditava também que as teorias marxistas, as teorias revolucionárias deveriam inscrever-se necessariamente na ação daqueles que as adotavam” (p. 469).

A teoria transforma-se em doutrina justificadora da ação. Se a realidade é incompatível com a doutrina, azar dela.

O fanatismo é outro traço religioso da ideologia. Ele se traduz no “culto ao líder”, na fidelidade cega à liderança e à ideologia encarnada por ela.

É sintomático que, a despeito dos fatos históricos, personagens como Stalin [foto] ainda encontrem defensores e seguidores.

É mais uma das características da ideologia enquanto religiosidade. A fé religiosa não admite a dúvida e, ainda que confrontada com a realidade, mantém-se firme e convicta. O marxismo religioso adota procedimento semelhante.

Como atesta Vernant: “O que foi chamado na época de Kruchev, de 'culto da personalidade’ fazia da pessoa de Stalin no topo do Estado, na URSS, uma entidade com valor propriamente religioso, sacramental, e foi transposto até mesmo para a França – com algumas nuanças” (p. 480).

O culto ao líder foi um dos alicerces do stalinismo, mas a idolatria transcende a figura de Stalin. A ideologia não prescinde do culto aos ídolos, sejam eles quem forem. Não é por acaso que os diversos ismos em que se dividem os 
marxismos originam-se de nomes próprios!

Um dos aspectos vinculados às religiões é o medo. Não é apenas o temor da condenação e tudo o que representa não ser salvo. Paradoxalmente, o crente ama e teme a divindade; aceita e voluntariamente submete-se.

Os sacerdotes, e outros que falam em seu Nome, nos lançarão diante do horror que ameaça consumir o corpo e alma. Em nome Dele, e para evitar o terror das trevas, muitos estão dispostos a fazer cruzadas e combater as 
heresias, nem que seja preciso consumir no fogo corpos e almas.

Ideologias também sacrificam os seus hereges no altar da ortodoxia secular, condenam as ideias exterminando os corpos que as abrigam e, assim,
reproduzem a inquisição em suas formas de tortura e morte.

Se o herege religioso é condenado ao inferno, a heresia política expressa o pecadoideológico imperdoável. Num caso, o terror religioso; no outro, o terror político.

Ambos exigem fidelidade absoluta. Mas é um terror incorporado e legitimado ideologicamente. É ingenuidade, ou desconhecimento, acreditar que regimes políticos se sustentam apenas pela repressão.

A própria massa é usada pelo e para o terror. “Terror das massas significa que as massas são ao mesmo tempo sujeito e objeto desse terror”.

Muitos foram vítimas e o medo se impôs a todos.

Contudo, Vernant [foto] observa que as massas “também foram sujeito desse terror pois, junto com a passividade, era acompanhado por uma espécie de participação, pois os discursos oficiais davam a entender que o inimigo estava em todo lugar, que era preciso proteger-se dele com os procedimentos da 'democracia de massa', ou seja, notadamente, com a denúncia, o que permitia que as massas colaborassem com o terror pendurado sobre suas cabeças.

Esse fenômeno extraordinário do terror interiorizado faz com que os homens da minha geração, na União Soviética, permaneçam marcados por esse medo, medo que fazia com que não pudessem falar, nem mesmo consigo mesmos” (p. 480).

Nestas condições, há espaço para uma relação de cunho religioso entre governante e governados, pensamento e ação. A URSS aparecia aos militantes como uma espécie de Jerusalém sagrada, Meca ou a utopia milenar realizada.

Ela “representava para nós o socialismo realizado e, apesar da contradição nos termos, a utopia encarnada, a utopia que se tornou Estado.

Éramos uma espécie de grupo religioso de tipo milenarista, com tudo o que isso implica em termos de fé, com a diferença de que os novos tempos já haviam chegado” (p. 482). Isto também era encarnado na relação fideísta com o partido.

Via-se este como uma espécie de “contra-sociedade, e eu diria até como família, ou, como seria mais exato, como fraternidade. Era de fato o que sentíamos” (Id.).

Neste contexto, a ideologia marxista assume caráter religioso e irracional: “Não só porque era incrivelmente simplificadora, mas também e principalmente porque excluía todo esforço de reflexão pessoal, toda atitude crítica, toda mobilização da inteligência."

"Era ensinada como uma espécie de credo, uma bíblia à qual era preciso aderir, e essa bíblia tinha poucas relações com a vida concreta dos jovens aos quais se impunha esse castigo. Logo, para eles, a verdade 'científica' e o ensino eram ao mesmo tempo algo muito rasteiro, sem relação com sua realidade, em que deviam acreditar ainda assim como um dogma sem questioná-lo” (p. 498).

O homem é anulado. Só lhe resta submeter-se ou desempenhar um papel religioso em relação ao partido, ao líder.

Fora disso, é o inferno: “Costumo dizer que o sistema totalitário é aquele que faz com um homem sentado no banheiro, na solidão oferecida pela porta fechada e trancada, é tomado pela angústia, pelo terror e por um intenso sentimento de culpa se de repente ocorre-lhe uma idéia subversiva ou insólita.

Em um sistema totalitário, com efeito, aderimos a nosso medo, tornamo-nos lisos, sem nenhum lugar em que possamos nos agarrar e de onde possamos recusar” (p. 508).

Há numerosas formas de expressar e vivenciar a crença ideológica e autoridades a definir qual a leitura ortodoxa sacramentada: “Mas como as formas de ler estabelecidas por essa autoridade eram mutáveis segundo as circunstâncias políticas, os modos de crença podiam variar segundo os indivíduos."

"Conheci bons comunistas, para começar eu mesmo, totalmente incrédulos no campo da ideologia, depois da guerra assim como o foram antes da guerra, mas que, entretanto, permaneciam completamente fiéis no plano político” (p. 510).

Havia os irremediavelmente crentes, os que se recusaram, a despeito de todas as evidências, a abandonar a “igreja”, aqueles cuja crença “ia além do último suspiro” e que desejavam o enterro oficial no seio da “Igreja” (Id.).

A experiência de Jean-Pierre Vernant mostra o quanto, sob determinadas circunstâncias históricas, a ideologia transubstancia-se em religião, ainda que afirme-se ateísta e vincule-se ao mundo profano. O mesmo pode ser observado no relato de Eric J. Hobsbawm. [3]

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[*] Para a reflexão sobre o tema sugiro também a leitura de "O marxismo é religião?", publicado em 19/05/2012; e, "O marxismo é utopia?!", de 06/07/2013.

[1] VERNANT, Jean-Pierre, "Entre Mito e Política", São Paulo: Edusp, 2002. Todas as citações são desta obra.

[2] Sugiro a leitura de HOBSBAWM, Eric J. "Tempos interessantes: uma vida no século XX". São Paulo: Companhia das Letras, 2002, em especial, o significado de “ser comunista” relatado por ele.
Ver "O marxismo é religião?", publicado em 19/05/2012.

[3] Idem.

Fonte:
http://antoniozai.wordpress.com/2013/08/10/marxismo-ideologia-e-religiao/

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Nassif: análise dura do STF e da mídia

15/09/2013 - Nassif faz análise dura do STF e da mídia
- Miguel do Rosário - Tijolaço

O blogueiro Luis Nassif [foto] acaba de publicar uma duríssima análise sobre os arbítrios que marcaram a cobertura do julgamento do mensalão.

Nassif observou que Celso de Mello deverá aceitar os embargos infringentes, mas em seguida tenderá a ser o mais severo dos ministros, num julgamento que, de há muito, perdeu o rumo.

Não há jurista ou advogado, estudante ou doutorado sério deste país que não tenha entendido o julgamento como o exercício abusivo do poder discricionário e da militância partidária.

A mídia, naturalmente, é peça fundamental nesse jogo de pressões para um julgamento político e de exceção.

Trata-se da estratégia Rupert Murdoch (o dono da Fox, canal que ficou conhecido nos EUA por um republicanismo reacionário de caráter histérico).

A estratégia demandava insuflar a classe média, ainda seguidora da mídia, com os mesmos recursos que marcaram grandes e tristes momentos da história, como o macarthismo, o nazi-fascismo europeu dos anos 20 e 30, a Klu Klux Klan nos anos 60."

"Essa estratégia exige uma linguagem virulenta, que bata no intestino do público, e pregadores alucinados, que espalhem o ódio."

"Qualquer espécie de juízo – isto é, da capacidade de separar vícios e virtudes – compromete a estratégia, porque ela se funda na dramaturgia, no maniqueísmo mais primário, na personificação do mal, na luta de extermínio.

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Íntegra do artigo de Nassif

Fonte:
http://tijolaco.com.br/index.php/nassif-faz-analise-dura-do-stf-e-da-midia/

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15/09/2013 - Celso de Mello é a última tentativa de legitimar o enforcamento
- Luis Nassif - GGN-O jornal de todos os Brasis

Não se iludam com Celso de Mello.

Suas atitudes mais prováveis serão:

1.     Votar pela aceitação dos embargos de infringência.

2.     No segundo julgamento, ser o mais severo dos julgadores, fortalecido pelo voto anterior.

A aceitação dos embargos será uma vitória de Pirro.

O resultado mais provável da AP 470 será um segundo julgamento rápido, em torno da tipificação  do crime de formação de quadrilha.

Poderá resultar em condenações um pouco menores, mas não o suficiente para livrar os condenados da prisão.

Com isso, se dará um mínimo de legitimidade às condenações.

Celso de Mello é um garantista circunstancial, apenas a última tentativa de legitimar um poder que perdeu o rumo.

A deslegitimação do STF
Para entender melhor o jogo.

No primeiro julgamento, devido à atuação do grupo dos 5 – Gilmar Mendes, Luiz Fux, Ayres Britto, Joaquim Barbosa e o próprio Celso – o STF foi alvo de críticas generalizadas – embora veladas – do meio jurídico.

Não há jurista ou advogado, estudante de direito ou doutor sério deste país que não tenha entendido o julgamento como o exercício abusivo do poder discricionário.

Apenas uma coisa diferencia Celso de Mello de seus pares.  

Este tentou preservar o mínimo apreço pela liturgia do cargo.

Os demais perderam o pudor, exercem a politicagem mais malandra, típica das assembleias político-estudantis  – como adiar o julgamento para permitir pressão da mídia sobre o voto de desempate de Celso – sem nenhuma estratégia de imagem.

Querem exercer o poder plena e abusivamente.

Não pensam na história, nem sequer na legitimação das sentenças, mas no gozo imediato do poder.

Lembram – em muito – os burgueses da revolução industrial, os texanos barões de petróleo invadindo a Europa, pisando no Louvre de botas, agindo 
sem nenhum apreço pela liturgia do cargo.

Mal comparando, Celso é o juiz do leste que ouve todos os réus, trata civilizada, mas severamente, as partes e, cumprindo os rituais, manda todos 
para a forca, com carrasco oficial seguindo o cerimonial.

Os demais se assemelham ao juiz do velho oeste, de barriga de fora, em um saloon improvisado de sala de julgamento, que interrompe o julgamento no meio, para não perder tempo, e manda enforcar os acusados na árvore mesmo.

São tão truculentos e primários que seguem a truculência primária da mídia, não cedendo em nenhum ponto, pretendendo o aniquilamento total, o extermínio, a vitória em todos os quadrantes, mesmo nas questões menos decisivas.

Tivessem um mínimo de esperteza, aceitariam os embargos, atrasariam por algumas semanas o final do julgamento, e profeririam as mesmas sentenças 
duras mas, agora, legitimadas pela aceitação dos embargos.

Mas são muito primários e arrogantes. 

A deslegitimação do padrão Murdoch
Essa é a perna mais fraca da estratégia de Rupert Murdoch e de sua repetição pelo Truste da Mídia (e pelo cinco do STF), quando decidiu conquistar o espaço político para enfrentar os verdadeiros inimigos – redes sociais – que surgiram no mercado.

A estratégia demandava insuflar a classe média, ainda seguidora da mídia, com os mesmos recursos que marcaram grandes e tristes momentos da história, como o macarthismo, o nazi-fascismo europeu dos anos 20 e 30, a Klu Klux Klan nos anos 60.

Essa estratégia exige uma linguagem virulenta, que bata no intestino do público, e pregadores alucinados, que espalhem o ódio

Qualquer espécie de juízo – isto é, da capacidade de separar vícios e virtudes – compromete a estratégia, porque ela se funda na dramaturgia, no maniqueísmo mais primário, na personificação do mal, na luta de extermínio, no pavor de qualquer mudança no status quo.


Não há espaço para nenhuma forma de grandeza, respeito ao adversário caído, pequenas pausas de dignidade que permitissem dar um mínimo de 
conforto aos seguidores de melhor nível.

Por isso mesmo, nenhuma personalidade de peso ousou aderir a esse novo mercado que se abria.

E ele passou a ser ocupado pelos aventureiros catárticos, despejando impropérios, arrotando poder, mostrando os músculos, ameaçando com o fogo do inferno, todos vergando o mesmo figurino de um Joseph McCarthy e outros personagens que foram jogados no lixo da história.

Guardadas as devidas proporções, foi essa divisão que se viu no Supremo.

A recuperação dos rituais
O universo jurídico ainda é o mais conservador do país, o mais refratário às mudanças políticas e sociais, aos novos atores que surgem na cena pública. Certamente apoiaria maciçamente a condenação dos réus.

Mas o que viam no julgamento?

Do lado dos acusadores, Ministros sem nenhum apreço pela Justiça e pelos rituais, exercitando a agressividade mais tosca (Gilmar), o autoritarismo e deslumbramento mais provinciano (Joaquim), a malandragem mais ostensiva (Fux), a mediocridade fulgurante (Ayres Britto) a hipocrisia sem retoques (Marco Aurélio) [foto].

Do lado contrário, a dignidade de Ricardo Lewandowski, um seguidor das tradições das Arcadas, percorrendo o roteiro que todo juiz admira, mas poucos se arriscam a trilhar: o julgador solitário, enfrentando o mundo, se for o caso, em defesa de suas convicções.

Aí se deu o nó.

Por mais que desejassem a condenação dos “mensaleiros”, para a maior parte dos operadores de direito houve enorme desconforto de se ver na companhia de um Joaquim, um Gilmar, um Ayres Brito e do lado oposto de Lewandowski.

Pelo menos no meio jurídico paulista, ocorreu o que não se imaginava: assim como os petistas são “outsiders” do universo político, os quatro do Supremo tornaram-se “outsiders” do universo jurídico.

E Lewandowski, achincalhado nas ruas, virou – com justiça – alvo da admiração jurídica. 

Além de ser um autêntico filho das Arcadas.

É aí que surge Celso de Mello para devolver a solenidade, remontar os cacos da dignidade perdida da corte, promover a degola dos condenados mas sem atropelar os rituais.

Ele não é melhor que seus companheiros.

Apenas sabe usar adequadamente os talheres, no grande festim que levará os condenados à forca.

Fonte:
http://jornalggn.com.br/noticia/celso-de-mello-e-a-ultima-tentativa-de-legitimar-o-enforcamento

domingo, 15 de setembro de 2013

Luiz Gushiken


Se um dia você quiser saber o que é passar por um massacre midiático, acompanhe a história de Gushiken


Por Paulo Moreira Leite

Conheci Luiz Gushiken quando ele era gordo, tinha cabelos imensos e um bigode de estilo mexicano. Na última vez que nos encontramos, num quarto no Sírio Libanês, pesava menos de quarenta quilos, os cabelos tinham ficado brancos e ralos. Falava com dificuldade mas a mente seguia continuava alerta.

Conversamos sobre a conjuntura. Longe de qualquer atividade política, Gushiken estava preocupado com o resgate da história do Partido dos Trabalhadores e com o esforço dos adversários para esconder os méritos da legenda no progresso da maioria dos brasileiros.

Uma dos alvos das denúncias da Ação Penal 470, Gushiken conseguiu desmontar, uma a uma, as acusações apresentadas contra ele. Chamado a depor na CPMI, foi embora sem deixar pergunta sem resposta. Quando comentei esse desempenho com colegas de trabalho, ouvi uma resposta desoladora: “As pessoas são treinadas para mentir.”

Gushiken foi inteiramente inocentado no julgamento mas só depois de passar sete anos nas páginas de jornais. O professor de um de seus filhos chegou a criticar Gushiken em sala de aula, na frente de todos, enfrentando, mais tarde, a reação firme de Beth, sua mulher.

Se um dia você quiser saber o que é passar por um massacre midiático, acompanhe a história de Gushiken. Ele colecionou episódios que lembram que a falta de regras claras sobre o direito de resposta pouco tem a ver com o direito a liberdade e à dignidade da pessoa humana, mas é um estímulo à covardia e à incompetência.

Publicou-se que uma empresa de consultoria da qual havia sido sócio cresceu mil vezes depois que ele assumiu a Secretaria de Comunicação do Governo Lula. Gushiken provou que os números estavam absurdamente errados e se baseavam em dados falsos, fornecidos por uma prefeitura inimiga, mas a correção jamais foi feita em público.

Toda a acusação sobre seu papel no mensalão teve como base uma entrevista de Henrique Pizzolato, publicada logo no início das denúncias. Levado para depor na CPMI, Pizzolato jamais confirmou a entrevista e disse que jamais dera declarações e que seu depoimento havia sido forjado. Pediu que lhe trouxessem fitas gravadas, que jamais apareceram. Gushiken também foi acusado de ter consumido R$ 3 000 num jantar. Provou que era mentira e ganhou uma indenização por causa disso. Mas a correção jamais foi publicada.

Como Secretário de Comunicação, Gushiken teve atitudes que honram a biografia de um homem público.

No início do governo Lula, quando a TV Globo e demais emissoras encontravam-se em situação falimentar, rondando o Planalto em busca de socorro, Gushiken concordou com a ideia de dar apoio, mas defendia uma proposta que, mesmo rejeitada, ajuda a entender seu pensamento. Já que se pedia recursos que jamais seriam pagos, o Estado brasileiro não poderia prestar serviços gratuitos. Deveria ser recompensado com uma participação acionária nas empresas que fossem beneficiadas.

Gushiken tomou providências para disciplinar uma antiga folia com verbas de publicidade oficial, pela qual estatais negociavam anúncios a preços infinitamente superiores ao mercado, consumindo recursos públicos para subsidiar ganhos privados. Numa intervenção logo no início da gestão, exigiu negociações às claras entre as partes, criando uma mesa comum para dificuldade acertos às escondidas.

Dando início a uma política que seria generalizada e bastante ampliada no segundo mandato de Lula, por Franklin Martins, começou a desconcentrar a publicidade oficial, até então monopolizada por grandes e poucos veículos.

Nascido numa família de imigrantes de Okynawa, ilha que abriga uma das regiões mais pobres do Japão, Gushiken teve pais que venderam pastel em feira. Formado pela Fundação Getúlio Vargas, foi o principal líder dos bancários brasileiros em seu devido tempo. Teve um papel destacado na organização de uma greve nacional da categoria, em 1985.

Militante da Organização Socialista Internacionalista, matriz da tendência estudantil Liberdade e Luta, foi um dos primeiros a compreender corretamente a importância dos sindicatos oficiais, reconhecendo que poderiam servir à luta dos trabalhadores e não deveriam ser encarados como simples escolas de peleguismo e picaretagem – como sustentavam estudiosos ligados a UDN paulista e uma clientela de ultraesquerda que possuía tantos adeptos nos anos 1970 e 1980.

Lutando contra um câncer que levou dois terços do estômago em 2002, Gushiken exibia uma disposição fora do comum. Recebia atendimento médico no Planalto, para não atrapalhar o expediente.

Anos depois, arrastando o equipamento de soro que lhe servia de alimento, uma de suas diversões recentes era brincar com Kika, uma cachorrinha pequena e briguenta. Não podia alimentar-se mas discutia cardápios e receitas.

Essa capacidade de aproveitar cada momento da existência como uma experiência única e preciosa costumava confundir. Levei anos para compreender a gravidade real de sua doença.

Não era possível falar tanto no futuro, dar tantas risadas, se aquele mal fosse tão ruim como ele mesmo dizia. Saíamos para jantar e, enquanto foi possível, não recusava um copo de vinho.

Tratando-se com medicamentos experimentais que lhe permitiram uma vida mais longa do que a maioria dos pacientes, costumava dizer, nos últimos anos: “já estou no lucro.” Falava dos respeito e um certo distanciamento dos hospitais de ponta em que costumava ser tratado. “Aqui você não consegue morrer. Sempre que está ficando muito mal, aparece uma equipe e faz alguma coisa.”

Nas conversas mais recentes, tomava doses frequentes de morfina para aliviar a dor e dizia que estava “descendo a pinguela.”

De volta para casa, após nossa última conversa, enviei para seus filhos o link de uma música que expressa as melhores emoções que essa convivência me ensinou. Estou falando de "We Shall Overcome", uma canção que se transformou num clássico da esperança simples de homens e mulheres que pretendem viver em paz, num mundo fraterno.

Em homenagem a Luiz Gushiken, deixo o link para quem quiser aproveitar um único e precioso momento.

Paulo Moreira Leite

Fonte: http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/09/luiz-gushiken.html

Leia também:http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/09/morre-aos-63-luiz-gushiken.html

Morre, aos 63, Luiz Gushiken

13/09/2013 - Redacao do Portal Brasil 247

Faleceu, nesta sexta-feira, uma das principais lideranças do PT: o ex-ministro Luiz Gushiken, que, no governo Lula, foi responsável pela Secretaria de Comunicação e pelo comando dos fundos de pensão.

247 - Acaba de falecer, em São Paulo, o ex-ministro Luiz Gushiken (leia aqui perfil escrito por Mônica Bergamo).

"Gushiken, você vive eternamente e permanentemente em nossos corações.

Seu exemplo de vida, coragem e luta estará sempre presente, principalmente nesses momentos difíceis em que a gente vive.

Quero abraçar seus familiares, seus amigos, seus companheiros e companheiras, e gritar: Gushiken vive!", postou José Genoino [foto, no velório], em sua página no Facebook.

Leia ainda o texto de Paulo Nogueira, diretor do Diário do Centro do Mundo, sobre uma das principais lideranças do PT, escrito em sua homenagem, poucos dias antes de sua morte.

Fonte:
http://www.brasil247.com/+6d90p

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13/09/2013 - Gushiken, a mídia e a justiça: uma parábola do país que temos
- por Paulo Nogueira (*) - Diário do Centro do Mundo

O que os anos recentes de um dos grandes líderes sindicais das décadas de 1970 e 1980 contam sobre o Brasil de hoje.

Este texto foi escrito 4 dias antes da morte de Luiz Gushiken

Montaigne escreveu que o tamanho do homem se mede na atitude diante da morte, e citava como exemplos Sócrates e Sêneca.

Os dois morreram serenamente consolando os que os amavam. Sócrates foi obrigado a tomar cicuta por um tribunal de Atenas e Sêneca a cortar os
pulsos por ordem de Nero.

Meu pai jamais se queixou em sua agonia, e penso sempre em Montaigne quando me lembro de sua coragem diante da morte, confortando-nos a todos.

Me veio isso ontem à mente ao ler no twitter a notícia de Luís Gushiken morrera aos 63 anos.

Depois desmentiram, mas ficou claro que ele vive seus dias finais num quarto do Sírio Libanês [ao lado com Eduardo Suplicy], com um câncer inexpugnável.

Soube que ele mesmo se ministra a morfina para enfrentar a dor nos momentos em que ela é insuportável, e para evitar assim a sedação.

Li também que ele recebe, serenamente, amigos com os quais fala do passado e discute o presente.

A força na doença demonstrada por Gushiken é a maior demonstração de grandeza moral segundo a lógica de Montaigne, que compartilho.

Não o conheci pessoalmente, mas é um nome forte em minha memória jornalística.

Nos anos 1980, bancário do Banespa, ele foi um dos sindicalistas que fizeram história no Brasil ao lado de personagens como Lula [foto], no ABC.

Eu trabalhava na Veja, então, e como jovem repórter acompanhei a luta épica dos trabalhadores para recuperar parte do muito que lhes havia sido subtraído na ditadura militar.

Os militares haviam simplesmente proibido e reprimido brutalmente greves, a maior arma dos trabalhadores na defesa de seus salários e de sua dignidade. 

Dessa proibição resultou um Brasil abjetamente iníquo, o paraíso do 1%.

Fui, da Veja, para o jornalismo de negócios, na Exame, e me afastei do mundo político em que habitava Gushiken.

Ele acabaria fundando o PT, e teria papel proeminente no primeiro governo Lula, depois de coordenar sua campanha vitoriosa.

Acabaria deixando o governo no fragor das denúncias do Mensalão. E é exatamente esta parte da vida de Gushiken que me parece particularmente instrutiva para entender o Brasil moderno.

Gushiken foi arrolado entre os 40 incriminados do Mensalão. O número, sabe-se hoje, foi cuidadosamente montado para que se pudesse fazer alusões a Ali Babá e os 40 ladrões.

Gushiken foi submetido a todas as acusações possíveis, e os que o conhecem dizem o quanto isso contribuiu para o câncer que o está matando.

Mas logo se comprovou que não havia nada que pudesse comprometê-lo, por mais que desejassem.

Ainda assim, Gushiken só foi declarado inocente formalmente pelo STF depois de muito tempo, bem mais que o justo e o necessário, segundo especialistas.

Num site da comunidade japonesa, li um artigo de um jornalista que dizia, como um samurai, que Gushiken enfim tivera sua “dignidade devolvida”.

Acho bonito, e isso evoca a alma japonesa e sua relação peculiar com a decência, mas discordo em que alguém possa roubar a dignidade de um homem digno com qualquer tipo de patifaria, como ocorreu.

A indignidade estava em quem o acusou falsamente e em quem prolongou o sofrimento jurídico e pessoal de Gushiken.

O episódio conta muito sobre a justiça brasileira, e sobre, especificamente, o processo do Mensalão.

A história há de permitir um julgamento mais calmo, e tenho para mim que o papel do Supremo será visto como uma página de ignomínia.

Gushiken não foi atropelado apenas pela justiça. Veio, com ela, a mídia e, com a mídia, o massacre que conhecemos.

Um caso é exemplar.

Uma nota da seção Radar, da Veja, acusou Gushiken de ter pagado com dinheiro público um jantar com um interlocutor que saiu por mais de 3 000 
reais. A nota descia a detalhes nos vinhos e nos charutos “cubanos”.

Gushiken processou a revista. Ele forneceu evidências – a começar pela nota e por testemunho de um garçom – de que a conta era na verdade um décimo da alegada, que o vinho fora levado de casa, e os charutos eram brasileiros.

Mais uma vez, uma demora enorme na justiça, graças a chicanas jurídicas da Abril.

Em junho passado, Gushiken enfim venceu a causa. A justiça condenou a Veja a pagar uma indenização de 20  mil reais.

O tamanho miserável da indenização se vê pelo seguinte: é uma fração de uma página de publicidade da Veja.

Multas dessa dimensão não coíbem, antes estimulam, leviandades de empresas jornalísticas que faturam na casa dos bilhões.

Não vou entrar no mérito dos leitores enganados, que construíram um perfil imaginário de Gushiken com base em informações como aquela do Radar. 

Também eles deveriam ser indenizados, a rigor.

Gushiken enfrentou, na vida, a ditadura, as lutas sindicais por seus pares modestos, a justiça e a mídia predadora.

Combateu o bom combate.

(*) O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/gushiken-a-midia-e-a-justica-uma-parabola-do-pais-que-temos/

sábado, 14 de setembro de 2013

Companheiro Gushiken, presente!. Agora e sempre!


Nota de pesar pelo falecimento do ex-ministro Luiz Gushiken


“A morte de meu amigo Luiz Gushiken é um momento de dor e de reverência. Dor pela ausência que ele fará para todos os que tiveram a felicidade de conhecê-lo, que puderam compartihar da sua sabedoria e capacidade de pensar como o Brasil poderia ser uma nação mais justa para todos.

Reverência pela serenidade como viveu a vida e enfrentou a morte.

Fundador do PT, deputado federal por três legislaturas, meu colega de ministério no governo Lula, Luiz Gushiken partiu como viveu. Com coragem.

Aos familiares e amigos, deixo as minhas condolências e homenagens a este grande brasileiro”.

Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil


Nota de pesar pelo falecimento de Luiz Gushiken


"Luiz Gushiken foi um militante político brilhante, um conselheiro, um companheiro e um grande amigo. Um homem íntegro que dedicou sua vida à construção de um Brasil mais justo e solidário. No Sindicato dos Bancários de São Paulo, no Partido dos Trabalhadores, na Assembleia Constituinte, no governo e em todos os espaços em que atuou, sempre defendeu a democracia, a classe trabalhadora e um mundo com mais harmonia e justiça social.

Nunca esqueceremos a contribuição generosa de Gushiken para a construção desse Brasil que sonhamos juntos e que sem ele não seria possível.

Neste momento de dor, queremos nos juntar e prestar nossa solidariedade aos seus familiares, amigos e todos aqueles que, como nós, só podem agradecer a Deus ter convivido com uma pessoa tão iluminada quanto Luiz Gushiken.

Nossos mais sinceros sentimentos".

Dona Marisa Letícia e Luiz Inácio Lula da Silva


Luiz Gushiken é brasileiro, filho do fotógrafo e violinista Shoei Gushiken, que emigrou da ilha japonesa de Okinawa para o interior paulista nos anos 60. Passou sua infância na cidade pacata de Oswaldo Cruz, com 20 mil habitantes, a 570 quilômetros de São Paulo. Dono de uma biografia invejável, foi estudante de filosofia, funcionário do Banespa e fez carreira como sindicalista, mas formou-se em administração pela Fundação Getúlio Vargas.

No governo Geisel, Gushiken foi militante da tendência Liberdade e Luta (conhecida como Libelu), braço estudantil da trotskista Organização Socialista Internacionalista (OSI). Luiz Gushiken teve também papel fundamental na presidência do Sindicato dos bancários, na década de 80. Mostrou como um sindicato pode ser atuante e politicamente ativo na defesa de sua categoria. Ele enfrentou a classe mais poderosa de nosso país: os banqueiros. Em 1986, fundou o Partido dos Trabalhadores juntamente com Lula e se tornou presidente do Diretório Nacional do PT de 1988 a 1990.

Foi deputado federal por três legislaturas, de 1987 a 1999, e coordenador das campanhas presidenciais de Lula em 1989 e 1998. Nessas últimas três décadas esteve ao lado do amigo e companheiro de lutas sindicais, Luiz Inácio Lula da Silva, e juntos fundaram o PT e a CUT (Central Única dos Trabalhadores).

Em 2002 foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica da Presidência da República, teve que trocar sua bucólica chácara em Indaiatuba (SP) pelo burocrático gabinete do bloco A da Esplanada dos Ministérios.

Um pouco antes da campanha de 2002, passou por graves problemas de saúde. Um câncer lhe retirou boa parte do estômago, mas Lula não desistiu do amigo e disse: “Eu boto uma enfermeira ao teu lado e acertamos só dois dias de trabalho semanal no comitê”. O guerreiro topou o desafio – e foi fundamental na campanha vitoriosa. Gushiken é um dos signatários da “Carta aos Brasileiros”, documento que acalmou o mercado e lançou as bases de uma serena transição na economia. Ao amigo fiel tece elogios e diz: “Lula sempre foi paz e amor. Um radical não teria construído um partido tão amplo e complexo como o PT”, lembra Gushiken.

Com sua determinação, engajamento, dedicação e, mais que tudo, amor à luta pela classe trabalhadora brasileira, Luiz Gushiken foi peça fundamental nas conquistas sociais e econômicas que o Brasil teve nesses últimos 10 anos.

Sentiremos sua falta.


Dez fatos perturbadores sobre a grande mídia

12/09/2013 - Sophie McAdam - Jornal GGN-O jornal de todos os Brasis

O site True Activist criou uma lista de fatos a respeito da grande mídia de massa internacional, relacionados a casos recentes envolvendo jornalismo e poder.

Confira:

1. Grande mídia só existe para dar lucro
Qual o propósito da grande mídia? 

Dizer que a imprensa existe para informar, educar ou entreter é como dizer que a função principal da Apple é fazer com que a tecnologia possa enriquecer nossas vidas

Na verdade, a indústria de mídia de massa é igual a qualquer outra em uma sociedade capitalista: ela existe para dar lucro.

O MediaLens, site britânico que critica o jornalismo convencional (ou empresarial), afirma que todas as empresas, incluindo aquelas que lidam com a mídia, existem apenas para maximizar o retorno aos acionistas – uma “lei” universalmente aceita como algo divino, uma verdade incontestável.

Sem agradar os acionistas e um conselho de administração, as empresas de mídia de massa simplesmente não existiriam. Assim que você entender isso, nunca mais verá as notícias da mesma forma.

2. Os anunciantes ditam o conteúdo
Como é que a busca do lucro afeta a notícia que consumimos? 

Corporações de mídia obtêm a maior parte - geralmente, em torno de 75% - de seu lucro com publicidade, o que significa que são os próprios anunciantes que ditam o conteúdo, não jornalistas. E certamente não são os consumidores.

Imagine que você é editor de um jornal de sucesso ou de um canal de TV com altos índices de audiência. Você atrai receitas de grandes marcas e corporações multinacionais como a BP, a Monsanto e companhias aéreas dos Emirados Árabes Unidos.

Como poderia, então, lidar com temas importantes, como alterações climáticas, alimentos geneticamente modificados ou desastrosos vazamentos de petróleo de uma forma que fosse honesta com seu público e favorável a seus clientes? A resposta é simples: não pode.

Isso pode explicar porque Andrew Ross Sorkin, do jornal The New York Times – patrocinado pela Goldman Sachs –, é tão interessado em defender a corporação.

Andrew Marr, correspondente político da BBC, resume o dilema em sua autobiografia: “A grande questão é se os limites de publicidade remodelam a agenda de notícias. Eles fazem isso, claro. É difícil fazer as somas somarem quando você está chutando as pessoas que assinam os cheques”.

3. Bilionários magnatas e monopólios de mídia ameaçam jornalismo de verdade
A monopolização da imprensa (pequenos grupos de indivíduos ou organizações que controlam partes crescentes dos meios de comunicação) está crescendo a cada ano, e isso é um grave perigo para a ética e a diversidade.

A política pessoal neoliberal do magnata da mídia Rupert Murdoch [foto ]é repassada por seus 175 jornais e endossada por especialistas (vide Fox News) nos canais de TV que ele possui, 123 deles só nos EUA.

Qualquer pessoa que não esteja preocupada com a visão de mundo desse homem sendo consumida por milhões de pessoas em todo o mundo – dos EUA ao Reino Unido, da Nova Zelândia à Ásia, da Europa à Austrália – não está pensando suficientemente sobre as consequências.

É um monopólio abrangente, que não deixa dúvida de que Murdoch é um dos homens mais poderosos do mundo. Mas, como mostrou o escândalo de escutas telefônicas, ele certamente não é o mais honroso ou ético deles.

Assim como não é Alexander Lebedev, um ex-espião da KGB e político que comprou o jornal britânico The Independent em 2010. Com tanta influência (o oligarca bilionário está envolvido em vários setores, desde bancos de investimentos a companhias aéreas), podemos realmente esperar que a cobertura de notícias dessa publicação, que já foi respeitada, vá continuar na mesma linha? Obviamente que não: o jornal que sempre carregou um banner em sua primeira página declarando-se “livre de preconceitos político-partidários, livre da influência do dono”, curiosamente o abandonou em setembro de 2011.

4. Imprensa corporativa está na cama com o governo
Além do óbvio, um dos fatos mais preocupantes que emergiu do escândalo dos grampos telefônicos de Murdoch foi a exposição de ligações obscuras entre altos funcionários do governo e magnatas da imprensa.

Durante o escândalo, e ao longo do Inquérito Leveson sobre a ética da imprensa britânica (ou a falta dela), ficamos sabendo de encontros secretos, ameaças de Murdoch a políticos que não queriam atender o que ele queria, e que o primeiro-ministro David Cameron [foto] tem uma estreita amizade com o então editor-chefe do Sun, Rebekah Brooks [foto].

Como os jornalistas podem fazer o seu trabalho de manter os políticos prestarem contas quando eles estão de férias juntos ou sentam um ao lado do outro em jantares privados? 

Mas o apoio do governo funciona em ambos os sentidos. Cameron tentou ajudar o filho de Murdoch a vencer uma licitação para a BSkyB, enquanto que, bizarramente, o belicista ex-primeiro-ministro Tony Blair é padrinho de filha de Murdoch, Grace.

Esse apoio bilateral também garante uma tendência esmagadora na cobertura de notícias e campanhas eleitorais, inundando jornais com artigos baratos e fáceis, de fontes governamentais inquestionáveis. Além da ausência de criticas contra quem está no poder.

Essas conexões secretas também são responsáveis por grande parte da futilidade incessante da mídia corporativa ao falso patriotismo, especialmente em períodos que antecedem ataques contra outros países.

Uma interessante análise da cobertura da atual situação na Síria, pelo New York Times, por exemplo, demonstra como os jornalistas estão deixando de refletir sobre o sentimento público a respeito da questão de um ataque em grande escala contra Assad pelos EUA (Estados Unidos) e seus aliados.

5. Histórias importantes são ofuscadas por trivialidades
Você poderia ser perdoado por assumir que a parte mais interessante da situação de Edward Snowden [foto], como denunciante, foi sua viagem de avião de Hong Kong para a Rússia, ou sua longa temporada de espera em um aeroporto de Moscou para alguém – ninguém – oferecer-lhe asilo.

Isso porquê, com a exceção do The Guardian, que publicou os vazamentos, em geral, a mídia tem preferido não se concentrar nas condenatórias revelações de Snowden sobre liberdade e tirania, mas sim sobre trivialidades banais – como sua personalidade e antecedentes, se sua namorada sente falta dele, se ele é realmente um espião chinês, e claro, nos lembrar do desenho “Onde está Wally?” e como ele cruzou o mundo inteiro como um fugitivo.

O mesmo poderia ser dito sobre a mudança de sexo de Bradley Manning que, convenientemente, ofuscou a enorme injustiça de sua sentença.

E o que dizer de Julian Assange? Seu perfil na mundialmente respeitada rede BBC foi dedicado quase que inteiramente a manchar seu caráter, em vez de detalhar os profundos impactos do Wikileaks sobre nossa visão do mundo.

Em todos os casos, as principais histórias são desviadas de nossa atenção, que fica perdida em um mar de curiosidades, e habilmente retiradas dos problemas reais que temos nas mãos: aqueles que, invariavelmente, o governo quer que esqueçamos.

6. A grande mídia não faz perguntas
Verifique suas fontes, cheque os fatos” são regras de ouro do jornalismo, mas você não iria supor que isso é feito a partir da leitura da imprensa ou de canais de TV corporativos.

Neste momento, Obama está batendo os tambores para uma guerra contra a Síria. Após acusações dos EUA e do Reino Unido de que Assad foi o responsável por um ataque químico contra seu próprio povo, no mês passado, a maioria dos grandes jornais, como o New York Times, não exigiu provas do ataque em grande escala.

Mas há várias boas razões para que os jornalistas questionem a história oficial.

Em primeiro lugar, o jornal de extrema-direita britânico The Daily Mail publicou uma notícia, em janeiro deste ano, sobre vazamento de e-mails de uma empresa de armas britânica, mostrando que os EUA estavam planejando um ataque químico contra civis na Síria.

Eles, então, culpariam Assad para obter apoio público para uma posterior invasão em larga escala. O artigo foi rapidamente apagado, mas uma versão em cache ainda existe.

Veja abaixo a carta:


Outra evidência recente atinge o inacreditável.

Verificou-se que os produtos químicos usados para fazer o gás usados no ataque foram enviados do Reino Unido, e a inteligência alemã insiste que Assad não foi o responsável pelo ataque químico.

Enquanto isso, um hacker ativista revelou evidências de envolvimento de agências de inteligência norte-americanas no massacre, que sugerem que houve uma conspiração tramada por potências ocidentais.

Nâo esqueça dos laços da mídia corporativa tanto com grandes empresas como com o governo antes de aceitar o que lhe é dito.

Se o jornalismo está morto, você tem o direito e o dever de fazer suas próprias perguntas.

7. Jornalistas corporativos odeiam jornalistas reais
Michael Grunwald, correspondente do Times, tuitou que não podia esperar para escrever uma reportagem sobre quando um drone matasse Julian Assange.

O escritor David Sirota sublinhou a ironia do fato: “Aqui temos a excitação expressa de um repórter sobre a perspectiva de o governo executar o editor de informações que se tornou a base para algumas das mais importantes informações jornalísticas da última década”.

Sirota passou a notar vários exemplos do que ele chama de “jornalistas contra o clube do Jornalismo”, e cita vários exemplos, como o colunista do The Guardian, Glenn Greenwald, que foi atacado pela imprensa corporativa por causa dos vazamentos feitos por Snowden.

Andrew Ross Sorkin, do New York Times, pediu a prisão de Greenwald, enquanto David Gregory, da NBC, declarou que Greenwald tem “ajudado e instigado Snowden”.

Quanto à questão de saber se os jornalistas podem, de fato, ser francos, Sirota observa precisamente que tudo depende se suas opiniões servem ou desafiam o status quo, e, assim, passam à lista da hipocrisia dos críticos de Greenwald: "Grunwald tem dado opiniões barulhentas que orgulhosamente apoiam os ataques aéreos do governo e de vigilância."

As opiniões de Sorkin promovem os interesses de Wall Street.

David Broder (do The Washington Post) tinha opiniões que sustentavam, entre outras coisas, a agenda comercial do “livre” serviço corporativo do governo.

Bob Woodward (também do Washington Post) tem opiniões de apoio cada vez maiores ao orçamento do Pentágono, que enriquece empreiteiros do setor de defesa.

Jeffrey Goldberg (The Atlantic's) promove o complexo militar-industrial, e geralmente tem opiniões pró-guerra.

Thomas Friedman (New York Times) tem as mesmas opiniões de todos os outros, promovendo o “livre” comércio, por exemplo.

Esas vozes lealmente promovem os pressupostos não declarados que servem às estruturas de poder e que dominam a política americana. Todas as suas opiniões particulares não são sequer tipicamente retratadas como opiniões, pois geralmente representam "objetividade sem polêmicas”.

8. Má notícia vende, boa notícia é censurada, e fofocas de celebridades são questões importantes
É triste mas é verdade: uma má notícia realmente vende mais jornais. Mas por quê?

Será que estamos realmente tão pessimistas? Será que saboreamos o sofrimento dos outros? Estamos secretamente felizes de que algo terrível aconteceu com alguém, que não seja nós?

Lendo a imprensa corporativa como um alienígena em visita à Terra, você poderá achar isso.

Geralmente, a cobertura de notícias é sensacionalista e deprimente como o inferno, com tantas páginas dedicadas a homicídios, estupros e pedofilia, mas nenhuma (ou muito poucas) para as centenas de milhares de boas ações e movimentos incrivelmente inspiradores que ocorrem a cada minuto de cada dia em todo o planeta.

As razões para consumirmos más notícias é perfeitamente lógica.

Em tempos de paz e harmonia, as pessoas simplesmente não sentem a necessidade de educar-se, tanto quanto o fazem em épocas de crise. Essa é uma boa notícia para quem começava a se desesperar com a ideia de que os seres humanos são apáticos, odiosos e mudos.

Poderia-se argumentar que esse fato preocupante e simples é um grande incentivo para a indústria da comunicação social para fazer algo que vale a pena.

Ela poderia começar a oferecer um ângulo positivo e de esperança para uma mudança. Poderia usar períodos obscuros de maior interesse público para transmitir uma mensagem de paz e de justiça. Poderia refletir o desejo da humanidade por soluções e nossas preocupações urgentes com o meio ambiente. Poderia atuar como a voz de uma população mundial que sofreu bastante com violência e mentiras, para fazer campanha voltada à transparência, à igualdade, à liberdade, à verdade e à verdadeira democracia. 

Venderia jornais? Acho que sim. Poderiam até mesmo defender alguns políticos em nome do povo.

Mas, para o futuro próximo, é provável que a imprensa corporativa só venha a desviar nossa atenção com outra foto da bunda da Rihanna, outro rumor sobre os hábitos de Justin Bieber ou outro artigo sobre Kim Kardashian usando saltos altos com os tornozelos inchados durante a gravidez. 

9. Quem controla a linguagem controla a população
Você já leu clássico romance de George Orwell, “1984”? 

Ele tornou-se uma referência-clichê na distopia de hoje, isso é verdade, mas com uma boa razão.

Há muitos, muitos paralelos entre o futuro obscuro e imaginário de Orwell e nossa realidade atual, mas uma parte importante de sua visão se concentra na língua.

Orwell cunhou o termo “novilíngua” para descrever uma versão simplista do idioma inglês com o objetivo de limitar o livre pensamento sobre as questões que desafiam o status quo (criatividade, paz e individualismo, por exemplo).

O conceito de novilíngua inclui o que Orwell chamou de “duplipensar” – como a linguagem é construída de forma ambígua, ou mesmo invertida, para transmitir o oposto do que é verdadeiro.

Em seu livro, o Ministério da Guerra é conhecido como o Ministério do Amor, por exemplo, enquanto o Ministério da Verdade lida com propaganda e entretenimento. Soar familiar?

Outro livro que investiga o tema mais profundamente é “Unspeak”, uma leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada em linguagem e poder e, especificamente, em entender como as palavras são distorcidas para fins políticos.

Termos como “mísseis mantenedores da paz”, “extremistas” e “zonas livres”, as armas sendo referidas como “espólios”, ou eufemismos comerciais enganosos como “enxugamento” para redundâncias e “por do sol” para o extermínio – esses e centenas de outros exemplos demonstram como a linguagem pode ser poderosa.

Em um mundo de crescente monopolização da mídia corporativa, aqueles que exercem o poder podem manipular palavras e, portanto, a reação do público, para incentivar o cumprimento, defender o status quo, ou provocar medo.

10. A liberdade de imprensa não existe mais
A única imprensa que está atualmente livre (pelo menos por enquanto) é a publicação independente, sem anunciantes corporativos, conselho de administração, acionistas ou diretores executivos.

Detalhes de como o Estado redefiniu jornalismo são mencionados no item nº 7, mas o melhor exemplo recente seria o tratamento do governo ao The Guardian sobre a publicação dos vazamentos de Snowden.

É bom ressaltar que é possível que esse jornal jogue conosco, assim como qualquer outro – o Guardian Group não é peixe pequeno, afinal.

Por outro lado deveríamos achar difícil de acreditar que, depois da publicação dos arquivos da NSA, o editor Alan Rusbridge relatou o que foi dito pelas autoridades: “você já teve o seu divertimento, agora devolva os arquivos”; que os funcionários do governo invadiram a redação e destruíram discos rígidos, ou que o parceiro de Greenwald, David Miranda, foi detido por nove horas em um aeroporto de Londres sob a Lei de Terrorismo, e teve apreendidos documentos relacionados com a história contada pelo colunista?

O jornalismo, lamentou Alan Rusbridge, “pode estar enfrentando uma espécie de ameaça existencial”.

Conforme escreveu o âncora da CBS Evening News, Dan Rather: “Temos alguns príncipes e condes hoje, mas certamente eles têm seus equivalentes modernos que buscam gerenciar a notícia, fazer fatos desagradáveis desaparecerem e eleger os representantes que estão a serviço de sua própria agenda econômica e social.

A 'imprensa livre' não é mais um fiscal do poder. Ela foi transformada em parte do próprio aparato de poder”.

Fonte:
http://jornalggn.com.br/noticia/dez-fatos-perturbadores-sobre-a-grande-midia